MaringáÉ

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Maringá Edição especial

Uma seleção de reportagens e artigos de quem tem muito a dizer sobre a cidade que já nasceu no futuro

Maio de 2013 - Número 1




Carta do Publisher

Sintonia maringaense

A

ssociativismo, cooperação, visão de futuro, qualidade de vida, empreendedorismo. O que em muitas cidades é difícil ou inexistente, tem-se quase de forma natural em Maringá. O melhor exemplo disso é o desenvolvimento qualitativo da cidade nesses ricos 66 anos de existência. Nós do Grupo RIC somos maringaenses há 21 anos. Desde os tempos do antigo Sistema Sul de Comunicação, temos o privilégio de viver a cidade, retratar os movimentos de sua gente, contar histórias, mostrar os negócios, os eventos, a cultura... enfim, de estarmos sintonizados com o município por meio de uma bem estruturada e cada vez mais ativa diretoria regional. Nossa ligação fica agora mais forte com o lançamento desta MaringáÉ, revista que faz parte de uma nova plataforma multimídia da RIC. Aproveitamos o momento de comemoração pelo aniversário do município para trazer uma publicação especial (devidamente acompanhada de site e de versão para tablets) que mostra e discute, de forma independente e criativa, assuntos diretamente ligados à vida dos cidadãos. O compromisso básico é simples: falar de e para os maringaenses de forma inteligente e inovadora. MaringáÉ faz parte de uma nova caminhada do Grupo. Ampliamos para o meio impresso nossa atuação em televisão, rádio e internet, seguros de estarmos cada vez mais bem sintonizados com o Paraná e sua gente. Dedicação e empenho para fazer benfeito, evoluir e crescer estão na agenda deste desafio. É essa a força que nos move. Parabéns, Maringá! Boa leitura.

Leonardo Petrelli Neto Presidente do Grupo RIC-PR.

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Diga o que Maringá significa para você e concorra a um tablet! r ngae.com.b ri a .m w w você. no site w gnifica para Cadastre-se si á g n ri a M ue um tablet. e mostre o q de ganhará a id c a re te. b se so cultural no si o rs u A melhor fra c n co o mento d Veja o regula

EXPEDIENTE Grupo Ric Fundador e Presidente emérito Mário Petrelli GRUPO RIC PR Presidente Leonardo Petrelli Neto Diretor de Conteúdo José Nascimento Diretor Comercial Gilson Bette Diretor Administrativo-financeiro André Luiz Ferreira Diretor Executivo Maringá Gustavo Garcia REVISTA maringáÉ Editor-chefe Oscar Röcker Netto Reportagem Donizete Oliveira, Fábio Guillen, Lincoln Souza e Michely Massa. Colaboraram na edição Edmundo Pacheco, José Nascimento, Marcos Peres, Oscar Nakasato e Rogério Recco. Fotografia Ivan Amorin e Walter Fernandes Tratamento de imagem Rodrigo Montanari Bento Projeto gráfico e diagramação Rodrigo Montanari Bento Capa Coletivo Mucha Tinta Ilustrações Marco Jacobsen

Maringá A revista está disponível em www.maringae.com.br

Revisão Érika Busani Marketing Michelle Reffo Distribuição O Diário do Norte Impressão Gráfica Regente Tiragem 8.000 exemplares Distribuição dirigida RIC Maringá Av. Dom Manoel da Silveira D’Elboux, 373. CEP – 87.015-320 Tel.: (44) 3218-7200 RIC Curitiba Rua Amauri Lange Silvério, 450. Pilarzinho – Curitiba – PR CEP 82.120-000 Tel.: (41) 3331-6100 Contato com o editor: (41) 3331-6125 ou oscar.netto@ricsite.com.br Edição número 1 - maio de 2013.

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índice

Feliz 100 anos O que deve mudar até o centenário.

Pág. 10

Extrapolou em 157 mil Os desafios de uma cidade que cresceu muito.

PÁG. 16

Outra cidade Megaprojeto de R$ 4 bilhões vai transformar a região do antigo aeroporto. PÁG. 22

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Jardim aberto Por que quase sempre tem flor em Maringá?

PÁG. 54

Artigos Marcos Peres narra a fantástica história de Boaventura.

PÁG. 26

(Bem) Feito aqui As invenções maringaenses que ganharam o país.

PÁG. 34

Oscar Nakasato faz um passeio de escritor premiado pelas ruas.

PÁG. 32

“Vale do Silício” Já grande, setor de TI quer ser referência internacional.

PÁG. 38

Edmundo Pacheco revela seus fantasmas da infância maringaense.

Fator aluno Como os 40 mil universitários oxigenam a cidade.

PÁG.42

PÁG. 44

Rogério Recco e a terra que impressionou Pelé e John dos Passos

PÁG.52

Expoingá As mudanças de um evento que chega à 41ª edição e atrai 500 mil pessoas.

PÁG. 48

José Nascimento mostra o impacto de uma gente amiga.

PÁG. 58



Planejamento

Feliz aniversári

de 100

Planos do Codem para Maringá em 2047 incluem trem urbano, verde mais desenvolvido e integração com a Região Metropolitana Donizete Oliveira

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Iva n A morin

o

anos O

aniversário é de 66 anos, mas o olho do Codem está em 2047, quando Maringá completará 100 anos. Muito do perfil da cidade no futuro depende de ações do presente, como bem mostra o histórico de planejamento maringaense. O Conselho de Desenvolvimento Econômico de Maringá é agente ativo neste trabalho de prospecção, estudos e projetos. À frente do

órgão, o engenheiro civil José Carlos Valêncio, 56 anos, tem bem claro o caminho que a cidade precisa trilhar. Segundo ele, é preciso focar a melhoria da produtividade de algumas vocações econômicas. Isso precisa estar alinhado com a evolução de setores fundamentais que já demonstram certo esgotamento, como transporte, moradia, segurança, saúde, saneamento e meio

Maringá


ambiente. “Aí entra o Master Plan”, empolga-se o diretor do Codem, órgão municipal criado em 1996 encarregado de propor e executar políticas de cidadania e desenvolvimento econômico. O plano é trabalhar sete linhas de ação prioritárias, que resultarão no grande “desenho” da cidade daqui 34 anos – há vários pontos de confluência com os desafios citados por especialistas na reportagem da página 16. O projeto inicial, de estruturação dessas linhas de ação está orçado em R$ 3 milhões, oriundos da sociedade civil e do poder público. A peça deverá se tornar fundamental para o desenvolvimento de Maringá e região e gerar um desenho inovador. Cada área de desenvolvimento demandará projetos específicos, e a ideia é abrir concurso para cada um deles. Parcerias público-privadas serão necessárias na viabilização dos recursos – que somaram bilhões de reais. “Vamos formar uma equipe gestora e envolver a comunidade, assim todos terão oportunidade de conhecer o projeto e opinar”, afirma o executivo. Áreas Na área de mobilidade urbana, o trem urbano é aposta de melhoria das condições de tráfego. A cidade tem atualmente 276.725 carros, segundo o IBGE. O que representa um carro para cada 1,3 habitante. “Se nada for feito, vai ficar intransitável”, diz. “Construir mais ciclovias, incentivar o uso da bicicleta e melhorar o transporte urbano completariam o projeto.” Para o meio ambiente, ele diz que o Master Plan deve contemplar ações alinhadas com a Lei Nacional de Resíduos Sólidos Urbanos, conduzindo questões como as cooperativas de catadores de recicláveis e campanhas de separação do lixo entre

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Fotos : Iva n A morin

Planejamento

Parque do Ingá: plano de melhorar gestão ambiental com integração metropolitana e melhoria na coleta de lixo.

os moradores. Hoje, a coleta seletiva em Maringá é parcial. “Não adianta deixar a separação para quem faz a coleta”, afirma. “O morador tem de fazer isso”. O lixo produzido na cidade vai para um aterro controlado, mas Valêncio diz que Maringá precisa de um aterro sanitário. A obra, aliada à educação ambiental, acabaria com os problemas gerados pelo lixo urbano. O Master Plan também contempla propostas de revitalização

dos parques de Maringá. Segundo Valêncio, não basta a cidade ser referência em áreas verdes. É preciso dotá-las de infraestrutura e construir novas áreas em espaços destinados à habitação. “Se um novo loteamento é lançado tem de haver espaço para escola, creche e área de lazer”, acrescenta. A busca de soluções precisa incluir as cidades vizinhas, trabalho que vem sendo amarrado em reuniões periódicas com


Ana Lúcia: transporte público é chave para o desenvolvimento .

Para socióloga, cidade do automóvel não se sustenta

prefeitos da Região Metropolitana de Maringá. “Para a RMM existir na prática, as ações devem ser em conjunto”, diz, citando o exemplo do trem de passageiros, cujo projeto é debatido por lideranças do Norte e Noroeste do Paraná: “Com a implantação dele entre Ibiporã e Paiçandu, passando por 13 municípios, podemos ter um trem que corta Maringá de leste a oeste, uma espécie de metrô de superfície”.

A professora Ana Lúcia Rodrigues, 50, do departamento de Ciências Sociais da UEM (Universidade Estadual de Maringá) é coordenadora do Observatório das Metrópoles na mesma instituição. Criado em Maringá em 2005, o órgão é atuante em 15 regiões metropolitanas. Doutora em sociologia urbana, Lúcia tem se debruçado sobre os problemas de Maringá. Ela diz que a cidade nasceu com um traçado urbano moderno. “O plano dos colonizadores ingleses levava em conta a qualidade de vida”, afirma. Mas faltou dar continuidade ao projeto inglês, além de incorporar os moradores de baixa renda, critica a socióloga. Sem condições de morar na cidade, eles foram parar na periferia das vizinhas Sarandi, Paiçandu e Mandaguaçu, mas continuam trabalhando em Maringá. Sem que o transporte coletivo atenda a demanda, a maioria vem de carro e motocicleta, complicando ainda mais a situação do trânsito local. “Nenhuma gestão

até agora mexeu no monopólio do transporte urbano”, diz. “O contrato entre a prefeitura e a concessionária prevê 20 anos renováveis por mais 20 com multa de R$ 1,2 bilhão caso haja rescisão”. De acordo com Ana Lúcia, o contrato prevê também que qualquer meio de transporte alternativo aos ônibus só pode ser adotado em Maringá com anuência da concessionária. “Ou seja, a prefeitura está de mãos atadas”, acrescenta. Para ela, o transporte coletivo deficiente e a falta de incentivo e condições para que as pessoas utilizem a bicicleta levaram Maringá a se tornar uma cidade de automóveis. “Esse modelo não se sustenta.” Outro gargalo, segundo a professora, é a falta de políticas habitacionais no município para atender famílias que não podem adquirir sua moradia no mercado. Pesquisas indicam que 27.500 maringaenses não têm casa própria.

