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Bia, Mitra e o Tufão Esperança
Conto
Rosa Maria Santos 2
Ficha Técnica
Título Bia, Mitra e o Tufão Esperança Tema Conto Autora Rosa Maria Santos Capa Arranjo de José Sepúlveda Ilustrações Rosa Maria Santos Revisão de textos e Formatação José Sepúlveda Publicado por Rosa Jasmim Edições
Editado em E-book em Agosto 2021 https://issuu.com/rosammrs/docs 3
Rosa Maria Santos Naturalidade – S. Martinho de Dume, Braga. Muito pequena, foi viver para a freguesia de Maximinos. A base do seu equilíbrio emocional está no seio familiar. É na família que encontra a alegria de viver. Viveu na Costa Litoral Alentejana, em Sines, trinta e um anos, tendo regressado em 2017, à cidade que a viu nascer, Braga. Participou em diversas coletâneas de Poesia, portuguesas, italianas e brasileiras. É Colunista no site Divulga Escritor, possuindo também uma rubrica na Revista com o mesmo nome. Foi assistente de produção e recolha na coletânea de postais do grupo Solar de Poetas, Poeta Sou…Viva a Poesia; participou nas coletâneas de poemas e postais de Natal do mesmo grupo: Era uma vez… um Menino; Nasceu, É Natal; Não Havia Lugar para Ele; Vale do Varosa: Uma Tela, um Poema, do Solar de Poetas, para promoção do Evento: Tarouca Vale a Pena; Belém Efrata; Então, Será Natal; Vi Uma Estrela, todas editadas em e-Book; O Presépio de Marco – inspirado nas imagens do presépio de Natal 2019, elaborado por Marco Penna e seus familiares; Quando o Menino Chegar – Coletânea de Poesia de Natal de 2020. 4
É Administradora dos grupos: Solar de Poetas, onde coordena também a equipa de Comentadores; Solarte – a Arte no Solar; SoLar-Si-Dó - A Música no Solar; Canal de Divulgação do Solar, Casa do Poeta; SolarTV Online; Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa; Hora do Conto e O Melhor do Mundo, todos do grupo Solar de Poetas. A escrita é uma das suas paixões… Não se considera escritora nem poetisa, mas uma alma poética a vaguear pelo mundo... Se um dia deixar de sonhar, diz, deixa de existir. Livros editados: Rosa Jasmim (poesia), Capa do Mestre Adelino Ângelo – Julho 2018.
E-Books - Poesia Cantam os Anjos (poesia de Natal) – Capa de Adias Machado – Natal 2017; - Ucanha terra de encanto Poesia) - Capa: Glória Costa – Maio 2018; - Sinos de Natal, Natal de 2018; - Glosa, Arte e Poesia, Pinturas de Glória Costa, poesia da autora, Agosto 2019; - Entre Barros, Arte e Poesia Bordadas à Mão – pinturas de Bárbara Santos, poesia da autora, Outubro 2019; - Maviosa poesia, a arte de rialantero" Pintura de Silvana Violante; poesia da autora; Em Palhas Deitado – Poesia de Natal, Dezembro 2020.
