Título: Ana Clara, em tempos de pandemia, conto de Rosa Maria Santos

Page 1

1


Ana Clara em tempos de pandemia

Conto

Rosa Maria Santos

2


Ficha Técnica

Título Ana Clara, em tempos de pandemia Tema Conto Autora Rosa Maria Santos. Capa Arranjo de José Sepúlveda Ilustrações Rosa Maria Santos Revisão de textos e Formatação José Sepúlveda

Editado em E-book em Novembro de 2020 https://issuu.com/rosammrs/docs

3


Rosa Maria Santos Naturalidade – S. Martinho de Dume, Braga. Muito pequena, foi viver para a freguesia de Maximinos. A base do seu equilíbrio emocional está no seio familiar. É na família que encontra a alegria de viver. Viveu na Costa Litoral Alentejana, em Sines, trinta e um anos, tendo regressado em 2017, à cidade que a viu nascer, Braga. Participou em diversas coletâneas de Poesia, portuguesas, italianas e brasileiras. É Colunista no site Divulga Escritor, possuindo também uma rubrica na Revista com o mesmo nome. Foi assistente de produção e recolha na coletânea de postais do grupo Solar de Poetas, Poeta Sou…Viva a Poesia; participou nas coletâneas de postais de Natal do mesmo grupo: Era uma vez… um Menino; Nasceu, É Natal; Não Havia Lugar para Ele; VALE DO VAROSA: Uma Tela, um Poema, do Solar de Poetas, para promoção do Evento: Tarouca Vale a Pena; Belém Efrata; Então, Será Natal; Vi Uma Estrela, todas editadas em e-Book; O Presépio de Marco – inspirado nas

4


imagens do presépio de Natal 2019, elaborado por Marco Massimo e seus familiares. É Administradora dos grupos: Solar de Poetas, onde coordena também a equipa de Comentadores; Solarte – a Arte no Solar; SoLar-Si-Dó - A Música no Solar; Canal de Divulgação do Solar, Casa do Poeta; SolarTV Online; Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa; Hora do Conto e O Melhor do Mundo, todos do grupo Solar de Poetas. A escrita é uma das suas paixões… Não se considera escritora nem poetisa, mas uma alma poética a vaguear pelo mundo... Se um dia deixar de sonhar, diz, deixa de existir.

Livros editados: Rosa Jasmim (poesia), Capa do Mestre Adelino Ângelo – Julho 2018.

E-Books: Poesia Cantam os Anjos (poesia de Natal) – Capa de Adias Machado – Natal 2017; - Ucanha terra de encanto Poesia) - Capa: Glória Costa – Maio 2018; - Sinos de Natal, Natal de 2018; - Glosa, Arte e Poesia, Pinturas de Glória Costa, poesia da autora, Agosto 2019; - Entre Barros, Arte e Poesia Bordadas à Mão – pinturas de Bárbara Santos, poesia da autora, Outubro 2019; Maviosa poesia, a arte de rialantero" Pintura de Silvana Violante; poesia da autora 5


E-Books: Contos Pétalas de Azul (contos) – Fevereiro 2019; - Estórias em Tons de Rosa (contos) Abril 2019; - Pena Rosada, Crónicas do Quotidiano, Julho 2019; - 12 Contos de Natal, capa de Madalena Macedo - imagens com arranjos da autora, Natal 2019; - O Veado Solitário, na Aldeia do Chefe Lyn - Edição bilingue (português/italiano), Janeiro 2020; - Esperança no País do Arco Íris – Edição bilingue (português/italiano), Abril 2020; O Menino da Lagoa - Edição bilingue (português/inglês), Abril 2020; - A Menina Raposa, capa de Ana Cristina Dias; - Rufo, o Cãozinho desaparecido – Edição bilingue (português/espanhol), Abril 2020; - Ana Rita e o fascínio dos ovos – Maio 2020; - Milú, o Chapeuzinho que gostava de cirandar, Maio 2020; - Contos ao Luar, Maio de 2020; - Patusca, no Reino Misterioso - Edição bilingue (português/italiano), Maio 2020;- O bolo na casa da Avó Doroteia, Junho 2020; - Sonega, o Coelho Mandrião, Julho 2020; - Rosalina e a Sombra Rebelde, Julho 2020; - O Jardim em Festa, Julho 2020; - Ritinha, salva a Sereia Serena, Julho 2020