Maringá


Iva n A morin

Planejamento

José Carlos Valêncio, presidente do Codem: R$ 3 milhões para estruturar os planos de desenvolvimento para os próximos 34 anos.

Principais áreas e objetivos do Master Plan »Universidade » Transformar Maringá em centro de excelência de desenvolvimento científico, tecnológico e de formação universitária. A cidade já conta com oito faculdades, um centro de ensino superior e duas universidades. »Indústria » Crescimento da indústria, com pesquisas, desenvolvimento e inovação integrada. »Meio » ambiente Integrar o planejamento urbano ambiental de todos os municípios

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da Região Metropolitana. As atividades econômicas devem ser ambientalmente sustentáveis. »Saúde » Integrar o sistema público de saúde com os sistemas das cidades da Região Metropolitana, de modo a torná-lo único e descentralizado. »Planejamento » urbano Precisa ser integrado com a Região Metropolitana, com ênfase na preservação do meio ambiente e na exploração do potencial de desenvolvimento da rmm.

»Comércio e serviços » Reforçar a vocação de polo prestador de serviços, buscando excelência no comércio e serviços de educação, saúde, comunicação, tecnologia, transporte, logística, centro de comércio internacional, eventos, turismo, lazer, artes e gastronomia. »Desenvolvimento » econômico Criar uma plataforma logística internacional, integrando o aeroporto com demais modais de transporte e criando ambientes propícios para investimentos privados.


Maringรก


gestão urbana

Extrapolou em

157 mil

Projetada para abrigar 200 mil moradores, Maringá tem o desafio de encarar o crescimento acentuado da população e manter sua qualidade de vida Lincoln Sousa

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Iva n A morin

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s primeiros traços de Maringá, feitos pelo urbanista Jorge de Macedo Vieira, projetavam a cidade para 200 mil habitantes. Com vias largas, dois parques centrais funcionando como pulmões do município e muita arborização. O equilíbrio entre o verde e o concreto seria uma referência ao modelo de Cidade Jardim, pensado pelo arquiteto inglês Ebenezer Howard. O objetivo: trazer para a cidade as benesses do campo. Mais de seis décadas após o projeto ser planejado e executado,

Maringá começa a enfrentar dificuldades para manter a qualidade de vida que lhe é marcante. A principal razão: o município abriga hoje quase o dobro (78% a mais) de moradores do que previra o plano original. São 357 mil pessoas, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Nos últimos 20 anos, a população da cidade cresceu robustos 48%, contra um aumento significativamente menor do restante do estado – 23%. Uma população em número tão maior do que o projetado impõe

desafios. É muita gente para morar, ir e vir, trabalhar, usar as estruturas do município – o que leva à necessidade de atualização permanente do projeto original, a fim de atender às novas demandas. De acordo com especialistas ouvidos por MaringáÉ, há cinco pontos prioritários para a cidade manter o “selo de qualidade”: desenvolver um plano de mobilidade urbana; integrar as áreas residenciais e os espaços públicos; descentralizar o município, tornando-o polinucleado; investir ainda mais em parques

Maringá


gestão urbana verdes e arborização; e incentivar a industrialização. Ir e vir A mobilidade urbana pode se tornar uma grande vilã neste pacote. A situação de Maringá ainda é confortável se comparada a de outras cidades. Mas ninguém gosta de trocar o precioso tempo de trabalho ou lazer por horas a mais no carro ou no ônibus, que é o que acontece quando a mobilidade se degrada. Para Fabíola Castelo de Souza Cordovil, doutora em Arquitetura e Urbanismo e professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM), a solução passa por mais investimento em transporte efetivamente de massa, como os que usam ferrovias, e os alternativos. “O carro individual está caminhando para o caos. Transportes como a bicicleta priorizam o bem comum”, avalia ela. Osvaldo Danhoni, vice-presidente do Crea-PR (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia), defende ainda que a mobilidade interna na cidade também precisa ser acompanhada de um sistema integrado com a Região Metropolitana – assim se contempla toda a cadeia dos que circulam diariamente pela cidade. Morar Ao lado da mobilidade, a verticalização da moradias, facilmente identificada na paisagem da cidade, também pede atenção. É consenso entre os especialistas que o aumento no número de grandes edifícios é natural com o crescimento populacional. O alerta é para que esse processo seja o mais harmônico possível, garantindo boas condições urbanísticas às novas moradias. “Os apartamentos precisam ter ventilação e insolação, portanto os edifícios não devem ficar quase grudados”, diz Igor Botelho Valques, mestre em Arquitetura e Urbanismo e professor da UEM.

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Igor Botelho: é preciso atenção com os critérios no crescimento imobiliário.

A situação de Maringá é bastante administrável. A cidade conta atualmente com uma relação de 732 habitantes para cada quilômetro quadrado de área. Como comparação, Curitiba tem 4 mil habitantes/km2. Fabíola chama a atenção para a necessidade de o município manter permanente zelo – “rédea firme” – nesta área, de modo que um setor (o imobiliário, por exemplo) não prejudique regiões inteiras. Para além dos prédios, uma

descentralização das coisas boas também pode assegurar qualidade da cidade. “É necessário espalhar as estruturas de lazer, educação e saúde pelos bairros”, afirma Botelho. Um exemplo que ele julga importante: mais parques. “Todos gostariam de morar em frente ao Ingá, mas não dá”. “Quem mora no centro tem uma estrutura boa e diversidade. Já o morador da periferia precisa se deslocar ao núcleo para desfrutar da estrutura pública”, completa


Fotos : Iva n A morin

Fabíola Cordovil: ”Descentralização sem mobilidade urbana não adianta”.

Fabíola Cordovil. Segundo ela, algumas estruturas descentralizadas acabaram instaladas em áreas com pouca atratividade para a população. “O Parque Alfredo Nyffler [conhecido como buracão] foi um acaso, feito para sanar um problema de erosão. Está escondido e foi construído sem se pensar em espaço público. Outra situação é o Teatro Calil Haddad, que fica longe das pessoas”, afirma. “Descentralização sem mobilidade urbana não adianta.”

Verde Apesar de Maringá ser uma cidade conhecida pelo verde, Osvaldo Danhoni, do Crea, acredita que o município precisa investir mais e melhor na área para se reforçar como modelo ambiental. “A primeira coisa que um loteamento deveria fazer, antes de comercializar os terrenos, seria plantar uma muda de árvore”, defende. Tese corroborada por Samir Jorge, engenheiro civil e diretor Regional do Sindicato dos Engenheiros

“Todos gostariam de morar em frente ao Ingá. Mas não dá.” Igor Botelho Valques, arquiteto e urbanista, professor da UEM.

Maringá


Iva n A morin

gestão urbana

Osvaldo Danhoni, do Crea: uma muda antes de começar a construir o condomínio.

no Paraná (Senge). “É preciso ter um plano que transcenda uma gestão de governo, investir em saneamento, coleta de lixo e reciclagem. É necessário desmistificar: Maringá é arborizada e não ecológica”, afirma. Indústrias Apresentada como peça-chave no desenvolvimento maringaense, a industrialização é considerada um desafio por Samir Jorge, do Senge. Há duas frentes: atrair indústrias (gerando emprego e renda) e “selecionar” o tipo de empresa mais interessante. “Com as indústrias surgem outras demandas e o município cresce. Mas quando se pensa em qualidade de vida é preciso analisar que indústrias são essas e quais impactos trarão”, afirma. Para ele, o setor de serviços também tem de acompanhar o crescimento de Maringá.

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Diretrizes são sempre reavaliadas, diz secretário O secretário de Planejamento e Urbanismo da prefeitura de Maringá, Laércio Barbão, diz que as demandas para manter e melhorar a qualidade de vida na cidade são conhecidas e estão sendo tratadas pela prefeitura. Há também, diz ele, uma permanente avaliação das diretrizes de crescimento. “Esses tópicos fazem parte da melhoria do município.” Ele adianta, por exemplo, que ainda neste primeiro semestre deverá ser apresentado um estudo tratando do desenvolvimento conjunto da Região Metropolitana. “É preciso criar uma sintonia [entre as cidades]”, afirma. A região metropolitana soma 597 mil pessoas, boa parte delas interagindo diariamente com Maringá. Outra novidade será a criação (“em breve”, mas sem data definida) de um parque verde na zona sul, que terá entre 400 e 450 hectares. O local não será aberto à visitação, mas terá pista de caminhada no entorno. Os fundos de vale do município também terão o mesmo recurso. (Fundos de vale são os pontos baixos das áreas, por onde escoam as águas da chuva, e precisam ser preservados.) “Maringá não é perfeita ecologicamente, mas estamos buscando a implementação da cidade ecológica, com melhoria da coleta de lixo, por exemplo.” No que se refere à mobilidade urbana, a prefeitura finaliza o projeto de um terminal intermodal (ônibus e trem) no centro, para onde convergirá as integrações urbanas e metropolitanas – incluindo o trem de passageiros Pé Vermelho, entre Maringá e Londrina, projeto que faz parte do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), mas que ainda não tem previsão de implementação.


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Desenvolvimento

Uma cidade dentro da cidade

Projeto deve começar a ser construído no ano que vem em área de 583 mil m2. Potencial de investimento é de R$ 4 bilhões Donizete Oliveira

P

rojeto a ser edificado na área do antigo aeroporto de Maringá terá tanto impacto que está sendo tratado como “uma cidade dentro da cidade”. Desenvolvida pelo prestigiado escritório francês de arquitetura Archi 5, uma das finalistas do Festival Mundial de Arquitetura de Barcelona, em 2008, a proposta prevê uma mudança radical nas diretrizes viárias da região – entre prédios e praças, serão 583 mil metros quadrados, com potencial de investimento de R$ 4 bilhões. O chamado Eurogarden adota uma ligação simbiótica entres os

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edifícios, ao invés de trabalhar com prédios autônomos e dissociados arquitetônica e urbanisticamente. Sustentabilidade é a palavra de ordem. Os prédios terão, por exemplo, telhados ecológicos, captação de água da chuva e melhor permeabilidade de solo. Serão erguidos de forma a receber sol e ventilação. E mesmo os prédios de fundo terão vistas para áreas de jardins. Grandioso em todos os aspectos, o Eurogarden prevê praças de 35 metros de largura, ciclovias e transporte coletivo integrado. Incentivo para as pessoas caminharem,

ônibus, carros leves sobre trilhos e linhas de transmissões subterrâneas são outros quesitos. O projeto já teve parecer favorável da prefeitura – a aprovação do loteamento deve ocorrer até julho, com início das obras para janeiro do ano que vem. O tempo para conclusão vai depender da conjuntura, mas o intervalo estimado é de 10 a 25 anos. Centro Cívico O grupo que adquiriu a área da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná pretende destinar


Simulação em 3D do Eurogarden: obras a serem feitas entre 10 e 25 anos. Re p ro d ução

parte dela para o Novo Centro Cívico de Maringá. Uma audiência pública para debater a questão foi realizada no ano passado. A boa mobilidade urbana e espaço para estacionamento seriam diferenciais importantes para abrigar órgãos públicos que atendem a população. A região será transformada num centro de investimento, o que pode gerar um estoque potencial de novos empreendimentos que pode ultrapassar os R$ 4 bilhões. “A ideia é que um ambiente gerado em sinergia agregue valor para

o poder público e privado”, diz o empresário Jefferson Nogaroli, que está à frente do grupo idealizador do Eurogarden. Nogaroli afirma que a iniciativa foi bem acolhida pelas lideranças empresariais e pelo poder público municipal, estadual e federal. Nos encontros realizados para debatê-la, a comunidade se manifestou e acatou a maioria das propostas. “É um dos maiores investimentos por um grupo privado feito aqui”, diz. “Equipara-se ao projeto do Novo Centro de Maringá.”

