EDUCAÇÃO CRISTÃ: O DESAFIO DE ENSINAR OS VALORES CRISTÃOS NA PÓS-MODERNIDADE

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Boa leitura! Iara Duque Domingues Secretária Estadual de Educação e Cultura Igreja do Evangelho Quadrangular - Espírito Santo.

& INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CRISTÃ

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Instituto de Educação Cristã CRER & SER 27 99978-4158 (Vivo e WhatsApp) | 27 3286-3710 crereserinstituto@gmail.com

Educação Cristã: O desafio de ensinar os valores cristãos na Pós-modernidade

O autor, Roney Cozzer, misto de escritor, palestrante, educador e empreendedor, consegue transmitir às páginas de seu livro seu comprometimento com a educação, aliados à sua genialidade e conhecimento nas diversas áreas que atua. O leitor, não deixará de perceber sutilmente a sua capacidade magistral de retratista do cotidiano, sua experiência e preocupação é sentida em cada capítulo. Para mim, que recebi com alegria o honroso convite de meu amigo, e companheiro de educação, pude antes do público leitor, maravilhar-me com o que vai aqui escrito. “Verba volant, scripta manent”, significando que as palavras voam, mas os escritos ficam. Por isso os livros têm seus próprios destinos, principalmente numa época de Pós-modernidade, em que cada vez mais os livros são menos apreciados. Que o destino deste livro, seja criar em você o mesmo sentimento de esperança que gerou em mim de que a Igreja pode influenciar positivamente a sociedade à sua volta; atraindo vidas a Cristo, como o fez no passado. Sendo menos individualistas para com isso fortalecer as relações humanas. Como fazer isso? Somente uma boa educação nesta era pós- moderna pode educar os educadores, para que estes eduquem a muitos. Ainda que pareça paradoxal não existe outra fórmula, pois o modelo é o mesmo: formar nas pessoas um caráter que as torne semelhantes a Cristo!

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CRISTÃ

Educação Cristã

Educação Cristã

O desafio de ensinar os valores cristãos na Pós-modernidade Roney Cozzer

& INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CRISTÃ


EDUCAÇÃO CRISTÃ O DESAFIO DE ENSINAR OS VALORES CRISTÃOS NA PÓS-MODERNIDADE Roney Cozzer


Educação Cristã

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Educação Cristã Revisão: Roney Cozzer Diagramação: Roney Cozzer Capa: Michel Pablo M. Sabarense _______________________________

COZZER, Roney. 1984 COZZER, Roney. Educação Cristã: o desafio de ensinar os valores cristãos na Pós-modernidade. Araruama, RJ: Instituto de Educação Cristã CRER & SER, 2019. Educação. Cristã. Bíblia. 117 pp.: 14 x 21 cm | ISBN: 978-85-923916-2-1 Inclui referências bíblicas e bibliográficas. 1. Educação Cristã. 2. Bíblia. 3. Ensino É permitida a reprodução parcial desta obra desde que citados o autor e o título da obra e que seja feita sem fins lucrativos.

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Contatos e atividades do autor na internet: Blog Fundamentos Inabaláveis E-mail: roneyricardoteologia@gmail.com

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Educação Cristã

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Educação Cristã

SUMÁRIO Lista de siglas utilizadas neste livro.........................................

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Prefácio...........................................................................................

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Uma palavra..................................................................................

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1. Educação Cristã: o que é?.......................................................

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1. Educação Cristã: o que é? 1.1 Bibliocêntrica 1.2 Cristocêntrica 2. Uma Teologia da Educação Cristã 3. Educação Cristã e cosmovisão

2. Pós-modernidade e Educação Cristã.................................... 1. Marcas da Pós-modernidade 1.1 Um tempo de profundas mudanças 1.2 Um tempo de fragilização 1.3 Um tempo difícil de ser definido! 1.4 Um tempo de profunda decadência moral 1.5 Individualismo 1.6 A “Era do Espetáculo” 1.7 Redução da privacidade 1.8 A era do hedonismo

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Educação Cristã 1.9 O resultado disso tudo? 2. E a Igreja nesse contexto? 2.1 A Educação Cristã no contexto da Pósmodernidade 2.2 Ainda há esperança? 2.3 Nunca mais quero morrer!

3. A importância do ensino bíblico para a Igreja..........

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1. O ensino no Antigo e no Novo Testamentos 2. O ensino na História da Igreja 3. O ensino no contexto atual 4. A Escola Bíblica Dominical........................................... 1. O que é a Escola Bíblica Dominical 2. A finalidade da Escola Bíblica Dominical 2.1 Desenvolver a alteridade cristã 2.2 Desenvolver uma cosmovisão cristã 3. Os setores da Escola Bíblica Dominical 3.1 Biblioteca 3.2 Secretariado 3.3 Superintendência 3.4 Tesouraria

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Educação Cristã 5. O educador cristão........................................................... 81 1. O perfil do educador cristão 1.1 Um(a) trabalhador(a) incansável 1.2 Um vocacionado, uma vocacionada 1.3 Pesquisador 2. A necessidade de ser afetuoso 3. O educador cristão e o seu caráter Apêndice 1............................................................................

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Família e Pós-modernidade Apêndice 2............................................................................

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Simplicidade protestante Apêndice 3............................................................................

103

O ministério da tradução bíblica Referências............................................................................ 113

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Educação Cristã

Lista de siglas utilizadas neste livro

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om o intuito de ganhar tempo e espaço, no decorrer deste livro são utilizadas algumas siglas. Uma sigla nada mais é do que a abreviatura de um título ou denominação, geralmente composta pelas letras iniciais das palavras que compõe este título ou denominação. Tomemos como exemplo a sigla ARC, que remete ao título Almeida Revista e Corrigida, uma das versões da Bíblia em português publicada pela Sociedade Bíblica do Brasil1. Frequentemente são utilizadas as siglas AT, para Antigo Testamento, e NT, para Novo Testamento. Neste livro você também encontrará citações bíblicas e versículos bíblicos transcritos. Logo a seguir você encontrará duas tabelas com as siglas dos livros da Bíblia. Como versão oficial para as referências bíblicas transcritas neste livro, foi adotada a versão Almeida Revista e Atualizada (ARA), publicada pela SBB, por ser ela uma versão de grande aceitação entre o público brasileiro e de mais fácil compreensão para o leitor. Além da ARA, são utilizadas ainda outras versões como a NVI (Nova Versão Internacional), por questões didáticas. Assim, o autor deste livro deseja que os comentários deste livro possam ser uma benção para você e toda a sua família, estimado(a) leitor(a). É para você que este trabalho foi carinhosamente preparado! A seguir, você tem as siglas que utilizamos neste livro com seus respectivos significados e também as siglas dos livros da Bíblia, em ordem alfabética:

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Também representada por uma sigla: SBB.

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Educação Cristã 1 Co: 1 Coríntios 1 Cr: 1 Crônicas 1 Jo: 1 João 1 Pe: 1 Pedro 1 Re: 1 Reis 1 Sm: 1 Samuel 1 Tm: 1 Timóteo 1 Ts: 1 Tessalonicenses 2 Co: 2 Coríntios 2 Cr: 2 Crônicas 2 Jo: 2 João 2 Pe: 2 Pedro 2 Re: 2 Reis 2 Sm: 2 Samuel 2 Tm: 2 Timóteo 2 Ts: 2 Tessalonicenses 3 Jo: 3 João Ag: Ageu Am: Amós Ap: Apocalipse ARA: Almeida Revista e Atualizada ARC: Almeida Revista e Corrigida AT: Antigo Testamento At: Atos Cap.: Capítulo Cf.: Confira Cl: Colossenses Ct: Cantares de Salomão Dn: Daniel Dt: Deuteronômio

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Educação Cristã Ec: Eclesiastes Ed: Esdras Ef: Efésios Et: Ester Êx: Êxodo Ez: Ezequiel Fl: Filemon Fp: Filipenses Gl: Gálatas Gn: Gênesis Hb: Habacuque Hb: Hebreus Is: Isaías Jd: Judas Jl: Joel Jn: Jonas Jo: João Jr: Jeremias Js: Josué Jz: Juízes Lc: Lucas Lm: Lamentações de Jeremias Lv: Levítico Mc: Marcos Ml: Malaquias Mq: Miquéias Mt: Mateus Na: Naum Ne: Neemias Nm: Números

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Educação Cristã NT: Novo Testamento NTLH: Nova Tradução na Linguagem de Hoje NVT: Nova Versão Transformadora Ob: Obadias Os: Oséias Pv: Provérbios Rm: Romanos Rt: Rute Sf: Sofonias Sl: Salmos Ss: Seguintes. Refere-se aos versículos seguintes que podem ir até o fim do capítulo citado ou não. Tg: Tiago Tt: Tito Vv: Indica pluralidade de versículos. Zc: Zacarias

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Prefácio

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autor, Roney Cozzer, misto de escritor, palestrante, educador e empreendedor, consegue transmitir às páginas de seu livro seu comprometimento com a educação, aliados à sua genialidade e conhecimento nas diversas áreas que atua. O leitor, não deixará de perceber sutilmente a sua capacidade magistral de retratista do cotidiano, sua experiência e preocupação é sentida em cada capítulo. Para mim, que recebi com alegria o honroso convite de meu amigo, e companheiro de educação, pude antes do público leitor, maravilhar-me com o que vai aqui escrito. “Verba volant, scripta manent”, significando que as palavras voam, mas os escritos ficam. Por isso os livros têm seus próprios destinos, principalmente numa época de Pós-modernidade, em que cada vez mais os livros são menos apreciados. Que o destino deste livro, seja criar em você o mesmo sentimento de esperança que gerou em mim de que a Igreja pode influenciar positivamente a sociedade à sua volta; atraindo vidas a Cristo, como o fez no passado. Sendo menos individualistas para com isso fortalecer as relações humanas. Como fazer isso? Somente uma boa educação nesta era pósmoderna pode educar os educadores, para que estes eduquem a muitos. Ainda que pareça paradoxal não existe outra fórmula, pois o modelo é o mesmo: formar nas pessoas um caráter que as torne semelhantes a Cristo! Boa leitura! Iara Duque Domingues Secretária Estadual de Educação e Cultura Igreja do Evangelho Quadrangular - Espírito Santo.

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Uma Palavra com grata satisfação e honra que posso dizer que a presente obra literária vem em tempo oportuno esclarecer e refletir sobre questões relevantes como a Pós-modernidade que causa grande impacto em todas as esferas do saber, principalmente na educação cristã. Você, prezado leitor, vai encontrar preciosas considerações sobre interpretação e traduções bíblicas e educação cristã nesta obra singular e fenomenal. O Professor Roney Cozzer pontua algo de grande reflexão nestes tempos trabalhosos que é a formação de pessoas: “formar nas pessoas um caráter que as torne semelhantes a Cristo!” A educação tanto secular quanto a cristã tem sido repensada em todos os seus moldes, mas com o advento da Pós-modernidade a formação de pessoas a semelhança de Cristo tem sido consideravelmente ignorada. A verdadeira educação é aquela que envolve o ser humano como um todo, chamada de educação integral. Outro ponto interessante é que a verdadeira educação exige mudança de comportamento, logo a mudança seria para sermos semelhantes a Cristo. Como tratar desta formação a semelhança de Cristo, diante de uma cosmovisão pósmoderna? Por meio do retorno em tempo as raízes da educação cristã que estão nas Sagradas Escrituras. Conforme Atos 8.31, o evangelista Filipe disse ao Etíope: “Entendes tu o que lês?” E descobriu a dificuldade de interpretação que aquele homem tinha, o que não é muito diferente hoje, onde muitos estão com a Bíblia na mão, mas não tem qualquer entendimento e às vezes interpretam

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Educação Cristã incorretamente o texto e propagam como se fosse uma verdade absoluta. Nestes tempos pós-moderno onde tudo é “relativo” não é diferente em relação ao ensino ou educação cristã, diante disso os professores têm um enorme desafio pela frente ao ensinar, enquanto que alguns alunos querem escolher o ensinamento que melhor se adapte com os desejos pessoais, mas ficam aqui palavras do reformador Martinho Lutero que considero pertinentes: “Qualquer ensinamento que não se enquadre nas Escrituras deve ser rejeitado, mesmo que faça chover milagres todos os dias”.

Robson Gomes dos Santos Dezembro de 2014 Bacharel em Teologia pelo Instituto Daniel Berg (ES). www.ebdinterativa.com.br

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Educação Cristã

Professor, Professora, Diante do grande desafio pedagógico que

temos

diante

contribuição

pode

aparentemente, lembre-se: árvores

as

um

de

nós,

ser

pequena,

insignificante. grandes

dia

foram

sementes! Professor Roney Cozzer

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nossa Mas

e frondosas minúsculas


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1 Educação Cristã: o que é? INTRODUÇÃO

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studar sobre Educação Cristã é muito mais do que estudar sobre Escola Bíblica Dominical. Conquanto a Escola Dominical seja uma importante e fundamental escola de ensino bíblico da Igreja, ela é uma parte deste esforço educativo por parte dos cristãos a que denominamos de "Educação Cristã". A Educação Cristã é um esforço mais abrangente e que envolve outros aspectos da Igreja como administração eclesiástica2, os recursos técnicos e didáticos que serão utilizados, bem como o espaço físico, a didática empregada no processo de ensino-aprendizagem, os estilos de aprendizagem, dentre outros fatores. E claro, não poderia faltar num estudo sobre Educação Cristã uma abordagem sobre uma Teologia da Educação Cristã, que a orienta e está na base desse fazer educativo. 1. EDUCAÇÃO CRISTÃ: O QUE É? Seria a Educação Cristã a mesma coisa que Ensino Religioso? O mais adequado é encarar a Educação Cristã como uma forma sim, de Ensino Religioso, mas tendo em mira que este último pode estar presente em todas as demais religiões que, diga-se de passagem, não são cristãs.

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Pois precisa estar dentro de um projeto organizacional de uma igreja local.

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Educação Cristã Assim, podemos de falar de Ensino Religioso no âmbito do islamismo, judaísmo e outras. Nosso enfoque, no presente trabalho, evidentemente, é a educação ministrada no ambiente cristão e de matriz essencialmente cristã. É uma forma de Ensino Religioso, mas cristão. E conquanto a Educação Cristã busque aportes em outras ciências como a própria Pedagogia, e também a Didática3, Psicologia da Educação, dentre outras, ela tem características próprias que a delineiam e orientam seu trabalho, como se segue. 1.1. Bibliocêntrica A Bíblia ocupa lugar central na Educação Cristã. Não se pode pensar uma educação que seja cristã de fato, mas que prescinda da Bíblia. O Protestantismo é bibliocêntrico, seu ensino é bibliocêntrico também. A ênfase nas Escrituras sempre foi uma marca registrada das igrejas que estão ligadas à Reforma. O Sola Scriptura foi uma das verdades mais fortemente destacadas pelos reformadores, ao lado de outras importantes e à elas ligadas. De fato, doutrinas tão importantes como a da Justificação pela Fé encontraram apoio no conceito de que "somente as Escrituras" são o guia infalível do cristão em questões de doutrina e de vida. A Educação Cristã está, basicamente, empenhada em ensinar para a vida à partir das Escrituras. Tem como esforço conduzir o aprendente às Escrituras, à interpretá-las e aplicá-las à sua própria realidade, buscando assim imitar o comportamento de Jesus Cristo pelo discipulado cristão.

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Uma área específica de conhecimento da Pedagogia.

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Educação Cristã 1.2. Cristocêntrica Não se trata de mera nomenclatura; não pode ser questão de mera nomenclatura: se a Educação Cristã não tiver Cristo como ponto de partida, rota e ponto de chegada, ela será qualquer coisa, menos “cristã”! Aqui vemos a necessidade de um cuidado premente: a Educação Cristã não deve cair no mero compartilhamento de conteúdos, antes, ela precisa conduzir o aprendiz à pessoa de Jesus; ela precisa contribuir para que seja formado no sujeito um caráter que o torne semelhante a Cristo. É inegável que o Cristianismo, ao longo de dois milênios, gerou muito conteúdo e vem sistematizando exaustivamente sua Teologia, e para isso dialogando com outros saberes como a Filosofia, a Antropologia, a Sociologia, etc.4 Na Idade Média, com os escolásticos, houve um intenso esforço no sentido de validar a fé cristã pelas vias da lógica e da racionalização5, o que foi visto de forma bem significativa em Tomás de Aquino, certamente o principal pensador cristão deste período e que influenciou a Igreja com sua obra durante vários séculos que se seguiram. Na verdade, até a presente data Aquino ainda é considerado o teólogo da Igreja Católica Romana. Ainda que a Teologia cristã disponha, assim, de volumoso material, isso de nada valerá se não puder ser refletido na 4

É claro que estas ciências precisam ser consideradas dentro de cada período específico da História, visto que elas também foram sendo “geradas” paulatinamente e também amadurecidas ao longo dos séculos. A forma como elas se apresentam atualmente, evidentemente, não é a mesma com que seus fundamentos se apresentaram, por exemplo, na Idade Média. Houve assim um desdobramento. 5 OLSON, Roger. História da Teologia Cristã. São Paulo: Editora Vida, 2001, p. 317,18.