E-Books - Contos Pétalas de Azul (contos) – Fevereiro 2019; - Estórias em Tons de Rosa (contos) Abril 2019; - Pena Rosada, Crónicas do Quotidiano, Julho 2019; - 12 Contos de Natal, 5
capa de Madalena Macedo - imagens com arranjos da autora, Natal 2019; - O Veado Solitário, na Aldeia do Chefe Lyn - Edição bilingue (português/italiano), Janeiro 2020; - Esperança no País do Arco Íris – Edição bilingue (português/italiano), Abril 2020; - O Menino da Lagoa Edição bilingue (português/inglês), Abril 2020; - A Menina Raposa, capa de Ana Cristina Dias; - Rufo, o Cãozinho desaparecido – Edição bilingue (português/espanhol), Abril 2020; - Ana Rita e o fascínio dos ovos – Maio 2020; - Milú, o Chapeuzinho que gostava de cirandar, Maio 2020; - Contos ao Luar, Maio de 2020; - Patusca, no Reino Misterioso - Edição bilingue (português/italiano), Maio 2020;- O bolo na casa da Avó Doroteia, Junho 2020; - Sonega, o Coelho Mandrião, Julho 2020; - Rosalina e a Sombra Rebelde, Julho 2020; - O Jardim em Festa, Julho 2020; - Ritinha, salva a Sereia Serena, Julho 2020; - Ana Clara, em tempos de pandemia, Novembro 2020; - Josefina, a menina que veio do mar, Novembro 2020; - Luizinho, protetor do ambiente, Novembro 2020; - A Girafa Alongadinha e a Pulga Salomé, Novembro 2020; O Dia de Natal, Dezembro de 2020; O Natal de Afonso; Dezembro de 2020; Um Milagre na Ilha Paraíso, Dezembro de 2020; Ventos de Mudança, Dezembro de 2020; Gisela e a Prenda de Reis, Janeiro de 2021; Dany, o Menino que queria sorrir – Janeiro 2021; Marquito, o menino irrequieto – Janeiro 2021; Joaninha, a menina que vendia balões – Janeiro 2021; Vicentina, uma avó aventureira – Fevereiro 2021; Juliana e os sapatinhos encarnados – Fevereiro 2021; Tomás, o Pinguim Desastrado – Fevereiro 2021; Silas e o Triunfo do Amor – Fevereiro 2021, Bogalha, a macaquinha irreverente – Março 2021; Janota, a 6
guardiã do ervilhal – Março 2021, Zâmbia, a macaquinha que queria casar – Março 2021; Tuly e o cavalinho de baloiço – Março de 2021, Maria, a menina que não conseguia dormir – Abril 2021; A Lenda da Menina Lua – Abril 2021; Estrela Silente, a Princesa cativa – Abril 2021, Marly, a pequenina duende – Abril 2021; Mariana no País do trevo Dourado – Maio 2021; Esperança e o sorriso do Palhaço – Maio 2021; Uma Aventura na Floresta Encantada – Maio 2021; Esmeralda, umas férias diferentes – Junho 2021; Raitira no Planeta Ricoicoi – Junho 2021; A lição do Dente-de-Leão – Julho 2021; Lino, o menino que sonhava ser astronauta – Julho 2021; Bia, Mitra e o Tufão Esperança – Agosto 2021..
Histórias da Bolachinha Bolachinha em Tarouca (prosa e poesia) - Capa: Glória Costa - Maio 2018; - Bolachinha vai à Hora de Poesia Edição bilingue (português/ francês), Outubro 2018; Bolachinha vai à Casa Museu Mestre Adelino Ângelo Novembro 2018; - O Natal de Bolachinha, Natal 2018 Bolachinha e a Hora de Poesia, a visita de Teresa Subtil Edição bilingue (português/Mirandês), Fevereiro 2020; Bolachinha e a Hora de Poesia, a visita de José Sepúlveda - Edição bilingue (português/francês), Julho 2020.
Aventuras de Maria Laura Maria Laura, a Menina da Página dezasseis, Agosto 2020; - Aventura no Castelo sem nome, Agosto 2020.
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Diferentes mas iguais Tomás e o infortúnio de não ter mãos – Junho 2021; Lolita, a menina que não tinha pés – Junho 2021; Duda, o Menino que queria mudar o Mundo – Julho 2021.