Interação Em audiência pública realizada no ano passado, o arquiteto Edson Cardoso disse que se buscou uma interação entre setor público e privado. Na reunião, participantes questionaram sobre a possibilidade de se construir unidades de habitação social. O então secretário de Planejamento da Prefeitura de Maringá, Walter Progiante, afirmou que em parte da área será permitido esse tipo de construção. O Eurogarden terá um parque linear de 3,5 quilômetros de extensão. As intervenções sustentáveis

Maringá


Desenvolvimento Jefferson Nogaroli: sinergia para agregar valor entre setor público e privado em negócios de R$ 4 bilhões.

realizadas estão de acordo com o Plano Municipal da Mata Atlântica. “Nossa proposta de inclusão da área pública nas diretrizes viárias do loteamento foi aceita pela União porque o projeto vai gerar benefícios para a cidade e os moradores de bairros vizinhos”, afirma Cardoso. Para Nogaroli, o Eurogarden deve atrair aposentados “jovens”, que queiram morar numa cidade moderna e com qualidade de vida. “Os fatos jogam a nosso favor”, diz. “Já temos linha rebaixada aqui, que pode ser usada para construção de um metrô ligando aquela região ao centro”. Modelo Para o professor Marcelo Farid, do departamento de Economia da UEM, a iniciativa é modelo para qualquer cidade do mundo. “Pelas condições de sustentabilidade e de construção, com prédios não muito perto um do outro, valorizando o espaço”, defende. Farid, que é coordenador do Grupo de Apoio Estratégico da Incubadora Tecnológica de Maringá, afirma que construções que preservam a harmonia do espaço com os moradores são fundamentais. “O desenvolvimento deve estar aliado à qualidade de vida, não tem como ser diferente.” Ele diz que o Eurogarden promove o aspecto estrutural e o planejamento da cidade. “Não tem mais como executar sem considerar o futuro”, comenta. Outro entusiasta do megaprojeto é o professor e reitor do Centro Universitário de Maringá (Cesumar), Wilson Matos Silva. “Maringá tem a 33a [melhor] renda per capita do país graças a essas pessoas empreendedoras que participam da construção da nossa história”, elogia.

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Ao lado, vista geral do projeto: parque linear atravessa toda a área. Abaixo, perfil da distribuição dos prédios e como será a “pegada” sustentável dos edifícios.


Ima ge ns : Re pro du çã o

Acim vê divisor de águas O projeto será um divisor de águas para a cidade e representa uma nova lufada no histórico de planejamento e vanguarda urbanística que marcam Maringá. A avaliação é do presidente da Associação Comercial e Empresarial de Maringá (Acim), Marco Tadeu Barbosa. “O Eurogarden somado ao Master Plan [ver reportagem na página 10], são dois marcos fundamentais para nosso futuro”, analisa Barbosa. Segundo ele, o setor privado será beneficiado com a valorização dos imóveis dos bairros próximos, o que deve atrair investimentos para a região. Já na esfera pública, Barbosa considera que a concentração de órgãos federais, estaduais e municipais facilitará a vida das pessoas e possibilitará prestação de serviço público ordenado e com qualidade. A Justiça do Trabalho já funciona no local e próximo está o prédio da Polícia Federal. “A construção do novo Centro Cívico no antigo aeroporto será um ganho considerável.”

Maringá


Da Verdade das Lendas

Marcos Peres, escritor maringaense, venceu o pr锚mio nacional Sesc de Literatura de 2013 (melhor romance, com O Evangelho Segundo Hitler).

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M a rco Ja cobs e n

cr么nica | Marcos Peres


N

ão direi da Maringá real. Também não pretendo narrar a Maringá literária, platônica e idealizada. Quero, como um equilibrista, justificar-me na tênue linha que liga o real ao fantástico. Quero me perder nos limites geográficos que delimitam a República da Realidade e o Império dos Sonhos. Quero, em suma, acreditar que a realidade pode ser fantástica ou que a fantasia pode ser real, indistintamente. Quero reproduzir a real (ou imaginária) história de Nelson Alexandre que conta as desventuras de uma moça e de seu afiado sexo que decepou – como os jacobinos – tantas cabeças em Maringá. A fraternidade, sim, é vermelha! Quero dizer da seita existente (será?) que prefigura que os poderes do executivo, legislativo e judiciário foram propositalmente colocados em um triângulo equilátero, sendo que, em seu centro, há fincada apenas uma Catedral em formato de querida Sputnik. Quero dizer do poeta maringaense noturno e errante que brada que foi além de Sócrates; que, enquanto o grego asseverou o memorial “Só sei que nada sei”, ele, além, afirma: “Eu nem sei se nada sei!”. “Bravo, Viva!”, respondo-o. Não é todo dia que se encontra alguém que foi além de Sócrates. Digo, principalmente, da fantástica vida e morte de João Boaventura que pode ser comprovada por quem tiver paciência e perspicácia ao revirar o Cemitério Municipal de Maringá. João Lopes Boaventura veio de Penápolis em 67, como outros que encontraram em Maringá um incerto oásis no meio de tantas armas e repressões. Filiou-se a uma república de hippies literários, institucionalizada e fundada como República Casa de Epicuro. Conhe-

ço uma sobrevivente (que preservarei a autoria) desta casa, que assim afirma: “Nossa filosofia era hedonista e existencialista; não havia espaço para política e conjuntura internacional, em nossa libertina língua, era sinônimo de sexo com gringo”. Tinham um pacto silencioso com o sistema: a República não se chocaria com os militares e, por sua vez, estes fariam vistas grossas à Casa. E, por um tempo, o objetivo foi alcançado: havia sim as drogas e a devassidão, mas como pretexto para a existência de uma casa feita de amor aos livros. Boaventura tinha uma mente poderosa: respirava Sartre, almoçava Schopenhauer, arrotava Camus. Logo se destacou com um livro existencialista. Anos depois, escreveu um romance permeado de realismo mágico. Depois, silenciouse. Disse que se preparava para seu terceiro livro – o livro que mudaria a sua vida. Estava certo. O argumento era singelo, mas poderoso: propôs-se a narrar um ato capaz de retirar a melancolia do mundo, tal como o emplastro de Brás Cubas. No entanto, para Boaventura, o mal não se resolveria com um remédio, mas com um ato simples, realizado por qualquer pessoa. Apesar de estar rodeado do caos, o mundo mental de Boaventura era organizado. Tinha em sua mente arranjado todos os capítulos e a psicologia do seu romance. E a ideia não se transformou em história porque, logo no princípio, João foi atropelado. No acidente, bateu forte com a cabeça no chão e ficou meses internado em estado grave. O médico concluiu que o forte acidente afetou seu cérebro. Uma curta entrevista confirmou: João perdeu os últimos 12 anos de memória. Desse tempo, não se lembrava de nada: dos seus livros, dos seus tantos amores, da vida insensata que viveu.

As consequências são previstas: João não se recordava dos últimos anos. Logo, não se recordava do seu inacabado livro. Assim os membros da República concluíram idealmente que João retrocedera 12 anos e, portanto, para concluir o livro, deveria vivê-los novamente: os mesmos amores, as mesmas influências, os mesmo diálogos. Apenas reproduzindo de maneira integral a concatenação de atos, influências e pensamentos é que se chegaria ao exato instante em que floresceu a ideia do livro. A república foi arrumada e a farsa instalada. Os atores por vezes eram flagrados em má atuação: o acidente tirara a memória, não o discernimento de João. Já estavam todos cansados de uma vida repleta de álcool e libertinagem em nome da literatura e logo o teatro foi fatalmente desvendado. Boaventura descobriu tudo. Após, piorou a olhos vistos. Começou a enxergar todos como inimigos, como espectadores de um livro que estava 12 anos à frente de seu entendimento. Febres o abrasavam enquanto devaneava que o autor do livro inacabado era o mesmo que agora tentava tirar sua vida. Em um ano, um câncer o matou e foi ele sepultado no cemitério municipal com uma inscrição de um filósofo grego. Aos duvidosos da história narrada, rogo que façam uma visita ao cemitério municipal. Se for ficção, não existirá nenhum Boaventura. Se realidade, haverá a inscrição de Boaventura entre os tantos que ali residem... Ou pode ser que a digitalização do cadastro dos hóspedes do cemitério tenha olvidado os mais antigos... Mas, mesmo assim, a lápide continua lá: pequena, modesta e com a frase “o tempo é o mais sábio dos conselheiros” de Plutarco. Ficção? Realidade? Não sei... Aliás: nem sei se nada sei.

Maringá


Maringaenses

Para mim,

Maringá

é...

A soma dos diferentes olhares ajuda a definir uma cidade. Num lugar de contrastes tão marcantes, convivem lado a lado conservadorismo e efervescência do desenvolvimento. E é essa mistura que ajuda a formar a alma de um lugar. Reunimos uma pequena seleção de maringaenses, nativos ou adotados, para expressarem suas percepções sobre a cidade. Veja o que o badalado cabeleireiro Wanderley Nunes, o goleiro Nei, a dupla Roberta e Santiago, entre outros, têm a dizer. Michely Massa

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Fotos : D ivu lga çã o

... origem:

Lembrança “A [antiga, já demolida] rodoviária foi um lugar que me marcou muito. O salão do meu pai, uma pequena barbearia, ficava logo em frente.”

“Minha raiz. Foi onde descobri minha vocação, observando meu pai trabalhar, e onde fui educado e recebi dos meus pais todos os valores que tenho hoje.” Wanderley Nunes, cabeleireiro maringaense. Mudou-se na década de 1990 para São Paulo, onde se tornou referência nacional – é chamado de “cabeleireiro das estrelas”. Foi considerado um dos dez melhores profissionais do mundo em 2009 (prêmio World’s Top Ten Hairdressers, na Alemanha).

Vale conhecer Praça Pio XII Codinomes: praça das antenas, da caixa d’água ou do cogumelo. Fica num dos pontos mais altos da cidade, onde estão as antenas de tevê. Cogumelo é uma referência ao formato da caixa d’água presente na praça. Vista privilegiada do pôr-do-sol.