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Educação Cristã concretude da vida das pessoas. A grande vantagem de pensar a Educação Cristã centrada na Pessoa de Jesus é justamente porquê isso permite que ela seja prática. O entendimento do autor do presente trabalho é que neste aspecto, a Educação Cristã se apresenta como sui generis. Ela tem um paradigma maior, centrado em Alguém, cuja vida, ensino e orientações são apropriados pelas pessoas hoje. 2. UMA TEOLOGIA DA EDUCAÇÃO CRISTÃ Mas afinal, o que é uma Teologia da Educação Cristã? Esta é, sem dúvida, uma importante pergunta problematizadora para nosso estudo. O uso que se faz do termo “teologia” aqui é semelhante ao uso que se faz em referência a outros ramos de conhecimento no âmbito da Teologia como uma ciência sistematizada. Fala-se de Teologia da Oração, Teologia Ortodoxa, Teologia Liberal, etc. “Teologia” tem assim uma finalidade dupla: situar e definir. No caso da Teologia da Educação Cristã, indica que ela está situada no contexto da Teologia e da práxis Cristã e sinaliza na direção de que ela se ocupa do estudo da Educação Cristã. À partir daí, encontram-se definições, delimitações, desafios, resultados concretos e desejados, enfim, tudo aquilo que pode ser pesquisado sobre o assunto em pauta, no caso, a educação vista na perspectiva cristã. De modo mais “compacto”, define-se aqui Teologia da Educação Cristã como o estudo crítico e responsivo que é feito da Educação na perspectiva cristã considerando-se as suas especificidades. Esta teologia não foge à regra no que tange ao diálogo com outros saberes da Teologia e de outros ramos do conhecimento, como a Pedagogia, a Didática, a Psicologia da Educação, a Sociologia, a Filosofia da 22


Educação Cristã Educação, dentre outras. Diálogo aqui não é o mesmo que desconfiguração, descaracterização. O trânsito entre outros saberes permite justamente uma demarcação dos próprios limites da Teologia da Educação Cristã, pelo contraste e pelas similitudes. 3. EDUCAÇÃO CRISTÃ E COSMOVISÃO Todas as civilizações e por que não dizer, todos os povos tem a sua cosmovisão. Na Pós-modernidade o pano de fundo ideológico é relativista, relativismo esse que desemboca no pluralismo. Marcos definitivos são sempre vistos com má impressão pelo homem e pela mulher pósmodernos. Assim, quando o assunto é cosmovisão, a tendência no pós-modernismo6 é encarar todas as cosmovisões como válidas e iguais. Não haveria assim uma cosmovisão melhor ou mais aprimorada que outra. Todavia, a Pós-modernidade está em flagrante contra-senso. Como bem indicou o filósofo cristão francês, Paul Ricoeur: Talvez nenhuma sociedade radicalmente pluralista, radicalmente permissiva, seja possível. Em algum setor há algo de intolerável, a partir do qual surge a intolerância. Esta começa quando a novidade ameaça gravemente a possibilidade, para o grupo, de reconhecer-se, de reencontrar-se.7

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É importante destacar aqui a distinção entre pós-modernidade e pósmodernismo. Pós-modernidade indica uma época, ao passo que pósmodernismo indica o pensamento, a ideologia desta época. Os dois termos, evidentemente, estão entrelaçados e são usados de forma concomitante. 7 RICOEUR, Paul. Hermenêutica e ideologias. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2013, p. 81.

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Educação Cristã Nesta hora, o pensamento cristão histórico (não o liberal8) entra em choque com a tendência pós-moderna, já que insiste na verdade única do Evangelho de Cristo e que duas religiões não podem ser verdadeiras defendendo pontos de vista diferentes/antagônicos. Esta premissa cristã, evidentemente, vem sofrendo crescente rejeição, embora seja muito bem articulada por grandes teólogos e apologistas da fé cristã, como Willian Lane Craig, Norman Geisler, Alister McGrath, dentre outros. O reconhecimento de que o cristianismo bíblico histórico 9 oferece assim uma cosmovisão que é superior às demais, está longe de ser mera prepotência ou arrogância religiosa (ainda que alguns cristãos portem-se assim!), é um chamado muito sério à responsabilidade que esta afirmação implica. Ser um dentre os demais certamente não exige tanto quanto ser único dentre os demais. Tal convicção se assenta sobre o entendimento bíblico de que não pode haver salvação fora de Jesus Cristo: “Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6). A cosmovisão cristã, inevitavelmente, há de ser construída à partir deste pressuposto básico da fé cristã. O cristão, então, é chamado à responsabilidade, responsabilidade diante de Deus e dos homens. A moralidade do cristão precisa se assentar sobre paradigmas bíblicos e, por conseguinte, diferentes dos padrões estabelecidos por uma sociedade secular (se é que ainda se pode falar de “padrões” na Pós8

Visto que o liberalismo teológico busca adaptar o cristianismo à seu tempo, provocando rupturas radicais com o pensamento cristão histórico. 9 O presente trabalho distingue o Cristianismo visto na Modernidade do Cristianismo visto na História da Igreja.

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Educação Cristã modernidade). Fica evidente aqui a dificuldade que a Educação Cristã tem diante de si: afirmar valores absolutos numa era o pluralismo e o relativismo são, paradoxalmente, apresentados como “marcos” distintivos desta era. Não se pode negar que o Cristianismo é, por assim dizer, uma contracultura em muitos aspectos, ainda que tal fato não seja uma justificativa para o isolamento e enclausuramento. Com efeito, o cristão sadio precisa dialogar com o mundo. Cosmovisão é também uma forma de interação. A mudança implica inserção. A construção de uma missão em favor do Reino de Deus entre os homens passa, necessariamente, pelo relacionamento com o mundo. CONCLUSÃO Entender o que é a Educação Cristã é o primeiro passo a ser dado por todos aqueles que almejam laborar neste serviço vital à vida da Igreja. Curiosamente, muitos professores e professoras nas diversas instâncias da Educação Cristã não têm esta noção – o que é grave e representa um grande desafio, sem dúvida. Entender as bases da Educação Cristã, bem como sua finalidade maior – o discipulado cristão – é o ponto de partida para a produção de um fazer educativo que possa de fato atender às demandas da Igreja e de uma sociedade pautada pelo relativismo.

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Exercícios do capítulo 1 Marque com C para Certo e E para Errado a) (

)

A Escola Dominical é a instância única da Educação Cristã.

b) (

)

A Educação Cristã é bibliocêntrica, pois o a Bíblia ocupa lugar central nela.

c) (

)

A Educação Cristã é cristocêntrica, pois tem Cristo como seu “epicentro”.

d) (

)

Cosmovisão, a grosso modo, refere-se à forma como o indivíduo enxerga a realidade à sua volta.

e) (

)

A cosmovisão cristã é construída à partir da verdade bíblica de que Jesus é o único caminho de acesso a Deus, sendo Ele mesmo o centro do verdadeiro Cristianismo.

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2 Pós-modernidade e Educação Cristã INTRODUÇÃO

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ós-modernidade é um assunto que toca áreas vitais da realidade humana: sociedade, Igreja, família, educação, religião, filosofia, cosmovisão, saúde, etc. A expressão “Pós- modernidade”, escolhida neste livro como uma forma de identificar “o tempo em que vivemos”, abarca todos esses temas, perpassa todas essas realidades da vida, dando-lhes forma e sendo formatada por elas. A Pósmodernidade é um movimento cultural, marcado pela rejeição de valores absolutos, princípios universais. Vê com desconfiança os dogmas e tem um senso extremamente crítico, rejeitando uma postura apenas passiva, inerte. Lança raízes no Iluminismo, uma era que deu grande ênfase à racionalidade. Diante do exposto, passaremos a considerar então algumas das principais marcas da Pós-modernidade e como a Igreja e a Educação Cristã são atingidas por elas, mas consideremos também como a Igreja, de posse da Educação Cristã pode influenciar uma sociedade pós-moderna. 29


Educação Cristã 1. MARCAS DA PÓS-MODERNIDADE A Pós-modernidade possui muitas características distintivas que vêm sendo indicadas pelos estudiosos do assunto. Daqui por diante, procuro definir a Pós-modernidade abordando aqueles que considero serem os principais fatores que lhe dão forma. 1.1. Um tempo de profundas mudanças Um tempo de profundas mudanças nos mais diversos setores da sociedade: na religião e religiosidade, na família, nas relações sócio-econômicas, nas relações sociais, na maneira como o indivíduo lida com sua individualidade, entre outras mudanças profundas; importante pontuar também que essas mudanças não apenas estão ocorrendo aos montes, mas em aceleração contínua! O mundo sempre mudou, mas nunca mudou tão rápido como agora. E nessa mudança, a educação cristã também sofre o impacto. 1.2. Um tempo de fragilização Um tempo de liquefação (nas palavras de Bauman10), de esfacelamento de relações e estruturas, outrora seguras, estáveis, firmes. Na Pós-modernidade, não há solidez – as relações são “líquidas”, isto é, se desfazem, se amoldam facilmente aos contornos propostos. De fato, vemos o casamento se desfazendo, a preocupação e o interesse com a outridade se desfazem, amizades se desfazem, as relações político-internacionais se desfazem, enfim, todas as relações, na Pós-modernidade, vêm sendo afetadas por esse processo de liquefação. Edgar Morin talvez tenha percebido esse 10

BAUMAN, Zigmund. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

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Educação Cristã sintoma da Pós-modernidade ao escrever sobre a importância de considerar o elemento “compreensão” como um saber necessário à educação do futuro (MORIN, 2000). Morin comenta: A situação é paradoxal sobre a nossa Terra. As interdependências multiplicaram-se. A consciência de ser solidários com a vida e a morte, de agora em diante, une os humanos uns aos outros. A comunicação triunfa, o planeta é atravessado por redes, fax, telefones celulares, modems, Internet. Entretanto, a incompreensão permanece geral. Sem dúvida, há importantes e múltiplos progressos da compreensão, mas o avanço da incompreensão parece ainda maior. [...]11.

A compreensão pode ser entendida como a inclusão subjetiva do outro em nossa agenda pessoal: os sentimentos, carências, necessidades, alegrias, excitações, etc., do outro são por mim apreendidas. Mas na Pós-modernidade, há uma excessiva competição pela preservação do “eu”, um individualismo exacerbado. Sobre egocentrismo, são interessantíssimas as palavras de Morin: O egocentrismo amplia-se com o afrouxamento da disciplina e das obrigações que anteriormente levavam à renúncia aos desejos individuais, quando se opunham à vontade dos pais ou cônjuges. Hoje a incompreensão deteriora as relações pais-filhos, maridos-esposas. Expandese como um câncer na vida cotidiana, provocando calúnias, agressões, homicídios psíquicos (desejos de morte). O mundo dos intelectuais, escritores ou universitários, que deveria ser mais compreensivo, é o mais gangrenado sob o efeito da hipertrofia do ego, nutrido pela necessidade de consagração e de glória.12 11 12

MORIN, 2000, p. 93. MORIN, 2000, p. 97.

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Educação Cristã A Educação Cristã pode ser usada como uma importante aliada justamente no sentido de fomentar o diálogo entre as pessoas, alimentar o respeito e o amor ao próximo, e acima de tudo, o amor a Deus, a capacidade de conviver mesmo divergindo e assim levando à prática o evangelho de fato. 1.3. Um tempo difícil de ser definido! De fato, os estudiosos do assunto irão discordar quanto à exata conceituação desse nosso tempo. Optei por “Pósmodernidade” por reconhecer que nossa era sucedeu a modernidade em muitos aspectos13, mas para vários estudiosos, a Pós-modernidade ainda é a modernidade, com outras características. Outros entendem que “pós” não é suficiente, e optam por “hiper modernidade”. Outros, “Modernidade Tardia” e há os que chegam a dizer que nem “pós”, nem “hiper” e nem nenhuma outra nomenclatura seria possível. O Doutor em Ciências Humanas Luiz Roberto Benedetti afirma que: Não há nada mais ambíguo do que o termo Pósmodernidade. Expressão usada a torto e a direito, no pressuposto de que o interlocutor participe de um mundo comum no interior do qual a linguagem adquire significado. Essa ambiguidade constitui, entretanto, a sua marca. Ela é o pós-moderno da Modernidade: indefinível, fluido e inconsciente. Ninguém ousa definir a Pós-modernidade. A tentativa de definição é, por si só, uma atitude que contraria seus cânones (se é que existem). Situá-la no espaço e no tempo

13

Por exemplo, o espantoso avanço técnico e científico de nosso tempo. Podemos até afirmar que ele tenha raízes na Revolução Industrial, mas os avanços que tem sido feitos, em poucas décadas, é sem precedentes.

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Educação Cristã segundo características marcantes é a única atitude plausível...14

Pretendo seguir o conselho de Benedetti, tentando situar e identificar nosso tempo a partir de suas características. Saindo do campo filosófico-sociológico, é interessantíssimo pensar que nossa era se enquadra perfeitamente em algumas descrições bíblicas, como por exemplo, a descrição que a Bíblia dá para o tempo do fim: “O Espírito diz expressamente que nos últimos tempos alguns renegarão a fé, dando atenção a espíritos sedutores e a doutrinas demoníacas, por causa da hipocrisia dos mentirosos, que têm a própria consciência como que marcada por ferro quente” (1 Tm 4.1,2 – Bíblia de Jerusalém). 1.4. Um tempo de profunda decadência moral Nas palavras de Cícero, filósofo de Roma, Ó tempora! Ó mores! Essa, uma expressão latina que significa “Ó tempos! Ó costumes!”, pronunciada pelo referido filósofo como uma expressão de espanto ante a maldade e corrupção da Roma do primeiro século antes de Cristo. Se vivesse em nosso tempo, o filósofo teria boas razões para pronunciá-las também. 1.5. Individualismo Várias ações15 de nosso tempo são muito latentes, estão em franco desenvolvimento, mas por vezes não nos damos

14

TRASFERETTI, José. GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes (org.s.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 53.

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Educação Cristã conta de que somos influenciados por essas ações. Essas ações sociais caracterizam a nossa época. Ainda que de maneira sintética, um dos propósitos desse livro é considerar a problemática oferecida por essas ações e de que maneira elas influenciam a Igreja e mormente, como anda a Educação Cristã nesse contexto. A priori, consideremos outras características que delineiam nossa era e depois consideraremos com elas influenciam a Igreja e a Educação Cristã. O individualismo é outra dessas marcas de nosso século. Importante aqui é não confundir individualismo com individualidade. Esta última é o conjunto das características distintivas individuais de cada pessoa. Seu bojo intelectual, opiniões, cosmovisão, etc. A individualidade não pressupõe isolamento social ou afastamento do outro; pelo contrário, ela é formada a partir do outro. De fato, muito de nossa individualidade desenvolve-se a partir do outro. O psiquiatra e pesquisador da área de psicologia, Augusto Cury, esclarece a diferença entre individualidade e individualismo; para ele: Há uma grande diferença entre o individualismo e a individualidade. O individualismo é uma característica doentia da personalidade, ancorada na incapacidade de aprender com os outros, na carência de solidariedade, no desejo de atender em primeiro, segundo e terceiro lugar aos próprios interesses. Em último lugar ficam as necessidades dos outros. A individualidade, por sua vez, é ancorada na segurança, na determinação, na capacidade de escolha. É, portanto, uma característica muito saudável da personalidade.

15

Por “ação” refiro-me à fenômenos sociais, que se constituem de ideologias, conceitos, procedimentos e posturas.

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Educação Cristã Infelizmente, desenvolvemos frequentemente individualismo, e não a individualidade.16

o

Nossa sociedade torna-se cada vez mais individualista, onde as pessoas, em função de seus interesses pessoais e em detrimento do prejuízo alheio, fazem qualquer coisa para cumprir seus desejos e interesses egoístas. Percebemos que estas características da Pós-modernidade, que estamos alistando aqui, estão entrelaçadas e se provocam e estimulam mutuamente. Por exemplo, esse individualismo tão agressivo com o qual convivemos hoje abre franco caminho para o enfraquecimento das relações humanas. O casamento, por exemplo, é uma relação que só pode perdurar se houver altruísmo, e não individualismo. Como dividir a vida como uma pessoa que só pensa no próprio umbigo? O evangelho como revelado na Bíblia vai totalmente na contramão da sociedade pós-moderna individualista. Vemos isso nas próprias declarações de Jesus, no que concerne à vida cristã. Comentando sobre as evidências que temos para crer que o Novo Testamento está dizendo a verdade, Geisler e Turek chamam a nossa atenção para o fato de que os princípios do evangelho exarados por Jesus são difíceis de serem seguidos: Se os autores do NT17 estavam inventando uma história, certamente não inventaram uma história que tenha tornado a vida mais fácil para eles. Esse Jesus tinha alguns padrões bastante exigentes. O Sermão do Monte, por exemplo, não parece ser uma invenção humana...

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CURY, Augusto. Nunca desista de seus sonhos. Rio de Janeiro: Sextante, 2004. 17 Sigla para Novo Testamento (grifo meu).

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Educação Cristã Todos esses mandamentos são difíceis ou impossíveis de serem cumpridos pelos seres humanos e parecem ir na direção contrária dos melhores interesses dos homens que os escreveram. Certamente são contrários aos desejos de muitos hoje que desejam uma religião de espiritualidade sem exigências morais. Considere as extremas e indesejáveis implicações desses mandamentos18.

É interessante notar que nossa sociedade, ao longo dos anos, vem criando mecanismos que favorecem esse individualismo e, como afirmado logo atrás, estamos envolvidos nesse processo, mas não nos damos conta disso, muitas vezes. Por exemplo, os meios de entretenimento e lazer hoje, direcionados a crianças, favorecem o egoísmo e a falta de solidariedade com o semelhante. Numa era marcada pela presença da tecnologia em todos os setores da realidade humana, o entretenimento e lazer não poderia ter ficado de fora. As crianças e adolescentes de hoje até riem quando mencionamos as “brincadeiras do passado” (não tão “passado” assim!) como os jogos com bolinhas de gude, os “piques”, enfim, várias brincadeiras que envolviam a interação e integração entre as crianças e que promoviam a convivência entre elas, hoje, ficaram para trás. Nossas crianças ficam horas a fio na frente de um PC19, de um vídeo-game, ou de um tablet, jogando, jogando e jogando. Essa exposição excessiva além de causar uma série de problemas de saúde a longo prazo20, acaba por “gerar” crianças com dificuldade de comunicação, de 18

GEISLER, Norman L. TUREK, Frank. Não tenho fé suficiente para ser ateu. Trad.: Emirson Justino. São Paulo: Editora Vida, 2006. 19 Personal Computer. 20 Pesquisadores do assunto indicam que essa exposição excessiva pode causar discalculia, disgrafia, obesidade e puberdade precoce.

