Curitiba É

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Março 2013 - Número 1

Nesta edição Quem faz a Curitiba moderna, quem chegou primeiro por aqui, quem é o cineasta que raspou no Oscar este ano, quem fez essa ilustração aí em cima, o que celebridades acham da cidade, que lugares elas gostam e indicam, qual é a dos movimentos que tomam conta das ruas, o que significa aquela casa esquisita ali na esquina, como ganhar dinheiro com criatividade, será que ainda somos uma cidade de vanguarda? Curitiba faz 320 anos. Não tem época melhor para discutir assuntos tão presentes numa cidade que se renova a cada dia – embora muitas vezes a gente nem se dê conta disso. Leia e divirta-se.


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Carta do Publisher

Nossa razão de existir

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uritiba completa 320 anos num mo­ mento especial para o Grupo RIC. Temos muito orgulho da capital e do Paraná – são nossa razão de existir. Como um grupo forte e coeso, fazemos parte e contamos as histórias deste estado há mais de um quarto de século. Em 2012, completamos 25 anos de atuação e estamos de fôlego renovado para fazer mais e melhor nos próximos 25! Seja pela televisão, rádio ou internet, contribuí­ mos com o desenvolvimento dos curitiba­ nos e paranaenses com aquilo que fazemos melhor: comunicação de qualidade. Uma área tão rica e instigante na qual o grupo dá agora um passo vigoroso, com a publicação desta CuritibaÉ, que amplia nossa atuação para a área de mídia impressa. Trata-se do início de uma plataforma baseada em revista e com abordagem multimídia (em site e tablets) voltada a temas da cidade. Começamos com esta edição de aniversário; outras virão em Curiti­ ba e em outras cidades paranaenses. Queremos aproveitar um momento em que os olhos se voltam à cidade para mostrar e discutir, de forma independente, transparente, idônea e criativa, assuntos e pontos de vista que dizem respeito ao cotidiano e à vida maior dos cidadãos. Começamos uma caminhada rica e repleta de desafios. Como todo bom início de caminhada, estamos confiantes e cientes das dificuldades. Melhor do que isso, estamos empenhados em fazer benfeito, evoluir e crescer, de forma a sermos cada vez mais uma efetiva caixa de ressonância dos assun­ tos paranaenses. O Paraná será tanto melhor quanto melhores forem suas empresas de comunicação. Pluralidade, independência e honestidade são conceitos fun­ damentais para termos uma cidade e um estado cada vez mais fortes. Pessoalmente, estou certo de que esta nova iniciativa no Paraná trará como resultado uma ligação ainda maior do Grupo RIC com os moradores desta terra. É isso que nos move. Boa leitura.

Leonardo Petrelli Neto Vice-presidente Executivo do Grupo RIC-PR.

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Carta do Editor

Assim é

EXPEDIENTE Presidente Mário Petrelli

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uritiba é muitas coisas. Agora também é uma revista. Esta nova iniciativa do Grupo RIC nasce com uma única pretensão: levar aos curitibanos novos pontos de vista sobre a cidade onde vivem. Não é tarefa para uma edição (não seria mesmo que esta publicação fosse um livro volumoso). Mas é uma forma de abrir caminhos para o que a RIC considera fundamental: falar de e para os curitibanos de uma forma inteligente e inovadora, sendo nossa obrigação proporcionar prazer na leitura. Em jornalismo, poucas coisas são mais estimulantes do que lançar um produto que se quer interessante. Desenvolver ideias, discutir assuntos, encontrar fontes interessantes, escrever boas e novas histórias... A Redação reunida para esta edição tornou o desafio uma tarefa prazerosa. Esperamos que o leitor sinta isso nas páginas que seguem. CuritibaÉ terá cumprido sua primeira missão se o leitor, ao percorrer a cidade, der uma olhada mais atenta para a fachada daquela casa esquisita que fica no caminho do trabalho; se refletir um pouco sobre o que a cidade significa para ele; se cogitar investir num empreendimento criativo; ou – entre várias outras possibilidades – sentir um comichão de querer ver novamente a cidade na vanguarda que a fez famosa no mundo todo. Ou se simplesmente se divertir lendo a revista. Torcemos para que os leitores sintam, enfim, um pouco da curiosidade e do estímulo que moveram esta edição – única em vários sentidos. Um deles é que se trata de uma publicação para o aniversário de 320 anos da cidade. CuritibaÉ estará novamente na sua porta quando for a hora de assoprar 321 velinhas. Ou quando, antes disso, for hora e lugar de botar o olho novamente em alguma coisa bacana da capital. Aproveite a revista; curta a cidade. Oscar Röcker Netto, editor-chefe.

Vice-presidente executivo Leonardo Petrelli Neto Diretor de Conteúdo José Nascimento Diretor Comercial Gilson Bette Diretor Administrativo-financeiro André Luiz Ferreira REVISTA CURITIBAÉ Editor-chefe Oscar Röcker Netto Reportagem Adriano Kotsan, Érika Busani, João Paulo Pimentel, João Pedro de Amorim Jr., Heros Mussi Schwinden e Vinicius Boreki Colaboraram na edição José Nascimento, Luiz Andriolli e Marcos Jorge Fotografia Guilherme Pupo Tratamento de imagem Val Machado, Rodrigo Montanari Bento Projeto gráfico e diagramação Rodrigo Montanari Bento Ilustração da capa Coletivo Mucha Tinta Ilustrações Marco Jacobsen Marketing Michelle Reffo Promoção Maximilian Santos e Vanessa Rodrigues Distribuição Distribuidora Pontual Impressão Posigraf Tiragem 20.000 exemplares Distribuição dirigida

Veja a revista em www.curitibae.com.br ou na versão impressa.

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Rua Amauri Lange Silvério, 450. Pilarzinho – Curitiba – PR CEP 82.120-000 Tel.: (41) 3331-6100 Contato com o editor: (41) 3331-6125 ou oscar.netto@ricsite.com.br


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índice

A vanguarda é simples Soluções que colocaram Curitiba no posto de vanguarda entre as capitais mostram sinais de esgotamento. É possível retomar o caminho das inovações?

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Contra a letargia Saiba como e por que nascem os movimentos que tomam conta das ruas. Cidade efervescente Jovens, descolados e com sede de criar coisas diferentes. Para mim, Curitiba é... Oito personalidades contam que sentimento a cidade lhes inspira.

A casa da vida: conheça as razões de

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“Novos curitibanos” encontram

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clima de boas amizades.

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Quem chegou primeiro

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Potencial criativo A tentativa para crescer numa área que movimenta US$ 3 trilhões.

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Devaneios de caminhante Cinco roteiros para explorar a rica arquitetura da cidade.

quem põe dinheiro em segundo lugar. Antidiscípulos de Dalton

O Oscar está logo ali Um perfil do premiadíssimo cineasta baiano que mora no Sítio Cercado.

O longo caminho até o polo Por que algumas regiões acabam reunindo só um tipo de comércio.

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Daqui não saio

Saiba como os imigrantes pioneiros chegaram até aqui.

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Crônicas Marcos Jorge analisa os principais clichês curitibanos.

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Luiz Andrioli e o combustível de um morador de rua.

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José Nascimento convida para

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um passeio bucólico.

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História em quadrinhos: um sobrevoo do vampiro,

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por Marco Jacobsen.

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Pioneirismo

A vanguarda

é simples Ações que põem a cidade à frente das demais precisam de mais prática e menos rótulo, defende arquiteto Heros Mussi Schwinden

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os últimos 40 anos, o termo “vanguarda” foi muitas vezes associado a Curitiba. Materializadas no transporte coletivo, na coleta seletiva, nos parques lineares e no calçadão da Rua XV, as soluções urbanas dos anos 1970 e 80 viraram referência para outras metrópoles e motivo de orgulho para os curitibanos. Por outro lado, hoje, questões associadas à mobilidade urbana, criminalidade, áreas verdes, zoneamento e coleta de lixo colocam essa visão em xeque: afinal, continuamos na vanguarda? E onde moram as novas vanguardas? Para quem pensa a cidade a vanguarda do terceiro milênio não está apenas em obras que desafiem a engenharia ou em ideias mirabolan-

tes. Voltar a ser referência é possível – e é mais simples do que parece. É o que garante o arquiteto Osvaldo Navaro Alves, um dos responsáveis pela implantação dos principais projetos urbanos que colocaram Curitiba na linha de frente das cidades inovadoras. Sua atuação no Instituto de Planejamento e Pesquisa de Curitiba (Ippuc) começou em 1968, quando Jaime Lerner era presidente da instituição, e continuou por mais de 30 anos. Entre os anos de 1997 e 1999, ele presidiu a instituição. Navaro é categórico ao afirmar que, a despeito das críticas, Curitiba permanece na vanguarda do transporte e da ecologia, algo que pode ser comprovado pelos muitos convites que ele, como consultor do Banco Mundial, recebe para


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apresentar nossas soluções locais em várias partes do mundo. O problema, observa, não está nos projetos, mas em um desejo de reconhecimento. “Querer ser referência só com um slogan como ‘Capital Ecológica’ é pura bobagem. ” Um dos caminhos alternativos é o da valorização e aprimoramento do que já foi feito de valor. “Temos soluções criadas há 40 anos que hoje estão sendo adotadas em outras cidades. Singapura, por exemplo, segue o modelo de preservação de microbacias do Barigui. A cidade de Jacarta, na Indonésia, copiou o nosso sistema de ônibus expresso”, exemplifica. Para Navaro, a receita atual para se viver uma nova vanguarda curitibana passa pela atenção às pequenas soluções, ao dia a dia. A redução do consumo, o uso crescente de tecnologias de circulação, a criação de redes colaborativas e o reaproveitamento de materiais são ingredientes que não podem faltar. Jacus e morcegos Distante do compromisso com o expediente formal, Osvaldo Navaro toca sua aposentadoria pensando e colocando em prática ações que espelham sua visão de mundo e seu conceito de vanguarda urbana. Em 2012, sua residência no Pilarzinho foi oficializada como Reserva Particular do Patrimônio Natural Municipal (RPPNM). Com seis mil metros quadrados de área verde, o “Bosque da Coruja” é a quinta reserva particular a fazer parte de uma iniciativa do poder público municipal que ajuda a preservar nascentes de rios e a vegetação nativa em troca da isen-

Navaro em sua casa protegida pelo patrimônio ambiental: atenção às coisas do dia a dia. ção de 100% do IPTU. E o bosque é, de fato, um exemplo notável, como demonstram os muitos beija-flores, tucanos, jacus, morcegos e pequenos mamíferos que o frequentam ao longo de todo o ano. Navaro, porém, nunca parou de pensar “da casa para fora”. Ele assessora interessados em estabelecer reservas ambientais particulares e circula a pé por bairros para ver as “micro-peculiaridades” da cidade. “A melhor maneira de conhecer os detalhes da cidade é caminhando.” Nada mais vanguardista. Umbigo egoísta A “Curitiba ideal” dos anos 1970 até hoje anima o imaginário dos que viveram os dias de capital modelo. Entretanto, o planejamento urbano parece dar sinais de esgotamento, como se infere ao testemunhar as filas quilométricas nas estações-tubo nos horários de rush. Um dos principais motivos disso, segundo alguns especialistas, é a falta de um projeto que contemple desde o início políticas para a Região Metropolitana. Segundo Maria Tarcisa Silva Bega, doutora em Sociologia e professora do curso de Ciências Sociais da UFPR, o projeto de cidade ideal adotado por Curitiba foi “endopensado”. “A Região Metropolitana

nos lembra todos os dias de que, como qualquer metrópole brasileira, também estamos inseridos em um quadro de desigualdade social. O sistema de transporte, por exemplo, foi pensado quando tínhamos 300 mil habitantes”, observa. Tarcisa reconhece que alguns elementos da vanguarda permanecem, como evitar os viadutos. “A cidade não enfeiou. Não ganhamos em fluidez no trânsito, mas não degradamos as áreas próximas aos viadutos, que é o que acontece nas grandes capitais.” Para a socióloga, as prioridades de Curitiba passam pela resolução do problema do transporte urbano, pelo planejamento integrado com a Região Metropolitana e pela escolha de crescer ou avançar ainda mais para cima dos mananciais de água e áreas de preservação ambiental. “Chegamos a um platô: a partir de agora ou criamos uma nova curva ascendente ou entraremos em queda”, alerta. Tarcisa louva algumas iniciativas civis locais, como os movimentos em prol da bicicleta e a reocupação do espaço público pelo povo. “Talvez esse seja um caminho para devolvermos a Curitiba para as pessoas e criar uma nova vanguarda para a cidade em tempos de democracia”, afirma.


Exemplos que funcionam É possível pensar a vanguarda urbana como a capacidade de enxergar soluções locais nos exemplos de outras cidades, sem, para isso, fazer uma transposição pura de ideias e projetos ou importar “novidades” que colocam em risco a própria sociedade e seus valores. Em outras palavras: com inteligência, sem gastar muito e até sem esperar pelo poder público, é possível colocar a própria cidade – a comunidade, o bairro, as pessoas – na vanguarda. Veja a seguir práticas adotadas em outros países. »Comida » digital Redes sociais digitais como o Facebook movimentam bilhões de postagens todos os dias. Tamanha força, concluíram habitantes de cidades como Berlim e Colônia, na Alemanha, também pode ser empregada para reduzir a fome, aproximar as pessoas fisicamente e fazer com que elas redescubram o valor real dos alimentos. Eles criaram uma rede social voltada à doação ou troca de alimentos, a www.foodsharing.de. Se a comida sobrou, o participante vai ao site e anuncia. A transferência pode ser feita na própria casa do doador ou, se ele preferir, em uma “despensa” do projeto. A grande sacada, aliás, não está só na valorização dos alimentos, mas na aproximação entre pessoas que vivem em uma mesma área da cidade. Algo que,

em um tempo em que as pessoas mal conhecem seus vizinhos, é muito importante. »Jardins » canadenses Quando pensam em vanguarda, urbanistas e ativistas de várias cidades olham para os telhados, terrenos vazios e canteiros públicos, vislumbram o potencial que esses pontos têm de devolver o verde ao cenário urbano e colocam mãos à obra. Um bom exemplo é o Centro de Ecologia Urbana de Montreal, que desde sua fundação, em 1996, propõe soluções para transformar o cenário urbano da segunda maior cidade do Canadá. Desde então, lançou projetos como o dos “telhados verdes”, que ocupa essas áreas dos imóveis com jardins e hortas. Os resultados se fazem sentir na melhora da qualidade do ar, na beleza do cenário e na redução do aquecimento. A solução, aliás, também foi adotada por Buenos Aires, que neste ano deve reduzir em até 20% o imposto predial de imóveis que aderirem aos “jardins suspensos”. Segundo técnicos, o passo inicial para plantar no telhado é aplicar uma camada de PVC, pedras e um sistema hidráulico apropriado – com isso, a estrutura do edifício é preservada. »Parcerias » Cidades de todo o mundo mantêm parcerias e tratados de

irmandade com cidades vizinhas ou de outros países - Curitiba, por exemplo, é irmã de cidades como Assunção (Paraguai), Cracóvia (Polônia), Hangzhou (China), Himeji (Japão) e Orlando (EUA). Muitas vezes, porém, esses contatos estacionam em nível protocolar, impedindo a troca de ideias e de soluções urbanas. As regiões vizinhas de Skåne e Zealand (a primeira, na Suécia; a segunda, na Dinamarca) reuniram forças em 1993 para criar um dos mais ambiciosos projetos de desenvolvimento local da Europa. O Comitê Öresund – nome do estreito que separa as duas áreas – planeja e luta politicamente por soluções legislativas e ações em clima, mercado de trabalho, cultura, eventos, acessibilidade, mobilidade, conhecimento e inovação. A ideia é promover a total integração das duas regiões em todos os segmentos, rompendo a barreira dos limites nacionais e levando qualidade de vida às populações. O que, pelo visto, está dando certo: atualmente, Öresund detém 26% do PIB agregado da Suécia e da Dinamarca e possui a maior concentração de trabalhadores com alto nível educacional do norte da Europa. A meta, até 2020, é ambiciosa – o Comitê quer transformar a região no principal polo europeu de soluções climáticas. Pelo jeito, vai chegar lá!


