ECLESIOLOGIA: A DOUTRINA DA IGREJA

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INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CRISTÃ

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ECLESIOLOGIA A DOUTRINA DA IGREJA Roney Cozzer


Eclesiologia

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Eclesiologia Revisão: Roney Cozzer Diagramação: Roney Cozzer Capa: Michel Pablo M. Sabarense _______________________________

COZZER, Roney. 1984 COZZER, Roney. Eclesiologia: a doutrina da Igreja. Araruama, RJ: Instituto de Educação Cristã CRER & SER, 2019. Igreja. Eclesiologia. Bíblia. 112 pp.: 14 x 21 cm | ISBN: 978-85-63434-62-3 Inclui referências bíblicas e bibliográficas. 1. Igreja. 2. Eclesiologia. 3. Bíblia É permitida a reprodução parcial desta obra desde que citados o autor e o título da obra e que seja feita sem fins lucrativos.

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Contatos e atividades do autor na internet: Site: teologiaediscernimento.wordpress.com Blog Fundamentos Inabaláveis E-mail: roneyricardoteologia@gmail.com

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Eclesiologia

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Eclesiologia

SUMÁRIO Lista de siglas utilizadas neste livro.......................

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Prefácio.........................................................................

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Apresentação...............................................................

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1. A doutrina da Igreja...............................................

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2. A natureza da Igreja...............................................

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3. A missão da Igreja..................................................

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4. A organização da Igreja.........................................

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5. Igreja, liturgia e sociedade.................................... 68 Apêndice....................................................................... 98 A importância do ensino para a Igreja Referências................................................................... 106

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Eclesiologia

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Eclesiologia

Lista de siglas utilizadas neste livro

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om o intuito de ganhar tempo e espaço, no decorrer deste livro são utilizadas algumas siglas. Uma sigla nada mais é do que a abreviatura de um título ou denominação, geralmente composta pelas letras iniciais das palavras que compõe este título ou denominação. Tomemos como exemplo a sigla ARC, que remete ao título Almeida Revista e Corrigida, uma das versões da Bíblia em português publicada pela Sociedade Bíblica do Brasil1. Frequentemente são utilizadas as siglas AT, para Antigo Testamento, e NT, para Novo Testamento. Neste livro você também encontrará citações bíblicas e versículos bíblicos transcritos. Logo a seguir você encontrará duas tabelas com as siglas dos livros da Bíblia. Como versão oficial para as referências bíblicas transcritas neste livro, foi adotada a versão Almeida Revista e Atualizada (ARA), publicada pela SBB, por ser ela uma versão de grande aceitação entre o público brasileiro e de mais fácil compreensão para o leitor. Além da ARA, são utilizadas ainda outras versões como a NVI (Nova Versão Internacional), por questões didáticas. Assim, o autor deste livro deseja que os comentários deste livro possam ser uma benção para você e toda a sua família, estimado(a) leitor(a). É para você que este trabalho foi carinhosamente preparado!

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Também representada por uma sigla: SBB.

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Eclesiologia A seguir, você tem as siglas que utilizamos neste livro com seus respectivos significados e também as siglas dos livros da Bíblia, em ordem alfabética: 1 Co: 1 Coríntios 1 Cr: 1 Crônicas 1 Jo: 1 João 1 Pe: 1 Pedro 1 Re: 1 Reis 1 Sm: 1 Samuel 1 Tm: 1 Timóteo 1 Ts: 1 Tessalonicenses 2 Co: 2 Coríntios 2 Cr: 2 Crônicas 2 Jo: 2 João 2 Pe: 2 Pedro 2 Re: 2 Reis 2 Sm: 2 Samuel 2 Tm: 2 Timóteo 2 Ts: 2 Tessalonicenses 3 Jo: 3 João Ag: Ageu Am: Amós Ap: Apocalipse ARA: Almeida Revista e Atualizada ARC: Almeida Revista e Corrigida AT: Antigo Testamento At: Atos Cap.: Capítulo Cf.: Confira

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Eclesiologia Cl: Colossenses Ct: Cantares de Salomão Dn: Daniel Dt: Deuteronômio Ec: Eclesiastes Ed: Esdras Ef: Efésios Et: Ester Êx: Êxodo Ez: Ezequiel Fl: Filemon Fp: Filipenses Gl: Gálatas Gn: Gênesis Hb: Habacuque Hb: Hebreus Is: Isaías Jd: Judas Jl: Joel Jn: Jonas Jo: João Jr: Jeremias Js: Josué Jz: Juízes Lc: Lucas Lm: Lamentações de Jeremias Lv: Levítico Mc: Marcos Ml: Malaquias Mq: Miquéias

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Eclesiologia Mt: Mateus Na: Naum Ne: Neemias Nm: Números NT: Novo Testamento NTLH: Nova Tradução na Linguagem de Hoje NVT: Nova Versão Transformadora Ob: Obadias Os: Oséias Pv: Provérbios Rm: Romanos Rt: Rute Sf: Sofonias Sl: Salmos Ss: Seguintes. Refere-se aos versículos seguintes que podem ir até o fim do capítulo citado ou não. Tg: Tiago Tt: Tito Vv: Indica pluralidade de versículos. Zc: Zacarias

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Eclesiologia

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Prefácio

uma reunião inusitada do Senhor Jesus nas regiões de Cesaréia de Filipe, Ele, como sempre, trouxe à tona mais um tema inesperado aos seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do homem?”, começou logo o Mestre perguntando. Embora o evangelista Mateus relate uma resposta quase instantânea por parte dos discípulos, podemos conjecturar que, após tal pergunta eles olharam-se espantados e temerosos de responder erroneamente à questão do Mestre, até que o primeiro deles tomou a iniciativa e respondeu que as pessoas achavam que Ele era a reencarnação de João Batista. Uma vez que a fila havia sido puxada, o segundo deles complementou dizendo que havia os que achavam ser Ele a reencarnação de Elias. De repente, outros nomes também foram lembrados: as pessoas sugeriam, ainda, a reencarnação de Jeremias ou de outros profetas (cf. Mt 16.13,14). A primeira parte dessa reunião estava finalizada. Jesus parte então, para a segunda etapa. Parafraseando a passagem de Mateus 16.15, seria como se Ele estivesse dizendo: “Tudo bem. As pessoas que não me acompanham, não conhecem minha identidade corretamente e se confundem em suas sugestões a meu respeito. Todavia, vocês que estão próximos de mim há um tempo considerável, quem vocês dizem que Eu Sou?”. 10


Eclesiologia Poderíamos conjecturar mais uma vez que, nesse momento os discípulos ficaram atônitos, uma resposta errada seria um profundo vexame. Mas, Pedro, revelado pelo Pai, trouxe a resposta correta sobre a natureza e propósito do Verbo que se fez carne (muito embora ele ainda não tivesse compreendido esses significados): “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16.16b). Sequencialmente, Jesus aborda a futura instituição da Igreja, revelando-se como a pedra fundamental que os construtores rejeitariam (Sl 118.22; Mt 21.42; 1 Co 3.11). Esta igreja (gr. ekklesia) seria edificada com outras pedras menores (Ef 2.20; 1 Pe 2.5), as quais dariam corpo ao Templo do Espírito Santo (1 Co 3.16,17).2 Jesus fez uma promessa a ela dizendo que as portas do hades não prevaleceriam contra ela (Mt 16.18). É claro que essa promessa diz respeito a sua identidade ofensiva, isto é, de saqueadora, de um organismo que está avançando continuamente. Porém, não é segredo que a igreja também é bombardeada pelas “hostes espirituais da iniqüidade nas regiões celestes” (Ef 6.12). E assim aconteceu desde sua fundação no dia de Pentecostes.3 Enquanto a igreja crescia numericamente, também os ataques e perseguições aumentavam ininterruptamente. Cristãos eram lançados em prisões, sofriam com açoites, com espancamentos e

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HORTON, Stanley M. (Org). Teologia Sistemática: uma perspectiva pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1996, pp. 546-548. 3 Ibid, pp. 538-539.

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Eclesiologia alguns foram, até mesmo, martirizados. Estevão foi quem abriu as portas para os martírios. Em Atos 1.8 Jesus disse aos discípulos que eles receberiam poder para serem testemunhas em Jerusalém, Judeia, Samaria e até nos confins da terra. A palavra “testemunha,” no grego, é martyres, que é de onde deriva nossa palavra mártir. Jesus não estava dizendo que o Espírito Santo capacitaria os discípulos apenas a darem um depoimento de algo que viram, ouviram, presenciaram e sentiram. O Fiel Ajudador estaria capacitando os primeiros crentes a darem a própria vida em prol de Cristo e da propagação do Reino de Deus. Jesus já havia explicado sobre como seus seguidores deveriam agir nos dias de perseguição e garante que o Espírito Santo teria esse papel preponderante de capacitá-los em todas as necessidades, conforme podemos ler a seguir: “Eis que vos envio como ovelhas ao meio de lobos; portanto, sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas. Acautelai-vos dos homens; porque eles vos entregarão aos sinédrios, e vos açoitarão nas suas sinagogas; e por minha causa sereis levados à presença dos governadores e dos reis, para lhes servir de testemunho, a eles e aos gentios. Mas, quando vos entregarem, não cuideis de como, ou o que haveis de falar; porque naquela hora vos será dado o que haveis de dizer. Porque não sois vós que falais, mas o Espírito de vosso Pai é que fala em vós. Um irmão entregará à morte a seu irmão, e um pai a seu filho; e 12


Eclesiologia filhos se levantarão contra os pais e os matarão. E sereis odiados de todos por causa do meu nome, mas aquele que perseverar até o fim, esse será salvo. Quando, porém, vos perseguirem numa cidade, fugi para outra; porque em verdade vos digo que não acabareis de percorrer as cidades de Israel antes que venha o Filho do homem. Não é o discípulo mais do que o seu mestre, nem o servo mais do que o seu senhor. Basta ao discípulo ser como seu mestre, e ao servo como seu senhor. Se chamaram Belzebu ao dono da casa, quanto mais aos seus domésticos?” (Mt 10.16-25) Sem a ajuda do Espírito Santo nenhum seguidor de Cristo, por mais fiel e piedoso que seja, é capaz de entregar a própria vida e ainda ter misericórdia de seus assassinos, como Estevão o fez (At 7.58-60). O que dizer de Antipas? De acordo com a história eclesiástica, este homem, chamado por Jesus de “minha fiel testemunha” (ho martys mou ho pistos), foi torturado e conduzido a um coliseu para ser morto na frente de uma grande população que se divertia com o sofrimento do servo de Deus. Antipas foi colocado à prova para que negasse o nome de Cristo, mas reteve o nome de Cristo e não negou sua fé (Ap 2.13). O preço para essa atitude foi ter sido colocado num boi de bronze, o qual tinha em suas partes inferiores uma fogueira que esquentava o metal e fazia com que o servo de Deus se mexesse dentro do animal metálico em função da sensação térmica terrivelmente quente. Enquanto Antipas se movia a multidão ria e se divertia, pois de longe parecia que era 13


Eclesiologia um boi pulando. O preço que Antipas pagou foi o de morrer cozido e seu testemunho permanece vivo até hoje. Antipas não seria o último mártir, muitos cristãos seriam perseguidos e torturados de maneira cruel. Alguns foram lançados aos leões, outros dilacerados, enforcados, esquartejados e até crucificados. Mas, essa perseguição fazia um efeito contrário: ao invés de paralisar a igreja, ela crescia cada vez mais, pois as portas do hades não poderiam prevalecer contra a igreja do Senhor Jesus. Não é a toa que Tertuliano disse que o sangue dos mártires é a semente da Igreja.4 Saltando alguns séculos, chegamos ao início do século XV, quando líderes da Igreja Católica Apostólica Romana reuniam-se para decretar a sentença de John Huss, um home que consideramos, atualmente, como prereformador. Huss fora condenado, no concílio de Constança (1.414-1.418), à fogueira e queimado vivo no dia 06 de Julho de 1.415. Sua morte foi humilhante. Cortaramlhe o cabelo e fizeram uma cruz em sua cabeça. Puseram uma coroa de papel que estava decorada com três demônios e o enviaram para a fogueira. Antes de ser queimado ele teve de passar por uma pira onde queimavam seus livros. Mais uma vez pediram que se retratasse, mas Huss negou a retratação com veemência.

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CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos: uma história da Igreja Cristã. São Paulo: Vida, 1995, p. 20.

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Eclesiologia Chegando ao lugar de execução, não lhe foi permitido falar ao povo, mas a oração que fez enquanto estava sendo amarrado ao poste chegou ao ouvido de todos, dizendo: “Senhor Jesus, por ti sofro com paciência esta morte cruel. Rogo-Te que tenhas misericórdia dos meus inimigos”. No último momento ainda tentaram induzi-lo a assinar uma retratação, porém, sem sucesso. Então Huss levantou sua voz e disse: “Tudo o que escrevi e assinei foi com o fim de livrar as almas do poder do demônio, e livrá-las da tirania do pecado; e sinto alegria em selar com o meu sangue o que escrevi e assinei”. Depois de dizer isto, acenderam a fogueira, e envolto pelas chamas proclamou em alto e bom som as seguintes palavras, fazendo um trocadilho com seu sobrenome, que em sua língua materna significa ganso: “Hoje vocês estão matando um ganso, mas daqui a cem anos Deus levantará um cisne, o qual vocês não poderão matá-lo”. Huss morreu cantando hinos a Deus.5 Sua palavra profética se cumpriu em 31 de Outubro de 1.517, quando Martinho Lutero publicou suas 95 teses na porta da igreja no castelo de Wittenberg, protestando contra diversos pontos doutrinários do catolicismo. A forma de lidar com essas perseguições não se dava através de armamento e de guerras civis e/ou religiosas. O Apóstolo Paulo deu dicas valiosas. Segundo ele, “as armas 5

GONZÁLES , Justo L. Uma História Ilustrada do Cristianismo: A Era dos Sonhos Frustrados. São Paulo: Vida Nova, 1981, pp. 95-102.

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Eclesiologia da nossa milícia não são carnais” (2 Co 10.4). Enquanto estava preso, Paulo usa a analogia de um soldado romano para ilustrar que armas são essas: ao invés de um capacete metálico, a mente do cristão deveria estar resguardada pela mentalidade da salvação; ao invés de uma couraça de metal, atos de justiça; ao invés de um cinturão de couro, ações sinceras pautadas pela verdade; ao invés de botas de couro, a mansidão obtida pela paz que excede todo entendimento humano; ao invés de um gládio de 50 cm, manejar a Palavra de Deus; e, finalmente, ao invés de um escudo de ligas metálicas, a fé, a certeza de em quem temos crido. A igreja sempre passou por enormes desafios. Algumas vezes eram externos, isto é, perseguições religiosas. O mesmo ainda ocorre hoje em alguns países que não toleram o cristianismo. Outras vezes, os problemas eram internos, isto é, ensinos heterodoxos que traziam transformavam em dissolução a graça de Deus. Este mesmo problema também surge hoje em meio aos incontáveis falsos mestres que permeiam a igreja visível. Por isso, estudar a igreja é imprescindível para qualquer pessoa que se denomine cristã. Entender como é a igreja, de onde ela veio, como surgiu, quais são suas missões, a quem presta conta e como deve funcionar, são assuntos rudimentares da fé cristã. Desta forma, a obra que o leitor tem em mãos é, particularmente, importante. O autor, Roney Cozzer, alguém que tem estudado as Escrituras e as doutrinas da cristandade com esmero, traz todos esses temas com grande maestria, mostrando como este organismo surgiu, 16


Eclesiologia quem a fundou e a real necessidade de sermos membros da mesma. Mas, será que precisamos freqüentar uma igreja institucionalizada? O autor não deixa passar esse assunto que tem inquietado a sociedade pós-moderna e mostra com afinco a real necessidade daqueles que se intitulam cristãos não deixarem sua congregação, como alguns já faziam no início da cristandade. O autor não pára por aí. Ele explica de maneira clara e expositiva como a igreja possui uma natureza dupla: natural e espiritual, visível e invisível. Prossegue deixando límpida a missão da igreja na evangelização e proclamação do Evangelho e também de ser uma agente de transformação na sociedade. Esta igreja precisa seguir normas, se adequar à realidade social e precisa ser organizada, bem como cumprir com as ordenanças de Cristo. Finalmente, há uma liturgia a ser praticada e o autor também leva essas informações para que o leitor entenda seu papel como verdadeiro adorador. Deste modo, deixo a presente obra não apenas como recomendada, mas como uma leitura obrigatória para você que está estudando as grandes doutrinas da Escrituras. Que Deus abençoe o amado leitor na leitura desta obra e que desperte a práxis de ser um indivíduo inserido numa comunidade relevante e transformadora. Rev. Vinicius Couto Barroso – MG, Agosto de 2016. Ministro Ordenado da Igreja do Nazareno e Mestre em Ciências da Religião pelo Seminário Nazareno de las Americas de Costa Rica.