Histórias da Bolachinha - Bolachinha em Tarouca (prosa e poesia) - Capa: Glória Costa - Maio 2018; - Bolachinha vai à Hora de Poesia - Edição bilingue (português/ francês), Outubro 2018; 6


- Bolachinha vai à Casa Museu Mestre Adelino Ângelo - Novembro 2018; - O Natal de Bolachinha, Natal 2018; - Bolachinha e a Hora de Poesia: A visita de Teresa Subtil - Edição bilingue (português/Mirandês), Fevereiro 2020; - Bolachinha e a Hora de Poesia: A visita de José Sepúlveda - Edição bilingue (português/francês), Julho 2020.

As Aventuras de Maria Laura Maria Laura, a Menina da Página dezasseis, Agosto 2020; - Aventura no Castelo sem nome, Agosto 2020

Em breve Vidas Suspensas, romance

Distinções - 2º Prémio de Poeti Internazionali. Poema Rosa de Saron, no Concorso Artemozioni, Cantico dei Cantici In Valle d’Itria, Itália; Maio 2017 - 3º Prémio de Poeti Internazional - Itália. Com o poema “Violino”; 5° Biennale del Festival Internazionale Delle Emozioni, Itália - Maio 2019 - 10° Edizione Del Concorso Di Poesia e Narrativa: Prémio d’Onore Concurso de Premio Letterario Internazionale di Poesia “Gocce di Memoria“, Itália, Junho 2019 con la poesia Sfera di cristallo (Bola de Cristal). 7


- Concorso “Il Meleto di Guido Gozzano” Sezione Autori di lingua straniera - ATTESTATO DI MERITO, 14 settembre 2019 com la poesia Assenza (Ausência). Itália, agosto de 2019. - Jogos Florais Vale do Varosa 2019 – Concurso Literário Tarouca - “O rio, o vale e as gentes”: Menção Honrosa, categoria de Poema. - Concorso di Poesia Internazionale " Gocce di Memoria" VI edizione 2020 - Menzione d'onore con la poesie “Il mio quadro” – (Meu quadro). Itália julho 2020 https://issuu.com/rosammrs?fbclid https://romyflor.blogspot.com/p/blog-page.html

8


9


Sinopse Ana Clara era uma menina frágil que frequentava a sua escola, onde tinha muitos amigos. A Festa da primavera aproximava-se e como todos os anos faziam, os alunos estavam empolgados na recolha de flores e verduras para preparar os seus enfeitas. Mas, de repente, quando saiam ao campo para recolher as flores, Ana Clara é acometida por uma alergia que a levou a hospital. Preocupados, os amigos e a professora acompanharam a evolução da sua doença que não estava nada bem. Com o passar do tempo e os cuidados médicos, Ana Clara volta à escola, mas agora com uma máscara no seu frágil rosto. As férias da Páscoa aproximavam-se quando, inesperadamente, chega a notícia: As aulas vão ser interrompidas. Um vírus estranho surgiu e provocou uma pandemia. Um elevado número de Países estava a ser severamente afetado.

10


As aulas são interrompidas, os alunos e professores, como quase toda a população, foram confinados nos seus lares. Os pais de Ana Clara resolvem assim refugiar-se na herdade dos avós, numa aldeia retirada e onde o recato se fazia sentir. Ali, Ana Clara, todos eles, estariam protegidos. O tempo passa, com a adaptação ao novo lugar a se transformar em constantes descobertas e aventuras. Os diálogos com os avós, o convívio com os animais da quinta, transformam o lugar numa espécie de paraíso que todos usufruem com agrado, longe da pandemia.