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Educação Cristã aprendizagem, de relacionamento-compartilhamento e de convivência social. Parece que como nunca antes verificamos uma incidência tão grande de doenças psicossomáticas e psicológicas em crianças e adolescentes, o que nos assusta, por serem doenças mais verificáveis em adultos. 1.6. A “Era do Espetáculo” A Pós-modernidade é também a “era do espetáculo”21, ou porque não dizer, “a era do status”, “da aparência” ou do “manter as aparências”. É a era onde as pessoas compram não porque precisam desse ou daquele produto, mas porque querem estar incluídas num grupo ou segmento social. Desse modo, “o ser” não é tão importante, mas sim “o ter”. As pessoas são valoradas pelo que tem e nem tanto pelas qualidades de sua conduta e caráter. Atrelado à isso vem o culto à personalidade, onde indivíduos são ovacionados pelo talento que possuem, ou por sua estética atraente. Isso atingiu em cheio a igreja evangélica no Brasil! Presenciamos em nossos eventos a glamourização do culto e de pessoas22. Com isso, nossa visão do Cristo ressurreto fica embaçada! As Escrituras, todavia, continuam a lembrar-nos: “... livremo-nos de tudo o que nos atrapalha e do pecado que nos envolve e corramos com perseverança a corrida que nos é proposta, tendo os olhos fitos em Jesus, autor e 21

Essa expressão, “Era do Espetáculo”, pegamos emprestada da fala da Psicóloga e Psicanalista Eugenia Caldeira, em palestra ministrada no 2º Seminário promovido pela SOPES (Sociedade Psicanalítica do Espírito Santo), quando ela discorreu sobre a relação das doenças psicossomáticas com a pós modernidade. Sua palestra foi proferida na noite de 19 de Setembro de 2014. 22 Veja Apêndice 2 para uma reflexão a respeito da questão da simplicidade do culto protestante.

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Educação Cristã consumador da nossa fé” (Hb 12.1,2 na Nova Versão Internacional). 1.7. Redução da privacidade Nosso tempo também presencia a redução da privacidade. Cada vez mais... Ou melhor, cada vez menos (!) as pessoas mantêm-se em estado de privacidade. A exposição é perseguida pelas pessoas e com isso cultua-se a própria imagem. Os recursos de comunicação avançados, as plataformas virtuais de relacionamento, a mídia televisiva, etc., vêm sistematicamente favorecendo essa prática. Vivemos no tempo das selfs, das “curtidas”, das “postagens”, etc. O paradoxal é que ao mesmo tempo em que isso promove visibilidade coletiva, acaba favorecendo o individualismo e tem sido fonte geradora de problemas relacionados ao ego e a individualidade das pessoas. Isso porque essa exposição é muitas vezes irrefreável, desnecessária e chega até a ser humilhante em muitos casos. Nosso tempo também tem a estética como uma deusa. A beleza exterior é condição sine qua non para uma inserção social. Uma vez que eu não atenda aos parâmetros dessa “ditadura da beleza”, sinto-me frustrado. Assim, eu não me sinto incluído num determinado grupo social ou sou preterido porque meu bíceps braquial não atende o padrão de qualidade atual que se exige da figura masculina. A forma é cultuada, a imagem é supervalorizada, mas a individualidade e a estima de qualidades mais essenciais à vida são esfaceladas!

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Educação Cristã 1.8. A Era do Hedonismo Nossa era é também a era do hedonismo, onde as pessoas buscam o prazer pelo prazer e o prazer a todo custo. Saltam de cama em cama, de jogo em jogo, de vícios em vícios. Não há limites estabelecidos quando a questão é satisfação. E nessa busca pelo prazer a todo custo, sentimentos, valores e importâncias alheias são pisoteadas, pois afinal o que importa é o prazer! O interessante é que as pessoas procuram legitimar sua conduta mesmo que ela seja imoral, como que tentando compensar psicologicamente a irregularidade da situação. É como se elas tentassem convencer a si mesmas de que estão agindo bem enquanto agem errado. Assim, por exemplo, para muitos, trair o cônjuge chega a ser uma necessidade e desse modo, justificável! Todavia, na prática, as coisas não são tão símplices assim. As conseqüências vem. Consideraremos algumas delas logo adiante. 1.9. O resultado disso tudo? Os efeitos ou resultados dessas condutas sociais e individuais que dão forma à Pós-modernidade estão causando um tremendo impacto negativo à vida coletiva, familiar, psicológica e emocional das pessoas. A educação cristã, como propagadora de valores eternos, sente maior resistência nessa era de existencialismo, hedonismo, individualismo e tantos outros “ismos” nocivos. É assustador pensar no quanto as relações humanas estão se fragmentando. O número de divórcios cresce, a dependência química atinge à todas as classes sociais e a depressão ganha o status de ser a doença do nosso século. A relação pais e filhos é afetada pela culpabilidade paterna e 39


Educação Cristã materna, onde os pais, sentindo-se culpáveis pela ausência, tentam compensar essa ausência com presentes e não com presença. Já não temos mais amigos, temos “contatos”. As relações humanas são utilitárias e isso chegou aos nossos púlpitos no que tange ao relacionamento com Deus. Nessa sociedade do espetáculo, se produz pessoas que incorporam em seu cotidiano a substituição do real ou da realidade pelo espetáculo. Não pense o leitor ou leitora que estou sendo excessivamente pessimista, ou mesmo que meu interesse maior aqui seja apenas indicar problemas sobre problemas, mas um dos passos mais importantes para se tratar uma doença é identificá-la. Como Igreja de Cristo, devemos trabalhar para que muitas pessoas “dêem a meia volta” nesse caminho turbulento. Nesse sentido, precisamos estar dispostos a sermos antiquados, retrógrados e “fundamentalistas”, pois numa era em que a identidade está se perdendo, ter uma identidade que seja contrastante com a onda do momento, é desafiador. 2. E A IGREJA NESSE CONTEXTO? No século 20 e agora também no século 21, tem havido um interesse muito grande do Ocidente pelas religiões e filosofias religiosas orientais. De fato, nunca ouvimos falar tanto de religiões orientais “do lado de cá do Atlântico”. Estamos contemplando uma “orientalização” do Ocidente23, guardando-se as devidas proporções, é claro24. E isso se 23

Assim também como se percebe uma “ocidentalização” do Oriente. A referência aqui é à absorção de muitos conceitos, práticas e paradigmas do Oriente pelo Ocidente. Um exemplo é a presença hoje, marcante, da Cabala no Brasil, uma seita de origem judaica, além de outras em franca expansão. É claro que essa absorção se dá também em termos de cultura. 24

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Educação Cristã percebe em maior ou menor grau até mesmo em nossas igrejas. Algumas denominações vêm adotando, por exemplo, práticas judaicas, como a inserção de objetos e práticas do judaísmo em suas liturgias de culto. Há igrejas ditas evangélicas que estão tocando Shofar e carregando réplicas da arca da aliança, além de pronunciarem nomes e termos bíblicos em hebraico e usar adornos e outros objetos típicos da cultura hebraica, tudo isso como condição para o culto. Fica claro, porém, à luz do Novo Testamento, que o evangelho é supra cultural e dispensa todo esse simbolismo e uso de objetos no culto, que são pertenças do judaísmo. É perceptível que estamos convivendo na Pós-modernidade com uma igreja evangélica que nutre uma religiosidade mesclada com práticas opostas à verdadeira espiritualidade exarada no Novo Testamento. Presenciamos as campanhas mais estranhamente possíveis, como campanha do sabão ungido, da rosa ungida, do manto sagrado, do sal grosso... e a lista prossegue. As Teologias da Prosperidade e da Confissão Positiva25 vêm gerando uma multidão de crentes interesseiros, egoístas, materialistas e superficiais. Produz-se uma espécie de “evangelho empreendedor”. Com isso, essas multidões são levadas a interessar-se mais pelas bênçãos do que pelo Abençoador, mais pela Terra do que pelo Céu, almejam o Éden mas repudiam o Getsêmani, querem sentarse no trono mas esquecem a cruz! A Igreja também vem sendo atingida por essa mutação constante que ocorre em 25

Isael de Araújo explicita que “Teologia da Prosperidade” e “Confissão Positiva” são, na verdade, dois termos para uma mesma teologia, que se origina nos Estados Unidos. No presente trabalho, optei por apresentar em termos de “teologias”, por considerar o enfoque específico de cada uma delas, sem, contudo, negar sua inter-relação teológica e histórica (ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007, p. 617).

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Educação Cristã nossa era e tal como é difícil definir a Pós-modernidade, também vem ficando cada vez mais difícil definir a igreja evangélica, tão mesclada, descaracterizada e fragilizada. É tempo de nos posicionar. A educação cristã é uma arma poderosa nessa peleja. Lutar contra o espírito de nosso tempo não é tarefa fácil, mas contamos com o auxílio do Senhor, que prometeu estar conosco (Mt 28.20). A igreja evangélica também vem sendo atingida pelo mal da degradação moral que é característica de nosso tempo. Quantas e quantas vezes assistimos, perplexos, líderes cristãos flagrados nos mais terríveis pecados morais, envolvidos com toda sorte de práticas reprováveis para um líder cristão. A “era do espetáculo” também invadiu nossos cultos e se verifica em várias denominações um “culto à personalidade”, manifesto de várias formas e alimentado por essas “personalidades”: distribuição de suor, autoglorificação, exposição excessiva nos meios midiáticos de suas faces26 entre outras condutas que demonstram isso. Convivemos com uma geração de crentes que vão ao culto porque cantora tal ou cantor tal estarão cantando, ou porque “fulano” estará pregando, e não exatamente porque Cristo estará presente e será por nós adorado. Inverteu-se o foco do culto e com isso, o culto vem deixando de ser culto! Culto cristão não é mero encontro social, nem espaço para 26

Repare o leitor (ou leitora) que muitos programas evangélicos (evangélicos?) veiculados na TV brasileira hoje são, na verdade, uma veiculação da imagem de personalidades evangélicas, e não a veiculação da própria mensagem do evangelho. É comum, nesses casos, atrelar-se tudo ao fundador da denominação ou ao apresentador mantenedor do programa: produtos, eventos, as mensagens transmitidas, etc. Tudo ou boa parte da programação gira em torno dessa pessoa e não da mensagem do evangelho. De fato, um comércio (lucrativo, diga-se de passagem).

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Educação Cristã autopromoção, mas antes, é um serviço prestado à Deus, é uma reunião em torno da Pessoa Divina a fim de adorar-lhe, servi-lhe, exaltar-lhe. Outro grande desafio para a igreja é a presença cada vez mais forte de uma mentalidade puramente racionalista. Nossa era é também chamada de pós-metafísica, dando forte ênfase na razão, nas coisas “verificáveis”, objetivas. Particularmente, creio que a Teologia Liberal é uma espécie de excessiva racionalização da teologia27. A teologia modernista, liberalista e especulativa está permeando o mundo. Que, à semelhança de Pedro, coloquemo-nos de pé e, pelo poder do Espírito, respondamos às suas críticas infundadas, pregando o evangelho. Qual foi, então, a resposta de Pedro? Ele disse: “isto é o que foi dito pelo profeta Joel”. Observemos que a primeira pregação da Igreja foi pura exposição da Palavra de Deus (At 1.16-36). Nossos ministério e congregação experimentam um abundante e poderoso ministério da Palavra? E a pregação e o ensino pentecostal devem ter “endereço” certo: o coração do ouvinte – “E, ouvindo eles isto, compungiram-se em seu coração” (At 2.37).

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faço questão de escrever “excessiva racionalização”, pois está claro para mim que a Bíblia e o evangelho são coerentes com a razão, o que não me impede de reconhecer, todavia, que muitas verdades bíblicas não são totalmente “dissecadas” pela razão; a razão não é capaz porque essas verdades estão acima da razão, sendo portanto, inatingíveis nesse sentido. Nas palavras de Francis Schaeffer, o fato de Deus ter-se revelado suficientemente não significa que Ele se revelou exaustivamente. Para mim, até mesmo a complexidade desse assunto é coerente com a revelação bíblica: ela não poderia mesmo caber em nossa caixa intelectual!

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Educação Cristã Há atualmente um esvaziamento da Palavra de Deus no púlpito de inúmeras igrejas. O tempo que deveria ser da Palavra do Senhor é ocupado por música e canto profissionais – não o genuíno louvor – e atividades sociais, restando alguns minutos para a pregação da Palavra de Deus. Daí o elevado número de “retardados espirituais” nessas igrejas. Como está a sua igreja, em particular?28

A nossa base pressuposicional é diametralmente oposta à base pressuposicional dos liberais em relação à Bíblia: para nós, ela é a Palavra de Deus, para eles, esse conceito é questionável. 2.1. A Educação Cristã no Contexto da Pós-modernidade Diante dos muitos desafios que são colocados pela Pósmodernidade, perguntamos então: qual é a grande missão da Educação Cristã face a esses "tempos trabalhosos", como diria Paulo? Creio que muita coisa poderia ser dita em torno desse assunto, mas gostaria de resumir numa sentença curta: formar nas pessoas um caráter que as torne semelhantes a Cristo! Esse é o papel do discipulado cristão e isso foi ordem do próprio Jesus (cf. Mt 28.19,20; Mc 16.15; At 1.8). Nas palavras de John Stott em O Discípulo Radical, “Deus quer que o seu povo se torne como Cristo, pois semelhança com Cristo é a vontade de Deus para o seu povo”29. Ou ainda, nas palavras de Tomás de Kempis em seu clássico Imitação de Cristo, escrito no início do século 15:

28

GILBERTO, Antonio. Teologia Sistemática Pentecostal. Rio de Janeiro, 2008: CPAD. p. 185. 29 STOTT, John. O Discípulo Radical. Viçosa, MG: Ultimato, 2011. p. 25.

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Educação Cristã “Quem me segue não anda em trevas”, diz o Senhor (Jo 8.12). São estas as palavras de Cristo que nos exortam a imitarmos sua vida e costumes, se verdadeiramente quisermos ser iluminados e livres de toda a cegueira de coração. Seja, pois, nosso principal empenho meditar sobre a vida de Jesus Cristo. A doutrina de Cristo excede todas as doutrinas dos santos e quem tiver o seu espírito há de encontrar o maná nela escondido. Acontece, porém, que muitos, apesar de ouvirem amiúde o Evangelho, pouco fervor experimentam, porque não possuem o espírito de Cristo. Quem quiser, pois, compreender e saborear toda a plenitude das palavras de Cristo deve esforçar-se em conformar com Ele toda a própria vida.30

Eis o grande desafio da Igreja na atualidade! Que o Senhor nos ajude e que nosso coração possa ter a melhor predisposição à essa maravilhosa missão: contribuir para a formação de Cristo nos corações. Amém! Como pode a educação cristã avançar nessa era pósmoderna? Após considerarmos algumas das características de nossa era, essa pergunta é muito pertinente. Ensinar as verdades bíblicas é a primeira resposta à esta pergunta. Isso implica, em muitos momentos, ir na contra mão do que aí está. Mas lembremo-nos de que Jesus não mudou seu ensino para agradar as pessoas (cf. Jo 6.60ss). Numa era relativista, ensinar os valores absolutos da Palavra de Deus tornou-se um grande desafio. Mas proferir a mensagem do Senhor nunca foi fácil. Todavia, cremos que para um mundo em crise, que desaba, a resposta é o evangelho. 30

KEMPIS, Tomás de. Imitação de Cristo. São Paulo: Círculo do Livro, p. 11.

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Educação Cristã 2.2. Ainda há esperança? Sim, há! Em minha experiência pessoal, pude perceber que em nosso ambiente eclesial, fomos, muitas vezes, alimentados com uma espécie de sentimento de desesperança em relação à sociedade, sentimento esse fomentado principalmente por concepções escatológicas que a meu ver foram mal compreendidas por nós. As doutrinas da parousia31 de Cristo, Grande Tribulação, estabelecimento do Milênio e dos Novos Céus e Nova Terra e ainda, o Juízo Final, parece que produziram em muitos crentes (inclusive em mim) uma postura de conformidade com a ideia de que o mundo caminha, inevitavelmente, para o seu fim. Como pesquisador, professor e palestrante na área de Escatologia Bíblica32, creio piamente que a Bíblia revela sim o desfecho final da história da humanidade, sendo ela e ela somente a autoridade quanto a esse assunto. Essa compreensão, todavia, não deve produzir em nós uma espécie de indiferença às demandas sociais. Como Igreja, não apenas estamos na sociedade, também somos a sociedade. Cristo deseja que influenciemos o mundo. O futuro da Igreja, conforme descortinado pela Escatologia Bíblica, deve motivar-nos ao presente, ao agora, sem que isso nos entorpeça a ponto de não desejarmos e amarmos a Segunda Vinda de Jesus. Lembremo-nos de que grandes avivamentos do passado foram capazes de mudar e influenciar profundamente cidades e até nações inteiras. Ante a Pósmodernidade, a Igreja deve “remar contra a maré”. Ela é 31

Palavra grega para “vinda”. O termo acabou assumindo também uma forte conotação teológica, em decorrência de seu uso na Teologia. 32 Especificamente na Escatologia Pré-Milenista Dispensacionalista. Futurista quanto à interpretação do Apocalipse.