G uilh e rme Pup o

“O cidadão precisa mudar o discurso individualista da ‘minha rua’, da ‘minha calçada’, e ter um olhar voltado para o coletivo”. Sérgio Póvoa Pires (foto), presidente do Ippuc.

Os desafios da “Sorbonne do Juvevê” Do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) saíram muitas das ideias que, nos anos 1970, colocaram a capital paranaense em evidência. Apelidada de “Sorbonne do Juvevê”, ainda hoje a instituição é associada a projetos de vanguarda. Na última década, porém, o discurso de que a autarquia perdeu “sua inventividade” foi propagado do Ganchinho ao Bigorrilho. A expectativa agora é de retorno a dias mais criativos. O novo presidente do Instituto, o arquiteto e urbanista Sérgio Póvoa Pires, admite que, dentre as muitas “Curitibas”, a mais tranquila já não existe. “Produzimos lixo demais, barulho demais, a

cidade superaquece. Para se criar uma cidade mais inteligente, mais humanizada, precisamos diminuir a velocidade, evitar o desperdício, não ofender o meio ambiente, ter uma cidade mais conectada”, defende. Pires pretende estabelecer uma nova relação com a população por meio de discussões coletivas sobre pequenos temas – como um canteiro de flores em uma travessa no Novo Mundo – e sobre assuntos mais complexos como o metrô. Para ele, não é só o poder público que precisa estar aberto ao debate para alcançar as soluções que melhorem o cotidiano: “O cidadão precisa mudar o discurso individualista da ‘minha rua’, da ‘minha calçada’, e ter um olhar

voltado para o coletivo”, afirma. As apostas para os próximos anos estão na adequação dos equipamentos para que se tornem sustentáveis em energia e uso da água, no ensino de planejamento urbano para crianças, em maiores investimentos em design, na formulação de uma nova política para a preservação de edificações históricas e a na construção do Museu Nacional do Urbanismo. “Funcionará como um laboratório de práticas inovadoras e reunirá entidades técnicas e universidades. Um local para criar uma efervescência em torno do urbanismo e colocar Curitiba novamente como referência”, diz Pires.


Cidade ativa

c ré dito

Contra a letargia Vitaminadas pelas redes sociais, iniciativas da sociedade dão vida à ocupação saudável do espaço público Adriano Kotsan

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os últimos anos, Curitiba viu surgir (ou crescer) uma série de movimentos baseados em iniciativas da sociedade. Vitaminados pelas redes sociais, eventos como o pré-carnaval do Garibaldis&Sacis, os encontros da Praça Espanha, os shows impagáveis da Quadra Cultural e as pedaladas da Bicicletada atraem milhares de participantes. São movimentos que dão vida à cidade, promovem mudanças na ocupação do espaço público – e, eventualmente, geram discussão entre os que não gostam do barulho e os que adoram a festa. Sociólogos, antropólogos e urbanistas veem neles uma reação da sociedade, uma forma de criar

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seu próprio espaço de diversão. De quebra, a reunião de “iguais” reforça o aspecto de segurança entre os participantes e, em alguns casos, estimula a ideia de preservação dos espaços da coletividade – na linha “está sendo usado, precisa ser cuidado”. “As pessoas levam uma vida segregada nas cidades grandes. Muitos moram em prédios e só saem de casa para o trabalho”, analisa Carlos Alberto Balhana, antropólogo cultural e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Há um cansaço muito grande e é preciso criar canais de escape dessa letargia.” A ocupação dos espaços altera a vida na região. Daí que o poder público não pode ficar alheio, até

porque tem de haver um mediador entre os que reclamam e os que participam da festa – os tais interesses difusos da sociedade. E 15 mil pessoas se sacudindo pelas ruas impõem responsabilidades. O sociólogo Ricardo Costa de Oliveira, professor da UFPR, explica que as reações contrárias são normais em sociedades plurais e abertas. “Ninguém agrada todo mundo. Por isso mesmo o poder público deve exercer ações fiscalizadoras, estudar, planejar e escutar as pessoas para definir locais adequados para essas manifestações”, afirma. “Os moradores e comerciantes insatisfeitos também têm o direito de reclamar. O poder público é que deve achar a melhor solução”,


J u lio G arrid o / D iv u lga çã o

Garibaldis&Sacis: desfile do bloco este ano levou cerca de 20 mil pessoas por apresentação para o pré-carnaval no Largo da Ordem.

diz Oliveira. “Os movimentos são saudáveis para a cidade, mas talvez devam ser feitos em locais com estrutura adequada.” Balhana concorda. Para ele, iniciativas inovadoras para muitos são mais importantes que as reclamações – normais e saudáveis, defende – de poucos. “Mas a prefeitura precisa ouvir as pessoas e definir locais apropriados para essas manifestações.” A praça e a rua, enfim, continuam a existir para todos. Mudança Desde a antiguidade, as cidades foram planejadas prevendo espaços de convivência, como praças e parques. Muitas vezes, as pessoas

decidem usar esses espaços de forma diferente daquele originalmente previsto. Normal que, por exemplo, a Boca Maldita e as escadarias do prédio histórico da Universidade Federal do Paraná sejam transformados eventualmente em local de protestos políticos ou movimentos culturais. São as pessoas dizendo como preferem interagir com aquele espaço. “As manifestações mostram demandas da sociedade que estavam reprimidas”, afirma o arquiteto e urbanista Luis Henrique Cavalcanti Fragomeni, mestre em planejamento urbano pela Universidade de Edimburgo e professor da UFPR. “Muitas vezes o poder público é inerte, muito lento para fazer mudanças, e as pes-


Cidade ativa

soas se organizam para usar o espaço público de outra forma.” Em Curitiba, os eventos com público acima de duas mil pessoas precisam passar pela análise da Comissão de Análise de Eventos de Grande Porte (CAJE), da Secretaria Municipal do Urbanismo. A comissão reúne representantes das secretarias municipais do Urbanismo, Finanças, Saúde, Meio Ambiente, Defesa Social, Trânsito, Procuradoria Geral do Município, Urbs, Fun-

dação Cultural e Câmara Municipal de Curitiba. (A análise precisa ser solicitada com no mínimo 45 dias de antecedência.) Há também um gabinete de Gestão Integrada de Segurança Pública, que reúne a Guarda Municipal e a Polícia Militar, entre outros órgãos, e monitora as mobilizações que possam comprometer a segurança. Difícil é que movimentações espontâneas – sem uma organização formal – sigam esses trâmites.

Pedalada coletiva Sete anos atrás, a primeira Bicicletada reuniu meia dúzia de amigos. A iniciativa, realizada em várias cidades do mundo, teve origem em Curitiba num blog na internet criado para discussões entre filósofos, artistas plásticos e sociólogos. Na edição realizada no Dia Mundial Sem Carro (22 de setembro), reuniu cerca de dois mil ciclistas. Cresceu em número e espírito. “A Bicicletada é uma celebração do espaço público da cidade”, diz Fernando Rosenbaum, cofundador do movimento na capital. “Queremos flanar e nos perder, praticar e interagir com a cidade, fazer parte do todo.” Este ano, a Bicicletada volta a ser realizado todas as últimas sexta-feiras do mês, com concentração às 18h30, na Reitoria.

Bicicletada em ação: “É uma celebração do espaço público”, diz Fernando Rosenbaum, um dos fundadores do movimento.

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O réveillon fora de época recente, cujo centro de encontro foi na praça Espanha, reuniu cinco mil jovens na Praça Espanha de um dia para outro. O resultado, claro, muito lixo e reclamação. Neste ano, a segunda edição foi feita no Largo da Ordem, já sob alguns cuidados. O exemplo resume o que ocorre normalmente nesses casos. O evento nasce, cresce, gera reação e se organiza – até que a próxima novidade ocupe outro espaço.

Dan ilo Herek / D iv u lg açã o


G uilh e rm e Pup o

Para encher a praça

Othon Accioly, da associação de comerciantes do Batel, que batizou a região da Praça da Espanha de Soho: atrações permanentes.

Todos os sábados, a Praça da Espanha recebe uma feira de antiguidades e há shows com música ao vivo. Ao longo do ano também são realizadas feiras gastronômicas. A iniciativa apareceu e cresceu pelo trabalho da Associação dos Comerciantes da região do Batel Soho (Ascores), que é como os comerciantes gostam de chamar a região. A associação foi criada no ano de 2007. A ideia era oferecer um circuito de compras, gastronomia e lazer para levar as pessoas à praça. Pegou.“Queremos estimular as pessoas a vir à Praça da Espanha, criar atrativos para despertar o interesse na população”, diz Othon Accioly, um dos fundadores.

O carnaval mexe muito com a cidade O carnaval – ou melhor o pré e o pós carnaval – curitibano é responsável pelas principais mobilizações de Curitiba: o bloco Garibaldis&Sacis e a Zumbi Walk (antes) e a Quadra Cultural (depois). Mais impressionante movimento da cidade, o Garibaldis & Sacis sai sempre nos quatro domingos anteriores ao Carnaval. Começou em 1999, numa reunião de 20 amigos embalados por um megafone. O megafone

foi substituído pela Charanga do Rosinha (um carrinho de supermercado com uma caixa de som dentro), depois por um Fiat Fiorino, uma Belina, uma Kombi, um caminhãozinho e, finalmente, um trio-elétrico – que este ano fez entre 15 mil e 20 mil pessoas, por apresentação, sacolejarem pelo Largo da Ordem. “Uma coisa que prezamos é a preservação do Largo. Ocupamos o espaço público, mas cuidando de tudo”, diz Marcel Cruz, um

dos organizadores e cantor do bloco. As redes sociais – a partir do hoje jurássico Orkut – multiplicaram exponencialmente o número de participantes do evento. “A coisa cresceu de uma forma que foge do controle”, afirma Cruz. A caminhada anti-carnaval Zombie Walk, por sua vez, reuniu cerca de três mil pessoas fantasiadas de mortos-vivos, num passeio entre a Praça Osório e as ruínas do São Francisco.


G uilh e rm e Pup o

Cidade ativa

Show na Quadra Cultural deste ano: sucesso de público e problemas com os vizinhos.

A torto e a direito No primeiro sábado após o carnaval, o empresário Arlindo Ventura, mais conhecido como Magrão, do Torto Bar, promove a Quadra Cultural, criada em 2008. A bem-sucedida iniciativa traz shows de nomes como Jerry Adriani (este ano) e Odair José. Além da música, há feira e bazar com comerciantes do baixo São Francisco, além de brincadeiras para crianças. “A ideia é privilegiar a presença da família, para que todos tenham a sensação de bem-estar e segurança”, afirma Magrão. Este ano, a festa chegou naquele

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estágio de gerar discussão. A Quadra Cultural foi alvo de uma ação no final de fevereiro. O Ministério Público pede a interdição da festa por causa do barulho. O blogueiro Zé Beto saiu em defesa da festa, em seu espaço no site do Jornale: “Na capital da província, o que dá certo tem de ser morto a pauladas. Resta torcer para que o bom senso prevaleça. O espetáculo tem de continuar”, escreveu sobre a ação. Sobre o último espetáculo, de Jerry Adriani: “O povão se divertiu como nunca. De graça.”



Modernidade

Cidade efervescente Com sede de inovação, curitibanos promovem onda de criatividade. Para causar impacto positivo coletivo, grupo não tem receio de dividir experiências Érika Busani

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les são jovens, não têm medo de ousar, buscam prazer no trabalho e geralmente pensam além do seu negócio: querem contribuir de alguma forma com a sociedade, a cultura, o meio ambiente. Novos empresários emprestam uma cara moderna não só aos seus projetos, mas também à cidade. “Há um movimento efervescente, que está emergindo pela força dele mesmo”, afirma Eloi Zanetti, publicitário da velha guarda, especialista em Comunicação e


Marketing e um dos criadores da Escola de Criatividade, organização especializada em criatividade e inovação aplicadas aos negócios. “Existe uma nova cidade acontecendo com esses novos curitibanos – sejam de fora ou gente que saiu da cidade, viu o que está acontecendo nos grandes centros urbanos e, quando volta, tem essa sede de criar coisas diferentes”, completa o relações públicas Jean Sigel, sócio de Zanetti, especialista em Marketing, Turismo e pesquisador

sobre o pensar criativo. Para ele, é uma tendência que veio para ficar e se modificar o tempo todo. “As pessoas estão trabalhando de forma criativa em vários setores.” Uma das características desse pessoal é não ter medo de dividir ideias. “A criatividade hoje é mais coletiva do que individual”, diz Sigel. Coletiva não apenas no sentido de compartilhar sonhos e projetos, mas de pensar o que vai gerar de impacto positivo na vida das pessoas. É buscar realização antes

do dinheiro. “Comprometer-se com uma visão ética e responsável socialmente é um diferencial”, analisa Paulo Chiesa, coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unversidade Federal do Paraná (UFPR). “É uma tomada de atitude, um esforço de estar e ser presente no mundo atual. Há que aplaudir, divulgar e estimular esse tipo de ‘novo empreendedor’.” A seguir, veja alguns exemplos da turma que faz essa nova modernidade em Curitiba.

D ivulga çã o

Cone foi feito por Manu Daher para o ambiente dos arquitetos Marício Pinheiro Lima e Carla Mattioli da Casa Cor Paraná. O tema “Estilo curitibano” ambientou o Café Concerto.


Modernidade

G uilhe rm e Pup o

Vejo flores em você A menina que andava de bicicleta pelas ruas e matas de Morretes sentindo o perfume do jasmim, com uma flor da espécie atrás da orelha, cresceu e fez do entusiasmo pelas flores seu ganha-pão. Lá nos tempos de pés no chão e vento nos cabelos, Manu Daher, 34 anos, não imaginava que um dia as flores, além de encantá-la, seriam a matéria-prima para seu ofício – design floral. Filha da atriz e diretora cênica Jaqueline Daher, Manu teve uma formação voltada para as artes. Seu trabalho terminou por aliar suas duas paixões: a arte e natureza. O primeiro contato da moça com a floricultura aconteceu em Paris, onde morou “para conhecer um pouco o mundo antes de criar

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raízes”. Entre os vários empregos que teve, foi estagiária em uma loja de flores. No ano seguinte, uma exposição de design floral em Boston aguçou os sentidos: “Eram esculturas! Me encontrei”. De volta ao Brasil, foi à luta para colocar em prática a ideia, uma novidade por aqui. “Foi uma turbulência. Eu tinha 20 anos, estava grávida e começando um casamento”, conta. A moça calma e tímida meteu a cara. Começou com pequenos eventos e fornecimento de arranjos florais para hotéis. O negócio cresceu no boca-a-boca, mais rapidamente do que o esperado. “A experiência não era tanta. Tive meus percalços”, diz. Ainda no tempo em que a

palavra reciclar não estava tão na moda assim, ela fazia questão de aproveitar toda a matéria-prima, como os cabos das rosas. Hoje, atende vários tipos de eventos. Há um ano, abriu uma loja para vender ao público em geral. Manu acha que um de seus diferenciais é que sabe fazer, não apenas coordenar a equipe. Mesmo para os grandes eventos, o primeiro arranjo sempre sai de sua cabeça – e não repete ideias de um trabalho para outro. “Assim a vida profissional fica mais divertida. O cliente adora saber que o evento terá a cara dele.” Serviço: Al. Presidente Taunay, 543, Bigorrilho, fone (41) 3222-8334.