Distinções - 2º Prémio de Poeti Internazionali. Poema Rosa de Saron, no Concorso Artemozioni, Cantico dei Cantici In Valle d’Itria, Itália; Maio 2017. - 3º Prémio de Poeti Internazional - Itália. Com o poema “Violino”; 5° Biennale del Festival Internazionale Delle Emozioni, Itália - Maio 2019. - 10° Edizione Del Concorso Di Poesia e Narrativa: Prémio d’Onore Concurso de Premio Letterario Internazionale di Poesia “Gocce di Memoria“, Itália, Junho 2019 con la poesia Sfera di cristallo (Bola de Cristal). - Concorso “Il Meleto di Guido Gozzano” Sezione Autori di lingua straniera - ATTESTATO DI MERITO, 14 settembre 2019 com la poesia Assenza (Ausência). Itália, agosto de 2019. - Jogos Florais Vale do Varosa 2019 – Concurso Literário Tarouca - “O rio, o vale e as gentes”: Menção Honrosa, categoria de Poema. - Concorso di Poesia Internazionale " Gocce di Memoria" VI edizione 2020. - Menzione d'onore con la poesie “Il mio quadro” – (Meu quadro). Itália julho 2020. 8
Segunda Classificada no Prémio Poeti Internazionali - 11ª. Edizione del Concorso Internazionale di Poesia-videopoesia e racconti dal titolo: Poesia Esteri “Ouve” (Ascolta) dezembro 2020. - Menzione di Merito de poeti Internazionali 11ª. Edizione del Concorso Internazionale di Poesia-videopoesia e racconti dal titolo: Racconti “Esmeralda” dezembro 2020. Ebook: https://issuu.com/rosammrs/docs
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Bia, Mitra e o Tufão Esperança
Senhorinha Boaventura, era assim que a tratavam lá na terra, vivia numa Quintinha nos subúrbios da cidade. Era uma senhora com cinquenta e poucos anos, solteira. Tinha a seu cargo Beatriz, uma sobrinha neta com seis anos de idade que lhe fora confiada por Teia, sua irmã gémea, quando fora acometida por uma grave doença, tinha a menina apenas meses de vida. 10
Lá na Quintinha, Beatriz crescia feliz e sadia na companhia da tia avó, a avozinha, como a tratava com a doçura dos seus tenros anos. Considerava-se uma criança feliz. Corria por ali entre os animais e as plantas do jardim, que ela, com esmero, ajudava a cuidar. Para a avó, era a sua Bia.
Desde muito cedo, foi educada a respeitar os animais e a trata-los com doçura, providenciando para eles alimentos e água fresca. De manhã bem cedo, ajudava a avó a 11
ordenhar as ovelhas e a vaquinha Mitó, que lhes forneciam o leite fresquinho para cada dia. Mitra era a ovelhinha mais mimosa e afetuosa do curral. De manhã bem cedo, mal o galaró Mister, o galo pedrês, dava o toque da alvorada, Mitra a ovelhinha levantavase, tratava de se aperaltar e apressada percorria o curto trajeto até à pequena portinhola do curral e ali esperava pacientemente por Senhorinha Boaventura e a neta. Era um hábito que se tornara já numa rotina.
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Senhorinha Boaventura habituara-se a esse seu comportamento e com os olhos postos naquele manto sagrado dourado, agradecia a Deus por toda essa alegria e por tamanho gesto de bondade de ter colocado na sua vida Bia, a sua netinha, e Mitra, a pequenina ovelha, junto das quais vivia muito feliz. Na verdade, ambas gostavam de todos os animais da quinta, mas o carinho dispensado aquela ovelhinha era algo diferente. Não havia noite alguma em que Senhorinha Boaventura, não pedisse a Deus que protegesse as duas, a neta e a Ovelhinha. Deste modo, mostrava a sua gratidão pelo modo como Deus os protegia não somente a elas, mas a todos os animais da quinta. Naquela manhã, Bia estava a dormir tão bem que ela teve pena de a acordar e decidiu deixá-la no seu sono, partindo então para as tarefas do dia.
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- Eu te agradeço, bom Deus Por esta dádiva boa, Lanças teus olhos dos céus Para nada andar à toa. Já Mister o galo cantava No cimo do seu poleiro Quando Senhorinha olhava A ver quem chega primeiro. E quando ao curral chegou, Mitra à porta a esperava E logo que a avistou Com um méee a saudava. 14
- Bom dia, minha ovelhinha, Como estás esta manhã? Perguntava Senhorinha Estendendo uma maçã. - Ora vê o que te trouxe! E abre a mão para ela ver, Poisando o cesto e a foice. - É para ti, podes comer. Méee, méee, Mitra repetia Dando-lhe uma marradinha. Começava assim o dia Bem cedo ali na Quintinha.
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Os primeiros raios de sol espreitavam por entre a Figueira, prefigurando-se um dia de calor e esta, como que a espreguiçar-se, parecia profetizar: - Vem aí um dia de sol quente. Se não me trazem água, lá vão as minhas flores. - As tuas flores? – retorquia a Macieira admirada - Qual o espanto? Sim, as minhas flores! - Olha, olha! Mas tu não tens flores! – Faltava mais esta! Como não tenho Flores? Tenho sim, estes figos carnudos são as minhas flores.