... coração:

“É a cidade dos meus afetos. Nasci aqui, meus filhos também. Sou a primeira geração de maringaenses da família. Cravei minhas raízes nesta terra e tenho orgulho disso.” Paolo Ridolfi, artista plástico, iniciou sua trajetória na década de 1980, em São Paulo. Já expôs em diversas galerias do país.

Maringá


Maringaenses

...preferência:

“Minha casa. Viajei o mundo todo, conheci vários lugares, mas é daqui que eu gosto.” Valdinei Cunha, mais conhecido como Nei, ex-goleiro do Corinthians, com passagens por Fluminense, Santos e Coritiba. Voltou à sua cidade natal há cinco anos. Foi campeão brasileiro (1998), paulista (1997/1999) e carioca (1995).

Estádio Willie Davids. “Foi ali onde comecei minha carreira.”

Fo to s : Ivan A m o ri n

... sedução:

“É a constante primavera estampada em um cartão postal ao vivo, como a graça e a beleza de uma mulher que com seu sorriso nos encanta e nos faz desejar ficar sempre ao seu lado.”

Vale conhecer Palco do teatro Calil Haddad.

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Vale conhecer

Bem-Hur Prado, ator e produtor teatral paulistano, vive em Maringá há 15 anos. Já produziu peças com atores consagrados como Paulo Autran, Jorge Dória, Luís Gustavo e Juca de Oliveira. Atualmente está em cartaz com a comédia teatral Um edifício chamado 200.


... terra mãe:

“É daqui que veio minha essência, minhas raízes.”

Catedral. “Lá, me sinto próxima a Deus. Tem um clima ótimo, muitas famílias frequentam.”

D ivu lga çã o

Roberta, da dupla de sertanejo universitário Roberta e Santiago, nasceu em Maringá, começou a cantar com 14 anos ao lado do pai. Malhado e gostoso é no novo hit brasileiro – e caiu no gosto do craque Neymar.

Vale conhecer

... alento:

“Paz, energia positiva. É uma cidade arborizada e eu gosto disso.” Santiago, da dupla de sertanejo universitário Roberta e Santiago, nasceu em Medianeira e mora em Maringá.

Vale conhecer Parque do Ingá. “Lugar tranquilo, bom para passear, levar a família. Sempre que posso, vou lá para ficar um pouco mais em sintonia com a natureza.”

Maringá


M a rco Ja cobs e n

crônica | Oscar Nakasato

Minhas ruas de Maringá

M

anhã de recesso no trabalho, chuva em Apucarana, as crianças no colégio, a mulher no mercado. Hora de passear pelas ruas de Maringá. Começo pela Líbero Badaró, onde o Colégio Gastão Vidigal recebe alunos barulhentos com tênis “de marca”, camiseta e calça de malha. O portão é o mesmo que se abria para um menino tímido usando calça de tergal azul-marinho, camisa branca e Conga. Sigo reto e encontro a Avenida Herval, que era rua. Depois, a alargada Avenida Colombo, pela qual desço em direção à Eduardo Werneck, que também era rua. Paro em frente ao Sesc, cuja cara não sofreu grandes intervenções do tempo ou do homem. Nas estantes de sua biblioteca, observado pelos olhos carinhosos de Irene, conheci

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precocemente Machado de Assis e José de Alencar. E em seu grande salão, num torneio de judô, envergonhei-me diante de uma pequena plateia que ria ao ver minha calça de cordão afrouxado descer até o chão durante uma luta. Em frente ao Sesc, o Chico Neto climatizado, moderna peça de um grande complexo esportivo. Num domingo, meu irmão me levou ao ginásio para assistir a uma partida de futebol de salão com atores de tevê. Fui para ver Sônia Braga, que daria o pontapé inicial. E numa noite, eu e alguns amigos cabulamos a aula para assistir ao show de Mercedes Sosa. Não estávamos dispostos a pagar, por isso fomos à parte posterior do ginásio, onde sabíamos que um braço enfiado sobre um vão que havia entre a

porta e a viga de concreto poderia destravar um trinco. Não contávamos com um sisudo guarda que estava de plantão do outro lado, pronto para flagrar adolescentes irresponsáveis. Corremos em meio a um mato rasteiro que crescia nos fundos do ginásio, demos a volta, compramos os bilhetes e entramos pela porta da frente. Lembro-me do arrepio ao som do tambor logo na entrada, depois a figura colorida de Mercedes, sua voz gigante, Gracias a la vida. Retorno pela Eduardo Werneck, cruzo a Colombo e sigo em direção à universidade. Na primeira esquina, viro à esquerda. Rua Osvaldo Cruz. Chego, enfim, diante do número 91, que identifica um prédio estreito de quatro andares, parecido com tantos outros edifi-


Oscar Nakasato, escritor maringaense, vive hoje em Apucarana, onde é professor de Língua Portuguesa na Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Prêmio Jabuti de melhor romance de 2012, com Nihonjin.

cados no lugar das simpáticas casas de madeira com varanda à frente e jardim de rosas e margaridas, hoje substituídas por invariáveis canteiros monocromáticos. O edifício se ergue no terreno onde antigamente uma casa cinza, aconchegante, abrigava uma família feliz. Era o meu lar num tempo em que ainda se morava em casas de tábuas com quintais grandes, onde mangueiras e abacateiros testemunhavam as brincadeiras e as artes das crianças. As casas tinham piso cimentado com uma camada de “vermelhão” que as mães e as irmãs mais velhas mantinham brilhantes usando cera Canário e escovão. Nesse chão nos esparramávamos para jogar bafo e disputar as figurinhas que colecionávamos. Vejo ao lado do 91, a casa de

seu Inácio, heroicamente ereta, mas espremida entre dois prédios. Diante da cerca que dividia as duas casas, eu ficava na ponta dos pés para assistir, com medo e curiosidade, as contendas de galos de briga na rinha que meu vizinho montava em seu quintal. Sigo pela Osvaldo Cruz até a esquina com a Rua Paranaguá, onde um edifício em construção rouba a cena do bar da dona Zélia, que atraía as crianças que queriam chupar um picolé, comer um canudo com maria-mole ou um doce de abóbora coração. Desço pela Paranaguá até o CEEBJA. Ah, penetrar a tela, abrir as portas das salas, passear pelo pátio. Era a Escola Santa Maria Goretti. Não gostava da sopa servida em copo de iogurte, mas a novidade

do arroz doce me conquistava. As canetinhas Sylvapen da menina rica da sala eram invejadas. Eu era sempre escolhido para anotar os nomes dos bagunceiros na ausência do professor. Na festa junina, não imaginávamos que o coelhinho se estressava e buscava no interior da casinha a nossa ausência. E o namoro com a japonesinha da turma porque era a única japonesinha da turma era invenção dos outros em idade em que o prazer eram as brincadeiras. A chuva cessa, as crianças retornam do colégio, a mulher, do mercado. Hora de desligar o Google Maps Street View, esfregar os olhos úmidos para enxergar melhor, pisar firme as ruas do presente, que, afinal, foram ladrilhadas com pedrinhas da Osvaldo Cruz, da Líbero Badaró, da...

Maringá


Inovação

Sagacidade, inspiração e trabalho duro estão por trás de três invenções maringaenses que ganharam o país Fábio Guillen

A

inovação é um dos principais motores da economia e da sociedade. Ter uma boa ideia e implementá-la requer inteligência, talento e esforço. Tudo isso recompensado muitas vezes pelas benesses de se conquistar clientes e/ou de criar algo de impacto para um setor. MaringáÉ traz três casos emble-

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máticos de projetos desenvolvidos na cidade e que se expandiram pelo estado e mesmo pelo país – uma amostra do nível de inovação registrado na cidade. “Quando colocadas em prática, ideias como essas se transformam em empresas, que geram empregos, movimentam a economia e ajudam a cidade a crescer”, resume Bruno

Guimarães, consultor do Sebrae. “São pessoas muito importantes para o cenário empresarial nos dias atuais. Muitos conseguem pensar e ter ideias inovadoras, mas poucos, bem poucos, as colocam em prática.” Conheça a seguir detalhes da história do semáforo inteligente, do pão para diabéticos e das academias ao ar livre.


Iva n A morin

Pérsio Bortolotto: pai inventor sofreu com burocracia de Brasília.

Em sequência é melhor Na década de 1970 Maringá era uma cidade jovem com ritmo intenso de trabalho dos pioneiros. Um deles, Divino Bortolotto, passava diariamente por um semáforo da Avenida Herval. Tinha dificuldade quando o sinal fechava. Sem conseguir parar a tempo, quedou-se no meio do cruzamento inúmeras vezes. Mecânico de veículos na época (referência em câmbio automático e caixa de voltagem), Bortolotto bolou um sistema que permite visualizar melhor quando o sinal vai abrir ou fechar, aumentando assim a segurança nos cruzamentos. “Ele criou um protótipo de semáforo do jeito que achava que deveria ser”, conta o filho Pérsio. Pegou uma caixa de maçã, colocou várias lâmpadas de farolete, pintouas e foi fazendo testes. Montou o equipamento e o instalou na movimentada Travessa Mesquita, onde funcionava a antiga rodoviária. Estava criado o semáforo sequencial,

hoje presente em cerca de 90 cidades brasileiras. Mas o caminho foi longo, e o sucesso só veio por causa da tenacidade do inventor. Divino entrou com pedido de homologação no Conselho Nacional de Trânsito (Contran) em 1975. Esperou 21 anos pela resposta, período em que a burocracia federal ajudou a corroer sua saúde. “Ele sofreu muito”, lembra o filho. “Tinha pressão alta e outras doenças que desenvolveu porque ficava irritado com a demora.” Após várias “viagens de cobrança” a Brasília, a resposta positiva chegou. Divino já estava, no entanto, com a saúde debilitada. Morreu três meses depois de o produto receber autorização para ser fabricado. Os filhos Pérsio, hoje com 53 anos, e Pedro, 58 anos, levaram a missão adiante. O semáforo ainda precisava ser testado para verificação da eficácia. Os dois assumiram a empresa SDM

Componentes Eletrônicos Ltda., fundada em 1989. Em 1993, o Contran finalmente foi aos testes para decidir a homologação e instalou um sequencial no eixo monumental de Brasília. Os técnicos acompanharam o funcionamento durante meses e fizeram uma pesquisa de opinião entre motoristas, que aprovaram amplamente a novidade. O invento de Divino está hoje em grandes centros, como Florianópolis (SC), Natal (RN) e Curitiba. Em Maringá, a maioria dos cruzamentos tem semáforo sequencial. Uma pesquisa feita pela UEM mostrou que nos pontos onde ele foi instalado houve redução de até 45% nos acidentes. Os filhos de Divino deram continuidade às ideias inovadoras do pai e melhoraram o projeto do semáforo, que atualmente é fabricado com lâmpadas de LED, que melhoram a visibilidade e consomem menos energia.