QUANDO O JORNALISMO É LEVADO A SÉRIO, A QUALIDADE DA MATÉRIA VIRA NOTÍCIA.

A matéria “Paço da Liberdade” da RICTV Record recebeu os dois principais prêmios da Federação do Comércio do Paraná. Resultado de um jornalismo pautado pela credibilidade e pelo respeito a você, telespectador. Reportagem: Marília Seeling Produção / Edição: Kelson Henrique Edição de imagens: Wagner Antonello Imagens: Luciano Chinasso

Prêmio Fecomércio de Jornalismo 1º LUGAR GERAL 1º LUGAR NA CATEGORIA TELEJORNALISMO


Modernidade

Tudo ao mesmo tempo agora Moda, design, arte, música e gastronomia. Tudo no mesmo espaço. O embrião da Galeria Lúdica foi gestado no Mega Bazar Lúdica, evento realizado na Casa Vermelha, no Largo da Ordem, que contou com oito edições -- de 2007 a 2011. Desde a faculdade de Arquitetura, Débora Mello, 37 anos, já tecia planos para abrir a galeria. Após o sucesso dos bazares, foi atrás de um investidor e inaugurou o espaço multicultural em novembro de 2009. Suas prateleiras, araras e paredes comportavam roupas de marcas conhecidas, muita arte e peças de design. O bistrô era terceirizado. “A recepção foi superbacana, gerou muita mídia espontânea. Mas acredito que, por ser uma loja de rua com peças mais caras, os

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clientes não estavam acostumados a pagar”, conta Débora. A parte gastronômica ficou um tempo fechada, sendo reaberta em 2012. Deu tão certo que mudou tudo. A hamburgueria tomou conta de todo o espaço térreo da galeria, a arte subiu para o primeiro andar e a moda deve ser terceirizada ainda neste ano. “O público encaminhou esse processo.” A hamburgueria atrai gente que frequenta os bares da região, o São Francisco, para a chamada prébalada. “É um ponto de encontro de pessoas que conversam sobre ideias, opiniões. Um papo mais construtivo, não fofoca de bar”, garante a proprietária. Mas a comida também agrada, a se julgar pelo prêmio recebido em menos de um ano de funcionamento, na categoria

comidinhas da Veja Comer e Beber Curitiba. Na seção “arte”, Débora também gosta mostrar o trabalho de gente que ainda não fez exposição. E de criar projetos como o Street Paint Party, uma festa de rua que tenta eliminar a pichação na quadra da Galeria, e o Motion Layers, que está em andamento, grafitando paredes cegas de alguns prédios da cidade, com a devida autorização dos proprietários. “Sempre gostei de projetos complexos. É trabalhoso, toma bastante tempo, mas é prazeroso.” Serviço: Rua Inácio Lustosa, 367, São Francisco, fone (41) 3024-8114. Aberto de quarta a sábado, das 16h à meia-noite, e domingos e feriados, das 16h às 21 horas.


Fo to s: G uilh e rm e Pup o

Beleza de salão Nem parece um salão de beleza. E não é mesmo para parecer. Com suas penteadeiras antigas, seus lustres de cristal, a seleção musical singular e o visual moderno de seus funcionários, o Lolitas Coiffure está mais para uma mistura de casa da avó com reunião de amigos. E, entre uma coisa e outra, saem cortes, penteados e maquiagens. O espaço charmoso foi idealizado pela dupla Michelle e Christopher Kelly. Ela, brasileira, nascida em Cascavel e criada em Curitiba, 32 anos. Ele, inglês, 37 anos. Os dois se conheceram em Londres, onde a espevitada Michelle estudou a arte dos cabelos nos reconhecidos

Toni&Guy e Vidal Sassoon. A efervescência cultural londrina combinava com o espírito inquieto de Michelle. Mas tinha o outro lado. “Como a cidade não para, a gente também não. Chega uma hora que cansa. Aí começamos a formular o Lolitas.” Dois anos depois, abriram aqui a casa que uniu as tesouras de Michelle com os LPs de Christopher, especialista em música que trabalhou com pesquisa e seleção de artistas para as gravadoras Tower Records e Virgin Records. E, por mais que a intenção fosse desacelerar, quem troca meia dúzia de palavras com Michelle percebe que calmaria

não combina com ela. O Lolitas “ancora” diversos projetos paralelos. Um deles é o Festival Ruído nas Ruínas, de shows gratuitos no São Francisco. Derivado do festival, o Ruído Sessions está saindo agora, no TUC, com 20 shows gratuitos, dez bandas e a gravação de um DVD. Chris é DJ na badalada festa Só o Soul Salva. O Lolitas também promove o Palco Lavanderia, tardes com bandas, DJs e bazar de moda, design e arte. Isso tudo porque eles queriam desacelerar. Serviço: Rua Trajano Reis, 115, fone (41) 3224-8115.


G u ilhe rme Pu p o

Modernidade

Ensina-me a viver A moça que não sabia cozinhar e preparou um jantar para o namorado pela primeira vez. O cara feliz porque sua casa vive cheia de gente depois que aprendeu a fazer drinques. A menina que não comia doces há sete anos e se emocionou ao experimentar um mousse de maracujá sem lactose. Histórias despretensiosas como essas enchem de alegria os publicitários Ricardo Dória, 27 anos, e Guilherme Krauss, 26. Por quê? Porque cumprem a missão que eles traçaram para suas profissões: tornar as pessoas mais interessantes para elas mesmas e – de quebra – para os outros. Recém-saídos da faculdade, os amigos tinham bons empregos, mas não estavam completamente satisfeitos. “Queríamos fazer coisas mais legais para a gente e que

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fossem legais também para as pessoas, a cidade, o país, o planeta”, entusiasma-se Ricardo. Passaram a almoçar juntos semanalmente para “buscar ideias malucas”, sem filtros ou preconceitos. Os encontros renderam uma planilha com 50 projetos. Dois deles viraram realidade. O primeiro foi a Aldeia Cowor­ king, um escritório colabo­rativo, onde as pessoas pagam para usar a estrutura necessária aos seus afazeres. Não foi uma coisa, assim, inédita, mas nasceu com um conceito diferente. “Nossa grande sacada foi que as pessoas não estão aqui só para trabalhar, mas para se desenvolver e criar uma rede”, diz. Dois anos depois nascia A Grande Escola. Definida como “a escola das coisas que não se aprendem na escola”, sua função é preparar para “as grandes provas da

vida”. “Na educação formal, o cara é capacitado para ganhar dinheiro, produzir, mas não é preparado para a vida. Nossa ideia é essa: preparar para viver”, explica Guilherme. A criatividade dos cursos começa no nome, como “Culinária sem miojo -- turbine a gororoba”; “TPM -- tempo para mulheres” e “iPhone Life -- saiba como essa belezura pode mudar sua vida”. A escola também ensina a arte da conversa, física quântica para leigos, como transformar sua casa com R$ 500 e receitas sem glúten ou sem lactose. Ou como fotografar momentos legais, fazer drinques e paquerar. Enfim, aquelas dicas que normalmente a gente só consegue com os amigos mais legais. Serviço: Rua José Loureiro, 347, Galeria Suissa, 1º andar, Centro, fone (41) 3018-6003.


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curitibanos

Para mim,

Curitiba

é...

É óbvio, mas é sempre bom lembrar: acima das ruas, casas, prédios, lojas, escolas, empresas, uma cidade é constituída de pessoas. O que dá alma ao lugar são as lembranças, olhares, descobertas de quem vive a cidade. É isso que cria refúgios, reforça ou acaba com clichês, mostra contrastes (bons ou ruins). Curitiba é assim, uma multiplicidade só. Fizemos uma pequena seleção de curitibanos nativos ou adotados para colher algumas percepções sobre a cidade – gente como a premiada atriz Simone Spoladore, Hermeto Pascoal (um dos maiores instrumentistas do mundo) e Marcos Jorge (cineasta que nos oferece uma interessante pensata). Érika Busani

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In ti Brio n e s/ D ivulga çã o

... descoberta: Vale conhecer Teatro Novelas Curitibanas. “A casa foi um bordel no passado, além de outras, a peça O Vampiro e a Polaquinha, adaptação de contos de Dalton Trevisan, ficou anos em cartaz ali, com excelentes atores curitibanos. Eu atuei lá numa adaptação de um romance de Paulo Leminski, Agora é que São Elas.” R. Pres. Carlos Cavalcanti, 1.222, São Francisco Curitiba, fone (41) 3321-3358. Atualmente em cartaz peças do Festival de Teatro de Curitiba.

“Ter 16 anos e sair pelas ruas descobrindo o mundo, de marquise em marquise, de cinema em cinema, de teatro em teatro... Tudo isso para descobrir quem eu era, quem eu sou.” Simone Spoladore, atriz curitibana que vive há 10 anos no Rio de Janeiro. Foi indicada ao prêmio Shell pela sua atuação na peça Depois da Queda, na qual interpreta uma personagem inspirada em Marilyn Monroe. Estrela da novela Balacobaco (Record).


J o ã o J ulio M e llo / D ivulga çã o

curitibanos

Vale conhecer

...essência:

“Meu repertório, meu vocabulário e muito do melhor da minha memória.” Guilherme Weber, ator, diretor e produtor curitibano, vive no Rio de Janeiro há sete anos. Vencedor do Prêmio da Associação dos Críticos de Arte de São Paulo por dois anos consecutivos, como melhor ator de teatro por Educação Sentimental do Vampiro, baseado nos contos de Dalton Trevisan, e melhor ator de televisão pela minisérie Queridos Amigos.

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Teatro Guaíra. “Era este o templo que incendiava minha imaginação e desejo quando eu era garoto. Suas três salas foram significativas para mim. Na sala grande lembro de ter visto espetáculos de fora que me marcaram para sempre, Denise Stoklos fazendo Mary Stuart, Fernanda Montenegro em Dona Doida e tanto Paulo Autran. No Guairinha o auge do Teatro de Comédia do Paraná, grandes montagens do teatro paranaense, New York, da obra de Will Eisner dirigida por Edson Bueno, a antológica montagem de Bruxas de Salém, de Marcelo Marchioro, e Mistérios de Curitiba, do Ademar Guerra. No Mini Guaíra tanto teatro underground e Grato Maria Bueno, linda montagem de Raul Cruz. Rua XV de Novembro, 971, Centro, fones (41) 3304-7900 e 3304-7999.


“Uma cidade ótima pra se viver. O povo é maravilhoso.” Hermeto Pascoal, compositor arranjador e multi-instrumentista alagoano, mora em Curitiba desde 2003.

Vale conhecer Zoológico. “Sinto que os animais são bem tratados e há um bom espaço para andar.” Parque Iguaçu. Acesso pelo Jardim Paranaense ou pela Via Intercavas, Alto Boqueirão. Visitas de terça a domingo, das 9 às 17 horas, fone (41) 3378-1221. Grátis. A Pamphylia, Itália Grill e Batel Grill. “Adoro comida feita com bom gosto e bem variada.” A Pamphylia, Avenida Batel, 1.733, Batel, fone (41) 3342-7055. Itália Grill, Rua Marechal Deodoro, 630, Shopping Itália, fone (41) 3015-7071, site www.italiagrill.com.br. Batel Grill, Avenida Nossa Senhora Aparecida, 78, fone (41) 3342-8101, site www.batelgrill.com.br.

G uilh e rm e Pup o

... um bom lugar:


Re n a ta Ch e b e l / D ivulga çã o

curitibanos

Vale conhecer Rause Café + Vinho. “Um lugar superconfortável, com ótimas comidinhas e cafés.” Alameda Dr. Carlos de Carvalho, 696, Centro. Aberto de segunda a sexta-feira, das 9h às 23 horas; e sábados, das 12h às 18 horas. Le Voleur de Vélo. “Drinques incríveis!” Rua Presidente Taunay, 543, loja 1, Bigorrilho, fone (41) 3079-6750.

... porto seguro:

“A cidade onde eu vivi a minha vida toda. Nesse momento em que estou morando em São Paulo, é para onde eu fujo.” Cacá V, vocalista do Copacabana Club. Curitibana, mora em São Paulo há seis meses.

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Vale conhecer Museu Oscar Niemeyer: “Curitiba ganhou muito com a criação do museu. O comitê artístico tem acertado na escolha de exposições de grande qualidade e diversidade.” Rua Marechal Hermes, 999, Centro Cívico, fone (41) 3350-4400. Aberto de terça a domingo, das 10h às 18 horas. Entrada R$ 6. Site www.museuoscarniemeyer.org.br Tienda Café: “É onde reúno os amigos nas minhas passagens pela cidade. É lá também que faço minhas reuniões de trabalho.” Rua Fernando Simas, 27, Bigorrilho, fone (41) 3027-5251.

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M a r ta Xavie r / D ivulga çã o

curitibanos

... preocupação:

“Uma cidade tranquila, mas que está se desumanizando com uma expansão urbana que se afasta cada vez mais daquele slogan de cidade ecológica que tanto marcou os anos 90.” Cristianne Rodrigues, curadora de exposições fotográficas curitibana, vive em Paris há sete anos. É diretora do FotoRio na Europa, onde sua missão é levar exposições europeias para o Rio de Janeiro e mostrar a fotografia brasileira na França.


Brun e l G a lh e go / D ivulga çã o

Vale conhecer Viagem de trem a Morretes. “Sempre gosto de mostrar para as pessoas como o passeio é lindo. O charme e a nostalgia do trem, a beleza das montanhas e da vegetação, o cheirinho de orvalho.” Serra Verde Express, http://serraverdeexpress. com.br, fone (41) 3888-3488. Saídas diárias, às 8h15. Tarifas a partir de R$ 57 (ida) e R$ 40 (volta).

... estímulo:

“Uma montanha-russa. A mesma relação bipolar que tenho com as pessoas que amo, tenho com a cidade. Amava odiar Curitiba. Agora, mais madura, não canso de falar para as pessoas: ‘Olha, você viu que lindo aquilo?’. Em Curitiba, o estímulo visual é constante e agrada! Perto da casa da minha mãe as lixeiras são pintadas com tulipas; é lindo e delicado. Contrariando um pouco a fama de que os curitibanos são ‘fechados’, já recebi mais de uma vez um simpático e delicado ‘bom dia’ de desconhecidos nas ruas.” Fabiana Gomes, única maquiadora sênior da M.A.C no Brasil (marca internacional de cosméticos, que atende mais 200 estilistas de moda no mundo.) Curitibana, mora em São Paulo há 16 anos.


Igo r Wie m e r s / D ivulga çã o

curitibanos

... aconchego:

“Meu refúgio, minha cidade do coração. Perambulei muito pelo mundo e toda hora de voltar à cidade natal ficava ansioso. Esta cidade me completa.”

Pista do Gaúcho. “É a primeira pista de Curitiba, foi reformada há pouco tempo, está perfeita para andar de skate. E tem o sorvetinho muito popular ao lado dela. “ Praça do Redentor, entre as ruas Nilo Peçanha, Trajano Reis e Desembargador Benvindo Valente, São Francisco. Não fecha. Gratuito. Sorvetes Gaúcho, Praça do Redentor, 13. Aberto diariamente das 12h30 às 19h (ou mais, se estiver calor), fone (41) 3223-5054.

Ca rol Parola / D iv u lg ação

Rodil de Araújo Jr., o Ferrugem, curitibano bicampeão mundial de street skate profissional, 7 vezes medalhista de ouro dos X-Games, 12 vezes campeão brasileiro profissional de street skate e 2 vezes campeão americano de street skate profissinal.