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Educação Cristã depositária das verdades do Reino, de valores cristãos e bíblicos, de uma ética pautada pela Palavra de Deus. Portanto, a Igreja pode influenciar positivamente a sociedade à sua volta, atraindo vidas a Cristo. 2.3. Nunca mais quero morrer! O missionário e escritor pentecostal, Orlando Boyer, narra em um de seus livros a seguinte e interessante experiência vivida pelo célebre evangelista estadunidense, D. L. Moody: Ouvi falar dum homem que sonhou que entrou no céu e no mundo de glória; oh! como se sentia contente em saber que tinha, por fim, alcançado o céu. Mas logo veio alguém e o convidou a ir com ele para ver algo. Levou-o à muralha e disse: - Olha para baixo. Que estás vendo lá? – Ora, é o mundo donde vim. – Que estás vendo lá? – Ora, os homens estão com os olhos vendados e muitos deles estão caindo no abismo! – Então, queres ficar aqui e gozar os céus, ou queres voltar para a terra, e passar mais um pouco de tempo informando o mundo? Era um obreiro desanimado. Acordou-se do sono e disse: “Nunca mais quero morrer”.33

Este relato ilustra bem a proposta do Evangelho de Cristo. O outro recebe importância vital. Cristo veio em favor de nós – outros em relação à Ele. A Educação Cristã precisa ser feita considerando o outro, sua salvação em Cristo e o 33

BOYER, Orlando. Esforça-te para ganhar almas. São Paulo: Editora Vida, 1975, p. 72.

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Educação Cristã conhecimento de Sua obra redentora. Numa era marcada pelo interesse econômico que a tudo sobrepuja, onde o ter vale bem mais do que o ser, onde as pessoas são avaliadas conforme o seu êxito financeiro, a mensagem do Evangelho se apresenta como verdadeiro lenitivo à alma do homem pós-moderno que geme sob um fardo construído diuturnamente por ele mesmo. CONCLUSÃO O educador cristão não pode se evadir da necessidade de dialogar e de entender o tempo no qual ele próprio está inserido. Como ensinar e evangelizar o homem pósmoderno se simplesmente não se sabe como ele pensa, como ele articula as grandes questões da vida e como reage às necessidades que o cercam. O ser humano se utiliza de signos, imagens, símbolos e palavras que funcionam como códigos comunicacionais. Entender esses códigos é um passo que precisa ser dado para que se consiga entender o sujeito pós-moderno e ser entendido por ele. Tal articulação é mesmo necessária. Isto não significa, no entanto, corromper ou desconfigurar a mensagem da cruz para adequá-la ao sujeito pós-moderno. A mensagem do Evangelho é que deve provocar mudanças, quando necessárias, mas essa mudança vem pela mudança de mente provocada pelo convencimento ante as verdades bíblicas a respeito de Deus, de Cristo, da vida, do homem e de sua condição. Para tal, é preciso que se faça entender esta proclamação. A Educação Cristã presta, pois, um relevante trabalho neste aspecto, pois além de comunicar princípios e valores, ela também colhe dados em face do contato que possibilita entre o educador cristão e o aprendente. Isto 48


Educação Cristã possibilita uma percepção de realidades, de caráter, de necessidades. A partir da apreensão desses dados, o educador cristão pode então orientar o seu trabalho tornando-o assim mais eficaz, no serviço cristão.

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Exercícios do capítulo 2 Marque com C para Certo e E para Errado

a) (

)

Uma das marcas da Pós-modernidade é que ela é um tempo de fragilização das relações humanas.

b) (

)

c) (

)

Individualismo não é a mesma coisa que individualidade.

d) (

)

As Teologias da Prosperidade e da Confissão Positiva vêm gerando uma multidão de crentes interesseiros, egoístas, materialistas e superficiais.

e) (

)

O desafio maior da Educação Cristã no contexto pós-moderno é esforçar-se para gerar nas pessoas um caráter que as torne semelhantes a Cristo.

O Doutor Roberto Benedetti é categórico ao insistir em que a Pós-modernidade, dadas as suas muitas características, é fácil de ser definida.

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3 A importância do ensino bíblico para a Igreja INTRODUÇÃO

A

Teologia da Educação Cristã encontra suas bases em toda a Bíblia. É um ledo engano pensar que apenas o Novo Testamento embasa a práxis educativa da Igreja. O conceito de ensino já se encontra presente desde o Pentateuco vindo a percorrer todo o Antigo Testamento. Percebe-se um claro desenvolvimento desta prática vindo a culminar no período do segundo templo indo até os dias de Jesus. O ensino foi assim uma importante ferramenta no sentido de perpetuar os preceitos do Senhor, passando-os adiante às novas gerações. Os livros que se seguem ao Pentateuco são escritos à luz deste, evidenciando as consequências de se obedecer ou não esses preceitos ensinados.34 Este ensino, no Antigo Testamento, era responsabilidade dos pais, dos sacerdotes, dos profetas e até dos reis. Vários exemplos bíblicos podem identificados e que evidenciam esse comprometimento com o ensino (cf. 1 Sm 12.23; 2 Cr 15.3; 17.7-9; Jr 18.18). As sinagogas que surgiram como uma espécie de resposta ao fato do povo judeu não ter mais o seu templo para cultuar, e que se espalharam por muitos lugares, visto que 34

LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus intérpretes. 3ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 35.

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Educação Cristã os judeus estavam dispersos por várias regiões do mundo, eram em essência casas de ensino e de instrução na Torah.35 Inicialmente, como podemos ver em Deuteronômio 6, o ensino começava no ambiente familiar, num contexto patriarcal, mas com o passar do tempo o ensino passa a ser mais formal, tornando-se assim uma prática fundamental na sociedade judaica. Com efeito, os hebreus figuram entre os precursores da educação no mundo. 1. O ENSINO TESTAMENTOS

NO

ANTIGO

E

NO

NOVO

A história bíblica está entremeada do ensino. A preocupação de que os preceitos divinos fossem transmitidos e retransmitidos de geração em geração podem ser notados já no Pentateuco. O elemento didático pode ser percebido em algumas passagens veterotestamentárias, indicando a presença do ensino, ainda que de forma embrionária, em relação ao modelo que conhecemos atualmente. Mas os princípios estão ali. Houve preocupação no sentido de que o conteúdo da Lei fosse registrado por escrito (cf. Dt 27.3; 31.24-26). Isso, evidentemente, torna clara a preocupação para que o conteúdo da Lei divina fosse perenizado. E uma das finalidades do ato educativo é justamente fazer permanecer conceitos e valores. Em que pese o próprio uso que se fez da Escrita para registrar a revelação divina milênios atrás. Não por acaso Deus utilizou esta forma de comunicação

35

CHAMPLIN, Russell N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. vol. 6. São Paulo: Candeia, 1991, p. 284.

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Educação Cristã humana, visto ela apresentar vantagens enormes em relação à comunicação que se dá apenas pela oralidade.36 No livro de Deuteronômio temos mais clara a ideia do ensino. No capítulo seis, onde se encontra a célebre Shemá de Israel, a ordenança básica é que os pais devem instruir seus filhos a guardarem os preceitos que eles mesmos deveriam guardar. Ali, nota-se a responsabilidade do ensino atribuída à família. Educar, portanto, começa no seio da família no contexto do Antigo Testamento. Conquanto tenha havido um desenvolvimento neste aspecto, vindo depois o ensino a se formalizar, a família desempenhou papel preponderante na continuidade do ensino na história e no desenvolvimento do povo da Aliança. Em Deuteronômio seis encontram-se alguns conceitos fundamentais para a educação: inculcar, falar, escrever. O termo “inculcarás”, presente no versículo sete, é tradução do hebraico shanan ( ‫ ) שנן‬e significa, dentre outras coisas, ensinar de maneira incisiva. Mas ali encontra-se também a ideia de uma prática educativa que envolve relacionamento, algo até inevitável visto ser exigido que ocorra tendo como ponto de partida a família: “... e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-se, e ao levantar-te” (Dt 6.7). Com efeito, ensinar envolve exemplo, conduta, amor, paciência, insistência, perseverança, todos elementos que demandam relacionamento e envolvimento. Este princípio de usar o espaço familiar como ambiente educador da criança, sendo, portanto, a família a primeira 36

Geisler e Nix apresentam algumas vantagens interessantes do porquê usar a forma escrita para a revelação de Deus: cf.: GEISLER, Norman. NIX, Willian. Introdução bíblica: como a Bíblia chegou a nós. São Paulo: Editora Vida, 1997, p. 124-25.

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Educação Cristã responsável pela educação do indivíduo, encontra eco também na legislação de nosso país, como prevê claramente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho37.

A Bíblia é verdadeira também nesta questão. É inegável que a família é o principal ambiente gerador de um caráter saudável. A escola escolariza e contribui para a educação de nossos filhos, a família tem o dever de educar. Já no Novo Testamento o ensino se apresenta de forma mais organizada, visto estarem as sinagogas espalhadas por todo o Império Romano. Estas eram, sem dúvida, as “escolas” dos judeus que instruíam as pessoas no conhecimento das Escrituras. Nas décadas que se seguiram à ascensão de Jesus, os apóstolos, face ao crescimento da Igreja, preocuparam-se extensivamente com o ensino das igrejas que iam sendo plantadas em lugares distantes de Jerusalém, onde estava o colégio apostólico. É válido destacar que essa também foi uma forma de se transmitir conhecimento – e muito eficaz, diga-se de passagem. Encontramos nas epístolas uma forma embrionária de ensino à distância, um conceito tão difundido hoje em dia e em franco crescimento no mundo e no Brasil. 37

LDB: Lei de diretrizes e bases da educação nacional: Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 13ª ed.. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2016, p. 8 (grifo meu).

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Educação Cristã Outro ponto muito importante a ser destacado é que a Grande Comissão de Jesus, encontrada em Mateus 28.19,20 e Marcos 16.15, implica necessariamente em ensino. A ordem foi – e a Igreja atual de alguma forma negligencia isto – “ide, ensinai”. Tal verdade a respeito do lugar que o ensino ocupa na Grande Comissão de Jesus à Igreja implica dizer que o ensino pode e deve ser usado como uma eficaz ferramenta evangelística. Infelizmente, os cristãos atualmente negligenciam muito isso. Nossos trabalhos de ensino cristão em geral são configurados para os crentes, apenas, e não para os descrentes. Desde a linguagem empregada até a estrutura de recepção dessas pessoas, bem como outros fatores pedagógicos como currículo, material didático, dentre outros, não são pensados para o não cristão. 2. O ENSINO NA HISTÓRIA DA IGREJA É claro que o ensino visto já no Novo Testamento pode ser considerado como estando também no contexto da História da Igreja, mas no presente trabalho, uma vez que houve um tópico dedicado a falar do ensino no Antigo e Novo Testamentos, discorreremos a respeito do ensino na História da Igreja partindo da Patrística. É preciso que fique claro já de partida que é preciso ter cuidado para que não se lance um olhar orientado pelo século 21 sobre momentos da História que estão bem distantes de nós. Noutras palavras, nosso olhar não deve ser anacrônico neste sentido. O que entendemos hoje por “Educação Cristã” evidentemente é distinto do que se entendia por ensino, educação no período dos Pais da Igreja, da Idade Média, da Modernidade. 57


Educação Cristã Quando abordamos o desenvolvimento da Educação Cristã ao longo da História da Igreja, estamos evidentemente trabalhando com os conceitos essenciais que delineiam essa prática educativa dos cristãos ao longo dos séculos. Houve notadamente um grande desenvolvimento e aprimoramento de conceitos e práticas no âmbito da Educação Cristã. Isso não significa dizer, contudo, que nós, na Pós-modernidade, estejamos na ponta de um processo acabado. Com efeito, podemos afirmar que num mundo em constante e acelerada mutação, novos desafios se colocam diante da Igreja, e por conseguinte, novos futuros também. No monasticismo começa a ser formar o que mais tarde viria a ser conhecido como “universidade”. Os monges tornaramse os detentores do conhecimento e das técnicas agrícolas e em dado momento, passaram a deixar o claustro para ensinar à comunidade que habitava ao seu redor. De forma embrionária, começou a haver assim compartilhamento de informação de forma mais sistematizada. No período da Reforma Protestante começam a surgir as primeiras universidades propriamente ditas. Alderi Souza de Matos comenta que a Universidade de Wittenberg, na Saxônia, foi a primeira a ser fundada, em 1502 pelo príncipe eleito Frederico, o Sábio que, 15 anos mais tarde viria a aceitar as ideias do monge agostiniano, professor na própria universidade, Martinho Lutero.38 Obviamente, os cristãos criaram suas universidades com vistas a influenciar a sociedade ao redor, promovendo ensino a partir de uma

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MATOS, Alderi Souza de. Universidades Protestantes: benefícios e riscos. Disponível em: <www.ultimato.com.br/revista/artigos/329/universidadesprotestantes-beneficios-e-riscos> Acesso em 21 fev. 2013.

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Educação Cristã perspectiva cristã.39 Com o passar do tempo, contudo, essas instituições cristãs de ensino começaram a enfrentar o processo de secularização fomentado pelo Iluminismo no século 18, segundo Matos.40 Esse drama se estende até os dias de hoje, inclusive em nosso país que presenciou o reconhecimento do Ministério da Educação e Cultura (MEC) dos cursos de Teologia ministrados por seminários cristãos, através do processo de integralização de créditos41, ofertada por instituições de ensino superior (IES) no país. Reconhecemos os benefícios disso para o acadêmico de Teologia, no âmbito profissional, mas infelizmente isso também pode ser visto como reflexo de uma secularização, na medida em que provocou uma busca mais por título acadêmico do que por uma formação acadêmica de qualidade com vistas a servir ao ministério cristão. Sem dúvida, um problema grave com o qual a Igreja precisa se deparar. Da Modernidade até nossos dias, autores como Horace Bushnell (1802-1876) enfatizaram a necessidade de uma educação cristã continuada, visando a formação religiosa da pessoa, à partir do ambiente familiar.42 É nesse período que surge a Escola Bíblica Dominical, na Inglaterra, espalhando-

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Em que pese ainda o compromisso dos cristãos protestantes com a Educação. 40 MATOS, Alderi Souza de. Universidades Protestantes: benefícios e riscos. Disponível em: <www.ultimato.com.br/revista/artigos/329/universidadesprotestantes-beneficios-e-riscos> Acesso em 21 fev. 2013. 41 Conhecida como “convalidação”. 42 MATOS, Alderi Souza de. Breve história da Educação Cristã: dos primórdios ao século 20. Revista Fides Reformata. vol. 1. nº 1. São Paulo: Editora Mackenzie, 1996, p. 20.

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Educação Cristã se pelo mundo depois e chegando ao Brasil, inclusive. Ela continua sendo a maior agência educativa da Igreja.43 É também neste período que surgirão pesquisadores da psicologia da aprendizagem que trarão contribuições importantes para o entendimento de como funciona a aprendizagem da criança, e que interessam à Educação Cristã. Jean Piaget (1896-1980), o psicólogo suíço que desenvolveu a sua famosa teoria do desenvolvimento cognitivo, foi um desses teóricos. Em torno de 1920, suas pesquisas sobre Psicologia genética se tornam amplamente conhecidas, onde procura demonstrar que a forma de aprender das crianças é diferente da dos adultos. Sua lógica é diferente da dos adultos. A aprendizagem é uma construção. Piaget irá discorrer em sua teoria sobre as fases do desenvolvimento humano, onde ocorrem as assimilações e adaptações. Há mecanismos e processos que possibilitam de um estado de conhecimento a outro mais avançado. E esses estágios de desenvolvimento das crianças são definidos, ainda que aconteça de crianças passarem de um estágio a outro em idades diferentes. Assim, Piaget concluiu que os estágios são três. O primeiro é o do "pensamento intuitivo", de 4 a 7 anos; o segundo é o das "operações concretas", que vai de 7 a 11 anos e, o terceiro, o das "operações formais", que vai de 11 a 15 anos.44 Este diálogo com os resultados de extensas pesquisas assim, como a de Piaget, trará contribuições positivas para a Educação Cristã. O educador cristão, por ser em essência um ensinador dos valores do Reino de Deus, não necessita 43

MATOS, 1996, p. 20. CHARLES, C. M. Piaget ao alcance dos professores. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1975, pp. 1-3. 44

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Educação Cristã ser, necessariamente, uma "ilha", como que estando isolado. Não se deve negar, contudo, que a bagagem teórica trazida por esses autores precisa ser filtrada pela Palavra de Deus. Com a explosão do conhecimento e da comunicação 3. O ENSINO NO CONTEXTO ATUAL Nosso tempo, conforme já indicado, apresenta importantes desafios. Ainda que ele se mostre de forma multifacetada, uma coisa permanece: o inelutável interesse do homem pela verdade! A pergunta feita por Pilatos a Jesus milênios atrás continua ecoando hoje: O que é verdade? O ensino bíblico se apresenta como o indicador desta verdade, que centrada em Jesus, orienta o homem no aqui e agora e o conduz à vida eterna, com Deus. Mas a Pós-modernidade, evidentemente, diante das características já delineadas neste livro, se opõem ao conceito de verdade única ou verdade absoluta. Andreas J. Köstenberger é incisivo já nas primeiras linhas de seu livro A heresia da ortodoxia: como o fascínio da cultura contemporânea pela diversidade está transformando nossa visão de cristianismo primitivo (2014): Nesse contexto, toda verdade, incluindo a moralidade, torna-se subjetiva, uma questão de ponto de vista, preferência e gosto pessoais. Em um mundo como esse, à semelhança do tempo dos juízes, cada um faz o que é correto a seus próprios olhos; mas, ao contrário do tempo dos juízes, isso deixou de ter conotação acusatória e se tornou um conceito aplaudido como expressão suprema da humanidade verdadeiramente iluminada. Tudo é fluido, a doutrina está morta e a diversidade impera.45

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KÖSTENBERGER, Andreas J. A heresia da ortodoxia: como o fascínio da cultura contemporânea pela diversidade está transformando nossa visão do

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Educação Cristã O educador cristão, e a educadora cristão, se deparando com esta realidade, precisará depender de Deus e qualificarse para responder ao desafio do relativismo que se manifesta de forma rígida. Nosso tempo, curiosamente, apregoa criticidade, capacidade de avaliar o mundo criticamente, mas firmar uma opinião é visto como algo suspeito. Convivemos assim com uma “hermenêutica líquida”, que se desfaz, condicionada a um tempo onde nada é verdadeiro – há muitas verdades que coexistem (mesmo que sejam contraditórias!). O fazer educativo cristão proposto neste livro, evidentemente, diante das características já delineadas, vai na contramão disto. O entendimento aqui é que este apelo relativista é extremamente adoecedor para os homens, visto que legitima convicções e posturas que são, por vezes, prejudiciais às pessoas. Nesse pensamento relativista, não crer em Deus como Criador e doador da vida é visto como algo legítimo, perfeitamente admissível. Mas cumpre perguntar quais as implicações de se acreditar em algo assim para a vida do indivíduo. Como isso interferirá em sua conduta pessoal e em sua forma de se relacionar com o meio? Não por acaso, esse relativismo conceitual cai também no relativismo ético. A Educação Cristã busca ajudar o sujeito a ser crítico de fato em relação a essa postura essencialmente pós-moderna. E essa criticidade parte de sua cosmovisão, que não o deixa ser puramente passivo a esta realidade na qual ele está inserido.

cristianismo primitivo. Trad.: Susana Klassen. São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 18.