Maringá


Iva n A morin

Inovação

Roberto Naganhama, na academia adaptada por ele: 2 mil municípios compraram a ideia.

Saúde ao ar livre Imagine ter uma academia para se exercitar sem ter que pagar nada pelo benefício? Roberto Naganhama imaginou. E sua ideia – as ATIs (Academias para a Terceira Idade) – hoje está presente em quase 2 mil municípios de 17 estados brasileiros. Ex-secretário de esportes de Maringá, em 2005 ele recebeu a incumbência do então prefeito de desenvolver algum projeto em prol da saúde dos idosos. Com mais de 30 anos de experiência na área de fitness, Nagahama, 54 anos, viu na televisão uma reportagem sobre o sucesso de academias ao ar livre em Pequim (China). “Podíamos adaptar a ideia chinesa, focando apenas o público idoso”, lembra ele. Para botar a ideia em prática, recorreu a Paulo Ziober, amigo empresário do ramo metalúrgico

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em cujas oficinas os equipamentos foram criados. “Era a noite toda cortando ferro, entortando, fazendo testes com pessoas da terceira idade e desenhando as peças. Começamos do zero, mas, depois de meses chegamos ao primeiro protótipo, com dez equipamentos que hoje são a base para a academia”, diz Nagahama, dono de três academias “normais” na cidade. Instalados ao ar livre, os equipamentos precisam ser mais resistentes e ter baixa manutenção. Consegue-se isso produzindo-os com poucas soldas. O usuário trabalha músculos e articulações sem se sobrecarregar, já que todos os exercícios são feitos com, no máximo, o peso da própria pessoa – e boa parte deles, com peso nenhum. Dá resultado? O município reduziu, em média,

25% a entrega de medicamentos e consultas para a terceira idade nos postos de saúde, diz o inventor. “Valeu a pena.” Das esquinas de Maringá, o projeto se espalhou pelo país. Brasília, a capital federal, por exemplo, comprou 200 academias completas no final do ano passado. Paulo Ziober patenteou o invento e sua fábrica hoje emprega mais de 40 pessoas. Cada academia, com dez equipamentos, custa em média R$ 20 mil. O invento fez o município ganhar reconhecimento do Ministério da Saúde por promover a prática de atividade física e levou vários prêmios de inovação e empreendedorismo. Roberto Nagahama não parou por aí. Recentemente, lançou a Estação Saúde, para jovens. “Em breve também estará em todo o Brasil.” Alguém duvida?


Iva n A morin

Carla Manfrinato, que investiu no projeto mesmo com descrença geral: “Realizei um sonho”.

Carla e seu ovo de Colombo Dois anos de pesquisa em laboratórios de nutrição, noites em claro tentando combinar nutrientes, dedicação a um projeto desdenhado por colegas. Carla Manfrinato, 28 anos, passou por isso e mais um pouco para criar um alimento inovador: o pão francês para diabéticos. “Ninguém acreditou em mim. Até uma professora de faculdade não acreditava no que eu estava descobrindo. Chegou a me dizer que nunca me veria como profissional”, lembra a nutricionista. Carla criou sua versão do ovo de Colombo. O segredo foi tirar o açúcar da receita do pãozinho, mantendo o gosto de... pãozinho! Por conta da doença, diabéticos só podiam comer pão integral, que não faz alegria gustativa de todo mundo mas não altera a taxa de açúcar no sangue.

A saga da nutricionista começou na adolescência, quando já tinha curiosidade sobre o funcionamento dos alimentos no organismo. Na faculdade, aprendeu que o pão francês, tão consumido pelos brasileiros, era pobre em nutrientes. Surgiu a ideia de incrementar o valor nutritivo. “Eu queria enriquecê-lo com fibras e também fazer algo pelos diabéticos”, conta ela. Conseguiu. O ingrediente responsável pela “mágica” é segredo (e está devidamente patenteado). Trata-se de uma fibra, vinda da Bélgica, que inibe o aumento na taxa de açúcar no sangue. “A fibra é totalmente natural e traz benefícios, como a redução do colesterol e controle de saciedade”, assegura. “E o sabor é o mesmo do pão francês tradicional.” O pão de Carla foi reconhecido por universidades da

Bélgica e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como alimento funcional. O trabalho mudou a vida da família Manfrinato. O pai, professor aposentado, e a mãe, dona de casa, abriram uma fábrica de panificação há pouco mais de dois anos e ajudam a filha a divulgar o produto. “Agora, estamos investindo em novos equipamentos e vamos vender a mistura pronta do pão para todo o Paraná. Já consegui a autorização da vigilância sanitária”, diz. Com a pré-mistura, que começa a ser comercializada ainda neste ano, o pão francês para diabéticos tende a ganhar adeptos. O preço do produto é o mesmo do pão francês convencional, em média R$ 10 o quilo na cidade. “Realizei um sonho”, conta Carla. “Provei que se a gente correr atrás a gente consegue.”

Maringá


Fronteiras do crescimento

Vale do Silício Pé-vermelho Cidade tem segundo maior polo de software do Paraná, viabiliza parque de TI para 2030 e inspira-se nos EUA para ser potência digital Lincoln Sousa

A

gricultura potente, polo de vestuário, centro acadêmico desenvolvido, associativismo amarrando isso tudo. A produção econômica e de conhecimento de Maringá tem, no entanto, outra referência, menos badalada, já forte, com alto potencial futuro e ambição arrojada: tecnologia da informação, especialmente a produção de softwares. Com 400 empresas, o setor gera 4 mil empregos na cidade. A produção de software absorve cerca de 120 empresas e metade dos empregos, o que faz de Maringá o segundo maior polo da área no Paraná (atrás apenas de Curitiba). Os números robustos servem de

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base para uma projeção ousada. A meta é se tornar referência internacional no setor até 2030 – uma espécie de Vale do Silício Pé-vermelho, numa analogia à região dos Estados Unidos que é o berço e sede das principais empresas digitais do mundo. Essa visão de longo prazo começou a ser trabalhada após 2005, com a fundação da APL (Arranjo Produtivo Local) de Software de Maringá, que ajuda na articulação entre o grupo de empresas da área e na interação com o governo, entidades de classes e outras corporações privadas. “O setor é muito estratégico”, diz Érica Sanches, gestora de projetos de software do

Sebrae em Maringá. “Também é muito transversal; trabalha com os outros setores, como metalmecânica e vestuário, fortíssimos em Maringá.” As empresas maringaenses atuam principalmente no desenvolvimento de softwares de gestão, voltados para administração e negócios – área em que a cidade é referência no país. “No ano passado realizamos metade dos CMMI (Capability Maturity Model Integration) feitos no Brasil”, diz Érica sobre uma das mais importantes certificações internacionais do setor. “Com isso, ganhamos competitividade.”


“Quem se forma quer ficar em Maringá” Eduardo Batista Veiga Neto (foto) faz parte do valorizado time de profissionais que atua na área de desenvolvimento de softwares. Formando em Ciência da Computação pela UEM, está há sete anos na ID Brasil. Natural do interior de São Paulo, veio a Maringá para estudar e com planos de se mudar para um mercado maior depois de formado. Mudou de ideia. “Hoje quem se forma na área quer ficar em Maringá e muitos profissionais que foram embora estão voltando”, diz ele. “Isso se deve ao desenvolvimento da produção, à estrutura das empresas, parcerias e a melhores condições de trabalho.” Ivan A m o ri n

Exemplo Se a inspiração é o Vale do Silício, nada melhor do que ver de perto o que se faz por lá. Uma comitiva maringaense foi aos Estados Unidos no ano passado e outra – maior – apronta as malas para ir este ano. Coordenador da APL desde 2011, o empresário Ademir Sanches Farias garante que o “ver de perto” vale a pena. “Muito do que aprendemos lá, já estamos fazendo em Maringá”, afirma. Exemplo: “Estamos tentando criar um ambiente de startups e formar grupo de investidores com capital-semente”. Segundo ele, a localização da cidade (próxima ao Mercosul) contribui para aumentar o potencial do setor. “Em 2030, queremos ter um

parque de TI.” O parque está em fase de “articulação política” e construir um “vale”, como se sabe, demanda uma série de desafios. Encontrar mão de obra especializada suficiente, por exemplo, será um deles. Internacionalizar as empresas e estimular alavancagem de investimentos privados são outros, tão importantes quando o primeiro. Farias lembra que nos Estados Unidos é comum novas empresas (as startups) receberem investimentos que possibilitam seu desenvolvimento. “É preciso desenvolver isso aqui”, afirma. “Quando se tem recursos, as boas ideias se viabilizam.”

Neste setor, dinheiro diz pouco se não houver uma boa ideia por trás, de onde nasce a necessidade de incentivo permanente à criatividade. Daí que está sendo formado em Maringá um ecossistema de startups, com modelos de negócios inovadores – como ocorre no Vale do Silício. O processo está sendo discutido e desenhado. A ideia é reunir num “ambiente” propício todos os agentes importantes para o setor (poder público, universidades e empresas). Érica Sanches ressalta, no entanto, que várias startups já estão em funcionamento na cidade, mesmo que fora da APL ou deste ecossistema que está sendo criado.

Maringá


Fronteiras do crescimento

Expansão segura profissional Fernando Fukui (foto), formado em Ciência da Computação, foi contratado como trainee pela DB1 em 2005; está até hoje na empresa. Fez parte do processo de implantação do escritório na Índia e conta que não pensa em se mudar de Maringá, principalmente por causa da qualidade de vida na cidade. “Também tenho visto o crescimento de onde trabalho”, acrescenta. Ivan A m o ri n

De Maringá para a Índia Criada em 2000, a DB1 Informática transformou-se na maior empresa – com capital 100% maringaense – do setor da cidade e expandiu fronteiras. Hoje tem escritório em Presidente Prudente e em Hyderabad. Na cidade paulista, foi atrás dos numerosos acadêmicos locais para mão de obra. Na Índia, inseriu-se num dos maiores centros desenvolvedores de software do planeta, onde estão companhias como Oracle, Microsoft e IBM. “Lá trabalham sete funcionários, que estão desenvolvendo um soft­ ware de agropecuária, com foco em fazendas com mais de mil cabeças de gado. Quem lidera a equipe é um indiano que já morou no Brasil”, diz

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o proprietário Ilson Rezende. Estar num centro mundial ajuda a driblar um problema bem local: a falta de mão de obra especializada, hoje o principal gargalo da empresa. “Em Maringá é quase impossível contratar. Tenho pessoas de Londrina, Cascavel e Jacarezinho, por exemplo. Se passar no vestibular em alguma área de TI, já contrato”, garante Rezende. A empresa tem 130 funcionários e atende mais de 300 empresas espalhadas pelo Brasil – entre elas, Bradesco, GVT, Unifrango, HSBC e BMG. São quatro unidades de negócios: fábrica de software, que desenvolve programas sob encomenda para médias e grandes em-

presas; sistema de gestão empresarial, com foco na média empresa; software de gestão de descontos, voltado para empréstimo consignado em folha de pagamento; e software de gestão pecuária. Uma das pioneiras na cidade, a DB1 alavancou sua atuação com parcerias com o Sebrae e a Acim (Associação Comercial e Empresarial de Maringá). Também levou o Prêmio MPE Brasil (voltado para a avaliação de gestão da micro e pequena empresa). Com o certificado CMMI na parede, ficou nos últimos três anos entre as melhores empresas de TI para se trabalhar no Brasil, de acordo com levantamento da consultoria Great Place to Work.