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Eclesiologia

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Apresentação

disciplina a ser estudada neste módulo é fundamental para o cristão individualmente e para a Igreja de Cristo em sua coletividade. Entender o que é a Igreja na perspectiva bíblica, sua natureza, sua missão no mundo e sua importância é crucial para que compreendamos qual é nossa identidade, e como devemos prosseguir. A Igreja exerce uma atividade na sociedade que irradia em várias direções e que tem sido bênção para milhões de vidas, no mundo todo. É inegável que os hábitos desenvolvidos a partir do ambiente e da convivência eclesial são muito salutares sobre as nossas vidas, lançando raízes que são profundas e que refletirão naquelas decisões importantes da vida. Não negamos o fato de que a Igreja se depara atualmente com grandes desafios, e que muitas vezes as pessoas também são adoecidas em muitos ambientes eclesiais. Mas se assim acontece, pode ser que aquela comunidade local esteja deixando de ser Igreja, no sentido que as Escrituras requerem. Uma das figuras bíblicas para a Igreja é a do corpo, que aponta para a relação direta das pessoas umas com as outras, numa cooperação mútua em favor do todo. É o que aprendemos da Palavra de Deus a respeito da Igreja em 1 Coríntios 12. Há uma tendência que, ao que parece, generalizada, no sentido de desacreditar a importância da Igreja para a sociedade, 18


Eclesiologia apontando-a como irrelevante e desnecessária. Todavia, como estaria a sociedade não fosse a presença da Igreja de Cristo? Temos realmente condições de avaliar esse quadro que não conhecemos de maneira factual? Aí está uma importante pergunta que precisa ser feita para aqueles que afirmam que a Igreja não muda em nada a sociedade, já que a violência cresce, o quadro social não muda, etc. Mas, e os tantos que já foram alcançados pela família de Deus? Onde estariam eles não fosse a "coluna e firmeza da verdade"? A Igreja de Cristo está viva, e vibrante! Nada pôde pará-la no passado, e não será diferente agora, já que sobre nós repousa a promessa Daquele que é o Todo-Poderoso: "As portas do Inferno não prevalecerão contra ela". Aleluia! Roney Cozzer Cariacica, ES Junho de 2016.

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Eclesiologia

1 A doutrina da Igreja “Edificarei a minha igreja” (Jesus Cristo). INTRODUÇÃO e fato, não podemos negar que somos sempre tentados a dar bem mais importância a uma dada área da Teologia em detrimento de outras. E fato é também que os estudantes de seminários e faculdades teológicas que prosseguem em seus estudos, irão se especializar em determinadas áreas. E não há problema algum nisso, claro. Mas é preciso que se diga também que é fundamental que todo cristão tenha um conhecimento adequado e coerente a respeito de algumas doutrinas bíblicas que são essenciais para a vida da Igreja. Uma dessas doutrinas é a própria doutrina da Igreja, ou Eclesiologia. E tal pressuposto se firma pelo próprio fato de que enquanto cristãos, nossa identidade é gerada pela vivência na e com a Igreja e para com Ela temos também deveres e benefícios. Ao fazermos um estudo acurado da Eclesiologia podemos encontrar verdades preciosas a respeito da Noiva de Cristo e como essas mesmas verdades se relacionam conosco e incidem sobre nossa vida concreta, no dia a dia. Com efeito, comenta Michael L. Dusing:

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As Escrituras, juntamente com a história do desenvolvimento e expansão do Cristianismo, oferecem uma riqueza de

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Eclesiologia introspecções à natureza e propósito da Igreja. Adquirir melhor conhecimento teológico sobre a Igreja não é somente um exercício acadêmico digno de nossa atenção. Torna-se essencial para obtermos uma perspectiva correta da teologia que deve ser aplicada à vida diária.6

O desejo de Deus é que vivamos “vivamos neste presente século sóbria, justa e piamente” (Tt 2.12). Estudar a Eclesiologia é perceber ainda como Deus vê Sua Igreja e perceber que a maneira como Ele a vê pode vir a ser diferente da nossa, que tantas vezes está condicionada a fatores sociais, culturais, dogmáticos e até pessoais. A Igreja de Cristo, porém, é a “universal assembleia” (Hb 12.23) que reúne pessoas de “todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, que estavam diante do trono e perante o Cordeiro, trajando vestes brancas e com palmas nas suas mãos” (Ap 7.9). 1. A IGREJA O teólogo sistemático Hermann Bavinck comenta que no mundo natural, todos nós já nascemos numa comunhão com nossos pais. Ele afirma que o ser humano, ao nascer, “[...] se torna membro de uma família, de um povo e de toda uma humanidade”.7 Na família espiritual de Deus não é diferente: ao nascermos de novo em Cristo somos logo inseridos na família de Deus, a Igreja. Um estudo desta natureza, Eclesiologia, muito tem a contribuir no sentido de nos ajudar a entender o que vem a ser essa família de Deus denominada “Igreja”. 6

DUSING in: HORTON, 1996, 535. BAVINCK, Hermann. Teologia Sistemática: fundamentos teológicos da fé cristã. Trad.: Vagner Barbosa. São Paulo: SOCEP, 2001, p. 563. 7

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Eclesiologia 1.1 Definição de Igreja A palavra “igreja”, atualmente, em nosso contexto eclesial, sofre uma terrível corrupção de seu sentido. É frequente confundirmos “igreja” com o espaço físico onde a igreja propriamente dita se reúne para cultuar. Dizemos algumas vezes coisas como “vamos limpar a igreja”, “a igreja precisa ser reformada”, etc. Isso pode ser um indicativo de que talvez não tenhamos em mente o real significado da palavra “igreja” e do importante sentido teológico que ela carrega, à luz do Novo Testamento. Por mais que a ideia de local de culto possa estar atrelada ao conceito de igreja8, a palavra em si, não indica necessariamente um local, mas aponta para uma reunião de pessoas, um grupo de indivíduos. O termo grego ekklesia significa basicamente "chamados para fora", "dando a entender um grupo distinto, selecionado e tirado para fora de algo"9. É importante considerar que a palavra ekklesia também era usada no grego clássico para indicar simplesmente uma "assembleia", uma "reunião convocada pelo arauto", uma "assembleia legislativa", e não necessariamente um grupo religioso.10 Todavia, no Novo Testamento a palavra é incorporada com a finalidade de indicar a igreja cristã, local e universal (cf. Rm 16.5 e Ef 1.22, sendo a primeira referência à igreja em seu aspecto local e a segunda, à Igreja em seu aspecto invisível, universal).

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Usamos a palavra “igreja” de modo metonímico. CHAMPLIN, 1991, vol. 3, p. 212. 10 Op cit. p. 212. 9

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Eclesiologia Ao estudarmos a Eclesiologia devemos considerar a Igreja de Cristo nesses dois aspectos, claramente distinguidos no Novo Testamento: a igreja local e a igreja universal, invisível. [...] a Igreja é também chamada "visível" e "invisível". Esta distinção aparecia já na literatura cristã, nos tempos de Agostinho, e achava-se frequentemente nos escritos dos reformadores, como Lutero e Calvino. Alguns oponentes de Lutero acusaram-no de estar sugerindo, na prática, haver duas igrejas diferentes... A intenção de Lutero, no entanto, não era distinguir duas igrejas, mas apontar dois aspectos da Igreja única de Jesus Cristo.11

1.2 A igreja local Indica um grupo de cristãos que se reúnem regularmente num local específico para cultuar ao Senhor. É a manifestação visível da Igreja de Cristo. Nas palavras de Champlin, a palavra "igreja" (ekklesia) não indica "nunca o mero edifício das reuniões ou templo"12, mas é usada para referir-se àquela comunidade de irmãos que se reúnem num dado local para cultuar ao Senhor e instruir-se mutuamente. Nesse sentido, existem muitas "igrejas", fato notado já nos primórdios da Igreja no Novo Testamento. Paulo e João, por exemplo, irão escrever às igrejas, situadas em várias regiões do Império Romano (cf. Ap 1.4). Bavinck (2001) comenta: Em atos 2.47; 5.11; 8.1; 11.22 o nome igreja é aplicado ao local de reuniões dos crente em Jerusalém. Nesse tempo a igreja de Jerusalém era virtualmente a única. Muito provavelmente havia alguns discípulos vivendo ali e também na Judéia, Samaria e 11 12

DUSING in: HORTON, 1996, pp. 449,50. Op cit.

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Eclesiologia Galileia, e que, mais tarde, quando a perseguição estourou em Jerusalém e os discípulos foram dispersos, continuaram servindo como um ponto de contato para o trabalho missionário entre os judeus. Mas, uma reunião de crentes, uma igreja, existia primeiramente apenas em Jerusalém. No entanto, quando essas reuniões se espalharam por toda parte através da pregação da Palavra pelos discípulos, o termo igreja passou a ser aplicado também a esses grupos locais. A igreja de Jerusalém não era uma organização que formava ramificações de si mesma onde quer que fosse, mas ao longo dessa igreja desenvolveram-se outras reuniões de crentes que também se chamaram igrejas.13

1.3 A Igreja universal e invisível Referimo-nos assim à Igreja por entendermos que embora ela não prescinda da realidade local, do agrupamento de um grupo de irmãos numa dada localidade que se reúnem com regularidade para cultuar ao Senhor, também cremos, à luz das Escrituras, que a Igreja não deve ser limitada em sua conceituação apenas a esse grupo local. De fato há passagens nas Escrituras que indicam que a Igreja é a "universal assembleia" (Hb 12.23 - ARC) dos santos congregados em Cristo. De fato, no Novo Testamento, vemos a palavra "igreja" ser usada para se referir à um grupo que se junta para cultuar numa casa, outrora a referência é a igreja numa cidade inteira e até numa região inteira (cf. Rm 16.5; 1 Co 1.2; 16.19; 2 Co 1.1; 1 Ts 1.1). Em Atos 9.31 lemos: "A igreja passava por um período de paz em toda a Judéia, Galileia e Samaria. Ela se edificava e, encorajada pelo Espírito Santo, crescia em número, vivendo no temor do Senhor". Grudem observa que a referência a "apóstolos" em 1 Coríntios 12.28 indica justamente o caráter 13

BAVINCK, 2001, p. 569.

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Eclesiologia universal da Igreja já que os apóstolos "não foram dados a nenhuma igreja em particular" (1999, p. 718). Vale a pena considerar aqui a declaração de Grudem a respeito desses dois aspectos da Igreja, numa época em que tantas pessoas tendem a desligar-se de uma igreja local, sob a afirmação de que simplesmente não precisamos ou não necessitamos estar ligados à uma comunidade cristã local, já que a Igreja é universal: Podemos concluir que o grupo do povo de Deus considerado desde o nível de grupo local até o universal pode corretamente ser chamado "a igreja". Não devemos cometer o erro de dizer que somente uma igreja que se reúne em casas expressa a verdadeira natureza da igreja, nem que apenas uma igreja do nível de uma cidade pode corretamente ser chamada igreja, nem que só a igreja universal pode ser chamada apropriadamente pelo nome "igreja". Pelo contrário, a comunidade do povo de Deus vista em qualquer nível pode ser corretamente chamada igreja.14

Mas por que afirmamos que a Igreja universal é também invisível? O fato é que somente Deus pode conhecer o coração do homem em sua totalidade. Por mais que admitamos que a experiência de salvação na vida de uma pessoa traz resultados visíveis, evidentes, o fato é que o real estado ou a real condição espiritual dessa pessoa só Deus mesmo pode conhecer de forma plena. Em João 2.25 lemos que Jesus "não precisava que ninguém lhe desse testemunho a respeito do homem, pois ele bem sabia o que havia no homem". Paulo, escrevendo a Timóteo, afirma que o "Senhor conhece quem lhe pertence" (2 Tm 2.19). É interessante notar que esse foi um importante princípio bíblico eclesiológico resgatado pela Reforma Protestante, no século 16, 14

GRUDEM, 1999, p. 718.

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Eclesiologia quando a Igreja Católica dava demasiada importância à instituição/organização identificando-a com a Igreja de Cristo. Em outras palavras, a Igreja de Cristo só poderia ser encontrada na organização visível, nesse caso, a Igreja Católica Romana. A Confissão de Fé de Westminster feita no século 17 reconhece que a Igreja universal é invisível: I. A Igreja Católica ou Universal, que é invisível, consiste do número total dos eleitos que já foram, dos que agora são e dos que ainda serão reunidos em um só corpo, sob Cristo, seu Cabeça; ela é a esposa, o corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todas as coisas. [...] II. A Igreja Visível, que também é católica ou universal, sob o Evangelho (não sendo restrita a uma nação, como antes sob a Lei), consiste de todos aqueles que, pelo mundo inteiro, professam a verdadeira religião, juntamente com seus filhos; é o Reino do Senhor Jesus Cristo, a casa e família de Deus, fora da qual não há possibilidade ordinária de salvação 15.

2. O NASCIMENTO DA IGREJA É interessante considerar que a Igreja não nasce no dia de Pentecostes, como podemos ser tentados a pensar, devido à importância desse dia para sua história. A Igreja nasce no propósito eterno de Deus, muito antes desse dia registrado em Atos 2. Assim, consideramos que a Igreja nasce no coração do próprio Deus, muito antes do dia de Pentecostes. E isso ocorre em Cristo, que é chamado nas Escrituras de “cabeça da igreja” (Ef 1.22). “Cabeça” aqui não tem num primeiro momento o sentido de liderança, como se afirma comumente, mas sim de “origem”. Cristo é a origem da Igreja, assim como Adão é a origem da 15

Confissão de Fé de Westminster, 2005, p. 196.