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Educação Cristã CONCLUSÃO A pregação tem um papel primordial na história e na realidade atual da Igreja do Senhor, pois é através dela que os pecadores terão contato com o Evangelho e a ele serão atraídos. Mas é o ensino que irá acolher e discipular o novo convertido, e sedimentar no cristão maduro o conhecimento doutrinário escriturístico. Perceba que o ensino, assim também como a pregação, alcança os dois grupos existentes na Igreja: recém convertidos e cristãos maduros. Uma congregação local que não se preocupa com o ensino metódico, sistematizado e organizado corre o sério risco de cair no fanatismo religioso, nos desequilíbrios que se avolumam na Igreja evangélica brasileira atualmente.

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Exercícios do capítulo 3 Responda as questões a seguir 1. Mencione os conceitos relativos a ensino que são mencionados em Deuteronômio seis e destacados nesta lição: _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ 2. De que forma pode a Educação Cristã contribuir para o sujeito no que tange à Pós-modernidade? _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ 3. Como a verdade vem sendo tratada na Pós-modernidade? _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ 4. No período do Novo Testamento estavam espalhadas por praticamente todo o Império Romano, e funcionaram como as primeiras escolas formais dos judeus. Estamos falando das? _____________________________________________________ 65


Educação Cristã 5. Qual foi a primeira universidade propriamente dita a ser fundada e em qual ano? _____________________________________________________ _____________________________________________________

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4 A Escola Bíblica Dominical INTRODUÇÃO

S

em dúvida que muitos são os desafios, hoje, para a Escola Dominical. Podem ser alistados desafios internos e externos. Como já discorrido aqui, a própria época que atravessamos apresenta grandes e variados desafios, mas há também desafios internos que por vezes entravam o crescimento e desenvolvimento deste importante esforço educativo da Igreja. A despeito dos limites que se colocam diante da Escola Dominical, ela continua sendo a maior instância de ensino de que a Igreja dispõe, alcançando todas as faixas etárias e contribuindo, inclusive, para a integração de uma igreja local. Em que pese o fato de que nenhum outro espaço da igreja contribui mais na difusão do ensino do que a Escola Dominical. 1. O QUE É A ESCOLA BÍBLICA DOMINICAL A Escola Dominical não é apenas um departamento a mais de uma igreja local. Ela deve ser entendida como a própria Igreja do Senhor ensinando a Palavra de Deus.46 Ela é o resultado do trabalho voluntário de servos e servas de Deus

46

GILBERTO, Antonio. Manual da Escola Dominical: um curso de treinamento para professores iniciantes e de atualização de professores veteranos da Escola Dominical. 18ª ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2014, p. 125.

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Educação Cristã que se dedicam ao ensino bíblico ministrado às diversas faixas etárias presentes numa congregação. A Escola Dominical se ocupa sobretudo, e primariamente, do ensino das Escrituras. Em seu currículo escolar pode até incluir temas diversos, relacionados à Ética, Cidadania, Filosofia, dentre outros, mas sempre à guisa de diálogo, não como sua base principal. O ponto de partida será sempre a Bíblia. O livro texto da Escola Dominical é a Bíblia e não a revista ou qualquer outro tipo de literatura. Este é um ponto importante a ser destacado aqui. Há quem questione a nomenclatura empregada no que tange à esta atividade educacional da Igreja, a Escola Bíblica Dominical: Chama atenção essa dissonância entre história e prática, porque a nomenclatura utilizada pela igreja evangélica hoje é Escola Bíblica Dominical (EBD). Possivelmente, essa terminologia quer remeter ao trabalho de Raikes de 1780. Porém, foi possível notar que o trabalho feito por Raikes rompe a fronteira que é exclusiva aos cristãos nas escolas dominicais da atualidade, principalmente no que diz respeito aos conteúdos, que são exclusivamente bíblicos. Mesmo no Brasil, a postura dos Kalley, fundadores da escola dominical no Brasil, não se limitou aos conteúdos bíblicos, mas extraía da sociedade a fonte de dados capaz de ajudar a esclarecer questões sociais e suas possíveis aplicações à vida cristã. Ambos os trabalhos eram tanto sociais, quanto humanitários, quanto cristãos e quanto políticos.47

Conquanto concordemos que haja certa coerência na crítica de Belo (se podemos de fato considerar uma crítica), tal 47

BELO, Eliezer. Fundamentos históricos e metodológicos da Educação Cristã. Espírito Santo: Edições da Faculdade de Teologia e Filosofia Crescer, 2016, p. 43.

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Educação Cristã abordagem se mostra reducionista em grande parte neste ponto em particular. Por ser "bíblica", a Escola Dominical não se reduz a uma atividade não dialogal. Com efeito, basta verificar o currículo de determinados periódicos voltados à Escola Dominical para perceber que os autores, em muitos casos, estão sim conectados com temas sociais. O referido autor parece ignorar também o fato de que o ensino da Bíblia, de per si, já contribui positiva e efetivamente para a formação de cidadãos melhores. Naturalmente, não se está propondo neste trabalho uma produção teológica e um fazer educativo cristão que não seja dialogal, mas daí pressupor que por trazer a palavra "bíblica" em sua nomenclatura a Escola Dominical de hoje não guarde vínculo com o trabalho de Raikes é, no mínimo, precipitado. Em que pese o fato de que a Escola Bíblica Dominical é grande oportunizadora da Leitura Popular da Bíblia, uma prática que traz benefícios inclusive sociais, como o próprio despertamento do interesse pela leitura à partir da Leitura Popular da Bíblia. 2. A FINALIDADE DA ESCOLA BÍBLICA DOMINICAL A Escola Dominical não é uma atividade inócua e infrutífera. Ela tem objetivos bem definidos que devem ser seriamente consideradas pelo educador cristão, e também por toda a equipe que faz a Escola Dominical acontecer, para que estejam assim alinhados com esses objetivos, a fim de persegui-los e alcançá-los. Mas, quais são esses objetivos? O teólogo pentecostal Antonio Gilberto alista quatro objetivos da Escola Bíblica Dominical: 1. Ganhar almas para Jesus; 69


Educação Cristã 2. Desenvolver a espiritualidade e o caráter cristão dos alunos; 3. Treinar o cristão para o serviço do Mestre; 4. Renovação espiritual do crente.48 Os elementos citados nestes quatro objetivos, como espiritualidade, por exemplo, são de fato muito explorados no esforço educativo realizado no contexto da Escola Dominical, e não apenas de forma conceitual, mas prática também. E na identificação desses objetivos, não há dúvida de que o referido autor acertou em cheio. Naturalmente, eles são percebidos também por outros autores que laboram sobre o tema da Educação Cristã, que trazem suas contribuições. No presente trabalho ousa-se acrescentar ainda outros objetivos, que podem ser desdobramentos dos que já foram apresentados, ou mesmo acréscimos. Seja como for, acreditamos que é relevante considerá-los de forma pontual. Esses objetivos a seguir podem ser encarados também como sugestões. Noutras palavras, podemos concluir que esses objetivos não estejam sendo contemplados em muitos programas de Escola Dominical, em muitas igrejas. Ainda assim, esses objetivos podem ser colocados em tela e ser assim "perseguidos". Vejamos a seguir. 2.1. Desenvolver a alteridade cristã A palavra "alteridade" indica qualidade ou estado do que é de outrem, ou ainda, do que é diferente. Como tema, a alteridade vem sendo discutida pela Psicologia e é um tema 48

GILBERTO, 2014, pp. 141-46.

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Educação Cristã de interesse também da Filosofia. Nicola Abbgnano, em seu Dicionário de Filosofia (2007) define alteridade da seguinte forma: Ser outro, colocar-se ou constituir-se como outro. A alteridade é um conceito mais restrito do que diversidade e mais extenso do que diferença. A diversidade pode ser também puramente numérica, não assim a alteridade.49

No presente trabalho, defendemos uma "alteridade cristã", visto que a maneira como encaramos o outro ocorre pelas lentes da cosmovisão cristã. Acreditamos e defendemos que esta é a melhor forma de encarar o outro. Há várias formas de se enxergar o próximo. Uma delas é a forma utilitária, em que o outro é visto como meio de benefício pessoal. Existe também a tendência de se encarar o próximo como ponte para a própria felicidade. Muitos vão ao casamento assim, sem pensar em termos de alteridade no melhor sentido do termo. Alteridade cristã implica, por vezes, prejuízo próprio. E por vezes encontramos textos bíblicos que tem implicações para a relação com o outro: Como suportaria eu sozinho os vossos fardos, e as vossas cargas, e as vossas contendas? Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo Portanto, aos tais devemos receber, para que sejamos cooperadores da verdade.50

Acima de todos os exemplos bíblicos que possamos dar, está o exemplo maior: Jesus Cristo. Ele diz: "Vinde a mim, todos 49

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad.: Alfredo Bossi. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 34. 50 Dt 1.12; Gl 6.2; 3 Jo v. 8 (todas as referências na ACF).

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Educação Cristã os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei" (Mt 11.28 - ACF). Ele despiu-se de sua majestosa glória celeste para "vestir nossa roupa" e sofrer por nós. Aí reside o maior ato de alteridade já demonstrado pela humanidade. O educador cristão precisa ter em tela o cuidado com o seu trabalho no sentido de levar seus aprendentes a serem cristãos comprometidos com os outros, com a coletividade, com o social, com o outro. Infelizmente, mesmo no seio da Igreja do Senhor, convivemos com pessoas que não conseguem olhar para além dos limites do próprio umbigo. 2.2. Desenvolver uma cosmovisão cristã Conforme já mencionado anteriormente, todas as civilizações tem uma cosmovisão. Uma cosmovisão é um modo de ver o mundo. Isto envolve valores, cultura, hábitos, crenças, religião, interação social. O ser humano aprende através do convívio e na medida em que vai se desenvolvendo biológica e psicologicamente, vai assimilando o que lhe é transmitido durante a vida. Mas esse processo, embora inerente, não faz do sujeito um ser totalmente passivo. Ele pode assumir uma postura crítica, no sentido de que expressa opiniões, repensa valores, adquire hábitos antes não cultivados, assume papéis antes desprezados e interage com o mundo de forma mais dinâmica. Este tipo de mudança existencial ocorre em função, em grande medida, da mudança de cosmovisão. A maneira como olhamos o mundo é decisiva sobre a forma como reagiremos à ele e como vamos interagir com ele. Na Palavra de Deus encontramos base mais que suficiente para construir uma cosmovisão cristã. E cremos que essa orientação provocará mudanças sociais, inclusive. As 72


Educação Cristã convicções genuinamente cristãs incidem diretamente sobre a realidade concreta das pessoas. Noutras palavras, a cosmovisão cristã pode ser aplicada de forma real à vida humana. Aliás, é o que se espera em termos de discipulado e ética cristãos. Uma cosmovisão representa um conjunto de valores e crenças que carregamos ao longo da vida. Pode ser abraçada por toda a vida, pode ser reformulada ou mesmo abandonada. Pode ser entendida também como um conjunto de pressuposições, pressuposições essas que podem ser verdadeiras ou não, ou ainda, parcialmente verdadeiras. Essas pressuposições, claro, dizem respeito à realidade que nos cerca. Diante do exposto acima, vemos quão importante é a cosmovisão para as pessoas, visto que elas haverão de orientar-se por ela, em suas ações, escolhas, enfim, conduta ética no mundo. Uma educação centrada na Palavra de Deus contribui diretamente para a construção de uma cosmovisão cristã, que por sua vez redundará na vida cotidiana. A Escola Bíblica Dominical neste sentido, preocupada com a formação de uma cosmovisão cristã em seus aprendentes, contribui assim para "entregar" ao mundo homens e mulheres melhores, realmente comprometidos com os valores do Reino, que enfrentarão o desafio de conviver com pessoas não cristãs, numa era marcada por pluralismo, relativismo e ceticismo. Cláudio Antonio Cardoso Leite e Fernando Antônio Cardoso Leite comentam: Nós, evangélicos, tipicamente somos pessoas que acreditamos na singularidade de Cristo, na autoridade das Escrituras e na necessidade de conversão. Além disso, acreditamos que a ação da igreja cristã no mundo é o

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Educação Cristã principal veículo da manifestação do reino de Deus, e que essa ação tem seu eixo orientador no anúncio da verdade do evangelho. Nós, evangélicos, caracteristicamente nos vemos como instrumentos privilegiados na manifestação da obra de Deus entre os homens - e mal somos capazes de imaginar que tal papel possa ser perdido. No ambiente pluralista e secularizado em que vivemos hoje, essa é uma condição desconfortável, para dizer o mínimo! 51

Com efeito, a Igreja tem diante de si o grande desafio de formar cidadãos que são cidadãos do país onde vivem mas também do Céu. Pessoas que não se isolam da sociedade, mas não se amoldam a ela. Contribuem com a sociedade de maneira muito positiva, em diversos aspectos, mas não se contaminam com seus pecados. Daí a importância de uma cosmovisão cristã, pois tal realidade só é possível se o indivíduo for de fato orientado por uma cosmovisão cristã. 3. OS SETORES DA ESCOLA BÍBLICA DOMINICAL É fundamental que a Escola Bíblica Dominical (assim como qualquer outro projeto educacional cristão) esteja bem setorizado e que as pessoas, em seus respectivos setores, saibam bem o que e como devem fazer. Pensar uma setorização da Escola Dominical não implica, necessariamente, pensar que tal prática só seja possível a grandes igrejas providas de muitos recursos financeiros. A ideia subjacente aqui é a de organização, e organização é tudo! Um projeto só funciona realmente bem se houver 51

CARDOSO LEITE, Cláudio Antônio. CARDOSO LEITE, Fernando Antônio. Evangélicos ou evangélicos? A igreja brasileira entre os exemplos do passado e o dilema do presente in: CARVALHO, Guilherme Vilela Ribeiro de. Cosmovisão cristã e transformação. (org.). Viçosa, MG: Ultimato, 2006, pp. 19,20.

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Educação Cristã organização. Setorizar é, pois, organizar. É distribuir tarefas. É descentralizar a liderança e compartilhar com outros o mesmo ideal, trabalho e missão. Consideremos a seguir esses principais setores e como eles devem operar de maneira adequada e eficaz. 3.1. Biblioteca Precisa ser, sobretudo, organizada e estar sempre limpa. Uma biblioteca preparada para receber os alunos da Escola Dominical auxilia muito no desenvolvimento deles e ainda, possibilita aos professores outro espaço para realização de suas aulas, além da própria sala de aula. A biblioteca precisa também ser sinalizada. As estantes devem possuir textos indicativos das seções que possibilitem aos usuários a fácil localização de obras. As seções poderão ser nomeadas, como por exemplo: Teologia Sistemática, Teologia Bíblica, Educação Cristã, Devocionais, História da Igreja, etc. Os livros devem devidamente catalogados e há recursos que possibilitam isto, desde uma simples planilha de Excel até o CDD (Classificação Decimal de Dewey), um tipo de classificação de livros muito utilizado em faculdades e universidades que demanda os serviços de um bibliotecário ou bibliotecária. É importante também criar uma política de empréstimos. Noutras palavras, se a liderança decidir que os livros poderão ser emprestados, é preciso que haja rigoroso controle dos empréstimos e devoluções. Cumpre, assim, responder a algumas questões importantes: Quantos exemplares serão emprestados por vez e por quanto tempo? Quais livros não poderão sair da Biblioteca? Quais penalidades serão tomadas quanto a livros que forem 75


Educação Cristã devolvidos danificados ou mesmo que não vierem a ser devolvidos? É importante que a biblioteca já comece a funcionar com estas diretrizes já definidas. 3.2. Secretariado Cada classe deve ter um secretário ou secretária. Ele deve ser pontual e cuidadoso com os documentos da secretaria da turma. Deve buscar sempre interagir com o secretário ou secretária geral da Escola Dominical, com vistas a cruzar dados, alinhar informações e contribuir com a organização geral da Escola Dominical. Essa gestão de dados precisa acontecer de modo cuidadoso. É fundamental ainda que haja um bom relacionamento com o professor ou professora da turma. Se não houver diálogo e interação saudável, naturalmente o trabalho poderá ficar prejudicado. 3.3. Superintendência A superintendência da Escola Dominical preocupa-se com o seu funcionamento pedagógico e com a gestão de professores e demais agentes envolvidos. Algumas vezes, o superintendente é o próprio pastor, o que é legítimo conforme a necessidade local. Neste livro, contudo, sugerimos que, sendo possível, o superintendente seja outra pessoa, não o pastor. Isto possibilitará uma dedicação maior, visto que o pastor geralmente já muito ocupado com outras atividades, além de oportunizar espaço de trabalho e crescimento para outra pessoa e descentralizar a liderança da figura do pastor, tornando-a mais participativa nas diversas atividades da congregação.