11


Ana Clara, em tempos de pandemia

De repente, o céu toldara-se com nuvens de cor cinza, as flores essas continuavam a ornar o belo jardim da pequena moradia dos pais de Ana Clara, como se nada tivesse acontecido. A natureza era pródiga com elas, isso era o mais importante no reino da flora. Ana Clara, uma menina de oito anos, franzina, com olhos cor de avelã, cabelo cor de mel e uma mão cheia de sardas espalhadas ao-deus-dará pelo seu rosto pequeno arredondado.

12


A primavera estava a chegar. Os alunos da Escola Almeida Garret não falavam de outro assunto. Era o tempo para a Festa da Primavera e, como mandava a tradição, havia que se preparar as belas decorações de flores silvestres com alguma antecedência. Flores não faltavam. Proliferavam por aí em grande quantidade. Podiam encontrá-las em qualquer canto, fosse nos muitos campos ao redor, fosse até nas bermas das estradas, ou até no Parque de São João do Couteiro, lugar de rara beleza.

13


A população não cabia de contentamento. O professor Manuel Tomás, era pai da Ana Clara. Lecionava a disciplina de Português na Escola Almeida Garret, aos meninos do quinto ano. Naquela manhã, quando os alunos entraram na sala, Dona Maria Amélia, professora de meia idade, meiga, simpática, muito querida pelos seus alunos, esperavaos à porta, impaciente e eufórica.

14


- Bom dia, haja alegria, Entrem ordenadamente Cumprimentava, sorria, Com um segredo na mente. - Bom dia, que aconteceu? Perguntou a Ana Clara Quanta euforia, Deus meu, Olhem bem a sua cara. - A Festa da Primavera Jรก estรก mesmo a chegar, O trabalho nos espera E temos que o comeรงar!

15


Vamos ao campo apanhar Flores para um floral, E juntinhos trabalhar P’ra um evento sem igual.

- Vamos, meninos, despachem-se, hoje a aula vai ser de preparativos. Vem aí muito trabalho pela frente. Vamos fazer uma visita ao parque. Ali vamos encontrar uma grande variedade de flores silvestres multicolores. Vamos dar o nosso abraço à chegada da primavera, como manda a tradição, vamos homenageála com as nossas coroas e arranjos. Como sempre, vai ser um grande evento. E quero que a nossa turma brilhe. A rapaziada estava empolgada. Ana Clara, deslumbrada, disse: 16


- Professora Maria Amélia, este ano vamos fazer o melhor arranjo da região. Queremos ficar em primeiro lugar. É generoso o prémio, vale a pena o esforço. Sempre vai dar para ajudar os nossos colegas mais carenciados. - Isso mesmo, Ana Clara, és uma menina de bom coração! Sempre a pensar nos mais desfavorecidos.

- A minha mãe em casa, passa o tempo todo a dizer: Come tudo, Ana Clara, não podemos desperdiçar os nossos recursos, há muitos meninos por aí a passar fome, sem uma bucha de pão para comer.

17


- É verdade, Ana Clara, há muita desigualdade por aí. Se a nossa turma ganhar o prémio, o seu valor será destinado a esse fim. Concordam, meninos? - Sim, professora Maria Amélia, claro que concordamos. - Formem-se em fila indiana, todos ordenados, vamos iniciar a nossa caminhada. Vamos lá até ao parque. Era a primeira vez que a sala de Ana Clara entrava neste concurso, todos estavam muito felizes por poderem participar na Festa da Primavera.

- Mãos à obra, pequenada, Para o campo, trabalhar; É bem curta a caminhada, Haja alegria no ar. 18


- Aqui levo com prazer Bacia p’ra colocar A papoila, o malmequer E as flores que apanhar. - Vamos todos alinhados, A professora na frente, - Cuidado com os silvados Avisava docemente. Foram a cantarolar A moda da primavera, Só pensavam em ganhar Esse prémio à sua espera. - Abre o saco, Joãozinho, Toma lá, mas tem cuidado - Vem ajudar, Filipinho, Tanta flor em todo o lado! Amarelas, tão berrantes, Muitas papoilas no ar, Sopra o vento por instantes E não param de dançar.