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Eclesiologia mulher (por ela ter sido feita por Deus a partir da costela dele), como ensina Paulo em Efésios 5.23: “porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo”. De fato, nós, os salvos, “fomos gerados nele”. O capítulo um de Efésios é fundamental para que se reconheça essa verdade, a de que a Igreja já estava no propósito eterno de Deus. Essa eleição, portanto, é anterior à "fundação do mundo", como lemos em Efésios 1.4. Lawrence O. Richards comenta: A implicação de que Deus "antes da fundação do mundo" selecionou alguns para a salvação tem perturbado alguns comentaristas, que vêem alguma forma de predestinação como uma ameaça à "justiça" de Deus. Eles sugerem que a "seleção" de Deus não é para a salvação e observam que este versículo afirma que Ele "nos" selecionou (aqueles que creram) "para sermos santos e irrepreensíveis". De acordo com esta opinião, a escolha divina limita-se a cumprir o objetivo de Deus naqueles que crêem em Cristo.16

Do ponto de vista histórico, o dia de Pentecostes tem sido encarado como a data da inauguração da Igreja, embora isso não seja consenso entre os estudiosos, havendo até quem indique João 20.21-23 como sendo o momento exato. Em geral, se reconhece que o conceito de “igreja” tal como entendido no Novo Testamento não encontra suporte no Antigo17.

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RICHARDS, 2008, p. 416. DUSING in: HORTON, 1996.

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Eclesiologia 3. IGREJA, PRECISAMOS DELA? No Brasil, há um movimento que vem ganhando força e que comumente vem sendo chamado de “o movimento dos desigrejados”.18 Esse talvez seja um título que aqueles que aderem a tal grupo possam não receber muito bem, pois em sua compreensão, o Reino de Deus transcende os limites denominacionais e culturais. Todavia, cumpre perguntar se o Reino de Deus deve existir − via de regra − à parte desses limites. Mais uma vez Michael L. Dusing: A Igreja foi projetada e criada por Deus. É a sua maneira de prover alimento espiritual para o crente o oferecer uma comunidade de fé através da qual o Evangelho é proclamado e a sua vontade progride a cada geração. Logo, a doutrina da Igreja 18

Augustus Nicodemus Lopes define os desigrejados como aqueles que desejam manter a fé e continuarem sendo cristãos sem, contudo, pertencerem à uma igreja, por estarem decepcionados com a igreja institucional. Assim, eles não frequentam nenhuma comunidade específica. O mesmo autor indica seis pontos defendidos por esse movimento: 1. Cristo não deixou nenhuma forma de igreja organizada e institucional; 2. já nos primeiros séculos os cristãos se afastaram dos ensinos originais de Jesus e daí começaram a organizar-se como instituição; 3. esse mesmo erro se repete na Reforma Protestante, quando os protestantes elaboraram "confissões e declarações de fé e catecismos que engessaram a mensagem de Jesus e impediram o livre pensamento teológico" (LOPES, 2011, p. 154); 4. "A Igreja verdadeira não tem templos, cultos regulares aos domingos, tesouraria, hierarquia, ofícios, ofertas, dízimos, clero oficial, confissões de fé, rol de membros, propriedades, escolas e seminários" (op cit. p. 155); 5. Jesus ensinou que onde estiverem dois ou três reunidos em seu nome, ele estaria presente e, portanto, isso torna desnecessário qualquer reunião mais formal como num culto, e, 6. é preciso sair da igreja institucionalizada para encontrar Deus, já que ela caiu em muitos erros e escândalos: in: LOPES, Augustus Nicodemus. O ateísmo cristão e outras ameaças à Igreja. São Paulo: Mundo Cristão, 2011.

28


Eclesiologia trata de questões de importância fundamental para o nosso comportamento cristão individual e a correta compreensão da dimensão corpórea da vida e ministério cristãos.19

A Igreja de Cristo é apresentada nas Escrituras como a “a coluna e firmeza da verdade” (1 Tm 3.15). E é na medida em que nos mantemos em comunhão com Cristo e Sua Igreja que absorvemos a verdade do Evangelho e a reproduzimos em nossa conduta ética. O próprio termo “igreja” (gr. ekklêsia) denota “originalmente um grupo de cidadãos chamados e reunidos, visando um propósito específico”20. A Igreja continua sendo necessária e sempre será, a despeito das mudanças antropológicas, sociais, econômicas e filosóficas porque passa o mundo. A humanidade vivenciou períodos de sua História acentuadamente diferentes, mas a Igreja de Cristo continua viva e vibrante anunciando ao mundo verdades antigas das quais não abriu mão. CONCLUSÃO Nosso ensino, enquanto Igreja de Cristo, tem a Bíblia e seus fundamentos por base. A Igreja não é um agrupamento de pessoas desprovido de vida, de organicidade. Ela é o corpo de Cristo. Uma das metáforas mais importantes na Bíblia para a Igreja é justamente a de que ela é um corpo, e um corpo possui muitos membros numa unidade (1Co 12.12).Isso indica a variedade de dons e ministérios que compõem e estão presentes na Igreja. Aponta também para desenvolvimento e cooperação mútua. Louvemos a Deus por fazer parte deste organismo vivo que 19 20

DUSING in: HORTON, 1996, p. 535. Op. cit. p. 536.

29


Eclesiologia comunica o evangelho ao mundo e no qual nós, incluídos, somos instruídos, para crescimento, edificação, serviço.

30


Eclesiologia

31


Eclesiologia

Exercícios do capítulo 1 Marque com C para Certo e E para Errado 1. (

)

No Brasil, há um movimento que vem ganhando força e que comumente vem sendo chamado de “o movimento dos “igrejados”

2. (

)

No que tange à Igreja de Cristo, nosso ensino tem por base as Sagradas Escrituras.

3. (

)

Entendemos que não é correto concluir que o nascimento da Igreja se dá no dia de Pentecostes, mas sim que ele ocorreu no propósito eterno de Deus.

4. (

)

a Igreja Católica dava demasiada importância à instituição/organização identificando-a com a Igreja de Cristo. Em outras palavras, a Igreja de Cristo só poderia ser encontrada na organização visível, nesse caso, a Igreja Católica Romana.

5. (

)

O próprio termo “igreja” (gr. ekklêsia) denota “originalmente um grupo de cidadãos chamados e reunidos, visando um propósito específico”.

32


Eclesiologia

33


Eclesiologia

2 A natureza da Igreja “A Ecclesia [...] é realidade, realidade celestial e divina - e todavia, é um tesouro em vasos de barro” (Emil Brunner). INTRODUÇÃO rudem (2001, p. 401) propõe algumas perguntas

G

muito interessantes relacionadas à Igreja: Como reconhecer uma verdadeira igreja? Quais são os propósitos da igreja? O que torna uma igreja mais ou menos agradável a Deus? De fato, estas

são questões importantes que precisam ser levantadas, especialmente num país como o Brasil, que tem muitíssimas denominações que se abrigam sob o título de “evangélicas”. Pensar na natureza de algo indica refletir sobre sua constituição, propósito, razão de ser... Sua identidade. Isto vale também para o nosso estudo sobre a natureza da Igreja de Cristo. 34


Eclesiologia 1. O QUE VEM A SER A IGREJA? A Bíblia é clara ao ensinar que a ekklesia é a comunidade21 de todos os salvos, de todos os tempos e de todos os lugares e culturas do mundo. Nas palavras de Berkhof (1990, p. 553), a Igreja é “a communio fidelium ou sanctorum (comunhão dos fieis ou dos santos)”. Mesmo que entendamos que a Igreja de Cristo é “inaugurada” no dia de Pentecostes, em Atos 2, é coerente com as Escrituras pensar que a Igreja lança seus fundamentos já no Antigo Testamento. Berkhof chega a dizer que: O Velho Testamento emprega duas palavras para designar a igreja, a saber, qahal (ou Kahal), derivada de uma raiz qal (ou kal) obsoleta, significando “chamar”; e ‘edhah, de ya’adh, “indicar” ou “encontrar-se ou reunir-se num lugar indicado”. Às vezes estas duas palavras são

21

“comunidade” aqui no próprio sentido eclesiológico, não no sentido sociológico. Parece que há uma tendência entre acadêmicos de se referir a igrejas locais partindo de pressupostos da Sociologia. Por entender que a igreja local é uma expressão da Igreja de Cristo, espalhada pelo mundo, o autor deste livro evita o uso da palavra “comunidade” com este sentido sociológico, crendo que esta é uma forma reducionista de se abordar a igreja. Em outras palavras, a igreja não é apenas um agrupamento de pessoas identificadas por caracteres sociais. É mais que isso. É um organismo vivo, dinâmico, unificado e edificado pelo Espirito Santo. Tal perspectiva não é englobada numa definição meramente sociológica. Evidentemente, por outro lado, não se deve ignorar que a igreja possui aspectos sociológicos, que não devem ser ignorados. E isso porque ela é constituída de pessoas, indivíduos sociais. Mas a definição do que vem a ser a igreja deve estar para além desses limites estabelecidos pela Sociologia.

35


Eclesiologia usadas indiscriminadamente, mas, de início, não eram estritamente sinônimas.22

Não há como negar que muitos fatos narrados no Novo Testamento são vistos como desdobramentos do plano de Deus que está em andamento, a partir do Antigo Testamento, e a Igreja faz parte desse desenvolvimento. Considere o capítulo um da epístola aos Efésios, onde Paulo discorre já nos versículos iniciais sobre a condição dos fieis, que encontra seu precedente na eternidade, com Deus: Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestiais em Cristo. Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua presença. Em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos por meio de Jesus Cristo, conforme o bom propósito da sua vontade, para o louvor da sua gloriosa graça, a qual nos deu gratuitamente no Amado (Ef 1.3-6).

Grudem comenta que Deus viu seu povo, no Antigo Testamento, como Igreja; ele diz: Há diversas indicações no AT de que Deus viu seu povo como “igreja”, o povo reunido com o propósito de adorálo. Quando Moisés diz ao povo que o Senhor lhe havia dito: “Reúna o povo diante de mim para ouvir as minhas palavras, a fim de que aprendam a me temer enquanto

22

BERKHOF, 1990, p. 401.

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Eclesiologia viverem sobre a terra, e as ensinem a seus filhos” (Dt 4.10), a LXX traduz a palavra “reunir”... usando o termo grego ekklesiaz o, que significa “convocar uma assembleia”, um verbo que é cognato do substantivo grego do NT ekklesia, “igreja”.23

Temos aí uma evidência terminológica, mas não apenas terminológica, pois o conceito de reunião (a despeito dos termos usados, hebraico ou grego), indica que Deus estava interessado em que seu povo estivesse reunido perante Ele. Estevão menciona a “congregação” no deserto (At 7.38), indicando agrupamento. Outra evidência muito interessante de que os autores do Novo Testamento viam os crentes do Antigo também como Igreja, é a que encontramos em Hebreus 12.1, onde o autor menciona que os cristãos estão cercados “por uma nuvem de testemunhas”. Essas testemunhas a que ele se refere são os santos do Antigo Testamento, que ele acabara de mencionar no capítulo 11. Assim, ele faz uma conexão direta entre os crentes do Antigo e os do Novo Testamento. Assim, concluímos que a Igreja congrega os povos do Antigo e do Novo Testamento. Outro aspecto importante acerca da natureza da Igreja de Cristo é que ela reúne pessoas de culturas distintas, de lugares diversos no mundo todo e de todos os níveis sociais. Paulo em Efésios afirma que Deus, em Cristo,

23

GRUDEM, 2001, p. 401.

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Eclesiologia derrubou a parede que separava os dois povos (ele está se referindo a judeus e gentios): “Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derribando a parede de separação que estava no meio” (Ef 2.14 - ARC). Em Apocalipse 5 lemos que os 24 anciãos cantavam ao Cordeiro: “Tu és digno de receber o livro e de abrir os seus selos, pois foste morto, e com teu sangue compraste para Deus homens de toda tribo, língua, povo e nação” (v. 9). Em Colossenses 3.11 as barreiras étnicas, políticas, culturais vão ao chão na existência da Igreja: “Nessa nova vida já não há diferença entre grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro e cita, escravo e livre, mas Cristo é tudo e está em todos”. 2. SÍMBOLOS E METÁFORAS PARA A IGREJA Estudar esses símbolos e metáforas específicos para a Igreja nos ajuda a compreender sua natureza, seu status diante de Deus, da sociedade e sua missão. Um símbolo nas Escrituras aponta para uma realidade. Existem muitos na Bíblia. As Escrituras se utilizam muitíssimo desse recurso literário. Os símbolos estão no contexto da linguagem figurada presente na Bíblia, que é riquíssima. É tão impressionante o uso que as Escrituras fazem da linguagem figurada que W. McNeileDixon, professor de literatura, inglesa da Universidade de Glasgow, chegou à seguinte conclusão: 38


Eclesiologia Se me perguntassem qual foi a maior força utilizada na formação da história [...] eu responderia [...] a linguagem figurada. Os homens vivem pela imaginação; a imaginação governa nossas vidas. A mente humana não é um foro de debates, como querem os filósofos, mas sim uma galeria de arte [...] Elimine as metáforas (ou seja, a linguagem figurada) da Bíblia e seu espírito vivo se dissipará [...] Os profetas, os poetas, os líderes são todos mestres da metáfora, e com ela cativam a alma humana.24

Roy Zuck comenta que a "Bíblia contém centenas de figuras de linguagem. E. W. Bulinger agrupou as figuras de linguagem da Bíblia em mais de 200 categorias e forneceu 8000 exemplos bíblicos, sendo que o sumário ocupou 28 páginas para relacionar as 200 categorias"25. Tal frequência deve ser levada a sério pelo estudante de teologia, no sentido de dar à elas - as figuras de linguagem - uma devida atenção, levando em conta sua contribuição para a mensagem da Bíblia, bem como para a sua interpretação. 2.1 Símbolo Um símbolo é algum objeto material, físico, conhecido do homem (faz parte do seu cotidiano), que é usado nas Escrituras para representar verdades e fatos espirituais. Considere o interessante exemplo dos sete castiçais de ouro em Apocalipse (Ap 1.12,13 na ARC). Repare que a visão que 24

DIXON in: ZUCK, 1994, p. 167. Idem, p. 167.

25

39


Eclesiologia João tem ali não deve ser entendida como literal, como se Jesus estivesse realmente andando entre sete candelabros. O que João vê aponta para o fato de que ali temos o castiçal como símbolo das igrejas às quais Jesus está se dirigindo. A ideia embutida é que as igrejas são luzeiros no mundo testemunhando Dele aos homens. Por meio desse símbolo, uma importante verdade espiritual é comunicada aos leitos do Apocalipse: [...] esses candelabros simbolizam as sete igrejas mencionadas. Há uma distinção intencional aqui da figura mais conhecida do candelabro de sete braços do santuário de Israel, com o fim de destacar a responsabilidade de cada igreja local para dar o seu próprio testemunho do Senhor. A lâmpada é um símbolo natural do ato de dar testemunhos (cf. Jo 5.35; Fp 2.15,16).26

2.2 Metáfora É um tipo de comparação em que um objeto é tomado em lugar de outro. Na metáfora esses dois objetos são essencialmente diferentes, mas aparecem juntos numa comparação que está implícita. Uma pista para identificar uma metáfora é que os verbos “ser” e “estar” sempre são empregados: “Eu sou a porta” (Jo 10.7,9).

26

BRUCE in: BRUCE, 2008, p. 2220.