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- Não sabia que agora os figos viraram flores. Quanta imaginação, amiga Figueira!
- Com que imensa confusão Fiquei, menina Figueira, Desculpe a intromissão. - Mas que mal tem, Macieira? Às vezes só digo asneira Tenho que me corrigir. E ali perto, a Cerejeira Se agita e diz a sorrir: 17
- Espero que a Senhorinha Venha aqui p’ra nos regar Ela sabe que a frutinha De água vai precisar. - Pois não se atormente, amiga, De nós nunca se esqueceu, Senhorinha e a netinha São como anjos do céu.
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Estranhamente, Mister, o galo pedrês, cantou de modo diferente hoje. - O que se passa contigo, Mister? Estás desafinado hoje. – Alertou Senhorinha – O que se passa contigo? Não fiques preocupado que o teu dia ainda não chegou. – E dizendo de si para si - O transviado do galaró parece que perdeu o tino! Logo de seguida, Senhorinha foi apanhar um cesto de erva para alimentar a coelhada. Tinha dado ainda alguns passos e sentiu um forte vento. Olhou à sua volta e já o vento sacudia os ramos das fruteiras. Uma nuvem de pó invadia agora todo o espaço. Preocupada, correu para casa e dirigiu-se de imediato para o quarto da neta. Ali, Bia dormia ainda despreocupada. Mas de repente e sem que nada o fizesse prever, já o vento a arrastava pelas alturas como se munida de asas.
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- Santo Deus, o que está a acontecer? E desfez-se num vale de lágrimas. - Socorro, meu Deus! O que está a acontecer? Protege a minha netinha, por favor! O que vai ser de Bia e de todos os meus animais? À volta, tudo estava coberto com um negro manto. - O que vai ser da nossa Quintinha? – questionava baixinho, assustada e com receio que o vento destruísse tudo ao redor. Olhava, olhava e nada via. - Ó meu Santo Deus, vem em meu auxílio nesta hora de aflição… 20
- Santo Deus, vem proteger A Bia e a nossa Quintinha, Que possa permanecer Em pé a nossa casinha. Vem ter de mim compaixão, Da minha neta também, Te peço do coração Pela minha vida. Amém!
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….
Neste sufoco, lá no quarto, Bia despertou do seu sono e, assustada, perguntou: - O que aconteceu, Avó? Como se ninguém respondesse, gritou: - Avozinha! Aonde estás? Como a avó não respondia, Bia saiu e correu à sua procura, mas nada, não estava. - Avozinha onde estás? Tenho medo! 22
Correu desvairada em direção ao curral das ovelhas e, ao ver Mitra, perguntou: - Mitra, viste a Avozinha? Não consigo encontrá-la em lado nenhum. Méeeeé, méeeeé – respondeu com o seu olhar meigo. - Também não sabes, já entendi – respondeu com um olhar triste e uma lágrima a cair-lhe do rosto. Sentou-se no chão ao lado de Mitra, e ali permaneceu por algum tempo a choramingar até que, cansada, adormeceu.
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O sol ia já alto e lá na quinta tudo parecia normal. Os animais pastavam tranquilos, as árvores de frutos estavam saciadas. Só não havia meio de encontrar a avó. - Acorda, acorda Bia! – ouviu chamar. Seria a Avó? Esfregou os olhos e gritou: - Minha Avozinha, que susto. Quando acordei de manhã, não te vi. Estava num lugar estranho. Fiquei ali tremendo, muito assustada. Por onde andaste? - Abre os olhos, Bia, não sou a Avozinha, sou a Ovelhinha Mitra. Abre os teus olhinhos, há muito que fazer aqui na Quintinha.
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- Como podes falar, Mitra? Estou a dormir, por certo! E chama a avó, aflita, Mas só Mitra está por perto. E com o olhar de espanto, Mitra a leva pelo braço. Aflita, pergunta em pranto: Mitra, diz-me o que aqui faço? - Não tenhas medo, pequena, Vem comigo, dá-me a mão, Vais sentir que vale a pena Viver esta ocasião. Olha ao teu redor, princesa, Aceita esta comunhão, Confia e tem certeza Que todos te ajudarão.