19


- Professora Maria Amélia - chama Luizinho, aflito – venha aqui, se faz favor. - O que se passa, Luizinho? - Não sei, Professora, mas a Ana Clara esta caída ali no chão! - Oh, valha-nos Deus! O que se terá passado? A professora corre em direção à menina e encontra-a deitada no chão com um ar angelical, como se num sono sereno. Aflita, pega no telemóvel e liga de imediato para o INEM que, decorridos poucos minutos, chega ao local. Ali, a equipa médica faz o suporte de vida. A menina reage lentamente, já colocada sobre a marquesa da viatura de socorro. 20


Depois de questionados os alunos e a professora, partem em direção ao hospital.

Maria Amélia e os alunos, preocupados com o sucedido, regressam à escola, havia que suspender a ida ao campo. Todos se mostravam preocupados, mas confiantes de que tudo iria correr bem com a Ana Clara. No seu silêncio estranho, todos se questionavam: O que terá acontecido a Ana Clara? Entreolhavam-se, mas ninguém ousava dizer, fosse o que quer que fosse. Ana Clara deu entrada no Hospital e foi para a sala de observações. Agora, a menina parecia dormir profundamente. A equipa médica estava intrigada. Aquele 21


sono profundo preocupava. O Mundo de Ana Clara, do outro lado da vida, não estava a ser fácil. No seu silêncio, Ana Clara sentia o movimento da gente ao seu redor, ouvia os seus cochichos, mas nada entendia. Queria levantar-se, sair dali, mas nada, o seu frágil corpito não obedecia aos seus impulsos. Imaginava a preocupação dos colegas e da sua querida professora. De repente, o seu estado agravou-se e viu-se envolta num mundo em trevas, entre um nevoeiro intenso. Tentava respirar, mas mal conseguia. E no seu delírio, chamava:

- Mãezinha, paizinho, não me deixem sozinha nesta escuridão!

22


- Filhinha do meu coração – ouvia a voz distante do pai - Estou aqui. - O que aconteceu, pai? Leva-me para casa. Mas logo o silêncio se fazia sentir. - Sinto tanto medo! – choramingava. - Tens medo? De quê? Estou aqui, Ana Clara, ao teu lado. - Quem és? - Sou eu, apenas eu. - O que fazes aqui? - Estava ao teu lado quando apanhavas flores. Não viste? Queria participar contigo na Festa da Primavera, sentia-te feliz.

23


- Sim, já me lembro, penso que te vi. De repente, senti falta de ar e caí. - Sim, se calhar, tocaste em algo que te fez cair. - Não sei, sei que me senti muito mal e quase não conseguia respirar. Depois, adormeci. - Olha, não tenhas medo, ficarei aqui na tua companhia. Ao demais – sorriu - a medicina está muito avançada, logo vais sair daqui, prometo. - Prometes? Mas, diz-me, quem és tu? - Sou a Fadinha da Sorte, vou zelar por ti. Só a razão de estar aqui a conversar contigo, já é uma demonstração de que vais ficar bem. Confia em mim. - É tudo tão confuso! Porque não deveria eu ficar bem?

24


- Vou ter que me ausentar um pouco. Tenta manter-te calma e não te aproximares de nada que possa fazerte mal, sim? - Não vás! Fica comigo um pouco mais. Preciso de ti para sair deste fosso onde vim parar. Ajuda-me, por favor! – dizia com as lágrimas a correr-lhe pela face. No aconchego do lar, aflita, a mãe eleva a Deus a sua prece:

- Desperta, minha querida, Volta à vida, por favor, Afinal, tu és a vida Quem sustenta o nosso amor.

25


Não nos vás abandonar És a razão do viver Volta à vida e ao voltar Vem dar vida ao nosso ser! Precisamos descobrir O que foi que aconteceu, De te abraçar, ver sorrir E sair do nosso breu. Misericórdia, Senhor, Atendei minha oração E põe um fim a esta dor Que nos mói o coração Como podemos viver Se a Ana não acordar? Alivia este sofrer E trá-la de novo ao lar.