40


Eclesiologia 2.3 Símbolos e metáforas usadas para se referir à Igreja de Cristo Uma metáfora muito interessante usada em referência à Igreja é corpo. Diz o texto bíblico: "Ora, assim como o corpo é uma unidade, embora tenha muitos membros, e todos os membros, mesmo sendo muitos, formam um só corpo, assim também com respeito a Cristo" (1 Co 12.12). Como já abordamos essa metáfora anteriormente, não nos deteremos por demais aqui. Apenas é importante destacar que essa metáfora aponta para a unidade do corpo de Cristo, seu "funcionamento" cooperativo e a importância de cada membro. Como corpo, a Igreja também cresce, se desenvolve: "Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo. Dele todo o corpo, ajustado e unido pelo auxílio de todas as juntas, cresce e edifica-se a si mesmo em amor, na medida em que cada parte realiza a sua função" (Ef 4.15,16). Aqui vemos a importância dos dons ministeriais e espirituais que são dados por Deus à Igreja para a sua edificação mútua, e não para autopromoção humana e visibilidade pessoais... Pensemos nisso! (cf.: 1 Co 14.3,12,26). Outra importante metáfora é família. A Igreja de Deus é comparada à uma família em Efésios: "Por causa disso, me ponho de joelhos perante o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toda a família nos céus e na terra toma o nome" (3.14,15). As palavras que são usadas para referir-se à Primeira Pessoa e à Segunda Pessoa da Trindade são 41


Eclesiologia termos estreita e estritamente relacionadas à família: Pai e Filho. Por vezes encontramos na revelação bíblica que Deus é nosso Pai (cf. Rm 8.15; Gl 4.6; Ef 3.14; 2Co 6.18). Tal metáfora aponta para o relacionamento estreito que há entre o Pai e nós, seus filhos pela adoção em Cristo Jesus. Assim, nós, membros dessa família, somos irmãos uns dos outros (cf. Mt 12.49,50). Um símbolo importante da Igreja é a luz, ou os candeeiros como lemos no Apocalipse. Sobre isso, comenta Hernandes Dias Lopes: Antes de ver o Noivo em seu fulgor e majestade, João tem uma visão da beleza da noiva, a igreja. Ele a vê como a luz do mundo (Ap 1.12). Antes de ter a visão do Cristo exaltado, ele teve a visão da igreja. O mundo vê Cristo através da igreja e no meio da igreja. Isso significa que ninguém verá a Jesus em glória senão por meio da sua igreja aqui na terra. Você precisa da igreja. Precisa se congregar. O que é a igreja? Ela é a luz do mundo. Por isso, ela é comparada a candeeiro e estrela. João vê a igreja em duas figuras: sete estrelas e sete candeeiros. Tanto a estrela como o candeeiro são luzeiros. Eles devem refletir luz. A igreja é a luz do mundo. Ela resplandece no mundo. Se uma lâmpada deixasse de proporcionar luz ela era afastada (Ap 2.5). A luz da igreja é emprestada ou refletida, como a da lua. Se as estrelas têm de brilhar e as lâmpadas luzir, elas devem permanecer na mão de Cristo e na presença de Cristo.27

27

LOPES, 2005, pp. 47,8.

42


Eclesiologia CONCLUSÃO Há várias outras metáforas e símbolos da Igreja que, por exiguidade de tempo e de espaço, não poderemos abordar nesta breve obra introdutória. A Igreja é vista ainda como "coluna e fundamento da verdade" (1 Tm 3.15), "sacerdócio santo" em 1 Pedro 2.5, ou ainda "uma lavoura", em 1 Coríntios 3.6-9, e nesse mesmo capítulo Paulo compara a Igreja à um edifício (v. 9), como o faz também Pedro em 1 Pedro 2.5 (atente para as expressões "pedras vivas", "edificação").

43


Eclesiologia

Exercícios do capítulo 2 Relacione a COLUNA A de acordo com a COLUNA B COLUNA A

COLUNA B

A

Metáfora que aponta ( para a unidade dos membros da Igreja de Cristo.

)

Roy Zuck

B

Metáfora que indica a ( Igreja como testemunha de Cristo na Terra.

)

Corpo

C

__________ comenta ( que a Bíblia contém centenas de figuras de linguagem.

)

Berkhof

D

Nas palavras de ( __________ (1990, p. 553), a Igreja é “a communiofideliumou sanctorum (comunão dos fieis ou dos santos)”.

)

“sacerdócio santo”.

44


Eclesiologia E

Em 1 Pedro 2.5 a Igreja ĂŠ vista como...

(

45

)

Candeeiro


Eclesiologia

3 A missão da Igreja “Assim que encontramos a verdade, não podemos, não conseguimos mais ficar calados; temos de falar. Como uma semente, ao brotar pode até arrebentar um muro, assim, também, quando o amor de Cristo nos constrange, mesmo que o mundo inteiro esteja em armas contra nós, sentimos que temos de dar testemunho do Senhor” (F. B. Meyer). INTRODUÇÃO ndubitavelmente, a Igreja, tanto em seu aspecto local, visível, quanto em seu aspecto universal, invisível, tem uma missão a cumprir. Essa missão, conforme afirma Royer (2006, pp. 5,6) é tríplice e em nosso livro seguiremos essa mesma abordagem:

I

1. a Igreja tem uma missão para com Deus, 2. a Igreja tem uma missão para consigo mesma e, 3. a Igreja tem uma missão para com o mundo.

Se desconsiderarmos essa tríade ficaremos descaracterizados enquanto Igreja de Cristo. Não é possível, à luz das Escrituras, ou em outras palavras, à luz 46


Eclesiologia de como a Bíblia define a Igreja, negligenciar a nossa missão. Oliveira (2003, pp. 130,1) apresenta ainda outras sete características que compõem a missão da Igreja: 1. Constituir aqui um lugar da habitação de Deus (Ef 2.20-22; 1Co 3.16). 2. Dar testemunho da verdade (1 Tm 3.15). 3. Tornar conhecida a multiforme sabedoria de Deus (Ef 3.10). 4. Dar eterna glória a Deus (Ef 3.20,21). 5. Edificar seus membros (Ef 4.11-13). 6. Disciplinar seus membros (Mt 18.15-17). 7. Evangelizar o mundo (Mt 28.18-20). 1. A IGREJA E SUA MISSÃO PARA COM DEUS O que nos move enquanto Igreja de Cristo? Há uma tendência muito forte na Igreja evangélica brasileira de se cair no mero ativismo religioso. Nesse sentido, corremos o risco de cair no mero formalismo religioso, numa ação eclesial que embora constante, ativa e dinâmica, seja desprovida de vida e de sentido. Entender nossa missão é olhar para Deus e saber que o que fazemos, fazemos num primeiro plano para Ele e depois pelo Seu Reino. O senso de serviço prestado a Ele, como “escravos” voluntários que o servem por amor, deve ser o sentimento e a razão que nos 47


Eclesiologia movem. O escritor Frank M. Boyd, comentando a passagem de Filipenses 1.1,2, afirma que: A palavra "servos", no versículo 1, significa literalmente "escravos". O verdadeiro ministro de Cristo é como o servo hebreu em tempos passados que, obtendo sua liberdade, opta por continuar na casa de seu amo. Este, então, perfura-lhe a orelha em sinal de lealdade e escravidão voluntária. Escravidão, sim, mas que de fato constitui a mais bendita liberdade - estar junto de quem se ama. Servir a Cristo, para aquele que por motivo de amor se coloca à sua inteira disposição, é a mais sublime forma de liberdade.28

Nossa missão para com Deus, o Criador Nessa missão para com Deus, nós o adoramos enquanto Criador e sustentador de todas as coisas. Deus está numa categoria única, distinta de toda a Criação. Teólogos há que sentem-se incomodados com a ideia de Deus não dividir Sua glória com ninguém e exigir exclusividade nesse sentido. Mas Deus é o Agente da Criação, é o Senhor sobre toda criatura vivente. Podemos até afirmar que Ele não é passivo desse tipo de avaliação e julgamento. Isso nos lembra a inquirição que é feita pelo profeta: "Vocês viram as coisas de cabeça para baixo! Como se fosse possível imaginar que o oleiro é igual ao barro! Acaso o objeto formado Pode dizer àquele que o formou: "Ele não me fez"? E o vaso poderá dizer do oleiro: "Ele nada sabe"?" (Is 29.16). 28

BOYD, 2006, pp. 59,60.

48


Eclesiologia Na Bíblia Viva temos uma paráfrase interessante desse mesmo versículo: "Como vocês estão errados! Como são tolos! Será que o oleiro que faz os jarros não é maior que o barro? Será que uma obra de arte poderia dizer do artista que a criou: "Não foi ele que me fez!" Por acaso a máquina chama o seu inventor de ignorante?" Como Criador, Ele é único, soberano sobre os reis da terra (Ap 1.5). E nós fomos criados Nele, por Ele e para Ele (Rm 11.36). Em Cristo, Seu Filho amado, todas as coisas irão convergir, de uma maneira ou de outra. Agostinho, bispo de Hipona, um dos mais influentes pensadores do cristianismo ao longo de dois mil anos, afirmou no capítulo um de sua famosa obra Confissões: "Tu mesmo que incitas ao deleite no teu louvor, porque nos fizeste para ti, e nosso coração está inquieto enquanto não encontrar em ti descanso". Ao glorificarmos e adorarmos a Deus, unimo-nos a natureza e a seres espirituais, que nas regiões celestiais também o adoram, reconhecendo Sua santidade, grandeza, poderia, beleza e magnificência (1 Cr 29.11). Tal espírito de adoração deve ser livre, isento, puro, sem estar “amarrado” a qualquer sentimento utilitarista em relação ao Redentor. Essa aproximação, de nossa parte para com Ele, deve ser fruto de um coração rendido e agradecido. Seus benefícios sobre nós são incontáveis, aqui, nesta vida, e na que há de vir, conforme ensinam as Escrituras. Seu amor nos encontrou primeiro, quando ainda estávamos em delitos e pecados, mortos, quando éramos inimigos Dele (Ef 2.3; Cl 49


Eclesiologia 1.21). Seu amor por nós é factual, comprovado por um ato concreto, um fato concreto, um evento concreto e um homem concreto – Jesus e sua cruz. Isso por si só deve nos conduzir a servir e a adorar ao Criador com profunda devoção e sentimento de ação de graças. 2. A IGREJA E SUA MISSÃO PARA CONSIGO MESMA A Igreja tem uma missão a cumprir para consigo mesma: ela deve cuidar de seus próprios membros. Como já pudemos considerar, a Igreja é um corpo cujos membros não são autônomos, independentes uns dos outros, mas estamos “amarrados” uns aos outros, em Cristo. Infelizmente, um aspecto negativo da denominacionalização é a ideia de “gueto fechado” que se instalou (e ainda se instala) na mente de muitos cristãos. Nesse sentido, as marcas distintivas da nossa comunhão enquanto Igreja são substituídas por aspectos meramente denominacionais ou institucionais. Nossas relações vão se tornando assim “tribalistas”, “denominacionais”, na medida em que só vemos como corpo de Cristo aqueles que fazem parte da mesma denominação que a nossa. Nossas relações parecem não transpor a oportunização da convivência numa mesma denominação. Assim, a amizade e a fraternidade cristã perduram enquanto “congregamos juntos”. A medida da comunhão é a medida das oportunidades que surgem para se estar juntos e não das oportunidades que são criadas por nós para que 50


Eclesiologia estejamos juntos. Tal postura, por parte de muitos cristãos, tem fomentado um ambiente extremamente marcado pela formalidade, frieza, desinteresse pelo outro. No Novo Testamento, temos uma igreja que não é perfeita, mas que é modelo para nós, hoje, na Pós-modernidade. Lucas nos informa que “eles tinham tudo em comum” (At 2.42). Denominacionalismo: vantagens e desvantagens Não negamos em hipótese alguma a ideia de que a Igreja de Cristo subsiste nas variadas denominações evangélicas que existem no Brasil e no mundo. Entendemos que a Igreja de Cristo não pode jamais ser limitada ou circunscrita à uma denominação específica. Mas também não podemos fechar os olhos para alguns dos terríveis prejuízos que foram trazidos pelo fenômeno da denominacionalização para a Igreja, especificamente em nosso país, o Brasil. Muitas vezes, o denominacionalismo acaba mais por nos afastar do que nos aproximar. Deixamos de nos agregar em torno de uma missão que é comum à nós, enquanto Igreja de Cristo, para nos separarmos em função de questões denominacionais até triviais, como usos e costumes, questões relacionadas à política convencional, etc. Embora seja admíssvel que estejamos unidos sob uma mesma bandeira denominacional, é preciso que tenhamos claro em nossa mente, até por esse um ensino muito claro do Novo Testamento, de que os elementos catalisadores da nossa comunhão em Cristo são aqueles descritos, por exemplo, 51


Eclesiologia em 1 aos Coríntios, onde Paulo instrui os cristãos de Corinto a que não estivessem divididos entre si, uma vez que em "um só corpo todos nós fomos batizados em um único Espírito" (1 Co 12.13a). Eles estavam assim sob um mesmo Senhor, sob uma mesma fé. Esses elementos estão para muito além de questões étnicas, regionais, culturais e, trazendo para nosso contexto hoje, denominacionais. Vale ressaltar ainda que nessa questão não devemos partir para extremos. Por mais que possamos amargar prejuízos decorrentes de uma má administração nessa questão denominacional, é preciso que se afirme também que existem benefícios decorrentes da denominacionalização para a Igreja. Um desses benefícios é a diversidade. Com efeito, a Igreja do Senhor no Brasil e no mundo é uma unidade que subsiste na diversidade. E essa unidade da Igreja precede essa diversidade. O Pastor Hernandes Dias Lopes comenta: A unidade espiritual da igreja é uma obra exclusiva de Deus. Não podemos produzir unidade, mas apenas mantê-la. Todos aqueles que crêem em Cristo, em qualquer lugar, em qualquer tempo fazem parte da família de Deus e estão ligados ao corpo de Cristo pelo Espírito. Esta unidade não é externa, mas interna. Ela não é unidade denominacional, mas espiritual. Só existe um corpo de Cristo, uma igreja, um rebanho, uma noiva. Todos aqueles que nasceram de novo e foram lavados no sangue do cordeiro fazem parte dessa bendita família de Deus.29 29

LOPES, A importância vital da unidade cristã, 2016.

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Eclesiologia Muitas pessoas criticam fortemente o cristianismo, mais especificamente o protestantismo, em função dessa diversidade. Mas é preciso que se diga que há muitas discordâncias em torno de questões secundárias, como governo da Igreja, liturgia30, etc., e não tanto em torno de questões fundamentais da fé cristã histórica. Para todas aquelas denominações genuinamente evangélicas, os pontos centrais da fé cristã são reafirmados, a saber: a inspiração divina das Escrituras, Deus como o Criador dos Céus e da Terra e do homem, a Divindade de Cristo e a eficácia e suficiência de Sua obra vicária, Sua Ressurreição física e glorificada, a Realidade da Pessoa e Obra do Espírito Santo operando na e pela Igreja, a Doutrina da Trindade, além de outras fundamentais e fundantes doutrinas bíblicas centrais que poderiam aqui ser elencadas. 3. A IGREJA E SUA MISSÃO PARA COM O MUNDO Em sua missão para com o mundo, a Igreja deve preocuparse e mover-se no sentido de evangelizá-lo. Esse esforço 30

É claro que não se infere aqui que estas questões não sejam importantes, mas o enfoque nesse momento recai sobre "marcos" ainda mais importantes e que são eles que, na verdade, determinam as questões secundárias. Em outras palavras, são dos pontos fundamentais da fé cristã histórica que derivam os elementos secundários como governo da igreja local, liturgia, usos e costumes, etc. Na compreensão do autor deste livro, esses "pólos" não devem jamais ser invertidos.