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Confusa, Bia estendeu a sua mão para a pata da Ovelhinha Mitra e seguiram em direção a casa. Mitra, assumiu o controle dos acontecimentos e disse: - Enquanto Senhorinha Boaventura não regressar, eu e os restantes animais da Quintinha providenciaremos para que nada te falte. Assim, quando a tua avozinha regressar, vai encontrar tudo no seu devido lugar. - Mitra, diz-me por favor, o que aconteceu à minha avó? - Não sei, Bia, foi algo muito estranho. Um vento forte soprou de repente, mais parecia uma nuvem de pó, e arrastou a tua avó com ela num fechar e abrir de olhos. Quando ela se apercebeu, tentou correr para casa para 26
te proteger, mas nada pode fazer. A nuvem cercou-a e desapareceu
- Era uma nuvem estranha Comandada pelo vento, Foi uma triste façanha E ela foi-se num momento. - Havemos de a ter de volta, Não fiques triste, miúda, Pois de momento, o que importa É teres a nossa ajuda. 27
E no dia em que ela entrar Por aquela porta ali, Nós havemos de a ajudar A que permaneça aqui. - Vamos pensar num plano Para que tudo dê certo E não lhe cause algum dano Por queremos tê-la perto.
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- Está na hora, vamos tratar da tua refeição. Depois, logo veremos que medidas a tomar. Havemos de a encontrar. - Mitra, como podes tratar de mim se és uma ovelhinha? - Perguntou Bia confusa com o que estava a viver. Como podes falar comigo se não és gente como eu? - Não me perguntes coisas que nem eu sei responder. Respondeu Mitra. – O que sei é que de repente comecei a falar e a fazer coisas que só a tua avó sabia fazer e isso é o mais importante agora, tu és ainda muito nova para que possas cuidar de ti sozinha. Depois, quando acabar de preparar a tua refeição, logo pensamos no que fazer a seguir, de modo a encontrarmos a tua avó.
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Mitra desdobrava-se em esforços para manter reunidos os animais da Quintinha e mobilizar até as árvores do pomar, todos unidos haveriam de conseguir trazê-la de volta. Após o almoço, reunidos em conferência, eram tantas as sugestões que Mitra, sorrindo, disse: - Já se está a fazer tarde. O melhor agora é irmos descansar e amanhã, logo que o Galo Mister der o toque da alvorada, metemos pés ao caminho. Temos uma árdua tarefa para cumprir, mas havemos de levar a nossa água ao moinho.
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- Vamos todos descansar, Amanhã é novo dia Bia, vá, vai-te deitar, Eu ficarei de vigia. - Não te vou deixar sozinha, Estarei aqui contigo, Dorme, linda princesinha, Aqui não corres perigo. - Mitra, conta-me uma história Como a avozinha fazia. A da princesa Vitória Que pelo tempo dormia. E Mitra um conto inventou: - Certa noite sem luar Uma estrelinha brilhou E desceu sobre este lar. Foi então que uma avozinha Fez chegar uma menina Tão formosa, bonitinha Mas também tão pequenina. E ela cresceu sadia Com um grande coração, Com amor, com, energia Encheu o lar de afeição. 31
Encantada com a história, cansada, Bia adormeceu. O dia tinha sido agitado. Depois, o desaparecimento da avozinha… Pobre Bia, como gostava de a encontrar! Quantas saudades! Pela noite dentro… - Onde estás Avozinha! Volta depressa, por favor! Que caminho tenebroso esse, ó vento! Aonde está a minha Avó? Trá-la de volta, por favor. Faz-me tanta falta! E logo o vento respondeu: 32
- A tua Avozinha foi apanhada pelo Tufão Esperança. Está aprisionada nos seus domínios. Mas há uma forma de a resgatares. Para isso, tens que tricotar um cachecol de lã virgem de várias cores. - Mas como posso eu fazer um cachecol? Aonde vou buscar lãs de várias cores? - Bia, minha querida, olha ao teu redor e vais ver que não vai ser difícil. É só seguires o que te digo e não tarda, vais ter a tua Avozinha de volta, prometo.