Vale conhecer

Vale conhecer Bar do Pachá. “O ambiente é maravilhoso, com gente bonita e inteligente. A comida é deliciosa e o atendimento caloroso.” Rua Cláudio Manoel da Costa, 548, Bom Retiro, fone (41) 3044-4480. Parque Bacacheri. “É um dos lugares mais charmosos de Curitiba.” Rua Paulo Nadolny, s/n°, Bacacheri.

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... paixão:

“Diferente do resto do país. Hoje é a minha casa. Sou apaixonado pela cidade, as pessoas, o estilo de vida. Gosto muito do frio, da cultura do curitibano. É Gotham City: fria, cinza, tem magia, mistério, charme. Sou fã.” Guilherme Lopes, ator e dublador. Faz a voz de Laurence Fishburne, o Morpheus de Matrix, e do personagem Plankton, do desenho Bob Esponja, entre várias outras. Paulistano, “namora” com Curitiba há mais de 30 anos.



pensata | Marcos Jorge

O sentido da vina

C

uritiba é – sempre ouvi e várias vezes repeti – provinciana, fria, ecológica, modelo, europeia, sisuda. Seus habitantes são desconfiados e antipáticos, vampiros, odeiam-se entre si e alimentam-se de pinhões, pierogis e vinas... E por aí vai. Minha curitibana desconfiança, no entanto, sempre me levou a perguntar: será? Provinciana? Morei em Curitiba boa parte de minha vida, mas cerca de um terço dela passei em outras cidades. E na maior parte delas ouvi queixas dos moradores quanto ao “provincianismo” reinante. Mesmo em São Paulo, nossa maior metrópole, percebo um provincianismo mal disfarçado. Curitiba é provinciana em muitos aspectos, mas isso não a caracteriza; pelo contrário, a torna semelhante à imensa maioria das grandes cidades. Fria? Curitiba talvez seja, estatisticamente, a capital mais fria do Brasil, mas faz muitos anos que não vejo, como na minha infância, a geada cobrir os tetos das casas nas manhãs de junho. O aquecimento global já está fazendo de Curitiba uma cidade quente, mas ainda gostamos de reclamar daqueles poucos dias frios que nos restaram. Ecológica? Separamos o lixo, é verdade, mas sabemos para onde ele vai? Cultivo o hábito de caminhar quase todos os dias por algum parque curitibano e, por mais que me esforce, não consigo achar “ecológico” o estado dos rios que os atravessam. Cidade-modelo? Em Curitiba e Região Metropolitana acontecem, em média, cinco assassinatos violentos por dia. Precisa comentar? Europeia? Algum tempo atrás recebi a visita de um amigo italiano,

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que passou três meses em Curitiba trabalhando num de meus filmes. Bem informado e viajado, não cansava de me repetir como Curitiba lhe parecia uma cidade “americana”, e como estava feliz em estar aqui no “novo mundo”. Sisuda? Curitiba é hoje um criadouro incrível de comediantes, que se exercitam em dezenas de bares, apresentando diariamente espetáculos de stand up comedy. Comediantes que, inclusive, se espalham pelo Brasil inteiro. E por aí iríamos, se fôssemos olhar de perto, desconfiados, cada um dos clichês que “caracterizam” nossa cidade. Aliás, acho que outra das características do curitibano é gostar de olhar as coisas de perto. E, se de perto ninguém é normal – desculpem-me por mais este clichê –, de perto ninguém é perfeito. É por isso que o curitibano gosta tanto de falar mal da sua cidade. Uma cidade não tem uma forma fixa, muda o tempo inteiro. E Curitiba mudou muito nas últimas décadas. Quando constato que os velhos clichês não dão mais conta de descrevê-la, penso que está mais do que na hora de forjar novos clichês. E isso é tarefa de todos, especialmente dos artistas. Porque são eles que acabam sintetizando e eternizando, em suas obras, a alma de uma cidade. Meu desejo é que intensifiquemos, artistas curitibanos nativos ou adotivos, nossos esforços para revelar e inovar a identidade de nossa cidade. Até mesmo porque hoje constatei, surpreendido, que meu filho de 10 anos – embora nascido em São Paulo, é o mais entusiasta curitibano que conheço – não tem bem claro o que é uma vina!

Marcos Jorge, diretor e roteirista de filmes. Diretor de Estômago, que arrebatou 39 prêmios, 16 deles internacionais, e foi o filme brasileiro mais premiado do biênio 2008-2009.

Vilma S lomp / D iv u lg ação


um selo com 1 milhão e 700 mil versões.

Por José Aguiar

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cinema

G uilh e rm e Pup o

O Oscar está logo ali

Aly Muritiba saiu do interior baiano para se firmar “cineasta curitibano” recheado de prêmios internacionais Érika Busani

A

ly Muritiba levou menos de uma hora para escrever o roteiro que lhe rendeu uma pré-indicação a melhor filme de curta-metragem do Oscar 2013. Era uma tarde fria de agosto de 2010. A professora do curso de Cinema e Vídeo da Faculdade de Artes do Paraná (FAP) passou uma tarefa daquelas “façam agora”. Sentado numa mesa perto da cantina, ele elaborou a base do curta-metragem A Fábrica. Muritiba ficou de fora da seleção final do mais badalado prêmio do cinema internacional – aquele visto

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por 1 bilhão de pessoas no mundo. Mas fincou seu nome no circuito da sétima arte. Sorte de principiante? Passa longe disso. Muritiba não é exatamente um principiante e sempre ralou muito. “Nunca tive nada de mão beijada. E, se tivesse, talvez não aceitasse”, garante. Para entender a ascensão do promissor diretor é preciso voltar 33 anos no tempo e dar uma parada no sertão da Bahia, mais precisamente na pequena Mairi, que hoje tem 19 mil habitantes. Filho do meio de um caminhoneiro e de uma dona de

casa, Alysson – o nome de batismo – lembra-se pouco da infância. “Tenho a impressão de que as coisas que lembro eu mesmo criei, para preencher uma lacuna.” Mais introspectivo dos irmãos, gostava de ficar em casa lendo. Devorava o que lhe caísse nas mãos: das tramas infantojuvenis da coleção Vaga-Lume aos best-sellers de Sidney Sheldon e Paulo Coelho. “Não me envergonho disso não, faz parte da minha infância”, diz ele. Mas não daria para o meu filho ler essas coisas hoje.”


Itinerantes Mairi não tinha (e não tem) cinema. O terreno colado à casa dos Muritiba, no entanto, recebia todos os circos, parques e cinemas itinerantes que passavam pela cidade. A família fornecia água para os mambembes; em troca, os meninos assistiam aos filmes e espetáculos de graça. Não, não foi embaixo da lona abafada vendo golpes de Bruce Lee e trocas de tiro dos westerns que surgiu o Aly-cineasta. “Aconteceu por acaso”, resume. Ele queria mesmo era ser cantor de rock.

Vieram os anos de formação. “Como todo retirante nordestino”, Aly foi tentar a sorte em São Paulo. Passou por vários empregos até encontrar um que lhe permitisse pagar cursinho e tentar entrar numa universidade pública. A trajetória rumo à telona começou na forma de bilheteiro na Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), o que lhe permitiu bancar os estudos. Entrou na faculdade de História da USP (Universidade de São Paulo), onde conheceu a mulher. Após concluir o doutorado em biologia,

Ana Lúcia quis voltar para Curitiba. Casado, com Daniel (atualmente com 10 anos) no colo, o baiano arrumava as malas para um destino incerto, mais ao Sul do que imaginara. Corria o ano de 2006. Crash havia tirado a estatueta de melhor filme do favoritíssimo O Segredo de Brokeback Mountain. O Oscar era para ele o que é para a maioria dos mortais: uma coisa bem distante. Desempregado, Muritiba viu na tevê a propaganda de um novo curso da FAP: Cinema e Vídeo. Prestou vesti-


cinema

Cena de Circular, longa feito em esquema de direção colaborativa de Aly e mais quatro companheiros. No filme, cinco histórias se cruzam dentro de um ônibus.

bular, mais empenhado em ocupar o tempo do que qualquer outra coisa. Na primeira tentativa, não passou. Na segunda, perdeu hora da prova. Na terceira, foi aprovado. Decidiu seguir carreira. Desde então, a vida profissional evoluiu muito rapidamente. Seu primeiro curta, Convergências, saiu já no segundo semestre de estudos, em

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2008. A faculdade (não concluída) ficou para trás e a produção cresceu: sete curtas, um longa (em codireção) e um documentário – todos produzidos pela Grafo Audiovisual, que montou com os sócios Antônio Junior e Marisa Merlo. O Homem que Matou a Minha Amada Morta nem começou a ser filmado ainda, mas o projeto já ganhou

três importantes prêmios na área de produção (na Espanha, Equador e no Paraná). Com as Próprias Mãos rodou mais de 50 festivais, ganhou 17 prêmios e foi exibido no canal de televisão paga AXN. Trajetória de tremendo sucesso entre seus pares. Um amigo, seu ex-professor, alertou: “Vai ser difícil você superar isso”. Em dois meses, veio A Fábrica.


Fo to s: Ro sa n o M a uro J r. / D ivulga çã o

Reminescências, curta de 2010 escrito e dirigido por Aly, traz fragmentos de busca ao passado.

Temática Muritiba trabalha temas recorrentes, embora faça isso de forma não-proposital. “Todos os meus filmes falam, em alguma medida, das relações entre pais e filhos”. Alguma explicação? “Talvez por causa da infância que eu esqueci.” O que ele faz de forma deliberada é falar de coisas com que vive.

“Meus filmes têm muito da minha bagagem”, diz ele. “São comprometidos com a classe C, D, E, com o nordestino, com o cara que vive no Sítio Cercado ou que está preso ou é o guarda da prisão...”. Muritiba vive com a mulher e os dois filhos (Daniel e Natália, 5) no bairro da zona sul curitibana. Joga

videogame e jogos de tabuleiros com as crianças. “É tudo normal. Não há o menor glamour nessa vida de cineasta.” A Fábrica ganhou o primeiro aceno do glamour do Oscar. As 10 ou 12 horas que dedica por dia à sua produtora pode muito bem estar criando outras saudações. É trabalhar para ver.


cinema

Do Ahú para o mundo Toda a tensão envolvendo uma mãe que vai traficar um celular para o filho na prisão e o que filho fará com o dito aparelho. O argumento da história que Aly Muritiba botou no papel durante uma tarefa da faculdade teve origem nos anos em que trabalhou como agente penitenciário, “para sobreviver”. Experiência e criatividade que geraram 15 minutos poderosos. Filmado no presídio desativado do Ahú, A Fábrica conquistou 60 prêmios em festivais de cinema ao redor do mundo. Foi, no entanto, a partir da indicação para o Oscar que ganhou visibilidade nacional. “Se fosse um filme rodado em São Paulo ou no Rio por um diretor ou produtor de lá, estaria na mídia há muito mais tempo”, afirma. “O fato é que nós estamos no Paraná e eles fazem questão de nos ignorar.” O curta ficou entre os 11 pré-selecionados da categoria no Oscar. Não entrou na seleção dos cinco finalistas, que comparecem para a festa maior de entrega das estatuetas (na categoria de curtametragem, quem levou este ano foi o diretor Shaw Christensen, com Curfew). Mas foi o suficiente para Aly Muritiba ver crescerem os holofotes sobre seu trabalho.

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Filmografia Circular, longa-metragem, ficção, 2011 - direção e roteiro. A Fábrica, curta-metragem, ficção, 2011 - direção e roteiro. S B X, curta-metragem, ficção, 2011 - direção e roteiro. Dia 1 p.m., curta-metragem, documentário, 2010 - direção, fotografia, som e roteiro. Reminiscências, curta-metragem, ficção, 2010 - direção e roteiro.

A Revolta, telefilme, documentário, 2009 - direção e roteiro. Com as Próprias Mãos, curta-metragem, 2008 - direção e roteiro. Poemas Inúteis, curta-metragem, documentário, 2008 - direção, montagem e roteiro. Convergências, curta-metragem, ficção, 2007 - direção e roteiro.


Fo to s: Ro sa n o M a uro J r. / D ivulga çã o

Principais prêmios de A Fábrica »» Melhor curta-metragem no World Wide Short Films 2012 (Toronto, Canada). »» Melhor curta-metragem no 52º Festival Internacioanal de Cartagena das Indias (Colômbia). »» Melhor Direção de um curta-metragem no 52º Festival Internacional de Cartagena das Indias (Colômbia). »» Menção Especial do Júri no 34th Festival de curtasmetragem de ClermonFerrand (França).

Eloina Ferreira, atriz de A Fábrica: narrativa forte sobre uma mãe que tenta ajudar filho preso. Filme ficou entre os pré-finalistas do Oscar.

»» Melhor filme pelo Júri Popular, melhor roteiro e melhor atriz no 44º Festival de Brasília. »» Melhor filme no Lago Film Festival (Itália). »» Melhor curta-metragem no 14º Encontros do Cinema Sulamericano de Marselha (Marselha, França).

Serviço: Alguns dos filmes podem ser vistos no site www.vimeo.com/grafoaudiovisual

»» Melhor curta-metragem Internacional do 8º Festival Internacional Cine Rengo (Chile).


Produção

Opção pela economia

criativa

Cidade pretende estimular setor que movimenta US$ 3 trilhões no mundo e depende de boa plataforma digital para se desenvolver João Pedro de Amorim Jr.