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Eclesiologia pode ter dimensões locais, pelo trabalho de evangelização realizado por grupos de uma igreja local e pelo trabalho missionário propriamente dito, para além das fronteiras. Se uma igreja local não se interessa pela obra missionária e pela evangelização dos perdidos, é hora de perguntar se essa igreja pode realmente ser identificada como uma igreja genuinamente evangélica. Pode parecer até radicalismo abordar a questão nestes termos, mas o fato é que a natureza e a identidade de uma igreja passa virtualmente pela questão de sua postura em relação aos perdidos. A Igreja, portanto, é portadora de uma mensagem que precisa ser compartilhada com o mundo: a mensagem do evangelho, e evangelho é boa nova! Essa missão da Igreja para com o mundo deve ser entendida em termos coletivos e em termos individuais. Coletivamente, a Igreja, em suas variadas confissões, deve investir seus melhores esforços para que a obra missionária possa avançar. É uma responsabilidade muito séria, delegada pelo Senhor da Seara a nós: Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo,ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos (Mt 28.19,20). E disse-lhes: "Vão pelo mundo todo e preguem o evangelho a todas as pessoas” (Mc 16.15).

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Eclesiologia É lamentável que gastemos mais com outras coisas não tão fundamentais como o quanto investimos na obra de missões. Em termos individuais, a missão da Igreja deve ser assumida por nós, enquanto indivíduos no nosso dia a dia e em nossas relações e claro, entendendo que Missões não é uma responsabilidade "da igreja" ou "da agência missionária". É responsabilidade minha, enquanto sujeito, enquanto membro do corpo de Cristo. Nesse sentido, vale ressaltar que evangelizar e/ou fazer missões deve ser para nós mais do que simplesmente "cumprir uma tarefa", mas um estilo de vida. Por mais que muitos de nós não possamos ser um missionário atuando no campo missionário, todos nós temos o dever de no mínimo apoiar e investir na atividade missionária e na evangelização. Lembremos que todos nós temos a nossa Jerusalém... Se um cristão simplesmente não se interessa pela evangelização dos pecadores é provável até que ele nem tenha nascido de novo em Cristo. Assim como Cristo nos amou e veio ao nosso encontro, para nos resgatar e redimir do pecado e da perdição eterna, assim devemos nós também "reproduzir" esse amor para com aqueles que ainda não abraçaram o evangelho. Que possamos ser consumidos pelo desejo de anunciar Cristo a tantos quantos pudermos. Tal esforço, é importante frisar, está para muito além de um simples proselitismo religioso. Pensar a evangelização em termos de proselitismo religioso é uma maneira reducionista de encarar a missão da Igreja para com o mundo. Não se trata 55


Eclesiologia simplesmente de "buscar novos adeptos", mas sim de ganhar vidas para Cristo, conduzindo-os no discipulado cristão; é compartilhar uma mensagem que diz respeito à vida e à morte. Paulo escreveu: "Mas graças a Deus, que sempre nos conduz vitoriosamente em Cristo e por nosso intermédio exala em todo lugar a fragrância do seu conhecimento;porque para Deus somos o aroma de Cristo entre os que estão sendo salvos e os que estão perecendo.Para estes somos cheiro de morte; para aqueles fragrância de vida"(2 Co 14-16). CONCLUSÃO Que Deus nos dê graça para cumprir com excelência nossa missão. Certa feita ouvi um missionário afirmar que se os missionários sofrem no campo, nós somos os responsáveis, nós que os mantemos lá. Parece até que existe certa satisfação em afirmar que os missionários são sofredores e que sua tarefa é sempre árdua, quando nós podemos e devemos nos esforçar para mudar essa realidade, possibilitando a eles melhores condições para cumprir seu papel de levar a boa nova aos perdidos pelo mundo. Eles são os missionários que foram (e que vão), nós somos os missionários que ficam.

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Exercícios do capítulo 3 Marque com C para Certo e E para Errado 1. (

)

A Igreja de Cristo, tanto em seu aspecto local quanto no universal, tem uma missão para cumprir.

2. (

)

A Igreja tem uma missão dupla: 1. Em relação a Deus, 2. em relação a si mesma (aos seus membros) e 3. em relação ao mundo.

3. (

)

O fato é que a natureza e a identidade de uma igreja passa virtualmente pela questão de sua postura em relação aos perdidos.

4. (

)

Pensar a evangelização em termos de proselitismo religioso é uma maneira reducionista de encarar a missão da Igreja para com o mundo. Não se trata simplesmente de "buscar novos adeptos", mas sim de ganhar vidas para Cristo.

5. (

)

A Igreja em sua missão para consigo mesma, isto é, em relação aos seus membros, deve cuidar deles, pelo ensino e pelo cuidado pastoral.

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4 A organização da Igreja “Assim disse o Senhor, por intermédio de Isaias: ‘Eis que eu assentei em Sião uma pedra’. Isto significa que Cristo é a fundação da igreja” (Ambrósio, 339-397 d.C.).

INTRODUÇÃO uando abordamos a questão da organização da igreja, pensamos mais na igreja local, na denominação e no aspecto institucional. Evidentemente que ao longo de sua milenar história e em seu cenário atual, a Igreja compreende salvos em Cristo que não estão sob a tutela institucional, e isso por razões variadas31. Inclusive, neste livro, é reconhecido que pode haver salvação em

Q 31

A referência aqui não é àqueles que deixaram a igreja institucionalizada, os “desigrejados”, como têm sido chamados, mas sim a fatores diversos como: países com regimes totalitaristas que perseguem o cristianismo, violência contra cristãos, etc., fatores esses que impedem que a Igreja se organize institucionalmente, além de outras questões que poderiam ser levantadas.

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Eclesiologia Cristo fora dos “limites” eclesiais, ainda que não de maneira ordinária. Assim, a organização é fator de primordial importância para uma igreja. Pode até ser que a igreja primitiva não tivesse cofre, mas ela lidava com recursos financeiros; pode até ser que ela não tivesse templos, mas ela se reunia com regularidade em locais específicos e, pode até ser que ela não era uma instituição, mas é fato que foi se organizando, como podemos perceber já no próprio livro de Atos dos Apóstolos. A organização de uma igreja passa por elementos diversos como o seu governo, sua administração financeira, a gestão arquivística de documentos que são gerados pela igreja ao longo dos anos e que tem capital importância, até por conterem dados pessoais de membros, dentre outras questões que aqui são contempladas. Comecemos considerando a questão dos diferentes tipos de governos da Igreja. 1. OS TIPOS DE GOVERNO DA IGREJA Podemos mencionar aqui três tipos principais de formas de governo da Igreja, sob os quais as muitas denominações vão se encaixando32; são elas:

32

Isso não é via de regra, já que há denominações que não enquadram em nenhum desses modelos governamentais eclesiásticos, ainda que possam se aproximar mais de um em detrimento de outros.

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Eclesiologia 1. Governo Episcopal. 2. Governo Presbiteriano. 3. Governo Congregacional. 1.1 O Governo Episcopal Essa forma de governo foi adotada pela Igreja Católica e pela Igreja Ortodoxa. Como o próprio nome sugere, indica a liderança administrada pelos bispos da igreja. O governo é mais centrado na pessoa do dirigente que, por sua vez, conta com um grupo de liderados. No Brasil, podemos citar como exemplo de igreja evangélica que adota essa forma de governo a Igreja do Evangelho Quadrangular, onde o bispo é quem rege uma ou mais regiões eclesiásticas. 1.2 O Governo Presbiteriano Aqui, a forma de governo já não é tão centrada num indivíduo, mas numa assembleia de presbíteros ou anciãos, como é sugerido pelo próprio nome. Nesse sistema cada igreja local elege presbíteros para um conselho... O pastor da igreja é um dos presbíteros no conselho, com a mesma autoridade dos outros presbíteros. Esse conselho tem autoridade para dirigir a igreja local. Entretanto, os membros do conselho (os presbíteros) são também membros de um presbitério que tem autoridade sobre diversas igrejas locais em uma região. Esse presbitério consiste de alguns ou de todos os presbíteros das igrejas locais sobre as quais ele tem autoridade. Além disso, alguns dos membros do presbitério são membros da

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Eclesiologia Assembleia Geral (ou Supremo Concílio), que normalmente tem autoridade sobre todas as igrejas presbiterianas em uma região ou outra.33

1.3 O Governo Congregacional Nessa forma de governo, todos decidem pelo voto. Isto é, os membros da congregação votam escolhendo seus líderes. Grudem (1999, p. 778) menciona até cinco variações desse modelo de regência da igreja. O pastor da congregação, assim como os diáconos que lhe assistem e estão sob sua liderança, são eleitos pelo voto da igreja. Permanecendo mais tempo numa igreja, o pastor vai tendo sua autoridade aumentada. Vale ressaltar que ainda podem ser considerados os argumentos que são apresentados em favor de ambos os sistemas de governo eclesiástico, mas por exiguidade de tempo e de espaço, nessa obra não discorreremos sobre esses argumentos.34 A seguir alguns gráficos que ilustram as três formas de governo. Os gráficos foram adaptados a partir da obra de Grudem35:

33

GRUDEM, 1999, p. 776. Para uma abordagem desses argumentos, cf. GRUDEM, 1999, p. 774ss. Champlin também oferece um extenso artigo sobre Governo Eclesiástico em: CHAMPLIN, 1991, vol. 2, p. 935ss. 35 GRUDEM, 1999, p. 774ss. 34

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Eclesiologia MODELO EPICOSPAL

MODELO PRESBITERIANO

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Exercícios do capítulo 4 Marque com C para Certo e E para Errado 1. (

)

Na forma de governo presbiteriano, a igreja é que elege seus presbíteros para um conselho local.

2. (

)

Na forma de governo episcopal, um arcebispo não exerce autoridade sobre muitos bispos, pois sua posição se dá pela escolha da igreja.

3. (

)

No sistema congregacional é a igreja que elege o pastor e os diáconos.

4. (

)

A organização de uma igreja passa por elementos diversos como o seu governo, sua administração financeira e a gestão arquivística de documentos gerados por ela ao longo dos anos.

5. (

)

É possível haver salvação fora da igreja, mas não de forma ordinária.

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Eclesiologia

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5 Igreja, liturgia e sociedade “[...] Os evangélicos se lançaram avidamente em busca de respeitabilidade acadêmica, não somente da parte dos demais cristãos, mas sobretudo da parte da academia secular. Essa sofreguidão por reconhecimento tem feito esquecer que o opróbrio da cruz é mais aceitável diante de Deus que o louvor humano. Como resultado, o evangelicalismo terminou por submeter várias de suas instituições teológicas aos padrões educacionais do estado e das universidades, padrões comprometidos metodológica, filosófica e pedagogicamente com as cosmovisão humanística e secularizada, em que as Escrituras e o cristianismo são estudados de uma perspectiva não cristã. Abriram-se assim as comportas para o velho liberalismo” (Augustus Nicodemus).

INTRODUÇÃO sta lição contempla dois assuntos de suma importância para a Eclesiologia: a liturgia e a sociedade. É bem possível que você, ao ler as linhas que se seguem, possa rever alguns conceitos relativos a esses temas. Se nota atualmente uma grande confusão em torno do que de fato vem a ser o verdadeiro culto a Deus e qual o papel da Igreja em relação à sociedade. Tais assuntos são

E

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Eclesiologia contemplados, direta e indiretamente, pelas Escrituras e é nelas que buscamos as diretrizes para lidar com esses assuntos, algumas vezes marcados por polêmicas36, extremos e incertezas. 1. IGREJA E LITURGIA A palavra “liturgia” é de origem grega (gr. leitourgos) e “servia para descrever alguém que fazia serviço público ou liderava uma cerimônia sagrada”37. No contexto cristão, encontramos uma forma estabelecida de cultuar já nos tempos do Novo Testamento, como podemos depreender de algumas passagens, como 1 Coríntios 14.26: “Portanto, que diremos, irmãos? Quando vocês se reúnem, cada um de vocês tem um salmo, ou uma palavra de instrução, uma revelação, uma palavra em língua ou uma interpretação. Tudo seja feito para a edificação da igreja” (grifo meu). Bock (2007, p. 113) comenta que: Nos primeiros séculos, o ensinamento da Igreja era passado adiante oralmente, pela circulação de tradições sobre Jesus e a teologia da Igreja... Eram resumos da teologia da Igreja, aprendidos por meio de pequenas declarações teológicas ou hinos, assim como por apelo a

36

A questão de quais são os elementos de culto, por exemplo, é sempre um assunto que levanta debates acalorados. E ainda: deve a Igreja envolver-se ou não em questões de cunho social, como manifestações públicas, atividades políticas, dentre outras. 37 in: Significados. Disponível em: <http://www.significados.com.br/liturgia/> Acesso em: 24 mai. 2016.

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Eclesiologia livros individuais que, mais tarde, vieram fazer parte do Novo Testamento. Esses importantes livros eram lidos durante os cultos cristãos como meio de instrução e encorajamento para os presentes.

Vale ressaltar que Bock nesse texto está se referindo ao período anterior ao reconhecimento definitivo do cânon do Novo Testamento, a coleção completa com os 27 livros, o que se dá entre o início e meados do século IV d.C. Isso indica que a prática do culto prossegue dos dias do Novo Testamento aos dias da Patrística.38 Muita discussão surge em torno da questão de como devemos cultuar ao Senhor, gerando debates infrutíferos e desnecessários. Antes de qualquer postura que possamos assumir nessa questão, cumpre retornar às Escrituras para cientificarmo-nos do que de fato Deus espera de nós em relação ao culto que prestamos a Ele. Antes de discutirmos formas e elementos para o culto cristão, vamos primeiro

38

Essa palavra se refere às obras produzidas pelos assim chamados "Pais da Igreja", nos cinco primeiros séculos da Era Cristã. Esses homens foram os primeiros formuladores da Teologia Cristã já nos primórdios da Igreja, logo após a Era Apostólica.

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Eclesiologia entender, à luz das Escrituras, o que é de fato o culto a Deus. 1.1 O culto Couto (2016, p. 26)39 informa-nos que: A palavra culto deriva do latim, cultu, cujo significado é adoração ou homenagem. Tais atos são devidos, do ponto de vista cristão, a Deus. Etimologicamente falando, o termo latino supracitado envolve a raiz colo e colere, que indica, além de honrar, o sentido de cultivar. Culto também é uma derivação de religião. Cícero, filósofo do primeiro século antes de Cristo e que foi declarado como um pagão justo pela igreja Católica, descrevia "religião" como oriunda da palavra latina relegere, cujos significados eram reler, fazer algo a mais, observar com cuidado, processo contínuo, e finalmente, como uma observação diligente de todos os pertences utilizados para venerar os deuses.

A palavra “culto” em inglês pode ser traduzida como service, que em português significa “serviço”. Isso é muito sujestivo para nós, especialmente num momento em que se perde de vista o que é de fato o culto prestado a Deus. Cultuá-lo é também servi-lo, não ser servido por Ele. Embora sejamos abençoados com esse hábito tão salutar - o 39

O autor, nessa obra, apresenta uma extensa pesquisa sobre o culto cristão, numa abordagem que além de trazer informes históricos, também é contextualizada.