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Educação Cristã 3.4. Tesouraria Um setor fundamental e que pode ser, inclusive, dinamizado. Uma grande tragédia para uma Escola Dominical (e por que não dizer, para a própria igreja) é pensar a tesouraria como um local passivo, inerte. Esse setor da Escola Dominical pode ser interativo com outros setores e pode, inclusive, promover campanhas com vistas a melhorar a arrecadação. Nessa hora, vale a criatividade e a interação com outros agentes de outros setores da Escola Dominical. CONCLUSÃO Um ponto muito importante que não poderia passar em branco num trabalho como este é o seguinte: Os agentes da Escola Bíblica Dominical devem ser conscientizados de que estão envolvidos num projeto que, embora coletivo, setorizado, tem objetivos comuns. Há professores, por exemplo, que aplicam modelos eficazes e que trazem resultados positivos em suas classes. Todavia, por vezes, alguns educadores agem egoisticamente e "sonegam" informações à superintendência da Escola Dominical no sentido de compartilhar ideias, planilhas, modelos e estratégias que podem ser estendidas às outras classes também, possibilitando que um bem menor multiplique-se e se torne um bem maior, que alcance mais salas.

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Exercícios do capítulo 4 Marque com C para Certo e E para Errado 1. (

)

A Escola Dominical não é apenas um departamento a mais de uma igreja local. Ela deve ser entendida como a própria Igreja do Senhor ensinando a Palavra do Senhor.

2. (

)

Por ser uma atividade ensino bíblico, a Escola Dominical não é uma atividade dialogal.

3. (

)

Uma das finalidades da Escola Dominical é ganhar vidas para Cristo.

4. (

)

A palavra "alteridade" indica qualidade ou estado do que é meu, pessoal.

5. (

)

Uma cosmovisão representa um conjunto de valores e crenças que carregamos ao longo da vida.

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5 O educador cristão INTRODUÇÃO

O

êxito ou o fracasso de um projeto educacional cristão passa diretamente pela qualidade dos professores que integram esse projeto. Bons professores atuando no espaço educativo da Igreja constitui um fato que por si só alavanca e consolida o que se está desenvolvendo em termos de Educação Cristã. O autor do presente trabalho vem percebendo, ao longo do tempo, que o perfil dos aprendentes de hoje difere substancialmente do perfil dos aprendentes de uma década atrás. A popularização da internet no Brasil favoreceu, de certo modo, o acesso ao saber. O aluno chega em sala de aula por vezes já tendo pesquisado sobre a disciplina que ainda irá estudar. Estes fatos têm contribuído para gerar alunos que embora não tenham criticidade (pois isto é decorrente do conhecimento da disciplina), são exigentes. O educador cristão precisa reconhecer que estamos diante de novos tempos, novos tempos que colocam para nós novos desafios. Abrir-se à mudança e à necessidade de contextualizar-se a fim de não se ver deslocado ante os novos paradigmas da educação será decisivo para situá-lo nesta nova fronteira educacional. Destacaremos a seguir algumas qualidades que devem ser verificadas no bom educador cristão.

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Educação Cristã 1. O PERFIL DO EDUCADOR CRISTÃO Mas afinal, o que significa ser um professor e uma professora, na Educação Cristã? Infelizmente, há muitos que atuam como "educadores cristãos", mas não levam realmente a sério o papel que eles mesmos estão desempenhando. Outros, introjetados nesta atividade de forma abrupta, mais para atender à uma necessidade da igreja local, acabam por desconhecimento mesmo exercendo seu papel sem qualquer qualificação. Diante destes desafios que nos cercam, torna-se primordial pensar e repensar o papel e a missão do educador cristão, bem como a sua relevância para a Igreja do Senhor e para a sociedade. Nos propomos justamente a trazer contribuições neste sentido, nos tópicos que se seguem. 1.1. Um(a) trabalhador(a) incansável Os educadores cristãos devem ser, antes de mais nada, trabalhadores e trabalhadoras incansáveis. Lecionar implica trabalho, trabalho que se tem no antes, no durante e no depois da aula. O trabalho não se restringe apenas ao momento da aula. O verdadeiro professor e a verdadeira professora devem ser intimamente comprometidos com o esforço empregado na pesquisa contínua, na investigação, no diálogo com outros saberes. Não é possível ser preguiçoso e professor eficaz ao mesmo tempo; são dois perfis auto-excludentes. Infelizmente, há uma ideia até muito generalizada de que estudar não é sinônimo de trabalho. E tal pensamento faz com que o educador e a educadora cristãos sejam vistos como pessoas ociosas, ou como pessoas que não trabalham tanto quanto os demais, quando na verdade pode ocorrer 82


Educação Cristã justamente o contrário. É sabido que no âmbito da Escola Dominical, a maioria esmagadora das pessoas que se dedicam à docência é voluntária, o que significa dizer que além de terem seu tempo empreendido em seu emprego, também dedicam tempo extra à preparação exigida para a condução de uma aula. Se não houver uma forte vocação movendo esses homens e mulheres em favor da Educação Cristã, logo cedo a desistência chegará. Portanto, oremos por esses valentes e abnegados servos e servas de Deus que, anonimamente movem o Reino de Deus, lançando sementes cujos resultados são perenes. 1.2. Um vocacionado, uma vocacionada Uma vocação dada por Deus é algo que, de maneira sobrenatural, move o cristão em direção àquilo para o que Deus lhe chamou. A vocação faz o vocacionado continuar, mesmo diante de terríveis intempéries que se colocam diante dele no exercício do seu ministério. E ele prossegue, pois a vocação arde em seu peito, e mesmo que tenha que suporte fardos enormes para desenvolver seu trabalho, ainda sim ele o faz, e o faz com prazer. O desprazer não reside em seu ofício, reside nos dissabores pelo que passa. O que leva um missionário a prosseguir quando ele precisa lidar com questões que representam enormes desafios como a barreira lingüística, o distanciamento cultural, a religiosidade do povo evangelizado, dentre outros? 1.3. Pesquisador Lamentamos o fato de que não são poucos os professores de Escola Dominical que sequer sabem identificar a bibliografia básica para aquele determinado tema que está sendo 83


Educação Cristã estudado. O educador cristão precisa reconhecer a importância da pesquisa em seu ministério como um fator que deverá segui-lo por toda a vida. É um trabalho ininterrupto. E vale lembrar que o conhecimento, hoje, é muito dinâmico e se atualiza com uma frequência que impressiona, de fato. Por mais que o professor possua boa formação acadêmica, ele deve considerar o fato de que o saber adquirido na academia vai sendo revisado, melhorado e em alguns momentos, até mesmo questionado e revisto. Daí a importância de que a pesquisa prossiga. A seguir alistamos algumas dicas importantes para auxiliar o professor a desenvolver sua pesquisa: 

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Use ferramentas como o Google Acadêmico para localizar artigos científicos e livros sobre o tema que se está pesquisando; Recorra ao Google Livros, onde se encontram disponíveis livros para pesquisa; Visite repositórios de teses de doutorado e dissertações de mestrado. Faculdades e universidades em geral disponibilizam estes tipos de texto para consulta pública, dando até mesmo possibilidade de realizar download dos arquivos; Busque por vídeo-aulas e outros conteúdos em vídeo disponíveis gratuitamente em sites e no Youtube sobre o assunto que será ministrado. As editoras evangélicas já disponibilizam vídeos dos próprios comentaristas de lições explicando os temas abordados. Diversas instituições de ensino, como faculdades, por exemplo, vem nessa mesma tendência de deixarem abertos ao público aulas e demais conteúdos em vídeos. São auxílios que deve 84


Educação Cristã ser explorados por educadores cristãos com vistas a enriquecer suas aulas e manterem-se atualizados. Para finalizar este tópico onde discorremos sobre o perfil do educador cristão, trazemos uma breve história contada por Howard Hendricks em seu livro Ensinando para transformar vidas (2015) mais algumas colocações que ele faz em seguida e que são pertinentes aqui; revelam uma triste realidade também em nosso país: Alguns anos atrás, vi um interessante cartum de dois quadrinhos. Em ambos, os personagens eram os mesmos: um senhor de nome Brown conversando com uma jovem na sala dele. No primeiro, o Sr. Brown é diretor de uma escola pública e diz o seguinte à moça: "Sinto muito, senhorita, mas examinei bem o currículo anexo à sua solicitação para lecionar em nossa escola, e concluí que não podemos aceitá-la. Precisamos de professores com pelo menos cinco anos de experiência, e se possível com mestrado em educação". No segundo quadrinho, o Sr. Brown é superintendente da escola dominical, e diz o seguinte à mesma jovem: "Você será uma ótima professora, senhorita. Sei que é crente há pouco tempo, e acha que não conhece a Bíblia muito bem, mas o melhor meio de se conhecer a Palavra é ensinála. Diz que não tem experiência com crianças dessa idade, mas tenho certeza de que vai aprender a entendê-las, a lidar com elas, e a gostar delas. O único requisito básico é que esteja desejando lecionar". Que triste crítica sobre a forma como encaramos o ensino da Palavra de Deus! Exige-se um mínimo de cinco anos de preparo para uma pessoa ensinar as crianças que dois mais dois são quatro. Mas quando se trata de ensinar as insondáveis riquezas de Jesus Cristo, qualquer um serve... e

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Educação Cristã é por isso que muitas vezes esse ensino desce ao nível da mediocridade.52

Pensar os tópicos que aqui foram alistados significa levar a sério a necessidade de preparo constante. O título de uma das palestras ministradas sobre Educação Cristã pelo autor deste livro em igrejas é: "Professor preparado, professor atraente". De fato, quem suporta participar de aulas onde o professor não inova em seus métodos pedagógicos, é maçante, cansativo e parece estar num monólogo em sala de aula? O professor bem preparado, em conteúdo e didaticamente, é sem dúvida muito mais atraente para os alunos. Por "atraente" aqui, referimo-nos, é claro, não à sua estética (embora o cuidado quanto à isto seja importante), mas à sua atuação como educador. 2. A NECESSIDADE DE SER AFETUOSO A Educação Cristã preocupa-se muito com a formação do sujeito em sua totalidade. Não se interessa apenas com a simples transmissão de conteúdos, mas visa o discipulado cristão. Este é um ponto muito importante. Mesmo na Educação Geral, há uma preocupação em que se formem cidadãos preparados para atuarem não apenas como bons profissionais, mas também como pessoas cidadãs que serão de fato responsáveis com a realidade que os envolve no cotidiano. Naturalmente, a Educação Cristã tem uma inelutável preocupação com o aspecto espiritual na formação do indivíduo. Preocupa-se em que ele seja formado conforme o caráter de Cristo. Como dito 52

HENDRICKS, Howard. Ensinando para transformar vidas. 2ª ed. Trad.: Myrian Talitha Lins. Belo Horizonte, MG: Editora Betânia, 2015, p. 15.

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Educação Cristã anteriormente, ela visa formar no sujeito um caráter que o torne semelhante a Cristo. Nosso entendimento no presente trabalho é que o afeto cumpre um papel muito importante no trabalho do educador cristão. O trabalho do professor e da professora no ensino cristão constitui, em muitos aspectos, um trabalho pastoral. O professor deve interessar-se por seus alunos, preocupar-se com eles, sentir sua falta. É inadmissível que um professor de Escola Dominical, por exemplo, que atua há tempo com uma classe, não saber os nomes de seus alunos. O educador cristão precisa ser capaz de identificar quando seus alunos estão bem ou não e desse modo auxiliálos. Com efeito, já escrevemos em outro trabalho que o próprio contexto de vida do professor e também do aluno é fonte que possibilita enriquecer o ensino cristão. Hendricks (2015) comenta que o "o professor eficiente é aquele que baseia seu ensino em uma rica experiência de vida".53 A empatia no ensino, além de ser um fator psicológico que propicia melhor interação entre mestre e alunos e, por conseguinte, melhor aprendizado, também favorece o estabelecimento de uma relação de confiança entre o professor e seus alunos.O aluno, numa situação de dificuldade pessoal de ordem familiar, espiritual, etc., haverá de se sentir mais à vontade no sentido de aproximarse do seu professor para buscar algum conselho ou orientação.

53

HENDRICKS, 2015, p. 12.

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Educação Cristã 3. O EDUCADOR CRISTÃO E O SEU CARÁTER A preocupação com a ética é uma constante em diversas áreas de atuação, não apenas no contexto cristão. Pode-se falar de ética política, ética profissional, ética religiosa, dentre outras. Naturalmente, para o povo de Deus, esta é uma preocupação constante. É um assunto muito caro para a Igreja. E de fato o evangelho requer uma resposta ética, uma ação concreta no mundo. O educador cristão precisa esforçar-se para superar o distanciamento entre o que se ensina e o que se pratica, distanciamento tão comum na realidade dos evangélicos, no Brasil, hoje. Há uma necessidade muito grande no sentido de que a sociedade olhe para nós, cristãos, e veja em nós uma conduta coerente com a mensagem que pregamos. Naturalmente, sabemos e reconhecemos que essa cobrança por parte da sociedade não cristã é, às vezes, injusta. Somos crentes, não perfeitos! Somos salvos, não glorificados, não ainda. Todavia, o discipulado cristão nos chama a sermos melhores hoje, mais do que fomos ontem, mas não tão melhores quanto seremos amanhã. No contexto da Educação Cristã, sem dúvida, as ações do educador falarão mais alto que suas palavras. Seu testemunho, sua vida, são formas eficazes de ensinar também. Quando pensamos em caráter, muito podemos encontrar do assunto na Bíblia. O caráter pode ser entendido como um conjunto de características da pessoa, que podem ser boas ou más. O caráter opera como uma espécie de marca no indivíduo. Seu caráter indica justamente quem ele é. E quem o educador cristão é refletirá muito em seus aprendentes.

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Educação Cristã CONCLUSÃO A Educação Cristã busca transformar para a vida. Hendricks comenta que "O processo de ensinar nada mais é que a transformação total de uma personalidade, operada pela graça de Deus, e que depois, pela mesma graça, alcança outros para transformá-los também".54 Tal fato nos leva a pensar na seriedade deste trabalho e em como devemos, acima de tudo, buscar o auxílio do Alto. Comentamos acima sobre caráter. Educar sob a cosmovisão cristã significa, em grande medida, "moldar" o caráter dos aprendentes na mesma medida em que se respeita sua autonomia e individualidade. Cristianismo cresce por adesão voluntária, e a mudança interior que explode externamente é operada única e satisfatoriamente pelo Espírito Santo. O trabalho do educador cristão é semear a boa semente, continuamente.

54

HENDRICKS, 2015, p. 91.

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Exercícios do capítulo 5 Marque com C para Certo e E para Errado 1. (

)

O educador cristão é um trabalhador incansável, no sentido de que continuamente pesquisa e se prepara para suas aulas.

2. (

)

Uma vocação dada por Deus é algo que, de maneira sobrenatural, move o cristão em direção àquilo para o que Deus lhe chamou.

3. (

)

Uma das formas de aprofundar seu conhecimento sobre determinado assunto é pesquisar por vídeo-aulas e outros conteúdos em vídeo, disponíveis até mesmo gratuitamente na internet.

4. (

)

A totalidade do sujeito deve ser considerada no ensino cristão. Noutras palavras, pode-se pensar uma educação cristã que seja integral no sentido de que contempla o indivíduo em sua integralidade.

5. (

)

A preocupação com a ética é um fator preponderante no contexto da Educação Cristã.

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Apêndice 1 FAMÍLIA E PÓS-MODERNIDADE

P

ós-modernidade, Hiper-modernidade, Modernidade Líquida, entre outros, são os títulos dados pelos especialistas da sociologia e de outros ramos do saber humano ao tempo em que vivemos. A despeito de qual dessas nomenclaturas possamos escolher, ou qual delas venha ser mais usada e explorada pelos especialistas no assunto, uma coisa é certa: vivemos num tempo de profundas mudanças e instabilidades. Não sou sociólogo, filósofo e nem antropólogo, mas me atrevendo a refletir sobre nosso tempo, gostaria de nomeá-lo com uma expressão bíblica já bem conhecida de todos nós: “Tempos Terríveis!”55 O sociólogo polonês Zigmund Bauman utiliza em sua obra a figura da liquefação, da liquidez, para descrever nosso tempo. Para Bauman, nada é sólido, antes, tudo é líquido, isto é, tudo se desfaz, se desmancha, nada é duradouro, seguro, firme. Sem dúvida alguma, uma percepção genial e verdadeira do sociólogo Bauman. Nietszche, filósofo alemão do século 19, que escreveu sobre a “morte de Deus”, é considerado por estudiosos como o filósofo que descreve antecipadamente todo o século 20. Porém, em pleno século 21, reconhecemos que Nietsche tinha, de certa forma, alguma razão em sua descrição, pois parte dela continua valendo para o nosso século. A despeito do “boom religioso” que presenciamos atualmente no Brasil e no mundo todo, o homem vem se apegando aos elementos dessa era pós-moderna e “matando Deus”, por assim dizer. Que pese o fato de que o ateísmo – a negação consciente de Deus – se fosse catalogado como religião, em termos de número seria a quarta maior do mundo! Diante do exposto, nos perguntamos qual o futuro da família e qual o impacto disso tudo para ela? Ou melhor ainda (reformulando a pergunta): qual o impacto da Pós-modernidade sobre a família?