A

cada ano, a criatividade e o capital intelectual movimentam US$ 3 trilhões em negócios e já são responsáveis por 10% da economia mundial. Para ampliar sua participação neste filão, Curitiba aposta na economia criativa, que inclui cultura, economia, tecnologia e sustentabilidade em seu leque de atividades. “Nossa tarefa é fazer com que a cidade chegue ao modelo de Economia Criativa”, diz a presidente da Agência Curitiba de Desenvolvimento, Gina Paladino. A ideia é distribuir pela cidade os benefícios que até recentemente eram destinados a conglomerados. O nicho econômico planejado tem como essência

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a valorização da cultura, elemento presente nas 13 áreas previstas de atuação: arquitetura, publicidade, design, artes, antiguidades, artesanato, moda, cinema e vídeo, televisão, editoração e publicações, artes cênicas e performáticas, rádio e softwares de lazer e música. A estratégia municipal de transformação de Curitiba em uma smart city econômica é ousada, mesmo porque rompe com um modelo que tinha nos clusters – os aglomerados empresariais – o centro da atividade econômica. Em certas áreas, antigos clusters dão lugar a uma nova configuração. O caso clássico é o do Rebouças, distrito industrial curitibano por décadas. O antigo

Moinho Paranaense foi transformado na charmosa sede da Fundação Cultural e a planta industrial do Matte Leão dará lugar a um gigantesco templo evangélico. O caso da Cidade Industrial de Curitiba (CIC) é bem diferente, mesmo porque concentra gigantes industriais como a Bosch e a Volvo. Ainda assim, esse cluster “ortodoxo” também dá sinais de flexibilidade. Gina Paladino observa que, já nos anos 1980, a CIC teve influência do movimento tecnológico direcionado à matriz produtiva de software, algo que, na época, era muito novo. O Parque de Software, que atraiu indústrias do setor eletroeletrônico, seguiu com o fortalecimento da


G uilh e rm e Pup o

Gina Paladino, da Agência Curitiba de Desenvolvimento: estímulo para incrementar a produção criativa.

ideia do Tecnoparque, que saiu do papel em 2007. A ideia, então, era fugir dos limites da CIC, o que foi estimulado por benefícios em IPTU e ISS para a implantação de empresas na área que segue a Marechal Floriano Peixoto no sentido Rebouças. “O chamado ISS Tecnológico combina o zoneamento produtivo com a política urbana de zoneamento”, observa Gina. Ou seja: o grande projeto econômico de Curitiba para os próximos anos – tão ousado quanto a revolução urbana da década de 70 – pretende estimular e acelerar um movimento que já existe, que pode ser visto nos próprios clusters e em nossos designers, programadores,

agitadores culturais, artistas, confeiteiros, arquitetos... Plataforma A aposta da agência para Curitiba está na “cidade digital”, que só vai funcionar com a constituição de uma poderosa infraestrutura tecnológica baseada em meios digitais de alta capacidade de transmissão de dados e que tenha segurança e qualidade. “Essa será a porta e o elo para que Curitiba produza e faça valer os seus talentos sem barreiras físicas e geográficas”, sintetiza Gina. A partir da plataforma digital, diversos segmentos econômicos podem decolar. Arte, criação e artesanato são setores promisso-

res em Curitiba para a difusão da economia criativa. “Temos talentos individuais reconhecidos e a missão de transformar os talentos em empreendimentos. Não há gargalos para competências e talentos com o suporte da dimensão tecnológica. Podemos produzir aqui ou atrair talentos e produções que possam ser complementados em Curitiba”, projeta. Inspiração A proposta defendida por Gina Paladino se assemelha à do arquiteto inglês Richard Rogers, vencedor do prêmio Pritzker, para as áreas urbanas. Conhecedor de Curitiba, ele foi o responsável pela obra do Centro


Produção

Georges Pompidou, em Paris, que transformou um museu de formato clássico e estanque em um dos pontos culturais mais vibrantes do mundo. “A cidade tem uma razão primária de ser que é para o encontro de pessoas. Para o encontro de pessoas e para fazer negócios e cultura. Então, se você não pode se encontrar, a cidade desmorona.” Curitiba, segundo Rogers, caminha na direção certa. “Achei Curitiba uma cidade humana, com seus parques, o sistema de ônibus expresso e qualidade de vida. Passei três dias emocionantes em Curitiba com Jaime Lerner e sua equipe. Jaime tem me ensinado muito como estruturar uma cidade existente. Curitiba é uma cidade modelo.” Ele prega que a cidade deve ser justa e ter uma boa distribuição econômica, o que rima com a proposta de uma economia criativa e democrática. “A distribuição de riqueza é um dos pontos-chave para uma cidade compacta. No fim, estamos falando de uma cidade sustentável e socialmente funcional. Uma cidade sustentável, socialmente viável.”

“A distribuição de riqueza é um dos pontos-chave para uma cidade compacta.” Richard Rogers, arquiteto inglês.

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Cuidado com a “criatividade de araque” “Há a preocupação de especialistas em não se deixar levar pela ingenuidade de acreditar que tudo é economia criativa. Digamos que, tendo a criatividade como uma capacidade humana, todas as atividades estariam no limiar da economia criativa, mas não é bem assim”, afirma Patrizia Bittencourt Pereira, do Comitê Gestor da Rede de Economia Criativa do Paraná (Redec). O diferencial da economia criativa, segundo ela, está em dimensão simbólica e isso não é tão evidente de ser captado em produtos, processos e cidades. “A singularidade do processo é importante. Um exemplo é Berlim, que se organiza e dá espaço para que as pessoas revivam as dores do Holocausto de maneira reflexiva, valorizando a sua história, construindo a memória coletiva, conservando o patrimônio material e imaterial.” Isso também acontece quando marcas se diferenciam com a abordagem de aspectos éticos e estéticos ou quando espaços ganham funções incomuns – como um restaurante familiar que agrega espaço para a literatura infantil. Outra preocupação é a de cuidar para que a criatividade não vire moeda de negociação, de forma que não se permita que os talentos fujam do estado ou que sua criatividade seja apropriada por grupos empresariais, mas que sejam valorizados e retidos na região. “Assim, todos poderão beneficiar-se da tendência que vemos hoje. Ou seja: a sociedade de consumo se sofisticou e sinaliza a tendência de desejo por produtos de valor agregado cada vez maior”, observa Patrizia.



O longo caminho

até o polo

Da lasanha ao sapato: como os comércios se aglomeram até virarem referência em produtos e serviços Vinicius Boreki

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Funcionária de restaurante italiano em Santa Felicidade: primeiro polo de Curitiba atrai milhares de pessoas.

G uilh e rm e Pup o

economia


“A proximidade desses comércios permite que eles sejam mais atrativos aos consumidores, que terão esse espaço urbano como referência”. José Guilherme Silva Vieira, economista, professor da UFPR.

U

ma metrópole se caracteriza por uma enorme variedade de quase tudo. A riquíssima diversidade de suas ruas guarda lugar para que em algumas regiões surja um agregado de almas parecidas o que, no comércio, se chama polo. Em uma Curitiba com 1,9 milhão de habitantes, 4,6 mil quilômetros de ruas e 158 mil comércios ativos, encontra-se pelo menos uma dúzia desse modelo de varejo. É o que a linguagem econômica vê como fatores aglomerativos e os consumidores resumem como vou lá na rua de calçado/música/bar/ restaurante/eletrônico.... O caso pioneiro e recordação mais óbvia são os restaurantes italianos de Santa Felicidade. Um exemplo de polo pioneiro e que deu cria, tornando-se também um centro de decoração com inúmeras lojas de móveis. “A maioria das pessoas acredita, erradamente, que quando uma empresa se localiza próxima a outra do mesmo ramo está piorando sua situação devido à concorrência”, afirma o doutor em Economia e professor da UFPR, José Guilherme Silva Vieira. “Mas se as empresas oferecerem produtos complementares tirarão proveito porque atrairão

mais clientes.” E o cliente é a alma do negócio. Daí que quase todo polo nascente sonha com o movimento intenso do centro da cidade. As limitações físicas, no entanto, levam vários deles a uma saudável instalação em regiões mais periféricas, o que ajuda a fomentar vários pontos de desenvolvimento da cidade. Normalmente, a aglomeração atrai estabelecimentos até saturar o mercado. Aí, migra, mostra o estudo As teorias sobre localização das atividades econômicas e a estrutura espacial das cidades, de Marcos Timóteo Rodrigues de Souza, doutorando em Geografia e mestre em Engenharia de Transportes. Devagarinho Um polo nasce aos poucos, fruto do acaso e da percepção de comerciantes desbravadores. Um sucesso leva a outro e vários anos ou até mesmo décadas depois ganha o status de polo. Foi assim com a pioneira Santa Felicidade e seus restaurantes. Estabelecidos a partir da década de 1950, eles formaram ao longo dos anos o mais famoso polo gastronômico da cidade, ponto turístico quase obrigatório para todo visitante e tradicional reduto domingueiro para boa parte das

famílias curitibanas. O tempo necessário para formar um polo pode ser reduzido significativamente quando há incentivos do poder público ou então a região já faz parte da concepção de uma cidade. Pensou em Brasília ou no parque de software de Curitiba? Acertou. Independentemente da origem, lideranças do comércio veem os polos com ótimos olhos. “Dá para fazer parcerias institucionais e até campanhas de marketing, afirma Jean Michel Galiano, vice-presidente da Associação Comercial do Paraná (ACP) e coordenador do Conselho de Bairros do Comércio Vivo. Dessa forma, o comércio de rua consegue concorrer com os shopping centers e – por que não? – com a competição cada vez maior das compras online. É o que acontece, por exemplo, na Rua Teffé, autoproclamada a primeira rua temática de calçados do país. As pequenas lojas de ponta de estoque que surgiram em 1984 se multiplicaram. Hoje são mais de 30 comércios na região do Bom Retiro. “Quando cooperados, os investimentos oferecem retorno mais interessante”, diz Galiano. Fica mais fácil, por exemplo, oferecer prêmios e vantagens aos consumidores.


G uilh e rm e Pup o

economia

Flavio Junior Streit, sócio de uma eletrônica: público cativo estimulou o negócio.

Além de atuarem em conjunto, também há fomento para reforçar essas regiões. O Centro Vivo desenvolve iniciativas cujo objetivo é facilitar o contato entre a administração pública e o empresariado das lojas de rua do Centro, em especial na Rua XV de Novembro, a via cartão-postal da cidade e com grande concentração de comércio. A XV já era um dos lugares mais importantes do comércio da cidade nos anos 1970, mas cresceu de importância quando se tornou exclusiva para os pedestres. Neste caso, a intervenção do poder público foi decisiva para as lojas. Vantagens e diferencial Para o consumidor, as vantagens associativas se revertem em mais facilidade na hora do consumo. A segurança de encontrar uma miscelânea de opções facilita o descolamento e a inevitável comparação de produtos e serviços. Consigo otimizar meu tempo. Vejo rapidamente quais lojas têm os veículos no perfil que busco”, resume o bancário Luiz Ricardo Escobar, de 33 anos, que foi recentemente à Avenida Arthur Bernardes comprar um carro usado. A existência de uma clientela já constituída e com interesse predeterminado, por sua vez, anima os

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empreendedores. Esse tipo de segurança deu o empurrão que faltava a Flavio Junior Streit para se tornar sócio de uma eletrônica na região central. “Já há demanda”, diz ele, que vê nisso um grande facilitador para as ações que agregam valor ao seu comércio. A concorrência próxima e intensa, no entanto, obriga cada um a se manter em estado de alerta. “Não dá para se acomodar; é preciso pensar no seu negócio diariamente.” Para o proprietário da NA Multimarcas, localizada na Arthur Bernardes, Nedson Antonio de Oliveira, a concorrência é vista quase como parceria. Ele garante ficaria feliz se mais lojas de veículos se instalassem na região. “Quanto mais concorrentes, melhor para mim”, diz. “Quem quer comprar carro usado, busca a região, pois sabe que vai encontrar muita variedade de veículos.” Com o comprador circulando por ali, ele aposta na tradição de sua loja para se sobressair. “Sou proprietário de lojas de carro há 29 anos e fui um dos primeiros a montar negócio aqui. Isso conta muito”, analisa o também 2º vice-presidente da Associação dos Revendedores de Veículos Automotores do Paraná (Assovepar).

Polos curitibanos Conheça pontos com comércio especializado: Rua Riachuelo, móveis e antiguidades. Rua Mateus Leme , brechós. Rua 24 de Maio , eletrônicos. Rua Westphalen, equipamentos musicais. Avenida Manoel Ribas, restaurantes e decoração. Rua Teffé, calçados. Ruas Arthur Bernardes e Mario Tourinho, carros. Avenida Marechal Floriano Peixoto, carros. Avenida Batel, restaurantes e bares. Rua Itupava, restaurantes e bares. Avenida 7 de Setembro, casas de embalagens. Rua General Carneiro, açougues e frios. Rua Visconde de Nacar, fantasias. Rua XV de Novembro, vestuário.



Ra f a e l D a n ie le wic z

Administração municipal

O que fazer

Com três meses de prefeitura, Gustavo Fruet diz como quer a cidade daqui quatro anos João Paulo Pimentel

G

ustavo Fruet (PDT) terá apenas três meses de mandato quando Curitiba completar 320 anos. Com tão pouco tempo de administração, CuritibaÉ fez uma entrevista exclusiva com o prefeito para questioná-lo não tanto sobre o curto passado desde a posse, mas sobre um futuro mais amplo: que cidade pretende entregar daqui quatro anos, quando termina a gestão? O prefeito diz que no fim de 2017 gostaria de ver Curitiba com soluções – ou “indicativos de solução” – nas áreas de transporte (com a Linha Verde concluída e uma definição a respeito do metrô) e da saúde (que, segundo o prefeito, está em estado emergencial, com déficit de pelo menos 250 médicos na rede municipal). Também espera traçar uma estratégia de crescimento para a capital. “Ninguém discute mexer no centro de Paris ou Washington, ninguém discute tirar o Coliseu de Roma, mas por aqui as questões do que pode e do que não pode ainda estão por ser resolvidas.”

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Em linhas gerais, essas são as metas principais de seu plano de governo, que deverá incluir ainda uma proposta de zoneamento para a utilização de espaços públicos, com regras mais claras para a organização de eventos como a Quadra Cultural e as futuras apresentações na Pedreira Paulo Leminski. “Curitiba tem carência de áreas para essas ocasiões.” Sobre a interação da administração com os cada vez mais intensos movimentos populares, Fruet diz que é importante não oficializá-los, “porque daí perde a graça”. “Nossa intenção é garantir que funcionem, que haja segurança e limpeza.” O desempenho do prefeito vai movimentar o jogo político no estado. Fruet diz que não sabe onde estará em 2017 ou 2021. Para ele, as variáveis do jogo político são tantas que não dá para antever cenário tão longo. “[Projeções assim] precipitam o debate.” Sua trajetória corrobora a avaliação. Há menos de três anos, poucos poderiam imaginar que ele seria eleito prefeito de Curitiba cerrando fileiras

com o PT, após ser ferrenho opositor nas hostes do PSDB. Em todo o caso, a trincheira atual do prefeito é vantajosa. “Se não houver fraturas, o bloco que atualmente une Fruet, a ministra Gleisi Hoffmann e a presidente Dilma Rousseff fica muito fortalecido”, diz Ricardo Costa de Oliveira, professor de Ciência Política da UFPR. O cenário que parece mais provável hoje é uma eventual candidatura de Gleisi ao Palácio Iguaçu, apoiada por Fruet, contra o governador Beto Richa (PSDB), ex-aliado do atual prefeito. Ricardo Caldas, cientista político da Universidade de Brasília (UnB), vê mais desafios no caminho político de Fruet: “Ele sempre foi ligado à oposição. Ao mudar de partido, fez uma aposta que foi bem assimilada em Curitiba, mas e o resto do estado?”, questiona. Resumindo, os próximos aniversários da cidade trarão bem mais claramente a influência de Fruet à frente da prefeitura – dos shows na Pedreira às disputas eleitorais.


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Roteiro

Devaneios

arquitetônicos do caminhante Solte-se pela cidade e conheça um pouco mais da rica arquitetura curitibana – dos prédios imponentes à casinha colonial Heros Mussi Schwinden

Toque e veja mais imagens

U

m dos grandes prazeres de viver na cidade reside na percepção fina do cenário. No explorar as ruas, fazer um “scanning” que revela, no momento presente, a evolução da humanidade. Essa prática – cada vez mais rara nas metrópoles – é capaz de estabelecer novas relações entre o caminhante e o meio ambiente. Relação que passa, por exemplo, pela detecção dos estilos arquitetônicos de casas e edifícios imponentes e de casas mais comuns, que, em sua quietude, são capazes de contar belas histórias.

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Esta reportagem é um convite à exploração de uma fração da nossa rica arquitetura. A ideia é fazer com que, a partir dessas sugestões, você se sinta tentado a caminhar e descobrir o que há em nossas ruas – e a saber um pouco mais sobre os edifícios Ecléticos, Coloniais, Art Déco, Art Nouveau, Neogóticos, Neoclássicos e Modernistas. Como ponto de partida para a observação de edificações, Roberto Tourinho Fontan – arquiteto, professor de História da Arquitetura Brasileira e consultor especial desta

CuritibaÉ – indica o Marco Zero, na Praça Tiradentes. De lá, rumo ao Largo da Ordem, o caminhante não só localiza os dois prédios remanescentes da arquitetura colonial portuguesa na cidade (a Igreja da Ordem e a Casa Romário Martins), como pode identificar estilos mais recentes. “Nesse circuito encontramos elementos do Ecletismo, Art Déco e mesmo colagens, ou seja, uma fachada eclética ou Art Déco ao lado de uma fachada Moderna”, explica. Fontan, que se dedica à pesquisa acadêmica da arquitetura curitibana,


Para saber mais Imagens da Evolução de Curitiba, de Otávio Duarte (Pesquisa, texto e editoração), Luiz Antonio Guinski (projeto gráfico e capa) e Marcos Campos (fotografia e reproduções), Quadrante Editorial, 2003.