26


O Dr. Serafim, médico chefe da equipa que, aflito, se desdobrava em cuidados para salvar Ana Clara, entrou no quarto na companhia de três outros médicos que, como ele, seguiam o desenrolar do estado da menina. Olhavam confiantes uns para os outros. Pareciam ter desvendado o que tinha acontecido. A menina sofrera uma alergia forte, que quase lhe roubara a vida. Os pais de Ana Clara nunca se tinham apercebido disso, mas havia certa erva daninha a que menina reagiu de modo tão brutal. Ao tocar-lhe, libertou esporos que logo lhe invadiram os brônquios. Agora, havia que lhe administrar um medicamento que, se fosse como 27


esperavam, apenas poucas horas e vê-la-iam de novo a sorrir. Assim que Ana Clara acordou, o médico com o seu habitual cuidado e carinho, explicou a Ana Clara o porquê daquele apetrecho estranho que lhe colocava no rosto, apenas um tipo de máscara que ela iria passar a usar durante algum tempo, que só deveria retirar durante as refeições. Ela seria o seu seguro de vida.

Durante uma curta quarentena, Ana Clara estava recuperada e de regresso ao lar, para gozar da companhia dos pais e amigos. - Mãezinha, é tão estranho ter que usar esta coisa a tapar-me o nariz e a boca! Quando a vou poder tirar? 28


- Ana Clara, o médico falou contigo, princesa, sabes que essa máscara irá fazer parte da tua vida durante algum tempo.

- Lar doce lar, que alegria Estar de regresso ao lar E a mãezinha nesse dia Nos seus braços me enlaçar. Há que ter maior cuidado, Sua máscara usaria E com tudo controlado A vida lhe sorriria. 29


Não poderei ajudar A apanhar algumas flores, Questão de me habituar Dizia aos progenitores. Agora, com seu paizinho, De novo voltava à escola C’o a máscara no rostinho E ainda outra na sacola. Alunos e professora Boas vindas lhe vão dar E ao ver o pai ir embora, Todos queriam falar. A professora, contente Com o regresso da menina, Falava-lhe ternamente Sob o olhar da Ritinha. Foi então que explicou Que a máscara em seu olhar Foi a solução que achou E que teria que usar.

30


Com o passar do tempo, Ana Clara habituou-se e esse estranho objeto que agora a iriam proteger de micros organismos que proliferavam na atmosfera, nocivos para a população de uma forma geral, mas altamente maléficos para ela. A primavera aproximava-se a passos largos. Já pensava nos arranjos florais que seriam exibidos na grande festa. E ela, coitada, agora confinada, sem poder participar como queria nas múltiplas atividades que os colegas, juntamente com a sua professora, iam desenvolvendo.

31


- Triste, não posso ajudar Ela aos amigos dizia Melhor assim, se calhar, Para o hospital iria. Nem pensar, isso não quero, Sempre posso ver, olhar, E tudo aquilo que espero É que possamos ganhar.

32


O tempo corria devagar. Faltavam poucos dias para as férias da Páscoa. Foi então que, de repente, algo aconteceu e que viria atingir um longo número de países. Primeiro, sorrateira – a epidemia. Depois, uma reviravolta e eis-nos no meio de uma pandemia que se iria espalhar por toda a terra. Nesse dia, sem nada que o fizesse prever, fomos confrontados com uma notícia que iria transformar as nossas vidas. Um vírus maléfico – chamaram-lhe Covid-19 – começava a espalharse abundantemente por toda a terra, infetando milhões de pessoas. Sinistro, mas verdadeiro. Ninguém a ele era imune: ricos ou pobres, crentes ou ateus, crianças ou velhos, ninguém escapava. Escolas, estabelecimentos comerciais e indústrias, viagens de avião, tudo parava. Fecharam-se as escolas. E eis-nos, de 33


repente, confinados no recanto do nosso lar, sem poder sair à rua.