Crônica | Edmundo Pacheco

Fantasma da infância Edmundo Pacheco, jornalista, é editor-chefe da RIC Maringá.

- Pai!... Pai!... Pai!... Lembro-me da cena como se acabasse de vê-la. 1969. Minha mãe deixara meu pai, moribundo, no hospital do Exército, em Curitiba. Voltou a Maringá, onde não tínhamos nada, nem ninguém. Descemos as ruas poeirentas da Vila Operária, de onde ela saiu, dias depois, com um novo marido. Não teve como contar que tinha dois filhos. Fiquei órfão de pai e mãe vivos. Sozinho na Cidade Canção, sonhei ser guarda-mirim. Brinquei no terreno onde seria o Parque de Exposições, fui ajudante de pedreiro na construção dos primeiros galpões e flanelinha na Churrascaria Chopin (onde está o pavilhão Azul). Montei, com os olhos, cada peça do tobogã (que nem existe mais). Lavei os banheiros do Posto 120. Colhi café no sítio que virou Jardim Liberdade. Ajudei o Henrique Andó e aprendi a andar de bicicleta na chácara do pai dele, ali na Rua José Bula, que terminava na plantação de alface, vizinha ao prédio abandonado da Supergasbrás (hoje, o Big). Levei marmitas para os pedreiros que demoliram o auditório

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da rádio Cultura e construíram o edifício Leonardo Da Vinci. Saltei, sem pagar, as portas traseiras dos ônibus da Viação Maringá (hoje TCCC) e quase quebrei o braço pulando de trem, a caminho da UEM. Namorei as bicicletas das vitrines da Hermes Macedo e da Prosdócimo, as roupas da Cunha Rego, os ‘fordões’ da Pismel da Brasil e as meninas do João XXIII (e me casei com uma delas). Roubei frutas na Ceasa da São Paulo e vendi pastel em todas as feiras de todos os bairros desta cidade. Corri pelas calçadas íngremes do viaduto do café... Fiz compras na Casa Moreira e participei do saque aos queimados da Alô Brasil. Cresci perambulando por estas ruas, onde conheço cada árvore, cada esquina. Ouvi as novelas e os sucessos do Ivo na “rádio...Atalaia... Maringá...” e o Ferrari Junior na tribuna do povão. Li prateleiras inteiras da biblioteca pública, primeiro na esquina da XV com a Duque e mais tarde na esquina com a Getúlio. Fui adolescente no Kuka’s, na Senzala e na Sheiks... Contemplei centenas de domin-

gos pelo Parque do Ingá e Horto, ouvindo as vitrolinhas dos namorados. Desci o buracão da Morangueira, me segurando nos pés de mamonas e brinquei no riacho que virou Alfredo Nyfler. Caí de bicicleta indo pro vale Azul e quase me afoguei ao cruzar o lago até a sede do Grêmio, de boia. Caminhei assustado pela estrada do matadouro (Gurucaia) e senti o fedor do lixão, do que hoje é o Cesumar. Tomei vacina no postão da Catedral e fui às matinês do Cine Horizonte, do Vila Rica (depois Peduti) e do Maringá. Ficaria dias falando de tudo o que vivi em minha Maringá, mas consigo resumir estes 44 anos numa imagem... A imagem de meu pai, caminhando pela rodoviária Américo Dias Ferraz, sob o neon piscando o “seja bem-vindo a Maringá”. Ainda hoje, quando estaciono naquele terreno, ouço a canção soar em meus ouvidos: (Maringá, Maringá)... Depois que tu partiste, tudo aqui ficou tão triste... E meu fantasma infantil passa por mim, com os braços estendidos, gritando: Pai!... Pai!... Pai!...



Grande república

O fator aluno

Ivan A m o ri n

Os cerca de 40 mil universitários do município agitam a cidade, mexem com a economia e ajudam a oxigenar vários setores Fábio Guillen

B

em-consolidado polo estudantil, Maringá conta hoje com cerca de 40 mil estudantes universitários – aproximadamente 11% da população. Para muito além de encherem as salas de aula, laboratórios, bibliotecas, shoppings, bares e baladas, este exército (em sua maioria) jovem tem forte influência no perfil da cidade. O alto nível educacional tem consequências diretas na qualidade de vida: a cidade passa a contar com bons profissionais em diversas áreas e muitos dessa turma estimulam

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permanentemente a criatividade nos mais variados setores. “São o oxigênio da cidade”, resume a socióloga Ana Lúcia Rodrigues, coordenadora do Observatório das Metrópoles da UEM. “Temos uma cidade de gente que pensa, de pessoas criativas, com vontade de pesquisar, estudar e se divertir.” A influência econômica não fica atrás. O economista e professor universitário Joilson Dias lembra que a educação superior permite ganhos na produtividade dos profissionais, “em todos os aspectos”. “Economias

que escolheram a formação de capital humano hoje são bem-sucedidas”, diz ele. “As pessoas que moram aqui podem contar com melhores médicos, engenheiros, dentistas, professores etc.” Histórico A força do polo universitário maringaense decorre dos tempos da criação da cidade, planejada para ser centro de referência da região Noroeste do estado em várias áreas. A educação ganhou força na década de 1960, quando se lutou pela implanta-


“A gente vem para o Brasil para completar um ciclo, que é estudar, se formar e depois voltar para nosso país. Mas quando a gente conhece Maringá fica encantado e volta com o coração na mão.” Edna Carla Muaca, 24 anos, angolana e estudante de Gestão de Recursos Humanos. Na foto, ela com o marido, Eduardo André, também angolano, e a filha, Mirlalia Eduarda, que nasceu em Maringá.

ção do primeiro curso de graduação – até então, quem quisesse ensino de terceiro grau, tinha de se mudar. “O planejamento foi extremamente eficiente”, diz Ana Lúcia. A criação da Universidade Estadual de Maringá (UEM), em 1969, foi o marco inicial da cidade universitária. Com o passar dos anos, a demanda por ensino superior aumentou. As mudanças econômicas e sociais no início dos anos 90 abriram oportunidades para novas instituições na cidade, lembra o historiador Gilson Aguiar. “A partir

de então, com a opção de Maringá pelo investimento em prestação de serviços e o abandono dos projetos industriais e atacadistas, gerou-se ambiente propício para o ensino superior”, analisa. Nos anos mais recentes, a ampliação do crédito estudantil impulsionou o crescimento das faculdades particulares. “Em média, 50% dos alunos das universidades particulares usam o financiamento público ou privado para pagar os estudos”, diz Aguiar, citando dados do Ministério da Educação.

Melhorar Apesar do polo estudantil bem pensado e executado na cidade, a socióloga Ana Lúcia diz que é preciso melhorá-lo. “O município deveria ter mais políticas públicas para aproveitar melhor a força de vontade dos jovens na cultura e no esporte”, sugere. “Espaços de cultura e esporte abertos ao público 24 horas por dia. Se fizéssemos isso com certeza iríamos produzir mais arte e formar mais lideranças.”

Maringá


Grande república

Ivan A mo ri n

Campus em Maringá: 11% dos moradores da cidade são universitários.

Economia gosta de estudante Não só os candidatos ficam ansiosos em tempo de vestibular. Só o maior concurso da cidade, o da UEM, reúne 25 mil vestibulandos. Número suficiente para fazer brilhar os olhos de donos de hotéis e restaurantes, entre outros. São três dias de movimento intenso, filas e correria nas principais ruas da cidade. Segundo a diretora-executiva do Maringá e Região Convention & Visitors Bureau (MRC&VB), Yara Linschoten, os vestibulares da UEM e do Cesumar são os eventos com maior impacto para o setor turístico local.

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“A rede hoteleira é a maior beneficiada, mas os outros segmentos, como shoppings, casas noturnas, restaurantes e táxis, também comemoram bons negócios”, afirma. Ela diz que o curso de Medicina (há três na cidade) tem especial impacto, já que reúne mais inscritos de fora da cidade. “Nestes casos, seis meses antes das provas, já há bloqueio na agenda dos hotéis.” Pós Depois dos vestibulares, a correria é dos calouros estrangeiros para garantir moradia. De acordo com o vice-

presidente regional do Sindicato de Habitação e Condomínios do Paraná (Secovi-PR), Téo Granado, o número de locação de imóveis aumenta 30% após a divulgação dos aprovados. “Os estudantes têm um peso importante na economia. Ao concluí­ rem a graduação, muitos acabam ficando na cidade e, com renda maior, compram imóveis”, afirma Granado. O economista Joilson Dias lembra que outro ponto importante é a movimentação com festas e formaturas. “Cada estudante investe R$ 5 mil, em média, numa festa de formatura.”


30 mil e mais um tanto O mais recente Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística contou 30 mil estudantes universitários em Maringá. Segundo a socióloga Ana Lúcia Rodrigues, o levantamento do IBGE, no entanto, não inclui todos os estudantes universitários da cidade. “Os dados do último IBGE não somam estudantes vindos de fora. Esses 30 mil são os que moram na cidade. Quando o IBGE

chega às repúblicas e os alunos dizem que moram em determinada [outra] cidade, essa estatística vai para o município que o estudante disse e não para Maringá”, diz a socióloga, que estima em cerca de 10 mil o número de estudantes “estrangeiros”. O número de Ana se aproxima dos dados informados pelas principais instituições de ensino superior da cidade.

Casa cheia

Veja o número de estudantes por instituição Instituição

UEM Cesumar PUC Faculdade Alvorada

Total de alunos

22.676 12.000 949 1.200

Alunos de outras cidades, em %

58 50 34 20

*Outras quatro instituições não informaram os números. No total a cidade tem oito faculdades, um centro de ensino superior e duas universidades.

Contagem do IBGE Censo de 2010 Grau

Quantidade de alunos

Graduação Especialização Mestrado Doutorado

22.805 2.604 1.026 528

10 mil estudantes é o número aproximado de universitários que estudam em Maringá, mas dizem morar em outra cidade.