Fotos: Ca sa 6 Comu n icação

Arquitetura do movimento moderno em Curitiba, de Salvador Gnoato, Travessa dos Editores, 2009.

Acima a diversidade arquitetônica com edifícios Ecléticos, Coloniais, Art Déco, Art Noveau, Neogóticos, Neoclássicos e Modernistas. Roberto Fontan, arquiteto, diz que há desinteresse pelas composições urbanas.

lamenta o desinteresse pelas “composições urbanas” formadas por pessoas, prédios, casas, praças e mobiliário urbano. Para os interessados nesses cenários, sua recomendação é observar com atenção, imaginar os imóveis por dentro, estabelecer conexões (históricas, socioeconômicas e pessoais) e pesquisar o que foi visto em fontes bibliográficas e na internet. É, de fato, o que se pode chamar de um “scanning urbano” – uma grande opção de turismo e de conhecimento da cidade.

Caminhar é preciso O primeiro passo para fazer um “scanning urbano” é ter disposição para sair a pé ou, então, ir de carro até um ponto da cidade, estacionar e caminhar pela vizinhança. A partir daí, com um pouco de tempo e foco no cenário, é possível descobrir a cidade e sua arquitetura em qualquer bairro. Em Curitiba há lugares que concentram exemplares arquitetônicos de diferentes estilos; há, também, “medalhões”, imóveis bem conhe-

Arquitetura Italiana em Curitiba, de Ana Carolina Mazzarotto e Fábio Domingos Batista, 2013, informações em http://www. arquiteturaitaliana.com/ Espirais de Madeira: uma história da arquitetura em Curitiba, Irã Taborda Dudeque, Studio Nobel, 2001. Ensaios sobre a Arquitetura em Curitiba (Volumes 1 e 2), de Elizabeth Amorim de Castro, edição da autora, 2006.

cidos, que merecem um olhar mais atento aos detalhes. Mesmo nos locais mais “escondidos”, contudo, é possível encontrar casas e prédios interessantes. Confira a seguir um pequeno guia de observação arquitetônica em Curitiba, um roteiro mínimo que oferece algumas boas opções. Mais do que tudo, é um convite para que você construa seus próprios roteiros e, com isso, se aproprie de um cenário que também é seu.


roteiro

Edifício Araucária, de 1965, projeto de Lubomir Ficinski

Ao lado, prédio da Previdência, de 1955, e ao fundo o CCI, de 1974. Abaixo, detalhe do condomínio Marumby, de 1947.

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Fo to s: Ca sa 6 Co mun ica çã o

Ed. Governador (prédio redondo), de 1967, e detalhe do prédio das Comunicações (Telepar), de 1966.

Nova arquitetura do Centro

Fachada do antigo Hotel Edurardo VII.

A porção central de Curitiba concentra vários exemplares importantes da arquitetura moderna, prédios construídos nos anos 50, 60 e 70 para abrigar repartições públicas, bancos e residências. Observe, por exemplo, os localizados nas imediações das praças Santos Andrade e Tiradentes. Lá estão o Teatro Guaíra e o Auditório da Reitoria da UFPR (de 1948 e 1956, projetos de Rubens Meister); o edifício sede da Previdência Social (de 1955, projeto de Ulisses Burlamarqui); o Centro Comercial Itália (de 1974, por Roberto Albuquerque); o Condomínio Edifício Marumby, o Edifício Rosa Perrone, a Biblioteca Pública do Paraná, o edifício sede do Banco Comercial do Paraná e a Sinagoga Francisco Frischmann (de 1947, 1950, 1951, 1953 e 1959, respectivamente, projetados por Romeu Paulo da Costa); os edifícios Souza Naves, Itália, Veneza, Provedor André de Barros e Gemini (de 1953, 1962, 1967, 1969 e 1970, projetos de Elgson Ribeiro Gomes); o Palácio das Comunicações e os edifícios Araucária e Rio de Janeiro (de 1966, 1969 e 1971, de Lubomir Ficinski); e o Edifício Governador (de 1967, por Abrão Assad).


Roteiro

O trecho formado pela Praça Generoso Marques e pelas ruas Riachuelo e Barão do Rio Branco, no Centro, abriga um grande número de imóveis de interesse arquitetônico. Boa parte deles foi construída entre o final do século 19 e as primeiras décadas do 20, e segue o chamado estilo Eclético, caracterizado pela fusão de elementos arquitetônicos de períodos anteriores (Clássico, Gótico, Barroco etc.), adereços de fachada, grades e portões em ferro trabalhado. Merecem ser examinados o Portal do Passeio Público (de 1916), o “Palácio Riachuelo”, na esquina da Riachuelo com a Rua São Francisco (1929), o Paço Municipal (1916) e os prédios da antiga sede do Clube Curitibano (1956), do Museu da Imagem e do Som (antigo palácio do governo, construído entre 1870 e 1890), dos hotéis Johnscher (1917) e Tassi (1890), da segunda regional de Saúde e da Câmara Municipal de Curitiba (1890).

Torres baixas com ornamentos construídas por ervateiros ao lado de prédios contemporâneos na Comendador. À direita, detalhe de Ascânio Miró.

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Fotos: Ca sa 6 Co mun ica çã o

Eixo Riachuelo-Generoso-Barão


À esquerda, portal do Passeio Público, de 1916. Acima, prédio do MIS, construído entre 1870 e 1890: estilo Eclético.

Comendador Araújo As quadras finais da Rua Comendador Araújo, próximo à Benjamin Lins, no Batel, abrigam palacetes construídos na passagem dos séculos 19-20 por famílias de ervateiros e industriais curitibanos. O interesse pelos imóveis é tamanho que, em 2004, toda a área foi tombada pela Coordenadoria do Patrimônio Histórico. Concentre-se nos números 598, 692, 711, 748, 776, 906 e 970, atentando para os torreões (torres baixas), ornamentos e peças em ferro. Dois dos imóveis têm um “nome de batismo”: a Vila Margarethe (nº 692) e o Palacete de Ascânio Miró (nº 776). Construída nos anos 1920 pelo empresário Oscar Müeller, a Vila Margarethe tem características típicas da arquitetura alemã – entradas e jardins laterais e telhado normando-germânico (frontal e de ângulo acentuado). No palacete de Ascânio Miró são notáveis as venezianas, especialmente a que faz frente para a própria Comendador. O palacete foi projetado por Cândido de Abreu, engenheiro e político responsável por outros projetos, como o Solar dos Leão e o Paço Municipal.


Roteiro

Umbará Seguindo pela Rua Nicola Pellanda, a principal via do Umbará (que pode ser acessada pela Linha Verde), é possível encontrar vários exemplares de arquitetura típica italiana em madeira, com varandões, janelas guilhotina e sótãos. Muitos, aliás, se situam em glebas que abrigam hortas, carneiros e cavalos. O edifício mais chamativo, porém, é o da igreja de São Pedro do Umbará, construído em 1938 e cuidadosamente restaurado em 2012.

Fotos: Ca sa 6 Comun icação

Arquitetura dos bairros Nos bairros, a arquitetura moderna aparece principalmente em residências que espelham a conexão de famílias ricas da cidade com as novidades da arquitetura. Entre elas, vale citar as casas de Nelson Imthon Bueno (de 1958, situada na Rua Itupava), Orlando Kaesemodel (de 1960, na Rua Carmelo Rangel) e Edgar Barbosa Ribas (de 1967, na Rua Padre Agostinho) – projetos de Leo Linzmeyer; as casas de Marcos Axelrud (1953, na Rua Itupava) e Romário Pacheco (1953, Rua Doutor Faivre) – projetos de Ayrton Lolo Cornelsen; as casas de João Bettega (1944, Rua da Paz) e Edgard Niclewicz (1978, Rua Lourenço Mourão) – projetos de Vilanova Artigas; e as casas projetadas pelo pioneiro Frederico Kirchgässner – a que leva seu nome, de 1930, localizada na Rua Treze de Maio; a casa Bernardo Kirchgässner, de 1936, na Rua Visconde de Nacar, e o Edifício da Rua Portugal, no São Francisco.

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Acima, construções no Umbará em arquitetura típica italiana. Caminhando pelo bairro você pode encontrar uma capela particular.

Na foto maior, edifício na Rua Portugal, construção das famílias ricas de meados do século 20. Na foto menor, casa construída em 1958 na Itupava. Abaixo, as ruínas do São Francisco.


Ma rco Ja cobs e n

crônica | Luiz Andrioli

Campina

C

arrega uma ilha no bagageiro da bicicleta. A mochila surrada é um casco nas costas cansadas. Vive pelas marquises do Campina do Siqueira, por isso o nome que tomou emprestado do bairro que o suporta. Dorme ao lado de um ponto de táxi. Logo que a noite cai, arma o colchão em um canto protegido. Amarra a bicicleta em uma grade e espalha ao seu lado caixas de papelão com o que conseguiu juntar durante o dia. Já o encontrei parado em frente a uma locadora de filmes. Dava risadas dos cartazes. Balbuciava palavras, inventava narrativas. Certa vez, voltei da feira com um pacote de frutas e o encontrei de cócoras ao lado de um orelhão. Ofereci

uma maçã. Ele não quis, disse que não gostava. “Outra fruta?”. “Não gosto de fruta”, finalizou. Em uma semana fria lhe dei um casaco. No dia seguinte, me pediu para dar a roupa a um colega. Disse ser alérgico à lã. Voltando da panificadora, em outra noite, ofereci dois pães. Aceitou só um. Estava com pouca fome. Tive vontade de esconder o outro no seu bagageiro, de lhe empurrar goela abaixo a minha piedade. Ainda ontem passei de carro por ele na madrugada e reduzi a marcha. Dormia com um radinho ligado. Colou o autofalante na orelha. Tocava uma sequência de viola caipira. Ele abraçava com o rosto aquele velho e surrado aparelho. O farol do carro lhe

iluminou. Pude ver sua barba grossa e falhada. Seus lábios murchos, o nariz grande, os cabelos brancos e brilhosos de gordura. Todo o resto do corpo repousava embaixo de um cobertor que estava na calçada desde o começo da sua solidão. Hoje cedo passei no mercado e comprei algo para o velho. Encontrei o sujeito encostado no tronco morto de uma árvore, ao lado de um prédio em construção. Estiquei a mão e lhe entreguei um embrulho. Ele sentiu o peso e a textura do que tinha dentro. Vi seu sorriso pela primeira vez. Ele balançou a cabeça em agradecimento. Era um pacotinho com meia dúzia de pilhas. Combustível para o abraço da noite do Campina.

Luiz Andrioli, jornalista e escritor, é gerente de conteúdo do portal RICMais. Escreveu O Laçador de Cães, O Circo e a Cidade e A menina do Circo. Em junho lança O Silêncio do Vampiro, sobre Dalton Trevisan.

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Proteção ao crédito é com a FACIAP


G uilh e rm e Pup o

Moradia

Helena Bermudes, cercada de muitos prédios, sente falta dos vizinhos.

Daqui não saio Residências que resistem ao adensamento imobiliário se tornam verdadeiros vãos entre mar de novos prédios

Adriano Kotsan

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Q

uem anda pelas regiões centrais da cidade e por bairros populosos, como Bigorrilho, Água Verde, Batel e Juvevê já se acostumou com a paisagem cada vez mais vertical de Curitiba. É uma característica comum nas metrópoles. O forte adensamento imobiliário de algumas regiões faz com que aquela imagem da casa dos “avós”, com calçada e quintal no fundo, seja uma raridade. Do meio dos arranha-céus, no entanto, surgem figuras dignas de história. São pessoas que viram a vizinhança se tornar um paredão de prédios, mas mesmo assim não


“Antes só tinha barroca [barranco] aqui, agora falam que a região parece a Europa”. Katerina Syutyk, 91 anos, moradora da última casa de uma rua no Bigorrilho.

arredam o pé da casa onde passaram a maior parte de suas vidas. Para as imobiliárias e construtoras, são um pesadelo a evitar que o belo e espaçoso terreno abrigue mais um prédio de vários novos moradores – animando a economia e transformando a área. Olga Syutyk, por exemplo, segue à risca o ditado “daqui não saio, daqui ninguém me tira”. O que pode parecer teimosia está recheado de motivos bem particulares, o que faz do dinheiro “um” item, não “o” item. Ela preserva o terreno da família no Bigorrilho. A bela casa branca é praticamente uma ilha na rua Coronel Joaquim Ignácio Taborda Ribas. Aos 58 anos, Olga mora com a mãe, Katerina, de 91, e mais três familiares. Já perdeu a conta de quantas propostas recebeu pelo terreno, comprado pelo pai há 70 anos, logo após se instalar em Curitiba

vindo de uma Ucrânia mergulhada na II Guerra Mundial. “Algumas propostas são absurdas. Eles querem pagar apenas o valor de mercado. Mas nós temos o valor sentimental pela casa”, diz ela. “Se tivéssemos vendido, num dia eles chegavam com as máquinas e derrubavam tudo. Acabavam com a nossa história”, acredita Olga. No fundo do terreno, ela cultiva o passado: em uma horta bem cuidada planta couve, laranja e mimosa. “É uma terapia.” Mas viver cercada de prédios não é ruim? Olga não reclama. E até acha bem bom. Segundo ela, a vizinhança coletiva melhorou a sensação de segurança da região. Além disso, a posição da casa é boa, o sol não sumiu e as torres ajudam a proteger do vento em dias de clima mais agitado. O que desapareceu foram os

velhos vizinhos de muro e a convivência social que eles proporcionavam. “Não temos mais de quem emprestar um pouco de açúcar. Não há mais reunião para fazer festa. Cumprimentamos apenas os porteiros, que a gente vê um pouco nas ruas”, conta ela. “Os moradores ficam em seus apartamentos.” Katerina, a mãe, completa, com sotaque carregado: “Antes só tinha barroca [barranco] aqui, agora falam que a região parece a Europa”. Sem conversa A menos de dez quilômetros dali, a aposentada Helena Bermudes, 79, também está cercada por centenas de pessoas, mas sente falta dos vizinhos. Há 54 anos ela mora numa casa na Rua Mauá, Alto da Glória. O imóvel, com mais de 70 anos, foi herdado da sogra. A construção imponente lembra o tempo em que


Casa no Bigorrilho, vendida no fim do ano passado: nem todos resistem à pressão.

a vida passava mais lentamente, sem tantos carros nas ruas, e a vista ia mais longe no horizonte. “De três anos para cá começou a encher de prédio”, diz ela. “Já recebi várias ofertas de compra do terreno, mas por enquanto não quero vender. Quem vai resolver isso são os meus filhos.” Helena lembra-se dos tempos em que as famílias Moro e Essenfelder viviam na rua. “Morávamos todos perto. Parecíamos todos da mesma família. Isso é que eu mais sinto falta. Hoje não converso com nenhum vizinho. Dos lados só tem casa comercial e atrás só tem prédio”, afirma ela, com desgosto.

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G u ilhe rme Pu p o

Moradia

Vencido pelo progresso Olga e Helena mostram uma resistência cada vez mais rara. Primeiro elas moram no que é o último quinhão de uma área. Segundo porque mesmo nesse rarefeito grupo nem todo mundo consegue se manter impassível. No final do ano passado, o produtor de vídeo Carlos Tafarello, 50 anos, negociou um terreno que estava havia 30 anos com sua família. O imóvel na região da Rua Martin Afonso (Campina do Siqueira) abrigava a sede de sua empresa, mas se transformara num vão em meio ao mar de prédios.