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Eclesiologia de frequentar o culto - é fundamental que tenhamos em mente que quando nos reunimos num culto é para adorálo, servi-lo e nos edificar mutuamente. O Dicionário Bíblico Wycliffe (2007) define “cultos” como “sistemas particulares de adoração religiosa com referências especiais a rituais e cerimônias”. Comenta ainda que o culto “é o ponto central de uma religião e eventualmente assume formas e símbolos que revelam mais claramente o caráter distinto da religião”40. O culto cristão tem um caráter individual e coletivo. Em outras palavras, o crente individualmente presta seu culto a Deus, mas a comunidade unida também o faz toda vez que se reúne para esse fim. Em termos individuais, podemos afirmar que o culto é contínuo, extensivo ao dia a dia, não estando restrito apenas ao momento em que a igreja local se encontra para cultuar. Para Croce (2013, p. 101), o culto cristão: [...] enquanto forma, é também uma cerimônia religiosa, com ritos e símbolos peculiares de honra e contato com o Deus trino, e pode ser pessoal ou coletivo, mas com diferença no que diz respeito ao contato, que fala da essência do culto. Nos cultos pagãos (aos falsos deuses), o cultuante procura o contato com a divindade buscada e especialmente, procura sentir algo para que se confirme a presença desse deus. Já no culto cristão, tanto particular como coletivo, temos a promessa da presença do Senhor independente de 40

PFEIFFER. WOWARD. REA, 2007, p. 506.

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Eclesiologia O sentirmos ou não (Mt 18.20; 28.20). Portanto, o culto cristão, enquanto essência, é o ambiente onde Deus se faz presente e é adorado.

Consideremos também algumas coisas que não caracterizam o verdadeiro culto a Deus a fim de que possamos, por meio de uma “leitura por espelho”, compreender o que vem a ser o verdadeiro culto: 1.1.1 O culto a Deus não é sempre “um momento de alegria” Há cultos que são momentos de muita alegria sim, mas nem todo culto prestado a Deus tem esse teor festivo. Muitas vezes o culto a Deus é também lugar de dores, de profunda reflexão, de arrependimento contrito e sincero ao Criador. O culto é espaço também para a admoestação, repreensão, correção mútua. Instrução, edificação e orientação através das Escrituras. Essa é uma importante verdade que tem sido demasiadamente esquecida por muitos crentes brasileiros. Essa forma de encarar o culto cristão tem servido para alimentar o pensamento de que culto é uma forma de entretenimento ou uma mera forma de encontro social. Por mais que seja muito agradável estar na companhia de irmãos queridos (a comunhão cristã é marca também do culto a Deus), essa comunhão tem uma direção a seguir: cultuar a Deus!

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Eclesiologia 1.1.2 O culto a Deus não é espetáculo A palavra show já foi introduzida em nossa língua e tem sido amplamente usada no contexto evangélico, no Brasil. Entendemos que tal conceito não se aplica em hipótese alguma ao que se compreende por culto à luz das Escrituras. Show indica apresentação humana, onde o homem é figura de destaque. O culto a Deus aponta sempre para o Alto, para Ele, mesmo que tenha uma dimensão horizontal (os irmãos se edificam mutuamente durante o culto pela pregação e ensino). O Centro do culto cristão é Deus e a Ele devem ser dirigidas as orações, os cânticos e ação de graças. Infelizmente, em nosso país, o culto tem sido usado, nas variadas denominações evangélicas, como espaço para autopromoção humana. O espetáculo, o desejo por visibilidade, a busca pela fama, tem levado muitos a perderem de vista que o culto cristão verdadeiro tributa toda glória somente a Deus e a ninguém mais. Uma marca sempre constante e emblemática do verdadeiro culto a Deus é a sua simplicidade. Com efeito, Laurent Gagnebin, pastor e teólogo protestante francês, em seu livro O Protestantismo, comenta que: O templo e o culto protestantes não têm de se vestir de ornamentos ilusórios e supérfluos; com efeito, a sua nudez remete para a glória somente de Deus. A precariedade protestante encontra então no provisório uma parte da sua encarnação. Os templos não foram feitos para durar... Num culto demasiado brilhante, o protestante fareja qualquer coisa de adulterado e, sobretudo, uma vaidade

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Eclesiologia sempre possível. “A Deus somente a glória”. No espírito protestante, a riqueza da Igreja – e das igrejas – é excessiva. Não manifestará ela uma infidelidade chocante face à cruz de Jesus?41

1.1.3 Culto não é espaço para autopromoção humana Há muitos eventos que a despeito de receberem o título de "culto", são marcados por momentos que fomentam e destacam necessidades e vicissitudes humanas. Embora o culto, como bem explica Couto (2016, p. 243ss), possua sim suas dimensões antropológicas, estamos convivendo com extremos que acabam por "tirar Cristo do culto cristão", por mais paradoxal que isso possa parecer. O homem com suas aspirações tem sido colocado em seu lugar. Como nunca antes ouvimos em nossas pregações e em nossos hinos expressões como "você é vencedor", "você é campeão", "você vai conquistar", "você", "você", "você"... As pessoas acabam por se aproximar do momento cúltico de forma egoísta, utilitária e encarando Deus como Aquele que age e existe apenas em função de suas necessidades. Instalou-se assim uma visão consumista quanto ao culto cristão. Vou ao culto não para servir a Deus, mas sim por que de alguma forma ele me permite algum benefício pessoal, alguma benesse. Esses benefícios passam então a ser vistos como a razão para eu estar no culto, e não a consequência. Inverte-se assim os pólos. Nossa relação com Deus, no 41

GAGNEBIN, 1997, p. 89.

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Eclesiologia entanto, deve estar para além dessa condição imposta por esse pensamento que se instalou em muitas denominações. Ela deve ser incondicional. Com Cristo permaneço, na cruz e na glória, no deserto e na multiplicação dos pães. Ainda que a figueira não floresça... (Hb 3.17).

1.2 Os elementos de culto Não devemos perder de visto que o culto cristão é prestado a Deus e portanto tem Ele como alvo. Tudo que é feito no culto, portanto, é para adorar e glorificar ao Senhor. Assim, o conceito de culto não deve ser reduzido à ideia de um mero encontro social ou um ajuntamento regular de pessoas. É mais que isso! Por mais que nossos cultos possam sofrer variações em sua estrutura - temos o culto de ensino, de ação de graças, culto ao ar livre, etc. - há elementos que são essenciais, indispensáveis, que precisam compor a liturgia. Kessler (2012, p. 21ss) menciona "cinco indispensáveis elementos de um culto, cuja sequência não representa necessariamente a ordem a ser obedecida na ministração do culto" a saber: 1. 2. 3. 4. 5.

Hinos. Leitura bíblica. Oração. Contribuição. Pregação. 76


Eclesiologia É importante ressaltar neste livro, escrito sob uma perspectiva pentecostal42, que em nossa compreensão, 1 Coríntios 14.26 continua sendo um padrão para o culto, hoje: Portanto, que diremos, irmãos? Quando vocês se reúnem, cada um de vocês tem um salmo, ou uma palavra de instrução, uma revelação, uma palavra em língua ou uma interpretação. Tudo seja feito para a edificação da igreja.

Esses são para nós elementos de culto que caracterizam a liturgia cúltica pentecostal. Consideremos esses elementos, mencionados em 1 Coríntios 14.26 e os que foram citados por Kessler, separadamente. Começando pelos hinos, ou salmos43, é necessário considerar que eles devem elevar-nos a Deus, criar uma atmosfera de profunda adoração e reverência diante do Criador dos Céus e da Terra. Como pensar um culto cristão sem a presença de cânticos espirituais? (cf. Ef 5.19). Esses hinos entoados pela congregação precisam ser de todo o coração, com rendição sincera, verdadeira, diante daquele que sonda os corações e mentes (Rm 8.27). Infelizmente, na Igreja brasileira, tem havido excessos em relação à música sagrada. Há um notável excesso e os louvores tem ocupado parte excessiva do tempo de culto. Por mais fundamental e

42

Embora dialogando com autores não pentecostais. Para uma abordagem sobre a música na Bíblia, consulte: KESSLER, 2012, pp. 24,5. 43

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Eclesiologia importante que os louvores possam ser para o culto cristão, deve haver equilíbrio, ponderação e bom senso nessa questão. Com efeito, comenta o Pastor Antonio Gilberto: Deve haver um limite de números musicais a serem executados durante o culto pelos órgãos musicais da igreja e pelos cantores. Deixar essa definição por conta deles revela falta de sabedoria do dirigente do culto. Além disso, muita música hoje nas igrejas não é sacra, não é espiritual, não arrebata a alma, não fala ao coração, não edifica, não inspira, nem nos move a adorar a Deus. Não é “música de Deus”, como está escrito em 1 Crônicas 16.42. A música no culto deve ser um meio e um ministério para Deus revelar e manifestar a sua presença em nosso meio. Quando a música foi profanada nos primórdios da raça humana, como vemos em Gênesis 4.21-24 (essa passagem está em forma de cântico no original), veio mais tarde o julgamento divino. Infelizmente, enquanto a congregação canta no máximo dois ou três hinos em todo o culto, solistas, conjuntos, corais e bandas cantam e tocam até 21 números (Como este autor sabe de casos!). Isso é também desequilíbrio, mau gosto, falta de discernimento. Segundo as Escrituras, o incenso sagrado, o qual simboliza a oração e a adoração ao Senhor, era composto de vários ingredientes, mas todos de peso igual (Êx 30.34). O azeite vinha na frente (Êx 30.22-32) e depois vinha o incenso (Êx 30.34-38). O azeite fala do Espírito Santo. A predominância do Espírito de Deus na vida do crente e no ambiente do culto leva-o a uma profunda e santa adoração ao Senhor.44

44

in: CPAD New. Disponível <http://www.cpadnews.com.br/blog/antoniogilberto/fe-e-

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em:


Eclesiologia A música genuinamente cristã edifica, traz conforto e consolação, instrui, alimenta a alma e acima de tudo, exalta a Deus. Kessler (2012, pp. 23,4) indica alguns erros a serem evitados no culto com relação à música: 1. Som da guitarra estridente e ensurdecedor, impedindo que a letra dos louvores seja compreendida pelos crentes. E é claro que isso deve ser considerado também em relação aos outros instrumentos que compõem a parte instrumental da igreja. 2. Deve haver disciplina e submissão por parte dos músicos, na igreja. Eles, tanto quanto os demais membros da congregação, são servos também. 3. Deve haver coerência por parte dos cantores em relação aos músicos, no sentido de que se produza um uso adequado dos instrumentos, mantendo-os num nível sonoro aceitável, regular, respeitoso ao ambiente de culto a Deus. 4. Kessler menciona o que ele chama de "viciados do som", indicando aqueles cantores que ficam solicitando ao operador da mesa que aumente o som de maneira intermitente. Isso é desrespeitoso à igreja, ao pastor, ao operador de som... Nossa conclusão é que se o cantor sente necessidade de

razao/43/%C3%89tica-crista-no-culto-(parte-ii).html> Acesso em 30 mai. 2016.

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Eclesiologia

5.

6.

7.

8.

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ajuste no som, que isso seja feito com discrição e respeito! Kessler recomenda a que cânticos promocionais e comerciais devem ser evitados em nossos púlpitos, uma vez que o culto é um espaço para adoração a Deus. O autor enfatiza a necessidade e a beleza dos instrumentos no culto, ressaltando, contudo, "há momentos em que, tanto orquestra quanto banda não devem atuar, como em cultos de ceia, momentos de adoração e contrição. Se se canta nesses momentos, um violão deve acompanhar o cântico, ou do cantor ou o congregacional"45. O autor enfatiza que deve haver também um uso adequado da música e dos instrumentos ao final do culto, onde por vezes "amontoam-se os músicos a liberar suas energias nos instrumentos, cantando e tocando de forma antiética, pois não há quem possa conversar a dois, a não ser gritando um para o outro para ser entendido. Isto nunca foi poslúdio".46 O autor menciona ainda que a afinação dos instrumentos não deve ocorrer nos momentos que antecedem o culto, pois isso atrapalha de maneira significativa a devoção daqueles que chegam mais cedo ao templo para buscar ao Senhor.

Op cit. p. 23. Op cit. pp. 23,4.

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Eclesiologia Consideremos agora a leitura, a pregação e o ensino bíblicos como outros três importantes elementos do culto cristão. Infelizmente, tem havido um esvaziamento da Palavra nos púlpitos cristãos de muitas igrejas. Se canta muito, há muitos hinos que são entoados, e pouco tempo é destinado à pregação e ao ensino das Escrituras. Já no livro de Atos, mais especificamente no capítulo seis, vemos como nos primevos anos do cristianismo houve uma sensível preocupação com o ensino da doutrina, quando diáconos foram designados para servir às mesas, fornecendo assim as condições necessárias para que os apóstolos permanecessem no ministério da Palavra e da oração: Naqueles dias, crescendo o número de discípulos, os judeus de fala grega entre eles queixaram-se dos judeus de fala hebraica, porque suas viúvas estavam sendo esquecidas na distribuição diária de alimento. Por isso os Doze reuniram todos os discípulos e disseram: "Não é certo negligenciarmos o ministério da palavra de Deus, a fim de servir às mesas. Irmãos, escolham entre vocês sete homens de bom testemunho, cheios do Espírito e de sabedoria. Passaremos a eles essa tarefa e nos dedicaremos à oração e ao ministério da palavra" (Atos 6.1-4).

É necessário destacar ainda que a pregação é a parte central do culto cristão. Andrade (2010, p. 303) afirma que a palavra “pregação” vem do latim praedicare e significa: [...] proclamação da Palavra de Deus, visando a divulgação do conhecimento divino, a conversão dos

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Eclesiologia pecadores e a consolação dos fiéis. A pregação deve ter um caráter bíblico, evangélico e profético. Além de ter a Bíblia como base, há de mencionar a obra salvífica de Cristo, e mover o pecador a arrepender-se de seus pecados.

Uma perspectiva muito interessante sobre a pregação e o que ela vem a ser nos é dada por Robson Moura Marinho: A pregação bíblica é um milagre duplo. O primeiro milagre é Deus usar um homem imperfeito, pecador e cheio de defeitos para transmitir a perfeita e infalível Palavra de Deus. Trata-se de um Ser perfeito usando um ser imperfeito como seu porta-voz. Só um milagre pode tornar isso possível. O segundo milagre é Deus fazer que os ouvintes aceitem o porta-voz imperfeito, escutem a mensagem por intermédio do pecador e finalmente sejam transformados por essa mensagem. Esse é o grande milagre da pregação!47

A pregação, portanto, tem seu lugar no culto a Deus e não deve jamais perder espaço. Quanto a importância do ensino bíblico para nossas igrejas, você encontrará um apêndice ao final do livro. A oração é sem dúvida o suspiro mais profundo da alma humana em direção a Deus. E não pode ser em hipótese alguma preterida no culto a Deus. Tanto a oração coletiva, com a congregação toda, como aquela que fazemos individualmente, no cotidiano. Lamentamos muito que atualmente os trabalhos realizados em muitas igrejas 47

MARINHO, 2008, p. 179.