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Olha bem ao teu redor E logo vais encontrar Essa lã de tanta cor E o cachecol tricotar. Depressa o vais conseguir Se mais alguém te ajudar A Avozinha vai surgir De novo no vosso lar. Vai, tricota com carinho Um cachecol multicor E descobre esse caminho Tão cheio de paz e amor. Teu coração, na verdade, É tão perfeito, tão puro, Lá não existe maldade, É tão perfeito e seguro.
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- Vai ser uma corrida contra o tempo para encontrar lãs de tantas cores para tricotar esse cachecol enorme. Mas vou consegui-lo para ter de volta a Avozinha. A noite foi agitada. Bia despertou em sobressalto, abriu os olhos. Ao seu lado, ali estava Mitra, a ovelhinha, aconchegada ao sopé da cama. Levantou-se e foi aconchegar-se no ser dorso macio. Como era bom! Nunca tinha dado conta de como era fofo e macio o seu corpo. E ali mesmo, deitada a seu lado, voltou a adormecer. Foi então que de repente ouviu o toque da alvorada. Era Mister, o galo pedrês, que como sempre, despertava à mesma 35
hora. Espreguiçou-se, estendeu os braços e logo deu com as orelhas da ovelhinha Mitra. Esta, por sua vez, só então dera pela presença de Bia, cumprimentou-a. - Bom dia princesinha! Então, Bia desabafou: - Mitra, tive um sonho. Agora sei como resgatar a Avozinha, mas vais ter que me ajudar, sozinha não o consigo fazer.
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- Diz-me lá o que fazer Para poder ajudar Só terás que me dizer Quais são os passos a dar. - Um cachecol singular, Comprido, multicolor, Vamos ter que o tricotar Com esmero, com rigor Um pouco de cada vez, Mas sem nunca olhar p’ra trás - E quanto tempo prevês? E o tricot, como se faz? - Preciso de muita lã, Aonde a vamos encontrar? - Tens aqui a minha já, O resto, é só procurar. É tudo por Senhorinha, Que saudades sinto dela, Começa então, princesinha, A obra vai ficar bela.
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Ao ver a disponibilidade de Mitra, Bia foi a correr à salinha de costura da Avozinha à procura de agulhas de tricot. Havia que começar rapidamente, embora nem soubesse como o ia fazer. Afinal, ela ainda era uma criança e apenas imitara a Avó quando esta, sentada no cadeirão da sala, se entretinha nos tempos livres a tricotar mais uma das lindas camisolas com que sempre a presenteara. Mas havia de o conseguir, custasse o que custasse. Entretanto, Mitra a ovelhinha, estendia-se no chão da sala. Era uma tosquia improvisada com que não contava. Mas pela Avó valia a pena. Depois, já se ia habituando a 38
esse ritual, não seria penoso para si. Depois, não demoraria muito tempo e aquele manto de lã voltaria a crescer, como sempre.
Conseguidas as primeiras meadas de lã, Bia logo começou a tricotar o cachecol com habilidade e destreza. No início, as agulhas pareciam enormes, para as suas delicadas mãos, mas logo se foi habituando e ao fim de algum tempo já ela executava na perfeição o desejado cachecol. Como por milagre, no dorso de Mitra foi aparecendo uma lã de cor rosada que dava um encanto enorme ao 39
cachecol que crescia. Quando concluída essa parte, uma outra cor aparecia e ao fim de largas horas de trabalho, o cachecol estava terminado. Com que canseira Bia ia tricotando, jamais desviando os olhos do seu trabalho. Mitra, incansável, ali permanecia, assistindo ao milagre da multiplicação da lã nos mais diversos tons.
Quando concluíram a obra, sentiram-se encaminhar para uma espécie de túnel. Foi então que ouviram uma forte voz ecoando ao longo das paredes que dizia: 40
- Quem ousa entrar no Reino da Esperança? Identifiquem-se ou depressa se arrependem. - Vimos em paz, senhor! Eu sou Bia e trago por companhia Mitra, a ovelhinha. - O que te traz ao meu reino, Bia? - A minha Avó, senhor, procuro a minha Avozinha. - Como sabes que a tua Avozinha está no meu reino? - Foi num sonho, senhor, uma voz me disse que ela fora apanhada durante um temporal e que acabou cativa no Reino Esperança. Mais, me disse que se a quisesse de volta, teria que tecer em tricot um cachecol multicolor para aqui chegar. Ei-lo aqui, senhor.