Em casa de Ana Clara, temia-se pela vida da menina. Era frágil e havia que rodeá-la dos maiores cuidados. Os pais logo pensaram levá-la até à herdade da família, situada lá no sossego da aldeia, onde poderia sentir mais segurança e alguma liberdade. Clotilde - assim se chamava a mãe de Ana Clara - engenheira de profissão, falou com o seu marido. Ela viajaria com a Ana Clara para a Herdade da Moita, para junto dos avós, antes que algo pudesse acontecer à pequena Ana Clara. Ele iria depois, quando terminasse o período de

34


aulas. Faltavam poucos dias e assim, quando essas terminassem, juntar-se-ia Ă famĂ­lia. Amanheceu, um sol radiante entrava pela janela e aquecia o rosto sardento de Ana Clara que, ao sentir o seu calor, arregalou os olhos e deixou soltar um lindo sorriso:

- Bom dia, meu sol amigo, Irradiante de beleza, - Vim ver-te, ficar contigo, Como estĂĄs linda princesa?

35


- Ainda bem que chegaste, Gosto de tanta quentura E tu és bem o contraste Da nossa estranha clausura. Cuidados tenho que ter, Não posso ser descuidada, Há remédios a sorver Para me sentir guardada. De manhã vens até mim, Gosto de te sentir aqui, Cheirar rosas e jasmim E viver perto de ti.

36


Sinto-me muito feliz, apesar desta incómoda máscara a que me confinaram, que me tapa o nariz e a boca, segundo dizem, para meu bem. Lá terá que ser! Depois desta conversa amena, levantou-se, tomou banho, vestiu-se e desceu para tomar a refeição matinal.

- Bom dia querida mãe O Pai já se levantou? - Já sim, não tarda, ele aí vem, O pão quente já chegou.

37


- Bom dia, paizinho lindo, Que bom, vamos lá comer! Disse a menina sorrindo - Já estou mesmo a descer.

Logo após o pequeno almoço, saíram a caminho da escola. Na rua, o burburinho era muito. Já tudo falava na necessidade de se fecharem as escolas antes mesmo de chegar ao início das férias. Quando chegaram, a professora Maria Amélia já ali estava à espera dos alunos. Foi então que lhes explicou que aquele seria o último dia de aulas. Quanto ao resto, era manterem-se em casa e aguardar notícias. Não sabiam quando regressariam de novo. 38


O Professor Manuel Tomás desfazia-se em explicações aos alunos e educadores e informava que a partir de segunda feira todos ficariam confinados em suas casas, por ordem da Direção Geral de Saúde. Depois, dar-lhes-iam indicações pormenorizadas. Esse tal de Covid-19 era demasiado maléfico para ser levado de ânimo leve e que não queriam que os alunos, pessoal docente e auxiliares viessem a ser contaminados, com grande probabilidade de virem a acontecer algumas desgraças:

39


- Prestem bem vossa atenção, E sério o que vão ouvir, O Covid é um papão E não é para sorrir. Há que ter muita cautela, E lavar bem cada mão, Crer que nossa boa estrela Nos irá dar proteção.

Agora, era uma sensação de medo que estava estampada em cada rosto, que em vão procurava outras respostas para tudo o que estava a acontecer. Como iria ser o nosso futuro? Parecia um pesadelo, um pesadelo 40


que o que aí vinha nos iria mostrar que iria durar por muito tempo e transformar a vida ao nosso redor. Quando chegaram a casa, Ana Clara apercebeu-se da azáfama da mãe, numa corrida desenfreada a arrumar as malas. - Ana Clara, prepara as tuas coisas, vamos passar uns dias à herdade dos avós, lá ficaremos mais seguros, embora tenhamos de nos rodear dos maiores cuidados. - Mesmo sendo por estes motivos, mãezinha, vai ser bom ir até lá, brincar com o avô Miguel, comer o bolo delicioso de cenoura que a avó Maria da Graça faz. Vou poder montar o burrinho Jeremias, brincar com o Pantera, ouvir os galos logo de manhãzinha a cantar, saborear o delicioso leite da vaquinha Lolita, ouvir o chilrear dos passarinhos. Afinal, acho que nem tudo vai ser assim tão mau. - Não te esqueças, Ana Clara, das recomendações do Doutor Serafim, nada de tocares nas plantas, e muito menos retirares a máscara.