Cem prediões em um ano O IBGE e o Sinduscon traduzem em números o que se percebe a olhos vistos no adensamento imobiliário de Curitiba. De 2000 a 2010 a população cresceu 10%, chegando a 1,7 milhão de habitantes, mostra o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. As habitações para abrigar toda essa gente tiveram forte crescimento. Levantamento da Brain Bureau de Inteligência Corporativa para o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Paraná aponta que entre 2008 e 2012 foram lançados aproximadamente 350 novos prédios em Curitiba – cem de grande porte somente no ano passado. Marcos Kahtalian, sócio-diretor da Brain, diz que os casos de Olga e Helena tendem a ser cada vez mais raros. “É uma situação que se repete nas grandes cidades do mundo inteiro.” Para ele, casas históricas e locais de comércio continuarão a ser preservados, por serem economicamente interessantes.

“Não tinha mais condições de ficar ali”, conta ele. “O próprio negócio começou a ficar inviável, não tinha local de estacionamento para os clientes.” A inviabilidade para a produtora foi precedida por uma mudança radical. Antigamente, conta ele, existia uma comunidade local de certa forma unida na Martim Afonso, as pessoas andavam pelo bairro e se conheciam. “Hoje em dia, com os prédios, isso não acontece mais. As pessoas não andam pela via rápida. Ali ficou apenas um corredor de trânsito e os carros passam muito rápido”, afirma.


Homenagem do Shopping Total aos 320 anos de Curitiba.


Expatriados

Antidiscípulos

de Dalton

Fama de cidade carrancuda tem origem na migração do século 19. “Curitibanices” de hoje, no entanto, incluem climão da mais fraterna amizade Érika Busani

C

uritibano é frio, reservado, recebe mal os forasteiros, não faz amizades facilmente. E ponto. A inabalável reputação dos conterrâneos do recluso vampiro Dalton Trevisan atravessa fronteiras. Até no Nordeste ela chegou. Há dois anos, quando morava em Natal, Rio Grande do Norte, e fazia as malas para vir estudar por aqui, os ouvidos – e o espírito – da fisioterapeuta mossoroense Vanusa Paiva de Lima, 41 anos, foram abarrotados por contraindicações. “Fizeram um bicho lá. Diziam que eu não ia me dar bem porque o pessoal daqui é muito frio. Até um paciente meu do Rio Grande do Sul disse ‘o povo lá é esquisito’.” Impassível, a moça não desistiu. E ainda voltou mais tarde para desmentir as maledicências. “A fama não se comprovou.

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Achei que ia ser pior, mas fui muito bem acolhida”, conta. “Já voltei lá nas férias e disse a eles que não é assim”, assegura a nossa destemida defensora. A história de povo fechado vem lá do século 19, quando os imigrantes alemães, italianos e poloneses vieram ganhar a vida na recém-criada capital da província. Cada povo trouxe consigo seus costumes e se instalou em uma região diferente da cidade. Estavam estabelecidas as condições ideais para a segregação. “Os europeus criaram barreiras étnicas terríveis”, afirma o antropólogo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Carlos Alberto Balhana, mestre em História Social do Brasil. Dois séculos depois, os curitibanos carregam sobre suas cabeças,

como aquela nuvem que acompanha a Família Adams, a fama de carrancudos. Em uma viagem com a esposa, o professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Cauê Krüger, teve uma amostra dessa impressão. “As pessoas se espantavam conosco: ‘Nossa, achamos o único casal simpático de Curitiba’. Causamos uma comoção”, diverte-se. Cientista social e mestre em Antropologia, Krüger desaprova preconceitos acerca do assunto. “A imigração europeia pode ter sido a origem da fama, mas não explica sua permanência. Ela vai se perpetuando enquanto as coisas vão mudando”, diz. É só sair e olhar por aí. Os movimentos que pulsam na cidade contestam o mito. É gente se di-


G uilh e rm e Pup o

Erika Kärcher (loira de óculos) e Torrance Lewis (ao lado) com grupo de amigos: dificuldades iniciais com a língua e muita confraternização depois.

vertindo nas ruas, gente se unindo em torno de projetos inovadores e arregaçando as mangas em prol do bem comum. Formal Mas não adianta querer comparar o curitibano com o carioca, o mineiro ou o nordestino. “É diferente de uma sociedade de praia ou de uma mais cosmopolita. O comportamento público aqui tem certa formalidade. Mas isso não significa que sejamos fechados ou segregacionistas. É só ir às feiras livres, à feirinha do Largo para conferir”, sugere Krüger. Vanusa tem a mesma opinião. “No Nordeste é muito comum ir à casa do outro. Aqui o pessoal respeita a privacidade, é cada um no seu espaço, mas com solidariedade.” Ela

garante que só não sai muito porque o dinheiro é curto, já que veio fazer duas pós-graduações para mudar de área profissional e está sendo mantida pela família. “Não é por falta de convite.” Ao contrário do que alguém possa estar pensando, os convites não partem apenas dos amigos estrangeiros. “Tenho bons amigos curitibanos”, assegura. Muito se diz, aliás, que a turma que vem de fora – do país, do estado ou da cidade – é que está mudando o jeito de ser curitibano. Afinal, 43,08% dos habitantes da capital vieram de outras paragens, de acordo com o Censo 2010, do IBGE. Krüger não considera essa a única explicação. “Quem vem de fora passa a agir conforme a população local”, avalia. A globalização e a cultura jovem

seriam também impactantes nesse comportamento. Questão de atitude Para quem vem de mais longe, as agruras são maiores. “Quando cheguei, foi complicado porque eu não falava português. E a vida aqui sem português é muito difícil”, conta Erika Kärcher. Natural de Los Angeles, ela morou 12 anos na Alemanha, onde se casou. Há quatro anos, o marido Jochen, 45, foi transferido para cá e eles vieram com os filhos Alexandro, 13, e Felix, 11. Erika não se resignou. Tratou de tomar aulas da língua enigmática. “O problema dos estrangeiros que vêm para cá é querer continuar com a vida que tinham no outro país”, acredita ela. Muitos até se recusam a aprender o português.


A dedicação compensa, garante a sorridente estrangeira. Hoje ela tem um grupo de amigos – estrangeiros e curitibanos – que frequenta bares, restaurantes, viaja e faz muita festa. Uma vida impensável na Alemanha. Se no início ela amargava a vinda, agora lastima a volta. Jochen foi novamente transferido para a Alemanha, para onde já se mudou. “Ele saiu daqui mais aberto, mais feliz.” E ela apenas espera o término do ano letivo dos filhos, em junho, para retornar também. Embora não queira ir, ficar em casa se lamentando está totalmente fora de cogitação. “Saio com meus amigos muitas vezes por semana”, sorri. A alegria de Erika com sua “curitibanice” nos dá mais uma pista do que pode azedar a vida por aqui. Depende imensamente da postura de quem chega. E do apoio que encontra. Seus filhos estudam na Escola Internacional de Curitiba (ISC, na sigla em inglês), que foi determinante para sua adaptação. “Há 53 anos, a escola surgiu com o objetivo de acolher os imigrantes. E continua fazendo esse papel. Quando a família está chegando, passo e-mail de outras, faço essa ponte e isso ajuda muito”, explica a diretora de admissões do colégio, Claudia Lebiedziejewski, curitibana simpaticíssima. É um processo e, como tal, demora um pouco. Nesse caso, a pressa é inimiga da adaptação. O professor da ISC Torrance Lewis sabe disso. Ele é de Atlanta, morou em Brasília e chegou aqui há oito meses. Na capital federal, demorou dois anos para estabelecer uma vida social, pois chegou sem falar português. Obstáculo ultrapassado, em Curitiba a ‘aclimatação’ está se dando com maior rapidez. “Estou começando a fazer mais amigos”, diz. Ele faz parte do grupo de amigos de Erika. E gosta particularmente dos churrascos nas casas dos colegas. Coisa de curitibano. Coisa de brasileiro.

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G uilh e rm e Pup o

Expatriados

A finlandesa Malin com o filho que nasceu em Curitiba: casa nova.

Curitiba on minun uusi kotini João Pedro de Amorim Jr.

P

ara entender o que está escrito no título você pode recorrer o Google ou, quem sabe, perguntar ao vizinho. “Curitiba é a minha nova casa”, traduz a finlandesa Malin Wikstedt, que mora desde outubro de 2012 na cidade. A família de Malin (Henrik, o marido, e as crianças Melwin e Aline) enquadra-se no time que encontrou em Curitiba um lugar para chamar de seu. Ao desembarcar, conheciam tanto a cidade como os curitibanos conhecem a Finlândia. Henrik, veio trabalhar em uma multinacional. Dois meses depois, nasceu Aline – curitibana da gema. Como parte da nova e volumosa leva de imigrantes atraídos pelo potencial econômico de país emergente, os Wikstedt reforçam perfil de “a cidade de todos os povos”, que tem origem lá no século 18. No caso deles, Curitiba tem a vantagem de lembrar “um pouco” a terra natal, Helsink: “Muitos parques... e chuva.” E a carranca curitibana, é real? Para Malin, nem um pouco. Prestativos, amigáveis e extrovertidos (pelo menos se comparados ao padrão nórdico) são adjetivos que ela usa sem vacilar. A maior dificuldade é mesmo a língua, problema que vai sendo contornado com aulas de português. A professora Juliana Volaco (curitibana de origem greco-russa que dá aulas na First Class Idiomas) não ajuda só no idioma. Dá boas dicas sobre como funciona a vida em Curitiba e no país. Metade dos alunos da escola é de estrangeiros que vieram trabalhar no Brasil. A proprietária Marcia Weber, diz que todos têm em comum as dificuldades com as declinações verbais e o estranhamento com as burocracias tupiniquins. “Eles vêm de lugares onde tudo funciona rápido”, diz ela. O ensino personalizado acaba sendo útil em várias frentes. Malin expressa-se bem em português e entende praticamente tudo. Melwin, de um ano e meio, por sua vez, já pede leitE com sotaque curitibano. A tendência da Aline é acompanhar o irmão. Quem sabe daqui uns tantos anos, viram fãs de Dalton Trevisan...



Ace r vo Ca sa d a M e m 贸 ria d e Curitib a

Hist贸ria

Quem chegou

primeiro 74

Grupo de colonos, a maioria poloneses, abre estrada na Curitiba de 1910.


A partir da emancipação política em 1854, Curitiba recebeu intensa migração de europeus, que forjaram o conceito de “cidade de todos os povos” João Pedro de Amorim Jr.

A

té o século 18, os habitantes da cidade eram índios, mamelucos, portugueses e espanhóis. Com a emancipação política do Paraná (1854) e o incentivo governamental à colonização na segunda metade do século 19, Curitiba passou por uma intensa transformação, motivada pela imigração de europeus – nascia o que se consolidou no senso comum como “cidade de todos os povos”. A massa de estrangeiros moldou a história e os traços do estado e também da sua capital. Até a chegada da Corte Portuguesa ao Brasil, em 1808, somente portugueses (e imigrantes açorianos) eram autorizados a se fixar no Brasil Colônia, mostra Sérgio Odilon Nadalin no livro Paraná: Ocupação do Território, População e Migrações. Motivada pelo início da industrialização e com uma população essencialmente rural, a Europa passava por uma transição demográfica. A pressão industrial, o desenvolvimento do capitalismo, revoluções nos meios de transporte e nas relações no campo fizeram muita gente a se mudar para a América. À mesma época o Brasil vivia o auge do período colonial. Dom João estimulou o fluxo imigratório ao promulgar legislação específica sobre o tema. A ideia no século 19 era povoar o país continental. Eram bem-vindos imigrantes europeus de origem camponesa que se radicassem em pequenas propriedades,

organizadas a partir do trabalho familiar e sem escravos. Esse modelo teria ainda um efeito pedagógico: introduziria no país novas técnicas agrícolas e romperia em parte com o sistema de latifúndio. Após a Independência, em 1822, foram criados núcleos coloniais no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. A preocupação em ocupar as colônias meridionais era a de não perder espaço para os países vizinhos, principalmente a Argentina. No Paraná, em 1829, a primeira colônia foi a de Rio Negro. A renúncia de Dom Pedro I levou ao corte de verbas e diminuição do ritmo de implantação de novos núcleos coloniais. Os governistas favoráveis à imigração reagiram e propuseram que o governo central dividisse as responsabilidades de implantação de colônias com iniciativas particulares das províncias. Isso permitiu que em 1847 o médico francês João Maurício Faivre fundasse a colônia Thereza, às margens do Rio Ivaí, com imigrantes franceses, e Carlos Perret Gentil criasse em 1852 uma colônia no Superaguy, em Guaraqueçaba, reunindo colonos suíços, alemães e franceses. Adolpho Lamenha Lins, que assumiu a presidência da província em 1875, queria fixar os imigrantes como legítimos proprietários e não como operários em grandes latifúndios. Traçou então como meta prioritária a promoção da imigração europeia para as cercanias de Curitiba e do Litoral paranaense. Lins achava que as

colônias deveriam estar próximas dos grandes centros, devido às dificuldades de comunicação da época. De fato. Augusto Colodel registra em Colônia D. Augusto, uma introdução a sua história que Curitiba foi onde se registrou o melhor desenvolvimento das colônias. A iniciativa de Lamenha Lins resultou na criação de sete núcleos coloniais, seis em Curitiba e um em São José dos Pinhais. Somados, tinham uma população de 1.071 imigrantes, poloneses em sua maioria, além de suíços, alemães, ingleses, italianos, franceses e belgas, lituanos. Na área foram assentados também alguns poucos brasileiros. As colônias criadas por Lamenha Lins, incluindo uma chamada Dom Pedro, formaram o distrito chamado Nova Polônia, criada por decreto municipal em 20 de agosto de 1892. A sede da região era o Bariguy. A Nova Polônia seguiu como distrito até 1946, quando foi extinta (parte dela passou a compôr o então recém-criado município de Campo Largo). Os colonos dedicavam-se principalmente à produção de gêneros alimentícios (aveia, centeio, cevada, milho, trigo, feijão, ervilha e batata). Origens Pioneiros, os italianos vieram para Curitiba em 1872 e, em 1878, criaram a colônia Santa Felicidade. Os oriundos do norte da Itália eram, na maioria, operários, artesãos, profissionais especializados e comerciantes. Os do sul, agricultores.


Re p ro d uçã o d o livro Curitib a , e d ita d o p e la Pre fe itura mun ic ip a l d e Curitib a Fo to s : Ace r vo Ca s a d a M e m ó ria de Curi tib a

De cima para baixo: fábrica de barricas no Umbará, em 1910 e imigrantes poloneses em frente a igreja em construção. Ao lado, imigrantes italianos cultivam a terra e poloneses vendem seus produtos pelas ruas da cidade em fins do século 19.

As primeiras oito famílias de ucranianos chegaram em 1881, fixando-se na colônia Santa Bárbara, entre Palmeira e Ponta Grossa. Outros 20 mil imigrantes provenientes da Ucrânia chegaram entre 1895 e 1897, seguindo para os arredores de Curitiba (no Bigorilho, Vila Guaíra, Portão e Pinheirinho) e também para Prudentópolis e Marechal Mallet. Já os japoneses vieram a partir de 1915. Em 1924, deslocaram-se em maior número e se fixaram pelo Uberaba, Campo Comprido, Santa Felicidade e em Araucária. Os sírios e libaneses, no início do século 20, estabeleceram-se no comércio de roupas, sapatos, tecidos e armarinhos. Em função das características de suas lojas, ocuparam a área central da cidade. Os primeiros imigrantes vendiam as novidades nas colônias mais distantes, para onde viajavam no lombo de burro.