55

Cf. 2 Timóteo 3.1 na NVI.

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Educação Cristã Para respondermos a essa pergunta precisamos primeiro considerar o fato de que somos diretamente afetados em nosso cotidiano pelo pensamento pós-moderno. Nossa família é afetada assim também. Isso porque fazemos parte da sociedade, porque nós mesmos somos a sociedade. Em nossas igrejas, muitas vezes, ensinamos e fomos ensinados a não “misturarmo-nos com o mundo”, afinal, somos “igreja de Cristo”, um povo eleito, escolhido, “chamado para fora” do mundo. Penso que trabalhamos muito mal esse conceito de separação. Creio que ele é mais bem compreendido quando o consideramos como a não adesão a práticas e à cosmovisão do mundo que se chocam frontalmente com os valores bíblico-cristãos, e não necessariamente como o abandono ou a negação de relacionamentos, de direitos e deveres sociais, da cidadania, da participação social, etc. Esquecemo-nos da oração do Mestre Amado: “Pai, não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal” (Jo 17.15 – Almeida Corrigida e Revisada Fiel). Todavia, mesmo que façamos bem essa distinção quanto ao conceito de separação do mundo, o problema da influência da Pós-modernidade persiste de certa forma, a família continua e continuará sendo atingida pelos males da Pós-modernidade. E quais são esses males? A Pós-modernidade é marcada por muitos fenômenos, mas por exigüidade de tempo e espaço, quero salientar aqui apenas três desses fenômenos, que sem dúvida alguma causam um impacto tremendamente negativo sobre a família. Daí a importância de identificá-los, reconhecer sua nocividade e reagir a eles. O primeiro é o fenômeno da fragilização dos relacionamentos humanos. Já não construímos ou mesmo, não conseguimos construir relacionamentos duradouros. Abrimos mão das pessoas por pouca coisa – muito facilmente. Cito mais uma vez Bauman: ele conta que alguém lhe relatou ter feito 500 “amigos” no facebook ! Em face disto, ele comenta que aos 86 anos não havia conseguido realizar tal feito! Parece que tudo a nossa volta contribui para essa fragilização, inclusive as modernas tecnologias da comunicação (mas que comunicação estamos produzindo?). Como nunca antes o divórcio vem atingindo estatísticas astronômicas, pois afinal, o outro já não 94


Educação Cristã vale tanto a pena assim. Importar o outro para a agenda pessoal é realmente um grande desafio. Como bem observa o Reverendo Hernandes Dias, em uma de suas pregações, os pais hoje tentam compensar “ausência com presentes”. Estamos mais preocupados com a “pós-graduação” do que com a construção de relações profundas. Nossas salas de estar a muito deixaram de ser projetadas para que as pessoas se sentem uma em frente à outra. O resultado dessa fragilização para a família? Esfacelamento! O segundo fenômeno que menciono é o que o filósofo Mário Cortella chama de miojização56 da vida!57 Tudo em nosso tempo é extremamente rápido, e convenhamos: em nossa agenda apertada, isso nos atrai muito, nos parece útil, muito útil. Mas essa aceleração acaba reduzindo também a duração e qualidade de coisas importantes em nossas vidas. Oferecem-se cursos superiores em dois anos ou menos, mas isso reduz a qualidade do conhecimento adquirido. Nossas refeições tornaram-se fast food58 mas no pacote, não apenas a comida ficou mais rápida, isso também reduziu drasticamente o tempo que passamos juntos com nossos familiares nesses momentos de refeição (é claro, estou sendo muito otimista, afinal, fazer as refeições juntos também já deixou de fazer parte da nossa agenda). Tudo hoje é rápido, tudo dura pouco, inclusive nossos relacionamentos. O terceiro fenômeno da Pós-modernidade que menciono é o da ruptura com os marcos antigos. Um valor marcante da Pósmodernidade é não ter nenhum valor a se preservar. O relativismo tem sido levado a cabo até as últimas conseqüências. Mas mesmo pensadores não cristãos se perguntam até onde e quando podemos levar isso avante? Considerar valores cristãos no contexto pósmoderno tornou-se um desafio enorme, afinal defender conceitos como virgindade, fidelidade conjugal, amor ao próximo, entre outros, é expor-se ao ridículo (ridículo na mentalidade pós-moderna). 56

Uma referência ao macarrão instantâneo da marca Miojo, que é preparado em apenas três minutos. A ideia é a de rapidez, instantaneidade. 57 E aqui tomo emprestada a metáfora do ilustre filósofo. 58 Expressão inglesa que significa “comida rápida”.

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Educação Cristã Em face disso tudo (e ainda muito mais!), o que fazer? Talvez como nunca antes, como cristão estou tendo a oportunidade de vivenciar o “sereis odiados por minha causa” e o desafio de não conformar-se com o mundo, como diz Paulo em Romanos 12.1ss. Mas, para as famílias, esse é o caminho! Fazer a vontade de Deus significa em muitos momentos, romper com padrões comportamentais estabelecidos pela sociedade pós-moderna. Como disse no início, eu chamaria nossa era de “Tempos Terríveis”, pegando emprestada a expressão do apóstolo Paulo. É claro que há coisas boas, mas o perigo jaz à porta! É o momento de fortalecer os elos familiares, fortalecer as nossas relações. É hora de aproximar-se do outro não apenas pelo som reproduzido por uma aparelho celular ou pela tela de um PC, mas face a face, o velho olho a olho, mano a mano. Penso que a resposta para os males oferecidos pela Pós-modernidade está em retornarmos aos valores cristãos, resumidos na dupla ordenança: amar ao Senhor sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Já sei: na Pós-modernidade isso parece até uma utopia e se você optar por essa escolha, estará, certamente sozinho, ou no máximo, entre um número minguado de pessoas, afinal, nosso tempo é o tempo do consumismo, do interesse pessoal. Essa conversa de amar o próximo e de valores já não faz muito sentido. Todavia, como bem disse Madre Teresa de Calcutá, “O dever é uma coisa muito pessoal; decorre da necessidade de se entrar em ação, e não da necessidade de insistir com os outros para que façam qualquer coisa”. O que Bauman constata é apenas uma adaptação em termos sociológicos do que Paulo já antevira séculos antes: “nos últimos dias sobrevirão tempos terríveis. Os homens serão egoístas, avarentos, presunçosos, arrogantes, blasfemos, desobedientes aos pais, ingratos, ímpios, sem amor pela família, irreconciliáveis, caluniadores, sem domínio próprio, cruéis, inimigos do bem, traidores, precipitados, soberbos, mais amantes dos prazeres do que amigos de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando o seu poder...” (2 Tm 3.1-5). Interessante notar que em face de toda essa descrição assustadora que Paulo faz, um tanto desoladora, Paulo diz a seu filho na fé, Timóteo: “Mas você...” Louvamos a Deus porque sempre haverá um “mas você”oferecido graciosamente por Cristo Jesus. 96


Educação Cristã Como disse o Pastor David Wilkerson, construa as paredes ao redor de você e da sua família. Deus o abençoe ricamente em Cristo.

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Apêndice 2 SIMPLICIDADE PROTESTANTE

L

endo Laurent Gagnebin, pastor e teólogo protestante francês, em O Protestantismo, fiquei comovido com sua descrição a seguir sobre a simplicidade do Protestantismo: O templo e o culto protestantes não têm de se vestir de ornamentos ilusórios e supérfluos; com efeito, a sua nudez remete para a glória somente de Deus. A precariedade protestante encontra então no provisório uma parte da sua encarnação. Os templos não foram feitos para durar... Num culto demasiado brilhante, o protestante fareja qualquer coisa de adulterado e, sobretudo, uma vaidade sempre possível. “A Deus somente a glória”. No espírito protestante, a riqueza da Igreja – e das igrejas – é excessiva. Não manifestará ela uma infidelidade chocante face à cruz de Jesus?59

Ao ler tal descrição da simplicidade histórica do Protestantismo, foi inevitável em meu coração a seguinte indagação: será que aos poucos não estamos perdendo essa simplicidade, seja em nosso modo de viver, seja em nossas liturgias, seja em nossa confissão? Tive o privilégio de crescer em igreja evangélica e de ser educado nos princípios cristãos. Aos 17 anos tornei-me membro da Assembleia de Deus, essa grande denominação genuinamente brasileira e com cara de Brasil! Hoje, com 30 anos de idade e quase 13 como “assembleiano”, tendo lido bastante, convivido e dialogado muito com irmãos de outras denominações e como alguém que vêm ministrando palestras e pregando em várias igrejas, além da Assembleia de Deus, pude agregar à minha experiência um bom conhecimento da realidade evangélica em nosso país, embora reconhecendo a limitação do meu conhecimento do assunto. Todavia, a reflexão a seguir nas próximas linhas não é percepção unicamente minha. Não estou sozinho nas considerações a seguir. 59

GAGNEBIN, Laurent. O Protestantismo. Lisbôa, Portugal: Biblioteca Básica de Ciência e Cultura, Instituto Piaget, 1997, p. 89.

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Educação Cristã Meu desejo com este texto? Provocar nos nossos leitores a ponderação sobre tema tão importante, no sentido de que possamos repensar nossa conduta como servos de Deus, para glória Dele! Nossa vida deve ser para Ele, por Ele e NEle. Ao volver os meus olhos para o que vem ocorrendo em minha denominação e na igreja evangélica como um todo no Brasil, percebo a perca dessa simplicidade. Como? Gostaria de começar citando a pregação evangélica em nossa nação que, infelizmente, está em crise! A maioria dos pregadores evangélicos que estão na TV hoje (e também muitos em nossas igrejas!), já não pregam mais o evangelho de Cristo, o evangelho da cruz, aquele evangelho cantado no clássico hino incluído também na Harpa Cristã e ali numerado como 291: “Rude Cruz”. Já não vemos mais mensagens sobre essa “Rude Cruz”. Por quê? Por que ela é rude? Por que não “enche igreja?”A tônica da pregação evangélica hoje nem é evangélica! Como nunca antes se usa “você”, “eu”, “vitória”, “sucesso” e afins, caracterizando uma mensagem tipicamente antropocêntrica e de auto-ajuda, ou ainda, como diria o historiador da UNICAMP, Leandro Karnal, uma “teologia do empreendedorismo”. O triste é saber que um estudioso não evangélico teve essa percepção (verdadeira) a nosso respeito! Diante desse novo formato da pregação evangélica (evangélica!?), pergunto: onde está o “tome a sua cruz e siga-me?” Ou, como diria o já falecido “João Batista do Século 21”60, não se fala mais em angústia – nas suas palavras: “Ninguém mais quer ouvir isso!”61. Mas evangelho é também angústia, renúncia, sofrimento. É alegria sim, mas alegria no sofrimento muitas vezes! Um paradoxo? Sim, o evangelho é assim paradoxal. Gagnebin afirma que o templo e o culto protestantes devem remeter somente para a Glória de Deus, mas ao olhar nossa realidade constato com tristeza que nossos cultos (cultos!?) tornaram-se “eventos”, “shows”, que 60

Referência ao pastor assembleiano David Wilkerson. Esta fala é parte do seu memorável sermão intitulado “Um Chamado para a Angústia”, disponível no Youtube. O link é: https://www.youtube.com/watch?v=qRFDse-A_cc 61

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Educação Cristã visam mais a promoção da denominação, e não da “Igreja de Cristo”, visam mais a promoção de pessoas, do que da Pessoa de Cristo na vida dos outros. Recebo na minha página pessoal do facebook muitos cartazes de vigílias, congressos, seminários, etc., que transparecem, notadamente, mais a preocupação com a promoção de indivíduos do que de fato com a difusão do evangelho. Alguns até se ofendem se não aparecer no cartaz o seu rosto. Não que seja de todo contra a publicidade, ou que apareçamos em cartazes (eu mesmo apareço com certa regularidade); minha crítica é que tudo isso seja usado para a promoção do cantor(a) tal, ou do pregador(a) tal, ou do(a) palestrante tal, do que de fato para a proclamação da Palavra de Deus. O anonimato é visto como algo rejeitável: “Deus te chamou para brilhar”, é o que ouvimos algumas vezes. Mas esse brilhar não é brilhar de Mateus 5.14, e sim o “brilhar” do sucesso, da fama, do estrelato! Esquecemo-nos do “importa que Ele cresça e eu diminua” e que “longe esteja de mim gloriar-me a não ser na cruz de Cristo”. E se o sucesso não vir, e se a fama não chegar, continuaremos servindo? Estamos dispostos a fazer como Maria, que aprendia aos pés de Cristo, ou faremos como os discípulos que disputavam para saber quem era o mais importante dentre eles? Esquecemo-nos que a Igreja evangélica no Brasil cresceu em grande parte pelo trabalho incansável de anônimos: pastores, missionários, professores de Escola Dominical, líderes de grupos nas igrejas, professores de teologia, etc., que como Paulo, “gastaram e se deixaram gastar” pelo Reino. Pessoas cujos rostos nunca apareceram na TV, ou no Youtube, ou sequer em algum cartaz. Foi no anonimato que fizeram grandes coisas para Deus e pelo Reino. Dia desses, um amigo disse-me: “Roney, seu nome está ecoando!” Isso é preocupante! Muitos nomes estão ecoando na igreja evangélica, mas um só e por um só podem os homens ser salvos – esse nome é JESUS, você se lembra? Por muitos anos criticamos com veemência os católicos por sua idolatria e culto ostentoso, pomposo, mas e hoje, nós, evangélicos, não estamos incorrendo nos mesmos erros que eles? Creio que nosso pecado é ainda maior: nossos ídolos são pessoas reais, famosas, que estão no estrelato gospel. Nossos cultos (cultos!?) 101


Educação Cristã tornaram-se pomposos e um espaço para a exibição humana, vaidosa, inútil, fútil. Chego a pensar que a situação se reverteu: nós agora é que temos que aprender com os católicos. Sua liturgia não abre espaço para tanta exibição humana como vemos hoje em nossas igrejas evangélicas. As pessoas querem “trazer uma saudação”, cantar, pregar no culto não mais para glorificar o nome do Senhor, mas para aparecerem. Acontece muitas vezes (muitas vezes, pode acreditar!) que se um obreiro, cantor(a), pregador(a), etc., chega numa igreja e não recebe a oportunidade, ou no mínimo não é apresentado perante a igreja, ele sai chateado e criticando a liderança da igreja. Isso é um reflexo da perca dessa simplicidade do culto evangélico. Já não nos contentamos em simplesmente participar do culto e “com” e “como” toda a congregação alegremente adorar ao Senhor, rendendo-lhe graças e louvores. Exigimos um espaço de destaque! Gagnebin afirma, como lemos acima, que “Num culto demasiado brilhante, o protestante fareja qualquer coisa de adulterado e, sobretudo, uma vaidade sempre possível”. Todavia, penso, não estamos perdendo esse “farejar”? Oremos a Deus para que possamos ter nosso olfato espiritual restaurado. Concluo com a lancinante indagação de Gagnebin, citada acima: “No espírito protestante, a riqueza da Igreja – e das igrejas – é excessiva. Não manifestará ela uma infidelidade chocante face à cruz de Jesus?”.

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Educação Cristã

Apêndice 3 O MINISTÉRIO DA TRADUÇÃO BÍBLICA onfesso francamente ao leitor ou leitora que foi lendo alguns slides preparados pelo Pastor e Tradutor da Bíblia Luiz Sayão que passei a entender que o trabalho de tradução da Bíblia é um ministério da Igreja. Se entendermos “ministério” como um serviço prestado, sem dúvida alguma a tradução da Bíblia é um precioso serviço que a Igreja presta à si mesma e ao mundo. Aliás, podemos afirmar com segurança que a obra missionária, agora e nos séculos passados, sempre andou de mãos dadas com a tradução da Bíblia. Grandes missionários, como por exemplo, Guilherme Carey, considerado “o pai das missões mundiais modernas”, foram também tradutores do texto sagrado. No que concerne a essa tarefa, é verdade que muita coisa já foi feita, mas é verdade também que muito ainda há por fazer. Não é minha intenção nesse texto sobre tradução da Bíblia fazer um apanhado minucioso sobre as várias traduções existentes e sobre sua história, mas antes, abordar os pontos que considero essenciais para que compreendamos, ao menos basicamente, o que é qual é a importância desse ministério, até para evitarmos erros quanto a esse tema62.

C

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Especialmente na internet, hoje, encontra-se muita coisa sendo dita sobre tradução e versões da Bíblia. Muito desse material é infundado e não é coerente com obras de referência na área. Muitas vezes, essas “vozes” que fazem afirmações as mais diversas sobre o tema, ora criticando tradutores do passado, ora criticando as traduções do passado e as contemporâneas, ora dizendo que o texto bíblico está total ou grandemente adulterado. Todavia, o trabalho de tradução que vem sendo desenvolvido pelas sociedades bíblicas e outras organizações sérias deve ser respeitado e considerado, pois envolve anos de trabalho e participação de especialistas de diversas áreas.