Vim, vi e gostei As universidades de Maringá atraem estudantes de várias partes do Brasil – e mesmo de outros países. Muitos vêm com o plano de se formar e voltar para a cidade de origem; alguns acabam mudando de ideia ou tomando rumos bem diferentes do que planejavam inicialmente. Eduardo André, 26 anos, por exemplo, deixou Luanda, capital da Angola, para estudar em Maringá em 2008. Tinha em mente concluir a faculdade de Redes de Computadores e voltar. A vida, no entanto, mudou radicalmente. “Conheci uma mulher muito linda”, diz André sobre sua esposa, Edna Carla Muaca, de 24 anos. Edna também é de Luanda e também veio estudar. O casal tem uma filha, Mirlalia Eduarda, de um ano, maringaense. “É uma benção”, diz a mãe. Ela chegou em 2008 para cursar Biomedicina, mas trocou para Gestão de Recursos Humanos. “Descobri que essa é minha vocação.” Já formado, Eduardo trabalha em uma empresa de software. O casamento adiou o retorno a Angola; viagem que fará em maio para prospectar emprego por lá. A ideia é ter tudo preparado para quando a família voltar. Edna tem mais um ano até se formar. “O coração fica partido, mas faz parte da vida. Se eu pudesse ficaria aqui para sempre. Gosto muito desta cidade; não tem como esquecê-la.” Flávio Tomohisa, 26 anos, estudante de Comunicação, também gostou. Vindo de São Miguel Arcanjo, interior de São Paulo, adaptou-se logo à cidade – a única exceção é o calor, que não gosta. Ele deve concluir seu curso em mais dois anos. E depois? “Quero ficar mais um tempo. Vou pegar mais experiência, estudar mais e, quem sabe, depois volto para São Paulo”, diz ele, que já faz estágio remunerado.

Maringá


Evento

Sempre é tempo de reinventar

Com o tema sustentabilidade, Expoingá espera movimentar R$ 260 milhões este ano Lincoln Souza

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U

m dos cinco mais importantes eventos de agropecuária do país, a Expoingá chega este ano a sua 41a edição. Tamanha longevidade requer uma permanente reinvenção para se manter relevante – coisa que um evento que enfrentou a Geada Negra de 1975 e se voltou para a internacionalização nos anos 90 soube fazer. Tanto que o público esperado para este ano fica na casa do meio milhão de pessoas. A maior parte dessa multidão é atraída pela seleção de 12 shows musicais e pelas inúmeras atividades

de lazer. O grupo dos que fazem negócios, no entanto, garante o peso econômico do evento, que espera movimentar pelo menos R$ 260 milhões nos 11 dias de feira. O tema do encontro é pouco usual (embora cada vez mais presente) quando se fala em agropecuária: sustentabilidade. Além de discussões técnicas sobre o assunto, haverá ação prática: as centenas de banners dos expositores serão transformadas em sacolas recicláveis. “Temos um público bem heterogêneo, desde a família que visita a feira e alguém que compra uma bota de


D ivu lga çã o

Mascote da Expoingá, evento que atrai cerca de 500 mil pessoas por edição.

a Expoingá precisou se adaptar ao novo mercado, trazendo novidades. Assim, todos evoluíram.” 2013 Os R$ 260 milhões em negócios projetados para este ano representam 116% a mais do movimento de 2009. Para rodar toda a engrenagem do evento, são gerados cerca de 10 mil empregos (diretos e indiretos). Há 16 leilões programados, 12 mil animais em exposição e 912 expositores participantes. No campo da diversão, Gustavo Lima e a dupla Fernando e Sorocaba são os destaques de uma programação que inclui outras 50 demonstrações artísticas, além de três dias de rodeio.

couro até um produtor rural que investe numa colheitadeira de R$ 1,5 milhão”, afirma Wilson de Matos Silva Filho, presidente da Sociedade Rural de Maringá (SRM), instituição responsável pela Expoingá. “Além de fomentar ainda mais o agronegócio, firmar novas parcerias, defender a classe, [o objetivo é] proporcionar uma feira cada vez mais completa, compromissada com o social e com as responsabilidades sustentáveis.” Nessa linha, Silva Filho afirma que a Sociedade Rural buscou nos últimos anos profissionalizar

diversos segmentos do encontro, sempre focando no reforço do agronegócio. Mauro Rosseto, engenheiro agrônomo e um dos fundadores da Sociedade Rural, lembra uma época importante na qual a feira demonstrou sua “vocação para inovar”: a Geada Negra, em 1975. A catástrofe destruiu os cafezais e mudou o panorama da produção agrícola no estado – a feira, claro, também sofreu. “A partir desse momento, os produtores rurais passaram a investir em outras culturas de plantio e

Internacional Nos 41 anos de existência, a Expoingá também consolidou uma posição de mais global. Em 2013, ocorre a 18a edição com esse caráter internacional. Segundo Silva Filho, o trabalho com mercados externos começou na década de 1990, com uma série de adequações feitas na infraestrutura. “Não é simplesmente colocar o nome ‘internacional’”, aponta. Em 2013, estão confirmadas presenças das Câmaras de Comércio Brasil-China e Brasil-Estados Unidos. Também participarão duas comitivas estrangeiras, uma do Japão, com representantes de Kakogawa, cidade co-irmã de Maringá, e outra da Austrália, numa parceria com o Rotary.

Maringá


Evento

Fo to s : D i vul g ação.

Avanço na “sala de aula”

Atividades da Expoingá, que este ano terá 12 mil animais em exposição e três dias de rodeio. No detalhe, o presidente da Sociedade Rural, Wilson de Matos Silva Filho: fomento ao agronegócio.

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Desde a década de 1980, Antonio Sousa Gomes atua como produtor rural em Maringá. A visita anual à Expoingá virou regra. “Tenho feito negócios, buscado tecnologia. A feira traz novidades em todos os anos”, diz o participante cativo. Para Gomes, a evolução da feira é nítida e tem contribuído para o crescimento dos negócios dele. Outro que passa religiosa­ mente pelos estandes da Expoingá atrás de novidades é o produtor Hélio Afonso Fonseca, que planta milho e soja no Paraná e em Minas Gerais. “Os meus negócios tentam acompanhar as inovações”, diz ele. Gomes e Fonseca fazem parte do time de produtores que vê na Expoingá uma referência importante para seus negócios. É o que Jucival Pereira de Sá, diretor de Pecuária da Sociedade Rural de Maringá e produtor, chama de grande sala de aula. “Temos a possibilidade de trocar experiências com pessoas de outros Estados, saber o que e como deu certo na propriedade de outro... Esse intercâmbio é um grande diferencial”, avalia. Para ele, o evento tem conseguido se manter atualizado e inovador. Conceitos que o produtor rural precisa levar para a fazenda, diz. Para fazer isso, uma condição: “Tem de acreditar no negócio”, afirma. “Os que acreditam investem e buscam a melhor tecnologia. Os sonhadores acham que [a inovação apresentada na feira] não é para eles.” Já o engenheiro agrônomo Mauro Rosseto acredita que a feira chama a atenção dos produtores justamente porque soube acompanhar o desenvolvimento tecnológico. “A Expoingá funciona como espelho do mercado global.”



artigo | Rogério Recco

A marca da terra P

Fotos : Rep ro du ção

elé pode ter pensado que o céu de Maringá não era azul. Estava vermelho, cor de poeira, quando o Santos entrou em campo no estádio da cidade, em 1965, para enfrentar o Grêmio, bicampeão estadual. O esperado amistoso, ponto alto da comemoração dos 18 anos do município, superlotou o modesto Willie Davids, então cercado de madeiras escurecidas de óleo queimado e rodeado de eucaliptos. Como a cidade ainda não conhecia asfalto, o gigantesco movimento de fuscas, caminhões, jardineiras, jipes e carroças em direção ao local do jogo, além do tropel apressado do povo eufórico pelas ruas, ergueu uma nuvem tão densa e constante de poeira que até parecia vendaval. Daqueles que sopravam forte as entranhas das fazendas de café, espantando o sol. A mesma terra vermelha que tanto impressionou um certo John dos Passos, escritor norte-americano. Admirado, ele sobrevoou o norte do Paraná no início daquela década

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para escrever O Brasil em Movimento, livro em que abordou o vibrante processo de desenvolvimento de uma região que havia atraído gente de todas as partes do mundo. “A terra aqui, vista do alto, é a mais vermelha das vermelhas”, pontuou. Pouco mais de uma década antes, o fotógrafo japonês Kenji Ueta voava cheio de curiosidade e esperança a bordo de um avião da Real Aerovias quando sentiu um odor desconhecido, ainda lá no céu. Soube então que estava chegando, pois as narinas já denunciavam o cheiro inconfundível da poeira de Maringá. Para as donas de casa, a cidade podia ser um lugar de futuro, mas era também de desgosto. Não havia como estender as roupas nos varais sem vê-las imundas outra vez, logo em seguida. Impossível evitar o vento impregnado de poeira. Foi com pena dessas mulheres, certamente, que a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, responsável pela colonização regional, mandou

instalar chuveiros improvisados em caminhões tanques. Carregados de água, eles ficavam o tempo todo molhando as ruas descalças. A poeira resistia. Nas casas construídas de madeira, cheias de frestas, o vai e vem dos caminhões levando toras, durante a noite, levantava um pó incessante que encardia os telhados, as árvores, os carros, até o povo pobre que dormia. No dia seguinte, não havia como ser diferente: homens e mulheres acordavam imundos, com os cabelos endurecidos e tossindo barro. Podia ser irritante, mas não impedia a diversão. No Aero Clube, ponto de encontro da “soçaite”, doutores e gente de posses vestiam seus melhores trajes para concorridos jantares dançantes à luz de lampiões e pisando terra batida. Regadores trabalhavam a noite inteira, em vão. Na contradança, era inevitável que as mãos úmidas dos casais lambuzassem de terra as suas roupas. No Bazar “OK” de dona Winifred, na Avenida Brasil, a poeira trazida


A cidade e a sua gente continuam reconhecidas por um “título” tão impregnante quanto a terra que grudava nas botas dos pioneiros: “pés-vermelhos”.

pelo movimento dos veículos era tamanha que as roupas da vitrine e dos expositores, em seu interior, não prestavam para vender, de tão encardidas. Quando entrava um freguês, o jeito era buscar modelos similares em estoques bem protegidos da sujeira. Peter, um de seus filhos, habilitouse piloto e voava para toda a região. Ao regressar, sabia de longe a direção de Maringá: era só orientar-se pelo vermelhão no horizonte. Homem vaidoso e elegante, adquiriu certa vez em suas viagens um vistoso terno branco, tipo “pele de ovo”, para apresentar-se em eventos importantes. Um dia foi ao Rio de Janeiro e, com estilo, vestiu o garboso “pele de ovo”, mas por pouco tempo. Ao perceber a “brancura” dos ternos dos outros, descobriu que o seu, na verdade, já havia ficado marrom. Para alguns fazendeiros, a terra vermelha era uma riqueza maior que o próprio café. De tão fértil, podia ser empacotada e vendida como adubo. Grudenta e gordurosa quando chovia, formava lamaçais intrans-

poníveis. A menos que, seguindo nas jardineiras, grupos de passageiros saltassem em pleno barro com a disposição de empurrar os veículos, inclusive os da frente. Podia-se pintar as casas e os estabelecimentos comerciais de qualquer cor. Mas a primeira chuva faria respingar o barro, deixando as construções com suas paredes avermelhadas. Era outra característica de Maringá, onde à porta de cada moradia se podia ver um “chora paulista” – espécie de lâmina fincada ao chão na qual se tirava dos sapatos e botinas o barro mais “grosso”. Serviço de monte para os engraxates. Muitos deles não saíam da rodoviária e da estação de trem – onde a freguesia era garantida –, no ofício de fazer brilhar os calçados imundos dos que partiam. Não raro, os maringaenses obrigavam-se a manter dois pares de sapatos em sua rotina diária: um para andar nas ruas e outro só para usar no serviço.