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- Já vi que cumpriste as recomendações do teu sonho. Como recompensa, podes procurar a tua Avozinha e levá-la de regresso a casa. Entra, mas não pares de tricotar o cachecol ou acabarás também cativa. Quando a encontrares, a tua missão estará concluída e podeis regressar. Bia entrou e ficou espantada com o que viu. Havia por ali muitos avós cativos no Reino Esperança. Incansável, depressa encontrou a Avozinha que ficou tão feliz quando a viu que logo se lançou nos seus braços. Olhou Mitra com carinho e agradeceu o apoio que estava a dar à sua neta. Mas, ao vê-la, perguntou com espanto:
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- Mitra, o que aconteceu a tua lã, está agora de outra cor. – Vem daí, Avozinha, é uma longa história que te contaremos quando chegarmos à Quintinha. Ouve com atenção. Sobe para o cachecol e não olhes para trás durante a viagem. Só assim conseguiremos voltar a casa. - Vamos, sim, querida, prometo. Custa-me deixar para trás estes avôs que, não haja um novo milagre, ficarão aqui presos para sempre. - Vou perguntar ao vento se os deixa sair connosco! Mas mantém-te em silêncio por favor, Avó. Diga ele o que 43
disser, nada respondas. Não sei o que poderá acontecer se falares!
- Meu vento amigo, me escuta, Quero pedir-te um favor Pelo qual peço desculpa, Mas farei o meu melhor.
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Deixa sair esta gente Que tem um lar que algum dia Os espera novamente. Desculpa a minha ousadia. - Deixa-os ir em liberdade Para os seus lares queridos P’ra lembrarem com saudade Outros tempos já vividos. - Que idade tens tu, princesa? - Tenho seis anos, Esperança, - Seis anos? Tens a certeza? Não deixes de ser criança.
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- Se é essa a tua vontade, podes levá-los contigo. Penso que o cachecol não suportará toda essa gente mas mesmo assim, tenta levá-los. Sabes o que tens a fazer, devem jamais olhar para trás, pois se olharem, vai ser o seu fim, nada poderás fazer para os ajudar. Grata pela benevolência demonstrada para consigo, Bia despediu-se do Tufão Esperança e convidou todos os avós que o desejassem a subir para o cachecol, que entretanto assumira um tamanho gigantesco e o fizessem ordenadamente. 46
- Ouçam-me com muita atenção, por favor, jamais olhem para trás, ou não mais poderão regressar ao convívio dos vossos familiares. Acomodem-se como puderem e evitem movimento. Cá por mim, continuarei ininterruptamente a tricotar até ao fim da nossa viagem. Assim Deus nos proteja.
Quando estavam acomodados, lançaram-se ao vento e voaram até que atingiram um lugar seguro. Foi então que o cachecol foi parando e deixando os passageiros, cada um em seu lar. 47
Por fim, Bia, a Avó e Mitra, a ovelhinha, chegaram à sua Quintinha, aonde os restantes animais os esperavam ansiosos e as árvores lhe forneciam generosamente os seus frutos suculentos e apetitosos. Então, a Avó abraçou a neta, a quem agradeceu tudo o que fizera, agradecimentos que replicou a Mitra, a ovelhinha. Nos dias seguintes, os momentos que se viveram na Quintinha foram de grande júbilo e festejados por todos os amigos vizinhos.
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Haja paz, e alegria Aqui na nossa Quintinha, Obrigado, minha Bia Por ter tua companhia. Vivia-se grande festa Nesse lindo entardecer E até mesmo a giesta Não quis deixar de aparecer. Soprava um suave vento Nessa tarde, nesse dia, O tempo parou no tempo E toda a gente sorria. Orgulhosa, Senhorinha À menina foi cantar E agradecer à netinha Por lá longe a ir salvar. Foi tanta a felicidade Que ela a Deus agradeceu Pela sua liberdade E a neta que lhe deu.
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