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Eclesiologia pentecostais com o título de "vigília" se afastem cada vez mais do propósito original, histórico, desses encontros: a prática da oração. Ao ser convidado para uma vigília eu ia predisposto a passar tempo em oração. Atualmente, infelizmente, simplesmente não há espaço para a oração em muitos desses encontros denominados de vigília. E quando menciono aqui "oração" refiro-me àquela oração que demanda mais tempo, não aquelas orações pontuais que são feitas durante o culto que, embora importantes, esperase que num encontro de vigília se passe mais tempo orando... O que não vem ocorrendo, infelizmente. Há muita música (as vezes profissional e até antibíblica), muitas oportunidades que são distribuídas e algumas vezes até se percebe que a intenção com isso é simplesmente preencher o tempo. Isso é uma lástima no culto a Deus! Não podemos generalizar, é claro, mas a constatação acima é verídica. A Igreja de Cristo na pós-modernidade precisa retornar urgentemente ao lugar da oração. É um hábito salutar para nós que, quando seguido de amadurecimento bíblico por parte do cristão, traz incontáveis bênçãos durante a vida toda. Vale ressaltar ainda que a oração deve ser vibrante, cheia de vida, feita com amor e temor a Deus. Não deve ser apenas uma formalidade vazia, sem sentido, carregada de automatismo. Com efeito, E. M. Bounds comenta: O púlpito de hoje é pobre de oração. O orgulho da erudição opõe-se à humildade e à dependência da oração. A oração do púlpito é por demais oficial – um

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Eclesiologia desempenho da rotina do culto. Para o púlpito moderno a oração não é mais a força poderosa como o era na vida e no ministério de Paulo. Todo pregador que não faz da oração um poderoso fator em sua vida e ministério, é fraco como agente no trabalho de Deus e impotente para fazer prosperar a sua causa neste mundo.48

Contribuição é uma disciplina fundamental para a vida da Igreja. Essa contribuição pode ser por meio de ofertas voluntárias que são trazidas à Deus pelo cristão no momento do culto e também através do dízimo. São práticas abençoadoras49 para os crentes. É pertinente mencionar que atualmente tem havido na internet uma verdadeira "onda" de ataques à prática do dízimo, por meio de vídeos e textos. Nem sempre as alegações que são feitas em torno dessa questão são bem fundamentadas e por vezes são generalizantes, no sentido de apontar o dízimo como forma de enriquecimento de pastores, líderes, de uso indevido desse dinheiro. Quem, contudo, "respira" a realidade da Igreja brasileira sabe muito bem que por mais que abusos ocorram, esse não é um quadro geral. Há sim muitos líderes honestos, íntegros, que aplicam bem os 48

BOUNDS in: CABRAL, 2000, p. 32. No sentido de que Deus, por sua graça, nos abençoa quando contribuímos com liberalidade. Ele faz isso e não temos dúvida. Mas tal verdade não é pressuposto para que se pense em que as ofertas e dízimos devam ser usados como "meio de troca" com Deus, uma forma de negociar com Ele. Dizimar e ofertar, em primeiro lugar, são um dever para o cristão e depois, deve ser um ato livre, de boa vontade, como sinônimo de gratidão, e não para receber isso ou aquilo, embora saibamos que Deus dá livremente conforme sua vontade. 49

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Eclesiologia recursos da igreja local e o revertem em benefício da própria igreja, dos necessitados, da subsistência do pastor e de outras pessoas mantidas pela igreja, bem como na ação social. Com relação ao suporte teológico para a prática do dízimo, muitos que se opõem a ela caem num argumento vazio, por vezes, ao inferirem que pelo fato desse assunto não estar desdobrado em maiores detalhes no Novo Testamento, o dízimo não deve por isso ser mais praticado pelos cristãos. Vale relembrar que o Novo Testamento faz menção sim do dízimo como uma prática nos dias de Jesus e pelo fato de Mateus ter registrado isso décadas depois, escrevendo para cristãos que viveram bem depois desses eventos, podemos inferir que o assunto possuía sim relevância por ocasião da composição do evangelho segundo Mateus. A Pregação é outro elemento insubstituível no culto cristão. É importantíssimo lembrar aqui que pregação não é a mesma coisa que narrar histórias e nem testemunhos pessoais. Pregar também não é ensinar. Como alguém já disse, pregar ensinando é algo belo de se ver e ouvir, mas ensinar pregando é horroroso. É importante que tenhamos em vista essas distinções, para que não se perca de vista o exato papel e contribuição de cada um desses elementos. Evidentemente, muito pode ser dito a respeito da pregação bíblica, mas por não ser esse o escopo desse trabalho não nos deteremos muito nesse item. Vale mencionar, contudo, 85


Eclesiologia alguns conceitos importantes a respeito deste ministério vital para uma igreja local. Há tipos de sermões. Em geral, nas obras de referência eles são classificados em três categorias, a saber: 1. Temático. 2. Textual. 3. Expositivo. Gilberto (2014, p. 67) acrescenta ainda uma quarta categoria: Sermão Ocasional. Segundo ele, esse é aquele sermão ministrado em ocasiões específicas, como casamentos, funerais, aniversários, etc. 2. IGREJA E SOCIEDADE A relação entre a Igreja do Senhor e a sociedade muitas vezes é mal compreendida e por conseguinte, mal praticada também. Precisamos, sobretudo, à luz das Escrituras, entender o que de fato Deus espera de nós no que tange ao relacionamento com uma sociedade não cristã. O isolacionismo e a secularização são dois extremos que precisamos evitar. A assimilação da cultura pós-moderna e a sua total rejeição representam igualmente dois extremos nesta questão da relação Igreja-sociedade. É necessário trilharmos a linha do equilíbrio. 86


Eclesiologia A Igreja e o ensino bíblico e teológico Como pudemos ver no texto do Reverendo Augustus Nicodemus Lopes, no início deste capítulo, tem havido uma busca incessante de nossa parte por reconhecimento acadêmico do estado. É fato que muitas faculdades evangélicas procuram credenciar seus cursos de teologia no MEC.50 Acreditamos que há legitimidade nisso até certo ponto, considerando os benefícios oriundos de se ter um curso com reconhecimento do MEC. Mas que isso não seja ao preço de descaracterizar nossa confissão de fé e comprometer assim os fundamentos doutrinários que alicerçam nossa fé e nos identificam enquanto Igreja de Cristo. No que tange ao ensino, nossa missão está para muito além de "formar profissionais" ou emitir diplomas. O ensino na Igreja e pela Igreja tem a finalidade de formar discípulos de Cristo e de evangelizar o mundo. Aliás, aí está uma das finalidades do ensino bíblico por vezes negligenciada por nós: ele tem um caráter evangelizador também. Assim, a Igreja deve ensinar não apenas os cristãos, salvos em Cristo, mas com seu ensino deve alcançar também os não crentes. O ensino produzido pela Igreja, através das instituições de ensino que ela gera, deve ter a Bíblia e seus pressupostos como base geradora da cosmovisão de seus alunos. Se o que o Estado exige é contrário à verdade do Evangelho, nosso

50

Ministério da Educação e Cultura.

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Eclesiologia dever é criticar com qualidade acadêmica pautando-se pela verdade bíblica, sempre! 3. A IGREJA NUMA SOCIEDADE PÓS-MODERNA51 A Igreja passa por um momento muito delicado. Convivemos com escândalos, sofremos com a insensibilidade de pessoas que não titubeiam em escandalizar a obra de Deus e a Igreja padece com “muitos desordenados, faladores, vãos e enganadores... aos quais convém tapar a boca; homens que transtornam casas inteiras, ensinando o que não convém, por torpe ganância” (Tt 1.10,11 - ARC). O amor ao dinheiro tem sido uma tônica em nosso tempo. É triste ver evangelistas, pregadores, pastores, líderes de denominações que, movidos pela ambição desenfreada pelo dinheiro, solapam a genuína mensagem bíblica, adaptando numa roupagem teológica (se é que isso é realmente possível) um discurso, notadamente, voltado ao lucro, ao interesse econômico. Esse, contudo, não é o objetivo da pregação evangélica. Nem num aspecto secundário! O pregador, conforme bem lembra Stott, é um despenseiro dos mistérios de Deus (1Co 4.1), e isto “para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1 Pe 2.9 – ARC). O despenseiro de Deus é aquele que anuncia as virtudes de Jesus, a maravilhosa obra de salvação eterna 51

In: RICARDO, 2016, pp. 95-8.

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Eclesiologia realizada pelo Cristo da cruz. Nesta lição consideraremos como a Igreja vem absorvendo características da pósmodernidade e como podemos reagir a essa adaptação que, infelizmente, vem ocorrendo. Não é nossa intenção aqui maximizar os problemas trazidos pela pós-modernidade, mas sim identificá-los, reconhecê-los e buscar na Bíblia respostas adequadas para esse nosso tempo, certamente, em muitos aspectos, sem precedentes. 3.1 O consumismo pós-moderno Em nosso tempo, o consumismo deixa de ser meramente consumo de objetos materiais. Isso, por si só, já representa um grave problema social para a humanidade. Mas o conceito de consumismo na pós-modernidade é elástico, extensivo, flexível. Nosso tempo compra e vende o incomprável e o invendável. A liquidação não alcança só um orçamento apertado, promete felicidade, alegria. Adquirir determinado produto pode ser a porta de entrada para se sentir incluído num determinado grupo social. O cartão de crédito e o talão de cheques andam de mãos dadas com o “eu compro, mesmo sem poder”. A compulsão pelas compras me leva a sacrificar o orçamento familiar e a adquirir o não necessário em detrimento do que é realmente necessário. Mas não pára por aí... Consumimos pessoas, vendemos valores, negociamos relacionamentos. Como dito antes, nossa sociedade vende o invendável e a consequência é que cada vez mais vemos a morte das 89


Eclesiologia relações sadias, duradouras, mediadas pelo amor e não pelo interesse. Constatamos, tristemente, que a Igreja vem importando tal padrão para sua mensagem, seu ensino, seus hinos que são cantados nos cultos e nas rádios. Como nunca antes ouvimos palavras como “sucesso”, “topo”, “você”, “vitória”, “campeão”, entre outras, sempre indicando um sucesso e êxito pessoal. As pessoas são “bombardeadas” por esse tipo de pregação (pregação!?) e criam a ilusão de que a vida cristã é uma espécie de acesso seguro ao sucesso pessoal. Convivemos assim, com uma ideia profundamente calada na mentalidade dos crentes de que viver com Cristo é antônimo de passar por dificuldades, privações, limitações, enfermidades. Mas é preciso que se reafirme que viver com Cristo, viver a vida cristã de fato, é também não ter vitória sempre! A senda com Cristo é de “necessidade e fartura”, é aprender “o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito, ou passando necessidade” (Fp 4.12). Assim na nossa peregrinação, é comum que num dia vejamos o fogo do céu consumindo o holocausto e a água ao redor do altar, mas logo depois nos encontremos debaixo de um zimbro, frustrados, fugindo, com fome e pedindo a morte. Há momentos em que Deus abre o mar e diz: “atravesse em seco”. Mas há também aqueles em que Ele é categórico: “Você não entrará na terra da promessa, 90


Eclesiologia apenas a verá com seus olhos”. Num dia erguemos nosso Isaque ao céu, em nossas mãos, e alegremente afirmamos: “Meu sorriso chegou”. Mas há também aquele momento em que a inconfundível voz do Eterno nos chega aos ouvidos: “Vá à terra de Moriá e lá me ofereça o seu sorriso”. Há aqueles dias em que estamos preparando uma bela túnica de várias cores para o nosso José, mas há também aqueles em que só nos resta a túnica, manchada de sangue, pois José já não está mais conosco. No caminho para o Céu, sepultamos nosso Abraão e até vemos nosso Absalão, morto, por causa da sua rebeldia. Sim, aquele Absalão que tanto amamos, a despeito de sua rebelião contumaz. Há circunstâncias em nossas vidas que não exitamos em dizer ao Mestre: “Por tua causa, vou até à morte”. Não muito tempo depois, Seu olhar, ao encontrar o meu, me faz lembrar que o neguei abertamente. A vida cristã é assim: altos e baixos, vitórias e fracassos, acertos e erros. Para o verdadeiro salvo em Cristo, o calvário continua vindo antes do Pentecostes e Ptamos, a ilha do isolamento, será o lugar da Revelação e do encontro com o Cristo glorificado. Para o servo de Deus, a toalha vem antes da capa, as escamas antes do apostolado e a espada afiada dará lugar ao “... sejavos isto notório, e escutai as minhas palavras... A Jesus Nazareno” (At 2.14,22). No discipulado cristão evoluímos do “Senhor, queres que façamos cair fogo do céu para destruí-los?” (Lc 9.54) para o “Meus filhinhos, escrevo-lhes estas coisas para que vocês não pequem” (1Jo 2.1). Assim, a 91


Eclesiologia vida aos pés de Cristo caminha para a maturidade. Hoje, somos rígidos e inflexíveis com os erros alheios e assim rejeitamos o Marcos, impedindo sua companhia. Mas a vida nos ensina a viver! Tempos depois, pedimos para que o mesmo Marcos nos seja trazido – sua companhia é importante – “porque ele me é útil para o ministério” (2 Tm 4.11). Essa é a realidade da vida com Deus! E é isso que precisamos deixar claro para todos aqueles que desejam viver realmente com Cristo. Sobre nós, contudo, repousa a garantia do Mestre Amado: “... E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos” (Mt 28.20). Cristo nunca nos prometeu uma peregrinação isenta de aflições e angústias – aliás, Ele afirmou que teríamos aflições (Jo 16.33) – mas nos garante Sua companhia conosco, até o fim. Para aqueles que são fiéis a Cristo, diz a Escritura, “resta ainda um repouso para o povo de Deus” (Hb 4.9 – ARC). 3.2 A Igreja como coluna e firmeza da verdade Em 1 Timóteo 3.15 Paulo refere-se à Igreja como “coluna e firmeza da verdade”. A Bíblia, enquanto Palavra de Deus, é um Livro de verdades absolutas que dizem respeito à condição do homem aqui e na eternidade. E essa verdade deve ser comunicada ao mundo. Francis Schaeffer, um dos mais importantes teólogos do século 20, enfatizou bem a questão de como a Igreja deve comunicar essa verdade ao mundo. Ele chama a nossa atenção para o fato de que 92


Eclesiologia precisamos ter condições de falar ao homem moderno (em sua época, homem moderno; hoje, pós-moderno). Cada geração cristã defronta com este problema de aprender como falar ao seu tempo de maneira comunicativa. É problema que se não pode resolver sem uma compreensão da situação existencial, em constante mudança, com que se defronta. Para que consigamos comunicar a fé cristã de modo eficiente, portanto, temos que conhecer e entender as formas de pensamento da nossa geração.52

Por mais que nosso tempo apresente desafios singulares, precisamos lembrar que Deus deseja que o evangelho seja comunicado a todos os homens, em todos os lugares, em qualquer época. A pós-modernidade nos apresenta muitos desafios, como o amor ao efêmero, àquilo que é passageiro, o pluralismo, entre outros. Nossa época tem uma inegociável aversão a absolutos morais e valores permanentes. As gerações de agora rejeitam valores antes estabelecidos e que fundamentavam as relações religiosas, familiares, trabalhistas, sociais. Outro fator curioso que marca nosso tempo é a entrada das religiões orientais no Ocidente. Como nunca antes ouvimos falar de yoga, meditação transcendental, entre outros conceitos oriundos dessas religiões. O ecumenismo ganha força e de alguma forma contribui para a ideia de que “todas as religiões conduzem a Deus”. O cristianismo bíblico, contudo, é 52

SCHAEFFER, 1986, p. 5.

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Eclesiologia categórico: o homem pecou, e carece da graça de Deus, que é salvadora, que nos é dada pelo Único Salvador: Jesus Cristo. “Pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus” (Rm 3.23). “Pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens: o homem Cristo Jesus” (1 Tm 2.5). Assim, concluímos que a Igreja precisa sim ter condições de falar ao homem pós-moderno – conhecer sua cosmovisão (se é que ele tem uma), sua linguagem, sua maneira de viver – para assim comunicar-lhe a Cristo Jesus. A Igreja procurar ter condições de falar ao homem da pósmodernidade não para igualar-se a ele, para conduzi-lo à verdade do evangelho. Nesse sentido, a Igreja é anticultural e não conveniente. CONCLUSÃO53 Stott, comentando o sentido da palavra stylos (coluna) em 1 Timóteo 3.15 afirma: “A finalidade das colunas não é apenas manter firme o telhado, mas elevá-lo a uma certa altura, de forma que o edifício possa ser visto facilmente, mesmo à distância. Os habitantes de Éfeso tinham uma clara ilustração disso em seu templo dedicado a Diana ou Ártemis. Considerado como uma das sete maravilhas do mundo, esse templo ostentava 100 colunas jônicas, de mais de 18 metros de altura, que erguiam um pesado e esplendoroso teto de mármore. De igual modo, a igreja

53

In: RICARDO, 2016, pp. 95-8.