41


– Mãezinha, o que se passou? Porque vamos viajar? Foi a escola que fechou, Há pânico em cada olhar… E a nossa festa da flor Quando se vai realizar? - Ninguém sabe, meu amor, Só temos que esperar.

42


- Toda a gente anda a dizer Que vai ficar tubo bem - Aguardemos, vamos ver, A bonança logo vem.

Ao findar da tarde, Ana Clara e os pais partem de viagem até ao centro do país, em direção à Herdade da Moita. Apesar de tudo, Ana Clara, sentia-se feliz. No decorrer da viagem falava, falava, numa conversa desenfreada. A mãe bem recomendava que a viagem era grande e que descansasse um pouco, quando acordasse, nem iria aperceber-se da viagem. Pois sim, a 43


menina nem a ouvia! Adorava os avós e agora, a ânsia em chegar não a deixava descansar. Chegaram pela hora do jantar. Logo que o motor da viatura deixou de se fazer ouvir, abriu a porta e correu desenfreada em direção à avó e ao avô Miguel, que não retirava os olhos da netinha.

- Que bom, avós, que saudade Tinha de vos abraçar, É grande a felicidade Em vos ver, de aqui voltar.

44


- Minha querida netinha, Deixa a máscara afastar Só um pouco, pequenina, Pois não te posso beijar. - Vamos ter longos passeios, Ver as noites de luar, Esquecer nossos anseios, No amanhã confiar. E tudo vai ficar bem Cá na quinta, lado a lado Com teu pai e tua mãe, As avezinhas, o gado.

45


- Isto está mau, meu caro sogro, mesmo muito mau. O que havia de nos aparecer, uma pandemia! E está a invadir todos os recantos da terra! Num instante, todos ficamos à mercê deste vírus maléfico que tantas mortes vem ocasionando por esse mundo fora. Preocupanos de um modo especial a vida de Ana Clara, essas suas alergias a algumas espécies de plantas são para nós uma aflição constante. - Aqui na quinta ficará bem, meu caro genro, vais ver que nada de grave se irá passar. - Que Deus o ouça, meu sogro, que Deus o ouça! Pregou-nos um grande susto. Com tudo isto, a Clotilde tem andado um pouco em baixo, vamos ver se aqui consegue relaxar um pouco. Para ela não foi nada bom, receios, medos, preocupações, tudo isto passou a fazer parte do nosso quotidiano. - A vida, Manuel Tomás, prega-nos dessas. O que hoje é, amanhã deixa de ser. Quanto ao vírus, não levemos muito a sério, afinal, já aqui vivemos confinados há muito tempo, aqui na nossa herdade, tudo é paz e sossego, quem o traria até aqui?

46


- Minha querida Ana Clara, Estás uma senhorinha, O tempo passa, se aclara, Estás mesmo crescidinha. - Pões-me a máscara, mãezinha? Quero correr e saltar, Prende-a bem, muito certinha, Para não me magoar. - Quero as galinholas ver, E o Pantera? Não o vi! - ‘Stá na casota a comer, Não tarda, aparece aqui. 47


- Sabes uma coisa, avó? A nossa escola fechou por causa de um vírus que anda por aí a fazer muito mal a muita gente, dizem que é uma pandemia. Um bichinho mau, penso eu. - Sim, tenho ouvido as notícias, Na verdade, ninguém parece saber ao certo o que é, como se espalha e se multiplica por toda a parte. - Numa coisa, eu tenho mais sorte que vocês. Uso esta máscara para me proteger. Sou uma menina com sorte. Tu, a mãe, o pai e o avô Miguel não usam máscaras. Por isso, estais mais vulneráveis. Olha, eu trouxe algumas de reserva. Posso dar-vos, se quiserem. Assim, ficaremos todos mais protegidos. A 48


minha professora disse que era melhor usá-la sempre, enquanto tudo isto não passasse. - Aqui não é necessário, minha querida, esse tal bicho mau aqui não vai chegar. Não usa mapa. Vou te contar um segredo.