Rogério Recco, jornalista e escritor, vive em Maringá desde 1971, escreveu 11 livros sobre a história da cidade e região.

Ninguém melhor do que o alemão Edgar Werner Osterroht para registrar a vermelhidão de Maringá em seus primeiros anos. Produziu muitas telas a óleo, destacando justamente essa particularidade. Daí aconteceu que, com o passar do tempo, as construções e a pavimentação das ruas aplacaram a poeira e, por outro lado, valorizaram ainda mais os quadros de Osterroht, parecendo até que o vermelho de suas tintas ficou ainda mais intenso. Por fim, aquela Maringá se transformou em metrópole e, mesmo assim, a cidade e a sua gente continuam reconhecidas por um “título” tão impregnante quanto a terra que grudava nas botas dos pioneiros: “pés vermelhos”. Um “título” que ainda incomoda alguns, mas assim como o agressivo rubro cor de sangue dos quadros do alemão, será ainda mais valorizado como diferencial territorial no futuro. Somos “pés-vermelhos”, sim senhor. E com orgulho. Quem viver, verá.

Maringá


paisagismo

Primavera todo dia

Rica variedade da arborização garante colorido o ano inteiro. Sibipiruna reina absoluta nas ruas Michely Massa

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T

úneis que se formam com o encontro das copas das árvores, sombra, flores mil. Cenário tipicamente maringaense. A cidade, que nasceu pensando no verde, ganhou fama de ecológica. As cores das árvores, arbustos e floreiras espalhadas pela cidade mostram na verdade um grande arco-íris, que resguarda um pouco da primavera em cada estação do ano. As inúmeras plantas de Maringá florescem – cada uma a seu tempo – entre janeiro e dezembro. Flamboyants e paineiras entram com o vermelho; o amarelo fica por


Ivan A m o rin

conta das sibipirunas, tipuanas e de alguns ipês; a floração do jacarandá mimoso resulta em azul; e o ipê-roxo fala por si mesmo. A riqueza colorida decorre da variedade das espécies floríferas. São 113 diferentes tipos de árvores na cidade. A sibipiruna reina absoluta, com 36.570 árvores, 39% das mais de 93 mil registradas pelo município. No caso dos ipês-roxos e amarelos, são aproximadamente 11 mil pés (12%). Os números são do Censo das Árvores realizado em 2005, que catalogou quase a totalidade das árvores do perímetro urbano de Maringá.

“Todas as espécies florescem, algumas com flores exuberantes e outras tão pequenas que nem percebemos. E dão frutos também, não carnosos para comermos, mas dão”, diz o biólogo responsável pelo Censo, André Furlaneto. “O que diferenciou Maringá de outras cidades foi ousar com o plantio de árvores de grande porte, proporcionando muita sombra.” O lugar de cada uma Outra ação que contribuiu para o colorido floral foi o plantio de espécies exclusivas em determinada rua, avenida ou praça. Na

Avenida Cerro Azul, por exemplo, há flamboyants. A Avenida Dr. Luiz Teixeira Mendes tem suas figueiras brancas. Já na Getúlio Vargas, as palmeiras dominam o canteiro central e as sibipirunas, as calçadas. Essas ações “verdes” se localizam principalmente no centro. Mas há um bairro de Maringá especial: o conjunto Borba Gato. Lá, o caminhante mais atento vai reparar que a Rua dos Alecrins, está tomada de... alecrins; a Rua das Tipuanas e dos Ipês? Sim, há inúmeras árvores que emprestam o nome às vias.

Maringá


paisagismo

Jardim urbano Veja as espécies de flores e quando ocorre a floração na cidade

janeiro fevereiro março abril maio j

O plano já era verde

De acordo com a bióloga Lídia Maria da Fonseca Marostica – filha de Geraldo Pinheiro da Fonseca, um dos integrantes da equipe que implantou o projeto de paisagismo – as características ecológicas de hoje são fruto do planejamento original de Maringá. Na época, a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, colonizadora da região, contratou o arquiteto e urbanista Jorge de Macedo Vieira para desenhar a cidade. “Quando foi convidado, ele havia recém chegado de um congresso na Europa onde se discutiu muito o conceito francês de cidade-jardim, com um traçado urbano preocupado em proteger as nascentes, preservar e difundir a arborização urbana. No Brasil, ainda se seguia o modelo português de cidades caixotes, quadras e terrenos pequenos, pouco espaço entre as casas e as vias públicas”, diz a bióloga. Lídia reforça que a cidade foi uma das primeiras do país a se preo­­cupar com a arborização urbana. A criação de parques demonstra isso. Dois deles desenhados propositalmente por Vieira em formato de pulmões: o Parque do Ingá e o Bosque Dois, que juntos somam 1.067.700 m² de mata no centro da cidade. O pesquisador André Furlaneto completa: “Maringá teve um projeto futurista em relação ao verde urbano. Pensou em preservação quando ainda nem se discutia o assunto”.

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pata-de-vaca pau-ferro ipê-rosa ipê-roxo ipê-branco flamboyant Ipê-amarelo sibipiruna jacarandá mimoso tipuana primavera

Reconheça as espécies da cidade:

pata-de-vaca

pau-ferro

flamboyant

Ipê-amarelo

sibipiruna


junho julho agosto setembro outubro novembro dezembro

Rede amiga

ipê-rosa

ipê-roxo

ipê-branco

jacarandá

tipuana

primavera

mimoso

O volume de árvores fez de Maringá a primeira cidade do Brasil a mudar todo seu sistema de rede elétrica, substituída por um modelo que os técnicos chamam de compacto, que causa menos agressão às árvores durante as podas e reduz em mais de 70% as interrupções de energia, de acordo com a Copel. Os cabos são revestidos com material que permite o contato com os galhos e dispostos em um arranjo triangular compacto de forma a diminuir o espaço ocupado entre as árvores. Isso permite uma convivência pacífica entre as árvores e os postes e linhas de transmissão ao longo dos 650 quilômetros de rede da cidade. “Na rede convencional, os condutores nus são fixados horizontalmente sobre cruzetas de madeira ou concreto. O contato das árvores com algum condutor, principalmente se estiverem molhadas, causa curto-circuito e interrupção do fornecimento de energia elétrica”, explica o técnico da Copel Roberto Ueno. “Por isso há poda drástica que causa danos significativos à arborização.” O sistema compacto foi criado no Canadá e apresentado pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) durante o I Congresso Brasileiro de Arborização Urbana, realizado em Vitória, Espírito Santo, em 1992. Adaptada por técnicos da Copel, a implantação em Maringá teve início em 1994.

Maringá


crônica | José Nascimento

Mineirinho do Sul

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Re pro du ça o na ïf de Lilia Lob o

A

jeito-me na cadeira, pés descalços, fecho os olhos. Volto 13 anos no tempo. Jandaia, Mandaguari e Marialva – os cafezais estão em flor. Passo por Sarandi. São umas seis da tarde. Frente a frente, me deparo com um solzão que nunca tinha visto. Logo, lá estamos nós – eu, Rô e a pequena Mariana – em Maringá. A mudança ainda não tinha saído do caminhão e, por cima do muro, surge uma voz: “Seja bem-vindo, vizinho”. Hmm, estranho, penso eu, tentando procurar uma resposta. Não deu tempo: “Viu, domingo tem um churrasco aqui em casa e vocês vêm, né?!!” Surpreso, digo “sim”. Convite protocolar, suponho. Engano grande. Domingo, a convocação vem pelo muro: “Amigo, só estão faltando vocês”. Assim é a vida na terra dos pésvermelhos: não falta amigo. Hoje, dá saudade do cachorroquente de cada esquina – como esquecer o “mico” de ponta-grossense recém-chegado pedindo, incompreendido, o sanduíche com duas “vinas”? Dá saudade do pastel, da casa de pamonha e do café moído na hora, ali em frente ao Willie Davids. Que tal a banca de jornais e revistas e os galos caipiras na feira do Avenida Center (ainda existem)? Galo... Sou do tempo que o Galo levava 20 mil pessoas para o clássico contra o Tubarão. E o Vôlei Cocamar? Adversários amedrontados e a gente orgulhoso por encontrar na rua Paulão, Ricardinho... Vi também o Vanderlei Cordeiro com disposição de caçador de medalhas treinando na praça da Catedral. Descobrir a cidade é uma aventura. Avenidas largas e lá se vai, numa pista longa que só termina em meio a uma plantação de soja ou trigo.

Uma delícia de cidade, onde se vê organização, planejamento e verde sustentável, herdado do seu Aníbal. Pelas mãos dele até hoje florescem grevilhas, flamboyants, sibipirunas e jacarandás. Maringá também sempre valorizou a arte. Na rua, na Catedral, Zanzal contemporâneo e moderno. No museu e salas da casa em frente ao Ingá, o pioneiro Edgar Osterroth, que retratou a cidade criança, com seus traços perfeitos e admiráveis. Mesmo capricho do seu Kenji, que a cada clique imprimiu imagens inesquecíveis da Cidade Canção. Jorge Pedro, arrojado, e Lilia Lobo, com seu naïf encantador, não deixam por menos. Na arte contemporânea escrevem história para contar aos bisnetos dos pioneiros. No outono, por entre as árvores, todo mundo levanta a cabeça para ver o colorido dos balões, trazidos às dezenas pelo Adriano. Uma cidade multirracial, acolhedora e inteligente. Que soube

tirar o melhor dos da terra e ainda casar com os italianos, espanhóis, portugueses e japoneses. Foi esta mistura toda que fez do município um espaço de pioneirismo, fé, ousadia e criatividade, com projetos elogiados aos quatro ventos. Assim é Maringá. Simples, singela e acolhedora, como seu povo, que tem coração grande e cabeça de empreendedor moderno, arrojado e inteligente – um fazedor de amigos, que não se furta em estender a mão. Um mineirinho do Sul, eu diria. Alguém me desperta. É Daniel, meu filho, presente maior, nascido em Maringá. Olho para o chão, meu pé descalço... e a surpresa revela-se num grito: SOU PÉ-VERMEIO! José Nascimento, jornalista, é Diretor de Conteúdo do Grupo RIC.



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