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Primeiro distrito Os núcleos coloniais pioneiros de Curitiba formaram o distrito de Nova Polônia: »» Santa Cândida, 1875, com 325 pessoas: 58 poloneses prussianos, 241 poloneses silesianos e 26 suíços franceses. »» Orleans, 1875, com 284 pessoas, sendo 196 poloneses prussianos, 43 poloneses galicianos, 4 alemães, 4 ingleses, 20 italianos, 11 franceses e 6 brasileiros. »» Santo Inácio, 1876, com 386 pessoas, sendo 303 poloneses prussianos e 83 poloneses silesianos. »» D. Augusto, 1876, com 149

pessoas. Todos poloneses prussianos. »» Rivière, 1876, com 377 pessoas, sendo 368 poloneses prussianos e 9 alemães. »» Lamenha, 1876, com 746 pessoas, sendo 712 poloneses prussianos, 21 poloneses silesianos, 1 alemão, 4 belgas e 8 lituanos. »» Tomás Coelho, 1876, São José dos Pinhais, com 1.071 pessoas, sendo 10 poloneses prussianos, 178 poloneses silesianos e 883 poloneses galicianos. Fonte: Colônia D. Augusto, Introdução a sua história, de José Augusto Colodel.


Nossa parceria também completa 320 anos. Ou melhor: 363. Quando Eleodoro Ébano Pereira registrou a existência de ouro na Vilinha do Atuba, em 1650, o comércio estava lá, ajudando os garimpeiros a trocar mercadorias para sobreviver. Dezoito anos depois, em 1668, foi construído o Pelourinho, símbolo do poder e da justiça: era ainda o comércio que unia aqueles curitibanos pioneiros em torno de uma praça. Em 1693, o crescimento do povoado transformou-o em vila. Foi criada a Câmara e a data passou à História como a da fundação oficial da cidade. Também aí a participação do comércio foi fundamental. Hoje, tantos anos depois, o Sistema Fecomércio Sesc Senac Paraná continua a contribuir para o desenvolvimento de Curitiba. A união dos empresários do setor em torno da Fecomércio movimenta a economia. As atividades do Sesc na área de cidadania, saúde, educação, cultura e esportes favorecem o bemestar dos curitibanos. E a democratização do conhecimento realizada pelo Senac garante um futuro melhor para milhares de pessoas. Afinal, nenhuma atividade sabe garimpar desenvolvimento, gerar empregos e criar receitas como o comércio. Por coincidência, nossas três entidades estão completando 65 anos. Mas nossa parceria com Curitiba tem muitos anos mais. E vai continuar a crescer. Isso é ótimo para Curitiba há 320 anos. Ou melhor: 363.


SĂŠrie de figurinhas do ZĂŠquinha (com acento): criada em 1929, virou marco das coisas paranaenses.

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curiosidades

“Retronautas dos pinheirais” Um pouco da História divertida

Curitiba 320 anos. Nestes três séculos e duas décadas de história oficial, a cidade de origem indígena e ares europeus fez fama pelo mundo. Em tempos de uniformização das grandes metrópoles, CuritibaÉ foi buscar em registros de jornalistas, escritores e historiadores locais fatos curiosos, daqueles “que só podiam ser daqui”. A ideia é fugir um pouco daquilo que já foi bastante batido. A passagem do Zepelin, o fechamento da Rua XV e o ônibus expresso você já conhece. Agora lembramos outros casos. Boa viagem! Heros Mussi Schwinden


curiosidades ÜÜBicicletas e motos, 1913 ÜÜMúsica, 1728 Ano do primeiro registro histórico sobre a música em Curitiba. No livro Curitiba, essa velha desconhecida o autor João Marcassa faz o seguinte relato: A música em Curitiba, foi, no início, cultivada pela Igreja. Em 1728, o mestre da capela Vila De Curitiba, Manoel Rodrigues de Souza, teve permissão de abrir “escola pública de ler, escrever, cantar, solfa e harpa”.

ÜÜCarne de onça, 1869 Herança dos imigrantes alemães, a carne de onça popularizou-se em Curitiba no início do século passado. É bem provável que as primeiras “onças” tenham sido servidas com o nome hackepeter ou mett em clubes germânicos como Gesangverein Germania, fundado em abril de 1869 e que em agosto de 1886 juntou-se ao Concórdia e passou a se chamar Zegerbund.

No começo do século 20 Curitiba não tinha ciclovias. O interesse do curitibano pelas bikes, no entanto, é centenário. Em 13 de abril de 1913, a Casa Indian, de João Prosdócimo & Filhos, abria suas portas na Rua Barão do Serro Azul comercializando grande variedade de bicicletas importadas, como Göricke, Humber, Dürkopp e Raley. A casa também era especializada em motocicletas Indian e Harley Davidson.

ÜÜLuz elétrica, 1886 Na noite de 19 de dezembro de 1886, 33º aniversário da emancipação da Província, foi acionada a primeira lâmpada elétrica de Curitiba. A “mágica” aconteceu no Passeio Público com público de mais de três mil pessoas.

ÜÜLiteratura, 1857 A cidade ganha sua primeira revista literária. A Jasmim era editada em formato pequeno e levava aos leitores contos, poesias e charadas. Teve vida curta.

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ÜÜCinema e Cassino, 1940 Inaugura-se em janeiro o Cassino Ahu. O novo local de entretenimento preocupou os proprietários dos cinemas locais. Mas nada sério. O Cine Avenida exibia na época O Mágico de Oz e em contagem regressiva anunciava o filme E o Vento Levou... .

ÜÜBalas Zéquinha - 1929 Zéquinha (assim mesmo, com acento agudo no e) é um dos personagens curitibanos mais emblemáticos. Criado em 1929 pelo desenhista Alberto Thiele, da Impressora Paranaense, a figura – um palhaço careca, de gravata borboleta e sapatos tipo lancha – aparecia nas mais diversas situações, para delírio da piazada. Um dos fundadores da fábrica de doces “A Brandinha”, Francisco Sobania aproveitou para utilizar os desenhos como papéis de bala, encomendando uma coleção inicial de 30 figurinhas à gráfica. Thiele desenhou a série inicial e a expandiu até o número 50. Depois a coleção passou a ter 200 figurinhas, sendo as restantes desenhadas por Paulo Carlos Rohrbach.


ÜÜWalt Disney em Curitiba, 1941 Em sua coluna para o jornal O Estado do Paraná de 13 de junho de 1990, Aramis Millarch conta sobre a passagem de Walt Disney por Curitiba. Com base no livro de memórias de Paulo Avelar Quando eu era do Banco do Brasil (edição do autor, 106 páginas, 1989) o jornalista narrou assim: “A passagem de Disney e da atriz e soprano Grace Moore por Curitiba foi por acaso. O avião em que viajavam – com destino a Buenos Aires sofreu uma pane e teve um pouco [pouso] de emergência no aeroporto do Bacachery. Ficaram hospedados no melhor hotel da cidade, o Grande Hotel, na Rua 15 de Novembro e à noite, Walt e Grace foram ao Cassino Ahu. Conta Paulo de Avelar que várias pessoas o reconheceram. Ele, que ali se encontrava com um amigo, o estudante de engenharia Carlos Kiraly, pediu autógrafos. ‘Conservo até hoje essa lembrança da passagem do criador do Pato Donald por Curitiba’ diz, como prova da veracidade de sua informação. Isso aconteceu em 1941, mas não há detalhes em relação ao dia e ao mês em que teria acontecido.”

ÜÜO primeiro cardápio, 1953 Há 60 anos, a história da alta gastronomia em Curitiba começava a ser escrita pelas mãos do casal Émile Paul e Janine Decock. Em 1948 eles deixaram Le Havre, na França, para se estabelecer no Brasil. O casal de experientes restauranteurs abriu, em 1951, na Cruz Machado, o pequeno bar Normandie. Em 12 de fevereiro de 1953, mudaram de endereço e de proposta, inaugurando o Île de France, na Rua Doutor Muricy, o primeiro restaurante da cidade a ter menu, escrito e em cada mesa. Em 1957, o restaurante foi transferido para um imóvel na Praça 19 de Dezembro, também no Centro, onde permanece até hoje sob o comando de Jean Paul Louis Roland Decock, filho de Émile e Janine.

ÜÜArte Moderna, 1973 Gravuras feitas em carne bovina chegaram a provocar náuseas em alguns dos participantes do V Encontro de Arte Moderna que aconteceu em Curitiba, de 20 a 25 de agosto de 1973. As experiências em gravuras orientadas por Ana Bella Geiger envolviam a Land Art, Arte Povera e Body Art e desafiavam o público quando aplicadas em diferentes suportes. Paralelamente, Paulo Leminski fazia apologia da Semiótica e do Dadaísmo, entre outras discussões de Mário Barata sobre o Concretismo e a Arteônica no Brasil.

ÜÜOperário Padrão, 1985 O Brasil recebia a “Nova República” de braços abertos. Com a inflação galopante, o curitibano apoiava o congelamento de preços do governo. Foi em Curitiba que surgiu o “Fiscal do Sarney”. A Banda Blindagem aproveitava o momento econômico para lançar pela Polygram o compacto “Operário Padrão”, uma sátira ao atrelamento dos preços e salários ao dólar americano. O refrão: Pega essa notinha Segura essa verdinha Não deixa essa danada subir Pega essa notinha Segura essa verdinha Se não o meu Barão vai cair

Fontes: Sites: millarch.org.br e casadamemoria.org.br Livros:“Quantos Somos e Quem Somos”, de Romário Martins. “Uma Crônica - Curitiba e suas Histórias”, de Eddy Franciosi. “Palácio Avenida”, de Antônia Schwinden. “Curitiba, Essa Velha Desconhecida”, de João Marcassa. “Nova Culinária Paranaense”, de Heros Mussi Schwinden. “Dicionário das Artes Plásticas no Paraná”, de Adalice de Araújo.


D oug la s D u rante

Artes visuais

O muro é belo Coletivo de artistas que nasceu em um pequeno bar cresce e espalha criações pela cidade. Próxima parada é na CIC Adriano Kotsan

O

s muros e paredes de Curitiba já não são mais os mesmos. Muitos perderam aquela cor cinza, opaca, sem vida e com aspecto opressor. Ao andar pela cidade notam-se mensagens, ideias, reflexões e provocações estampadas nas pare-

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des. A arte visual urbana extrapolou os limites das telas e se apresenta ao ar livre, em muros, painéis, outdoors e outras intervenções pela cidade. Tudo, claro, com autorização – ou mesmo a pedido – de quem é o dono do pedaço transformado.

Parte da melhor arte urbana que se vê pelas ruas sai da cabeça, dos pincéis e de outros badulaques dos artistas reunidos na produtora Mucha Tinta – responsável também pela ilustração da capa desta primeira edição de CuritibaÉ.


Fo to s: d ivulga çã o

Na página ao lado, Giusy (de bermuda e camiseta listrada) à frente do grupo de artistas, que tem 30 integrantes fixos e pode chegar a cem esporádicos. Nesta páginas, trabalhos feitos pelo Mucha Tinta.

Ilustradores, artistas plásticos, tipógrafos, fotógrafos e videomakers reunidos no Mucha canalizam hoje uma efervescência multicolorida que surgiu em 2007, quando a design gráfica Giusy de Luca decorou o bar Kitinete – espaço que marcou época no São Francisco. “Ali vi a oportunidade de transformar isso em um produto”, conta a idealizadora do coletivo. De lá para cá, foram concluídos mais de 30 projetos comerciais em Curitiba. Quem passa pelas galerias do terminal do Hauer, entre outros vários pontos da cidade, vê de perto o trabalho dos artistas. Agora para o aniversário da cidade, o Mucha Tinta faz intervenções urbanas nas portas de ferro dos bares da Rua São Francisco. Até a metade

deste ano também deve sair um trabalho em fábrica da Cidade Industrial de Curitiba (CIC). Serão quatro painéis em grande escala -- telas com gigantescos 18 metros de altura. Essas ações fazem parte do projeto “Mucha Tinta na Cidade”. “Queremos levar referências artísticas para os bairros: alegria, criatividade, mexer com o imaginário das pessoas”, diz a produtora. “A arte traz essa reflexão, esse respiro no meio do dia.” Junto sai melhor O Mucha Tinta começou como um coletivo de artistas e hoje é uma produtora cultural. Atualmente, o grupo conta com 30 artistas fixos, mas esse número varia e pode chegar a cem, dependendo do projeto. “Tenho contato com artistas do

mundo inteiro. Se precisar trazer alguém de Tóquio para fazer um trabalho, consigo isso”, diz Giusy. O trabalho realizado em Curitiba tornou o grupo respeitado em outras partes do país. Há uma permanente participação em projetos e troca de ideias com artistas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Tanto artista reunido não acaba em guerra de egos? Giusy garante que não. “Tem tudo que é maluco junto, mas todos se ajudam. É muito positivo, durante os trabalhos muitos dão dicas”, afirma. “Ninguém é feliz sozinho, construir de forma coletiva deixa o trabalho mais rico.” O Mucha Tinta também espalha arte pelo mundo virtual. A página da produtora no Facebook tem 5.500 seguidores.


Fotos: d iv ulg ação

Acima e abaixo, muro e parede trabalhados pelos artistas. No meio, ação do grupo durante a Corrente Cultural de Curitba no ano passado.

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Crônica| José Nascimento

Um outro olhar

C

idade sorriso, capital ecológica, modelo... Os títulos de Curitiba transpõem fronteiras. Obra do marketing ou não, pouco importa. Somos conhecidos e reconhecidos lá fora pelo que de melhor a cidade tem e nem se fala que o curitibano é fechado, isso ou aquilo. Aliás, em uma coisa o curitibano é unânime e bairrista: é um apaixonado e defensor da cidade. Títulos à parte, marcos como Ópera de Arame, Botânico, arranhacéus do centro, Tanguá e por aí vai, se transformaram em cartões postais. Não é chavão. Mas quero falar aqui de uma Curitiba escondida, não raro entre os famosos pinheiros, que ainda lhe rendem o carinhoso apelido de capital das araucárias. Uma Curitiba ao alcance apenas de olhos e ouvidos mais sensíveis. Explico. Que tal uma capital onde, pela

manhãzinha, você ainda pode ouvir o canto do sabiá-laranjeira? Ou, lá pelas sete, na caminhada matinal (quando não está chovendo, claro) você se depara com um casal de apaixonados pedreiros trabalhadores construindo a sua casa e, numa dupla afinada, acordando a vizinhança? Viva joão e joana-debarro! Isso, sem falar nos bem-tevis, quero-queros e canários. Por perto dos parques o despertar ainda reserva saracuras e, entocadas, a olhar os caminhantes, as corujinhas brigonas e seus filhotes. Então, é essa Curitiba que o rápido passante desse tempo elétrico, das traquitanas da geração globalizada, não consegue enxergar. Dos painéis, das estátuas e bustos, dos monumentos e prédios históricos, das casinhas de madeira. Hmm, e por falar nelas, como

se espalham pelos bairros e ainda resistem aos espigões do centro. Encravadas, amarradas e como que concretadas no solo lá estão elas, a resistir ao tempo, ao progresso. Coloridas ou sem cores, telhados envelhecidos, varandas acolhedoras, janelas entreabertas e chaminé já sem fumaça. Lá estão elas, resistentes, apertadas, sufocadas, mas marcas de um tempo. Das cozinhas, comida com cheiro de almoço de mãe. Dos quintais, flor de laranjeira, ameixeira... e dos jardins... Ah, esses são assunto para outra crônica. Por quanto tempo ainda teremos tudo isso, não se sabe. Então, agora é aproveitar as coisas da capital, que poderia ter mais um título: CAPITAL MAIS BUCÓLICA DO BRASIL. É só olhar para o lado de fora da janela do carro. Faça o teste!

José Nascimento, jornalista e professor de pós-graduação, é Diretor de Conteúdo do Grupo RIC PR.


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