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Eclesiologia ostenta a verdade nas alturas, de modo que esta seja vista e admirada pelo mundo. De fato, do mesmo modo como as colunas sustentam um edifício bem alto, permanecendo elas mesmas sem serem vistas, assim também a função da igreja não é promover a si mesma, mas promover e expor a verdade”.54

54

STOTT, 2004, p. 105.

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Exercícios do capítulo 5 Complete corretamente as frases a seguir: 1. (

)

A palavra “culto” em inglês pode ser traduzida como service que em português significa “serviço”.

2. (

)

No que tange ao ensino, nossa missão enquanto Igreja de Cristo está para muito além de "formar profissionais" ou emitir certificados.

3. (

)

Nas palavras de Robson Moura Marinho, a pregação bíblica é um milagre duplo.

4. (

)

Uma das finalidades do ensino bíblico, muitas vezes negligenciada por nós, é a de que ele tem um caráter evangelizador.

5. (

)

De acordo com Kessler, deve haver disciplina e submissão por parte dos músicos da igreja.

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Eclesiologia

Apêndice A IMPORTÂNCIA DO ENSINO PARA A IGREJA55

C

omo já foi dito pelo Pastor e Teólogo Antonio Gilberto, “a Escola Dominical é a escola de ensino bíblico da Igreja, que evangeliza enquanto ensina, conjugando assim os dois lados da comissão de Jesus à Igreja, conforme Mateus 28.20 e Marcos 16.15. Ela não é uma parte da Igreja, é a própria Igreja ministrando ensino bíblico metódico56”. Portanto, a Igreja deve cuidar para que não só a pregação tenha amplo espaço, mas também o ensino. Alguém já disse que o pregador é como o pescador, e que a pregação é como as redes que são lançadas. Ele lança as redes e apanha os peixes, isto é, as vidas, mas são os ensinadores da Igreja que irão tratá-las: o professor de Escola Dominical, o professor de ensino teológico, o professor do discipulado, etc. Sendo assim, o ensino e a pregação devem se complementar. Vemos isso em 2 Timóteo 4.1,2 quando o apóstolo Paulo incentiva seu filho na fé, Timóteo, a pregar a Palavra, mas não apenas a pregar a Palavra. Notemos aqui que o ensino precisa seguir a pregação bíblica. Logo após dizer que Timóteo deveria pregar, ele afirma: “... exorta com toda a longanimidade e doutrina”. A palavra grega didacheé aqui

55

in: SANTOS. RICARDO, 2014, pp. 103-9. GILBERTO, 2014, p. 125.

56

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Eclesiologia traduzida por “doutrina” e significa “ensino – aquilo que é ensinado, doutrina, ensino a respeito de algo”, “ato de ensinar, instrução”. Se uma igreja só dá ênfase à pregação ela corre o risco de tornar-se fanática, e se ela só dá ênfase ao ensino, corre o risco de tornar-se formalista, mas se ela dá ênfase tanto ao ensino quanto à pregação, ela haverá de manter-se equilibrada. Benefícios trazidos à Igreja pelo ensino bíblico Logo adiante você tem de forma sumariada os benefícios que são trazidos à Igreja pela prática do ensino bíblico continuado, sistemático: a) O ensino bíblico atua como preventivo contra as heresias e falsos ensinos que são abundantes em nossos dias. O representante de um importante banco afirmou certa vez, em entrevista, que um treinamento era feito com os funcionários no sentido de capacitá-los a identificar com facilidade cédulas falsas; o interessante é que o treinamento era feito não com cédulas falsas, mas com as verdadeiras, pois conhecendo a verdadeira, o funcionário logo identificaria a cédula falsa! Isso nos faz pensar em quão importante é conhecer as verdades bíblicas, mesmo que não nos tornemos especialistas em Seitas e Heresias, mas conhecendo a Palavra, haveremos de identificar o erro. b) O ensino bíblico colabora direta e decisivamente para a formação do caráter cristão. Encontramos base bíblica para essa afirmação e também a experiência cristã vem, 99


Eclesiologia diariamente, comprovando esta afirmação, quando vemos muitas e muitas pessoas que tem suas vidas transformadas pelo evangelho através de uma relação direta com a Bíblia. O autor destas linhas confessa ao leitor ou leitora que mesmo após vários anos servindo ao Senhor e sabendo deste poder transformador que tem o ensino bíblico, ainda se surpreende ao se deparar com pessoas que antes viviam na lama do pecado e agora servem ao Senhor. Recentemente um aluno meu levou até um de nossos cursos um homem que eu conheci há alguns anos e que sei que vivia uma vida completamente naufragada no pecado. Que surpresa ao vê-lo entrar na sala! Sua fala a mim no intervalo da aula: “Estou com sede da Palavra!”. Desejo pela Palavra é sinal de genuína conversão. A Igreja precisa “investir pesado” na educação cristã, pois ela será decisiva para moldar o caráter daqueles que vem vindo a Cristo. Cremos piamente que nenhum outro livro no mundo tem essa capacidade transformadora, como o tem a Bíblia Sagrada. Isso nos faz lembrar as palavras do grande comentarista devocional da Bíblia, Doutor F. B. Meyer: “O melhor argumento em favor da Bíblia é o caráter que ela forma”. c) O ensino bíblico fornece combustível à apologética cristã, isto é, à defesa da fé, algo tão necessário hoje, na pósmodernidade. Quanto mais aprende através do ensino bíblico e teológico sadio, mais o cristão fica habilitado a dialogar com quem quer que seja e pode com sabedoria 100


Eclesiologia responder a um Mundo que questiona. O apóstolo Pedro orienta no sentido de estarmos “... sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós” (1Pe 3.15b). d) O ensino bíblico ministrado na Igreja promove avivamento espiritual. Podemos afirmar, sem medo de errar e tendo como testemunhas a História Bíblica e a História da Igreja, que não há avivamento sem o retorno genuíno às Sagradas Escrituras! Todos os verdadeiros e grandes despertamentos espirituais, seja na História Bíblica, seja na História da Igreja, tiveram como base a Palavra de Deus. O avivamento que ocorrei no tempo do jovem rei Josias foi em decorrência de um achado (cf. 2 Re 22.8). No tempo de Neemias, quando ocorreu um dos maiores avivamentos entre o povo judeu, houve grande ênfase no ensino bíblico (cf. Ne 8.1-10). É interessante notar no relato do livro de Neemias o quão importante é que o ensino bíblico seja compreendido pelas pessoas; lemos em Neemias 8.8 o cuidado dos levitas no sentido de tornar compreensível o que estava sendo ensinado: “Leram no livro, na Lei de Deus, claramente, dando explicações, de maneira que entendessem o que se lia”. O avivamento vem quando entendemos as verdades reveladas na Santa Palavra de Deus, daí concluirmos que é fundamental que não apenas o coração seja alcançado pelo ensino, mas também o intelecto. O ensino bíblico tem essa capacidade, de alcançar a pessoa no seu todo. Saindo das narrativas bíblicas 101


Eclesiologia (poderíamos citar outros exemplos de despertamentos espirituais que tiveram como base a ênfase nas Escrituras) encontramos na História Eclesiástica outros notáveis exemplos. O que dizer da Reforma Protestante no século 16 que teve como base o retorno à autoridade única e exclusiva das Escrituras – Sola Scriptura57 – proclamavam os reformadores! No tempo dos Wesley, na Inglaterra do século 18, o que trouxe grande avivamento não foi a criação de uma nova doutrina, mas sim o retorno à uma doutrina antes esquecida: a doutrina bíblica da santificação. O próprio Wesley, tão conhecido como um grande avivalista, foi também um notável teólogo e extremamente dedicado à leitura bíblica e de outros livros. Orlando Boyer conta que ele leu não menos que 1.200 tomos, escreveu uma gramática hebraica, uma latina, uma francesa e uma inglesa. Atuou durante muitos anos como redator de um jornal e compilou um dicionário da língua inglesa e ainda escreveu um comentário do Novo Testamento, além de outros diversos trabalhos literários!58 Como podemos ver, um teólogo dedicado pode sim ser agente de um grande avivamento. A biografia de John Wesley (e de tantos outros) nos mostra que essa ideia corrente de que intelectuais são sempre pessoas frias e secas na presença do Senhor é totalmente equivocada. Um grande teólogo pode ser sim um grande homem de Deus. Aliás, cremos que essas duas qualidades 57

Expressão latina que significa “Somente a Escritura” BOYER, 2005, p. 56.

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Eclesiologia devem estar sempre juntas! Você, professor ou professora da Escola Dominical, pode sim ser o agente de um grande despertamento espiritual na vida de seus alunos. Embora estejamos aqui abordando um assunto específico – benefícios trazidos à Igreja pelo ensino bíblico – não podemos deixar de especificar que estes benefícios acabam por se estenderem não apenas à Igreja, mas à família e a sociedade também. Uma vez que o ensino bíblico nos torna melhores cristãos, nos torna simultaneamente em melhores pais, mães, irmãos, filhos, amigos, vizinhos, funcionários, patrões, etc. O ensino bíblico trabalha o caráter do indivíduo, promovendo o seu crescimento em Cristo e em maturidade cristã. Acreditamos piamente que quanto mais uma pessoa tem sede de aprender os princípios eternos da Palavra de Deus, mais ela crescerá em maturidade. É tão marcante, inclusive, esse benefício social trazido pelo ensino bíblico, que os resultados são patentes. Por exemplo, podemos citar o fato de foi a própria Igreja que inaugurou o sistema universitário e foram, especificamente, os protestantes que fundaram aquelas que hoje são as maiores universidades do mundo: Havard, Princeton, Yale, Oxford e no Brasil, com mais de 40 mil alunos e três mil funcionários (!), a conhecidíssima Universidade Mackenzie, fundada por um cristão protestante. Desse modo, como podemos ver, é impossível dissociar a educação do cristianismo, de sua história e de sua realidade presente. De 103


Eclesiologia maneira mais precisa, o teólogo Alderi de Souza Matos comenta, em importante artigo, esse fenômeno: A primeira universidade protestante foi sem dúvida a de Wittenberg, na Saxônia, berço da reforma luterana. Fundada em 1502 pelo príncipe eleito Frederico, o Sábio, quinze anos mais tarde ela aceitou as novas ideias de seu professor mais famoso, o monge agostiniano Martinho Lutero. Posteriormente, os luteranos fundaram as Universidades de Marburg (1527), Königsberg (1544), Jena (1558) e Helmstedt (1575). As universidades de Copenhague, na Dinamarca, e Uppsala, na Suécia, ambas do final do século 15, aderiram ao movimento de Lutero. O caso dos reformados ou calvinistas foi um pouco diferente, porque embora tenham fundado conceituadas escolas no século 16, só mais tarde criaram universidades. Em 1559, Calvino inaugurou sua famosa academia, embrião da futura Universidade de Genebra. A antiga Universidade de Heidelberg, na Alemanha, se tornou uma instituição calvinista na década de 1560. Na Escócia o mesmo ocorreu com as Universidades de Saint Andrews, Glasgow e Aberdeen. As universidades inglesas de Oxford e Cambridge receberam fortíssima influência calvinista. Thomas Cranmer, Hugh Latimer e Nicholas Ridley, três dos primeiros líderes e mártires da Reforma Inglesa, eram ligados a essas escolas. A convite de Cranmer, os reformadores Martin Bucer e Pedro Mártir Vermigli lecionaram na Inglaterra, o primeiro em Cambridge e o segundo em Oxford. Entre as primeiras universidades fundadas por calvinistas estão as de Leyden e Utrecht, na Holanda. Posteriormente, reformados de origem holandesa fundaram na África do Sul as importantes universidades de Stellenbosch e

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Eclesiologia Potchefstroom. Todavia, o fenômeno mais extraordinário ocorreu nos Estados Unidos, onde, até meados do século 19, os presbiterianos criaram 49 “colleges” (faculdades), os congregacionais 21, os reformados alemães quatro e os reformados holandeses um. Dessas 75 instituições, três se tornaram famosas universidades: Harvard (1636), Yale (1701) e Princeton (1746)”.59

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MATOS, Alderi Souza. Universidades protestantes: benefícios e riscos. Disponível em: <http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/329/universidadesprotestantes-beneficios-e-riscos> Acesso em 15 set. 2013.

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Referências das frases nos cabeçalhos das lições ___________________________

Lição 1: Mateus 16.18. Lição 2: BRUNNER, Emil. O equívoco sobre a Igreja. Trad.: Paulo Arantes. São Paulo: Editora Cristã Novo Século, 2004, p. 92. Lição 3: MEYER, F. B. Comentário Bíblico F. B. Meyer: Antigo e Novo Testamentos. Trad.: Myrian Talitha Lins. 2 ed. Belo Horizonte: 2002, p. 128. Lição 4: GEISLER, Norman. Teologia Sistemática. vol. 2. Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p. 522. Lição 5: LOPES, Augustus Nicodemus. O que estão fazendo com a Igreja: ascensão e queda do movimento evangélico brasileiro. São Paulo: Mundo Cristão, 2008, p. 23.

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O autor Professor Roney Cozzer serve a Deus e a Igreja como presbítero e professor de teologia. É membro da Assembleia de Deus Central de Porto de Santana, Cariacica, ES, igreja esta liderada pelo Pastor Evaldo Cassotto. É casado com Dolarize Alves desde 2003, com quem tem uma linda filha, a Ester Alves Cozzer. Formou-se inicialmente pelo Curso Médio de Teologia da EETAD (Escola de Educação Teológica das Assembleias de Deus), vindo depois a graduar-se em Teologia. Realizou o Curso de Extensão Universitária “Iniciação Teológica” da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). É mestre em Teologia pela FABAPAR (Faculdades Batista do Paraná) na Linha de Pesquisa Leitura e Ensino da Bíblia. Possui formação em Psicanálise Clínica, é Licenciado em Pedagogia com pós-graduação em Psicopedagogia Clínica, e Licenciado em História com pós-graduação em Metodologia do Ensino da História e Geografia. Participou como autor e pesquisador do Projeto Historiográfico do Departamento de Missões das Assembleias de Deus do Vale do Rio Doce e Outros (DEMADVARDO) entre os anos de 2016 e 2018 e é membro do Grupo de Pesquisa "Perquirere: Práxis Educativa na Formação e no Ensino Bíblico". Serviu e serve como professor de teologia em seminários e cursos de teologia na Grande Vitória, além de ministrar palestras nas áreas de Bíblia, Teologia, Família, Educação Cristã e Mídia e Cristianismo. É administrador pedagógico do Instituto de Educação Cristã CRER & SER e coordenador do Curso de Teologia EAD da Faculdade Unilagos, em Araruama, no Rio de Janeiro, onde reside atualmente com sua família. CONTATOS E ATIVIDADE DO AUTOR roneycozzer@hotmail.com roneyricardoteologia@gmail.com Site Teologia & Discernimento Currículo Lattes: lattes.cnpq.br/3443166950417908

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