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Educação Cristã 1. TRADUÇÃO OU VERSÃO? Essas palavras são geralmente usadas simultaneamente e de maneira intercambiável. Champlin chega a afirmar que tradução e versão são a mesma coisa63. Geisler e Nix, no entanto, chamam a nossa atenção para um detalhe muito importante sobre versões: Tecnicamente falando, versão é uma tradução da língua original (ou com consulta direta a ela) para outra língua, ainda que comumente se negligencie essa distinção. O segredo para a compreensão é que a versão envolve a língua original de determinado manuscrito.64

Há traduções da Bíblia que são feitas a partir de outras línguas que não os originais, como a famosa King James, por exemplo65. Uma tradução da Bíblia consiste em transpor a mensagem de uma língua para outra. A tradução translada a mensagem da língua fornecedora para a língua receptora, preocupando-se com a compreensão do sentido dessa mensagem, com a transmissão do significado do texto que está sendo traduzido. No caso das traduções bíblicas, é importante ressaltar que há tipos de traduções e há diversas traduções importantes que foram sendo produzidas ao longo dos séculos, como veremos adiante. 2. DOIS TIPOS DE TRADUÇÃO BÍBLICA Uma tradução pode ser de equivalência formal ou pode ser de equivalência dinâmica. A primeira, de equivalência formal, é também chamada tradução literal, pois procura seguir a forma da língua original que está traduzindo (daí o nome “formal”, de “forma”). Por exemplo, a ARC (Almeida Revista e Corrigida) é uma tradução de equivalência formal. Nela, lemos Gênesis 1.1 da seguinte maneira: “No princípio, criou Deus os céus e a terra”. O hebraico traz primeiro o verbo e depois o sujeito do verbo, ao passo que na língua 63

CHAMPLIN, vol. 1, 1991, p. 534. GEISLER. NIX, 1997, p. 184. 65 Op cit. 64

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Educação Cristã portuguesa, comumente ocorre o contrário. Mas a ARC mantém a forma da língua original que está traduzindo, daí “Deus” vir depois de “criou” na frase. Já uma tradução de equivalência dinâmica procura manter uma ordem mais natural das palavras do idioma para o qual ela está traduzindo o texto original. Desse modo, a NVI (Nova Versão Internacional), que é de equivalência dinâmica, traduz assim Gênesis 1.1: “No princípio Deus criou os céus e a terra”. Repare que o sujeito da frase vem primeiro, como na língua portuguesa. As traduções de equivalência formal nos oferecem a vantagem de aproximarem-se mais dos originais bíblicos, mas tem a desvantagem de tornarem-se obsoletas, no que tange ao vocabulário, pois elas acabam por preservar um português mais arcaico. Vejamos alguns exemplos interessantes: 

Em Joel 2.1 na ARC lemos: “Tocai a buzina em Sião...” Para o leitor contemporâneo, hoje, “buzina” é um recurso auditivo instalado em veículos, o que tornaria o texto meio sem sentido. Nesse caso, temos uma palavra que com o passar do tempo assume outro e/ou mais significados. Outras versões, como a NVI, optaram pela palavra “trombeta” em lugar de “buzina”. No Salmo 48.6 na ARC lemos: “Tremor ali os tomou, e dores, como de parturiente”. Parturiente? Sem dúvida, para muitos, esse é um termo totalmente estranho. Parturiente é uma mulher em processo de parto, de dar à luz! Daí o termo “parturiente”. Agora veja como ficou o mesmo texto na NVI: “Ali mesmo o pavor os dominou; contorceram-se como a mulher no parto”. Que diferença, não!?66

Quando meus alunos me fazem aquela velha e já bem conhecida pergunta: “Qual a melhor tradução?”, eu respondo dizendo que depende do que eles buscam numa tradução da Bíblia. Procuro também sempre enfatizar que é bom considerar o público a que se 66

Adiante, destacaremos algumas questões bem práticas no que concerne à tradução da Bíblia.

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Educação Cristã destina determinada tradução. Graças a Deus, hoje temos muitas versões em português, o que nos possibilita poder escolher. Por exemplo, se você tem um público de jovens, recém-convertidos, e eles receberem uma versão para leitura como a ARC, certamente isso dificultará a compreensão deles quanto à mensagem. Ao lerem textos como o de 1 João 2.16 que diz “Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos...”, certamente esbarrarão na compreensão da mensagem. Nos trabalhos de evangelização também é interessante usar versões de equivalência dinâmica, mas não apenas essas, como também as paráfrases. Paráfrases Uma paráfrase é uma espécie de tradução livre, onde se procura transmitir com o máximo de clareza possível as ideias e nem tanto as palavras. Geisler e Nix comentam que: Daí que a paráfrase é mais uma interpretação que uma tradução literal do texto. Na história da tradução da Bíblia, esse tipo de texto tem sido muito popular. Na antiguidade, ao redor do século VII, por exemplo, Cedmão fez paráfrases da Criação. Entre as mais recentes paráfrases temos a obra de J. B. Phillips, New Testament in modem English [Novo Testamento em inglês moderno] A Bíblia na linguagem de hoje (BLH), da Sociedade Bíblica do Brasil e a Bíblia Viva de Kenneth Taylor.67

Vejamos abaixo o texto de Isaías 53.7-14 na ARC e na Bíblia Viva: ARC (Almeida Revista Corrigida) “Ele foi oprimido, mas não abriu a boca; como um cordeiro, foi levado ao matadouro e, como a ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele não abriu a boca. Da opressão e do juízo foi tirado; e quem contará o tempo da sua vida? Porquanto foi cortado da terra dos viventes e pela transgressão do meu povo foi ele atingido. E puseram a sua sepultura com os ímpios e com o rico, na sua morte; 67

GEISLER. NIX, 1997, p. 184.

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Educação Cristã porquanto nunca fez injustiça, nem houve engano na sua boca. Todavia, ao Senhor agradou o moê-lo, fazendo-o enfermar; quando a sua alma se puser por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os dias, e o bom prazer do Senhor prosperará na sua mão”. Bíblia Viva “Ele foi maltratado e humilhado, mas não disse uma única palavra! Foi levado para a morte como um cordeiro vai para o matadouro; como a ovelha fica muda diante de quem corta a sua lã, Ele não disse nada aos seus juízes e acusadores! Foi condenado num julgamento injusto e mentiroso; entre o seu povo ninguém foi capaz de imaginar por que Ele foi morto - o castigo dos pecados deles! Morreu como um criminoso, mas foi enterrado junto com os ricos; pois nunca cometeu injustiça ou falou mal de outra pessoa. Apesar disso, o plano perfeito do Senhor exigia sua morte e seu sofrimento. Mas depois de dar a sua vida como oferta pelo pecado, Ele vai ressuscitar, verá os muitos filhos que ganhou através da fé, Ele cumprirá com sucesso a vontade do Senhor”. Como podemos notar, a distinção é bem significativa, pois a paráfrase procure preservar as ideias do texto original e não tanto as palavras. 3. FATORES QUE JUSTIFICAM NOVAS TRADUÇÕES É importante que o educador cristão ou educadora cristã estejam atentos a esses detalhes referentes à tradução da Bíblia. Diante desse assunto, nossos alunos podem nos perguntar: porque continuar produzindo novas versões e traduções quando já temos tantas em nossa língua? São várias as razões para isso. Vejamos a seguir algumas delas. 107


Educação Cristã 3.1 A dinamicidade da língua A língua ou as línguas humanas são dinâmicas, elas mudam no decurso do tempo. A nova reforma ortográfica da língua portuguesa, por exemplo, estabeleceu mudanças significativas em nosso idioma, no que tange à escrita. Neste aspecto, vários fatores devem ser considerados: 

Algumas palavras mudam de sentido com o passar do tempo, como o exemplo que citamos anteriormente da “buzina” em Joel 2.1. E o que dizer de “jornaleiro”, em Malaquias 3.5 e Lucas 15.17? “Jornaleiro” hoje são aquelas pessoas que distribuem jornal, mas na tradução indica um trabalhador que recebe por dia, por jornada (daí jornaleiro). Ou ainda, “fazenda”, em Lucas 15.12. “Fazenda” atualmente indica uma propriedade de terra, mas nessa tradução nada mais é do que “bens”. É claro que há correlação dos sentidos aplicados à palavra (bens e propriedade de terra, como nesse caso), mas a acepção atual da palavra pelas pessoas pode acabar afastando o sentido original pretendido pelo tradutor ou pela comissão de tradução.

3.2 Evitando impossibilidades Outra razão para se produzir novas versões e traduções é para se corrigir erros das anteriores. Por exemplo, na ARC, em Levítico 13.29 lemos sobre mulher com chaga na barba! A NTLH (Nova Tradução na Linguagem de Hoje) corrige esse problema: “Quando um homem ou uma mulher tiver uma doença da pele na cabeça ou no queixo”. 3.3 Melhorar a compreensão do texto Visa dar maior clareza ao texto. Em Jó 18.8 lemos: “Porque por seus próprios pés é lançado na rede e andará nos fios enredados” (na ARC). Agora leia na NVI o mesmo texto: “Por seus próprios pés você se prende na rede, e se perde na sua malha”. Veja que o texto 108


Educação Cristã nos fica bem mais claro na NVI. Outro exemplo interessante é 2 Reis 13.20 e 21, na ARC; leia com atenção: “Depois, morreu Eliseu, e o sepultaram. Ora, as tropas dos moabitas invadiam a terra, à entrada do ano. E sucedeu que, enterrando eles um homem, eis que viram um bando e lançaram o homem na sepultura de Eliseu; e, caindo nela o homem e tocando os ossos de Eliseu, reviveu e se levantou sobre os seus pés”. Ao dialogar com o texto, nos perguntamos: Quem enterrava um homem? Agora, leia o mesmo texto na NVI: “Então Eliseu morreu e foi sepultado. Ora, tropas moabitas costumavam entrar no país a cada primavera. Certa vez, enquanto alguns israelitas sepultavam um homem, viram de repente uma dessas tropas; então jogaram o corpo do homem no túmulo de Eliseu e fugiram. Assim que o cadáver encostou nos ossos de Eliseu, o homem voltou à vida e se levantou”. 3.4 Evitar ambiguidades no texto bíblico É outra razão para se produzir novas versões e traduções. Em 1 Timóteo 5.3 na ARC lemos sobre “as viúvas que são verdadeiramente viúvas”. O leitor certamente se perguntará: mas há viúvas que não são viúvas? A NTLH corrige esse problema: “Cuide das viúvas que não tenham ninguém para ajudá-las”. 4. AS PRIMEIRAS TRADUÇÕES DA BÍBLIA68 Enquanto a Igreja Católica Romana proibia a leitura da Bíblia pelo povo comum, não aceitando jamais a sua tradução para outro idioma além do latim, grandes homens de Deus do passado sonhavam em traduzi-la para suas línguas pátrias, homens tais como John Wycliffe (13820-1384), considerado a “estrela da manhã da Reforma Protestante”, que foi o primeiro a traduzir a Bíblia completa para o inglês. Outro conhecido tradutor da Bíblia foi William Tyndale (1492-1536), que foi o primeiro a traduzir diretamente do grego o 68

Este tópico foi extraído da obra COZZER, Roney Ricardo. Bíblia: o livro incomparável. Cariacica, ES: 2013, p. 57.

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Educação Cristã NT para o inglês. Ele disse, certa feita, à um oponente: “Eu desafio o Papa e todas as suas leis; se Deus poupar a minha vida, antes de muitos anos eu farei com que um menino que maneja o arado saiba mais das Escrituras do que tu o sabes”. Martinho Lutero, quando pela primeira vez folheava uma Bíblia latina, exclamou: “Oh! Quem dera Deus me desse tal livro!” Aquele Livro ele nunca vira antes, pois só tinha ouvido porções dos evangelhos e epístolas, até então. Ele também desejava “levar” a Bíblia para o povo alemão. Foi assim que ele traduziu a Bíblia para a língua alemã enquanto esteve refugiado em um castelo, na Alemanha. Mas, para falarmos sobre as primeiras traduções da Bíblia temos de voltar bem mais no tempo. Quando o povo judeu voltou do cativeiro babilônico, no quinto século a.C., ele não falava mais o hebraico, mas sim o aramaico. Para poder entender a leitura das Escrituras, que era feita em hebraico, o povo necessitou de explicações orais em aramaico. Mais tarde, essas explicações passaram a ser escritas. São elas que recebem o nome de Targumim, que é o plural de Targuns, que em hebraico significa “tradução”. Dez Targumim permaneceram. Entre os séculos III e II a.C. foi produzida a Septuaginta, também conhecida como “versão dos setenta”, pois foi preparada por 70 ou 72 eruditos, que traduziram o AT hebraico para o grego. Esse trabalho foi feito em Alexandria, Egito, a fim de atender aos muitos judeus que ali residiam e não conheciam o hebraico. O termo Septuaginta vem do grego e significa “setenta”. Essa versão é geralmente representada pelos algarismos romanos LXX, que correspondem a 70. A LXX é uma versão de suma importância, pois foi ela que acabou com o abismo que existia entre o mundo grego e o AT, escrito até então somente em hebraico. No mundo antigo, foi usada por judeus em todas as partes. Outra importante tradução da Bíblia o final do século IV e início do século V d.C. Essa foi uma tradução da Bíblia completa para o latim e recebeu posteriormente (séc. VI d.C.) o nome de Vulgata, palavra esta que vem do latim vulgos e significa “povo”, isto porque esta versão se tornou muito popular. Jerônimo havia estudado por 20 anos o hebraico com rabinos de Belém da Judéia e isso o capacitou a traduzir o AT diretamente do hebraico. A Vulgata foi decretada a 110


Educação Cristã versão oficial da Igreja Católica Romana, no Concílio de Trento, em 1546. Jerônimo incluiu os livros apócrifos, mas não os recomendou como divinamente inspirados. Não poderia concluir este tópico sem citar, é claro, a versão de João Ferreira de Almeida, a primeira tradução da Bíblia para o português. Almeida foi ministro do Evangelho na Igreja Reformada Holandesa, na cidade de Batávia, que era em sua época a capital da ilha de Java, na Oceania – Java hoje é capital da Indonésia, que se chama Djakarta. Almeida traduziu primeiro o NT e depois o AT. Em 1670 ele concluiu a tradução do NT, mas não concluiu a do AT, foi até Ezequiel 48.21, falecendo então em 1691, aos 63 anos. Missionários, que eram seus amigos, completaram a tradução. 5. IGREJA, EDUCAÇÃO CRISTÃ E TRADUÇÃO BÍBLICA: ALGUMA RELAÇÃO POSSÍVEL? A princípio, pode parecer que não há necessariamente uma relação entre Educação Cristã e Tradução Bíblica. Relacionar a Igreja com a Educação Cristã é perfeitamente natural, já que esta é, via de regra, desenvolvida pela Igreja. Mas é fato também que a Tradução Bíblica, assim como a Educação Cristã, pode e deve mesmo ser considerada um ministério da Igreja, um ministério que serve à ela própria e ao mundo. Há pontos de convergência entre estes ministérios que são desenvolvidos pela Ekklesia e que merecem ser destacados: Pontos de convergência entre os ministérios da Educação Cristã e da Tradução Bíblica 1. Ambos têm como missão difundir a Palavra de Deus. A Educação Cristã pelo ensino, a Tradução Bíblica pela transposição do texto original das Escrituras para o vernáculo de um povo. 2. Ambos servem à Obra Missionária e não podem ser dissociados dela. É válido destacar aqui que a ordem de Jesus quanto à evangelização dos perdidos consiste em essência de 111


Educação Cristã ensinar, conforme lemos em Mateus 28.19 e 20 ("... ensinando-os..." - ARA e NVI). E quanto à Tradução Bíblica, ela é extremamente útil no sentido de permitir que os povos possam ser ensinados nas Escrituras em sua própria língua, o que facilita muito o trabalho missionário e o seu avanço. Pode ser destacada ainda e dependência, em certo sentido, que a Educação Cristã tem do trabalho de Tradução da Bíblia. Já que professores(as), mestres(as) e doutores(as) usam a Bíblia em português, não só para ensinar por meio da fala, mas da escrita também, o empenho dos tradutores, tradutoras e instituições que se dedicam à esta causa é que torna possível este esforço pedagógico dos educadores cristãos no Brasil e mesmo fora dele.

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O autor Professor Roney Cozzer serve a Deus e a Igreja como presbítero e professor de teologia. É membro da Assembleia de Deus Central de Porto de Santana, Cariacica, ES, igreja esta liderada pelo Pastor Evaldo Cassotto. É casado com Dolarize Alves desde 2003, com quem tem uma linda filha, a Ester Alves Cozzer. Formou-se inicialmente pelo Curso Médio de Teologia da EETAD (Escola de Educação Teológica das Assembleias de Deus), vindo depois a graduarse em Teologia. Realizou o Curso de Extensão Universitária “Iniciação Teológica” da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). É mestre em Teologia pela FABAPAR (Faculdades Batista do Paraná) na Linha de Pesquisa Leitura e Ensino da Bíblia. Possui formação em Psicanálise Clínica, é Licenciado em Pedagogia com pósgraduação em Psicopedagogia Clínica, e Licenciado em História com pós-graduação em Metodologia do Ensino da História e Geografia. Participou como autor e pesquisador do Projeto Historiográfico do Departamento de Missões das Assembleias de Deus do Vale do Rio Doce e Outros (DEMADVARDO) entre os anos de 2016 e 2018 e é membro do Grupo de Pesquisa "Perquirere: Práxis Educativa na Formação e no Ensino Bíblico". Vem servindo como professor de teologia em seminários e cursos de teologia na Grande Vitória, além de ministrar palestras nas áreas de Bíblia, Teologia, Família, Educação Cristã e Mídia e Cristianismo. É administrador pedagógico do Instituto de Educação Cristã CRER & SER e coordenador do Curso de Teologia EAD da Faculdade Unilagos, em Araruama, no Rio de Janeiro, onde reside atualmente com sua família. CONTATOS E ATIVIDADES DO AUTOR roneycozzer@hotmail.com roneyricardoteologia@gmail.com Site Teologia & Discernimento Currículo Lattes: lattes.cnpq.br/3443166950417908

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