- Conta, sim, minha avozinha, Quero ouvir os contos teus - Senta-te lá, queridinha, Aqui, nos joelhos meus.

49


- Vai há muito, muito tempo, Outro vírus apareceu, Foi tempo de sofrimento, De rogar ao Deus do céu. Tanta gente a soçobrar, Outra, sem ter que comer, E a ciência a procurar Uma cura para o vencer Dia e noite, sem parar, Até que um dia acabou, A vacina p’ra a curar Lá por milagre, chegou.

50


- Sabes, Ana Clara, tudo na vida tem um tempo, uma razão, é uma aprendizagem constante para se crescer e prosseguir neste desafio com que todos os dias nos encontramos. - Avozinha, se o nosso país ficar muito mau, como outros ficaram, como vamos fazer? Sei bem quanto o paizinho e a mãezinha temem pelo meu bem-estar. Estou doente. E se este bicho mau me atacar os pulmões? - Confia, netinha, cá na quinta estais seguros, aqui não há vírus que nos ataque. Não se encontra um vizinho no raio de muitos quilómetros. Depois, só de longe a longe necessitamos de ir às compras, a nossa dispensa esta cheia, e a nossa santa terrinha dá-nos quase tudo do que necessitamos: legumes, batatas, feijão, a Lolita dá-nos diariamente o leite, as galinhas não se esquecem de por os seus ovinhos, enfim, temos aqui de tudo. Pródigo é Deus para connosco. A propósito: Vai um copinho de leitinho fresco? Vamos visitar a Lolita.

51


- Lolita, linda vaquinha, Traz teu leite saboroso. Com o pão da avozinha Há de ser delicioso. É bom no campo viver, O ar puro respirar, Bem e saudável comer, Pelo campo caminhar. Olhar e ver a verdura Para além do horizonte, Beber a água tão pura Que jorra da fresca fonte. 52


O Pantera a saltitar, Quando eu lhe atiro um pau, Corre para o procurar E trazê-lo: - Auau, auau…

- Sabes, avozinha? Sinto que nesta herdade estamos num paraíso. Quanta paz e segurança, longe da agitação e dos perigos da cidade. Acho que aqui não preciso de máscara para respirar em segurança. - Não estejas a cogitar coisas. Sabes, Ana Clara, que usas a máscara porque tens uma alergia rara a certas plantas. Mas o tempo vai dizer-nos se, na verdade, é mesmo necessária andares sempre com ela. Se é certo 53


que aqui também se podem encontrar as plantas que a ocasionam, também é certo que podemos evitá-las. Entendes o que estou a dizer? Mas não penses tirá-la ainda. Não queres ter uma recaída, pois não? - Nem me fales, avó. Combinado, então. Para já, não me livro da máscara, não quero voltar ao hospital.

- Vamos ter com o paizinho, Correr por toda a herdade. Aonde está meu burrinho? De o montar sinto saudade.

54


Mãezinha, traz-me o chapéu, O azul, da cor do mar, Há nuvens brancas no céu E um lindo sol a espreitar. Tudo é belo, fresco e puro, Respiro com mais vontade, Mesmo num túnel escuro Que nos rouba a liberdade.

- Não entendo, avozinha, se a cidade, os países, o mundo está tão doente, aqui no campo parece ser o paraíso. Vê as plantas, quanta verdura, olha o jardim, 55


as lindas rosas de tantas cores, respira o perfume das macieiras, carregadas de flores, vê os morangos, tão vermelhos e redondos e doces, avozinha! Escuto o chilrear dos passarinhos, as águas do regato. Como isto é belo, mãezinha.

- Gosto de ti, avozinha, Do avozinho também, Sinto quando estou sozinha O olhar de minha mãe.

56


Avó do meu coração, Como é bom estar contigo, Com confinamento ou não, Aqui não há mais perigo. Tudo é paz e liberdade, As aves cruzam os céus E distantes da cidade, Este amor que vem de Deus.

57


58


59


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.