Contos ao Luar. de Rosa Maria Santos

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Contos ao

Luar

Rosa Maria Santos 2


Ficha Técnica Título Contos ao Luar Autora Rosa Maria Santos Capa Arranjo de José Sepúlveda Imagens Rosa Maria Santos Formatação José Sepúlveda

Editado em E-book em maio 2020 Biblioteca: ISSUU Rosa Maria Santos 3


Rosa Maria Santos Naturalidade – S. Martinho de Dume, Braga. Muito pequena, foi viver para a freguesia de Maximinos. A base do seu equilíbrio emocional está no seio familiar. É na família que encontra a alegria de viver. Viveu na Costa Litoral Alentejana, em Sines, trinta e um anos, tendo regressado em 2017, à cidade que a viu nascer, Braga. Participou em diversas coletâneas de Poesia, portuguesas, italianas e brasileiras. É Colunista no site Divulga Escritor, possuindo também uma rubrica na Revista com o mesmo nome. Foi assistente de produção e recolha na coletânea de postais do grupo Solar de Poetas, Poeta Sou…Viva a Poesia; participou nas coletâneas de postais de Natal do mesmo grupo: Era uma vez… um Menino; Nasceu, É Natal; Não Havia Lugar para Ele; VALE DO VAROSA: Uma Tela, um Poema, do Solar de Poetas, para promoção do Evento: Tarouca Vale a Pena; Belém Efrata; Então, Será Natal; Vi Uma Estrela, todas editadas em e-Book; O Presépio de Marco – inspirado nas imagens 4


do presépio de Natal 2019, elaborado por Marco Massimo e seus familiares. É Administradora dos grupos: Solar de Poetas, onde coordena também a equipa de Comentadores; Solarte – a Arte no Solar; SoLar-Si-Dó - A Música no Solar; Canal de Divulgação do Solar, Casa do Poeta; SolarTV Online; Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa; Hora do Conto e O Melhor do Mundo, todos do grupo Solar de Poetas. A escrita é uma das suas paixões… Não se considera escritora nem poetisa, mas uma alma poética a vaguear pelo mundo... Se um dia deixar de sonhar, diz, deixa de existir. Livros editados: Rosa Jasmim (poesia), Capa do Mestre Adelino Ângelo – julho 2018. E-Books: Cantam os Anjos (poesia de Natal) – Capa de Adias Machado - Dezº 2017; Ucanha terra de encanto Poesia) - Capa: Glória Costa – Maio de 2018; Bolachinha em Tarouca (prosa e poesia) – Capa: Glória Costa – Maio 2018; Bolachinha vai à Hora de Poesia – Outubro 2018; Bolachinha vai à Casa Museu Mestre Adelino Ângelo – Novembro 2018; Sinos de Natal, Natal de 2018; O Natal de Bolachinha, Natal de 2018; Pétalas de Azul (contos) – Fevereiro 2019; Estórias em Tons de Rosa (contos) Abril de 2019. Pena Rosada, Crónicas do Quotidiano, Julho 2019, Glosa, Arte e Poesia, Pinturas de Glória Costa, poesia da autora, Agosto 2019; Entre Barros, Arte e Poesia Bordadas à 5


Mão – pinturas de Bárbara Santos, poesia da autora, Outubro - 2019; 12 Contos de Natal, capa de Madalena Macedo. Imagens com arranjos da Autora, Dezembro de 2019; Veado Solitário, na Aldeia do Mestre Li . Edição Bilingue (português e italiano, Janeiro de 2020; Bolachinha e a Hora de Poesia, a Visita de Teresa Subtil – edição bilingue (português/Mirandês, Fevereiro de 2020. ; Esperança no País do Arco Íris – Abril de 2020; O Menino da Lagoa, Edição bilingue (português/ingês) – Abril de 2020; A Menina Raposa, capa de Ana Cristina Dias; Ana Rita e o fascínio dos ovos – Maio 2020; Milú, o Chapeuzinho que gostava de cirandar, Maio 2020 .

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A editar, em breve: Histórias da Bolachinha – Capa e ilustrações de Glória Costa. Distinções: Maio de 2017 - 2º Prémio de Poeti Internazionali. Poema Rosa de Saron, no Concorso Artemozioni, Cantico dei Cantici In Valle d’Itria, Itália; Maio 2019 - 3º Prémio de Poeti Internazional - Itália. Com o poema “Violino”; 5° Biennale del Festival Internazionale Delle Emozioni, Itália - 10° Edizione Del Concorso Di Poesia e Narrativa: Prémio d’ Onore Concurso de Premio Letterario Internazionale di Poesia “Gocce di Memoria“, Itália, Junho 2019 con la poesia Sfera di cristallo (Bola de Cristal). Concorso “Il Meleto di Guido Gozzano” Sezione Autori di lingua straniera - ATTESTATO DI MERITO, 14 settembre 2019 com la poesia Assenza (Ausência). Itália, agosto de 2019. Jogos Florais Vale do Varosa 2019 – Concurso Literário Tarouca - “O rio, o vale e as gentes”: Menção Honrosa, categoria de Poema.

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A Casa Mágica

Serena era uma linda menina de sete anos. Vivia com a mãe e o pequeno Serafim numa pequena casa muito modesta, nos arrabaldes da Quinta da Lagoa. A sua família era muito carenciada. Seu pai fora trabalhar fora do país e não mais deu notícias. A pequena vivia na esperança de um dia ver o pai regressar e assim fazer renascer os seus sonhos de criança. Cheia de esperança, todos os dias olhava ansiosa aquele longo caminho de terra batida, à espera de o ver chegar um dia. Serafim, o seu maninho, era mais novo. Tinha agora cinco anos. Era uma criança viva e esperta. 8


- Serena, Serafim – dizia a mãe - parem um pouco, queridos, venham tomar o pequeno almoço, os cereais estão a arrefecer. Mas não havia meio de os fazer parar. Serena e Serafim eram crianças cheias de vida, sempre a correr. - Logo que engoliu apressadamente os cereais, Serena perguntou: - Mãe, podemos ir brincar um pouco? Está tão bom tempo lá fora! - Já? Parem um pouco. Depois, sim, podem ir apanhar um pouco de ar. Mas vão prometer que não vão para longe, sim? Nem vão para o jardim do vizinho! Ele não gosta nada. Não se esqueçam, eu não ia gostar de saber que andaram por lá. Combinado?

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- Sim, mãe – respondeu – não iremos para lá. Vamos andar por aí a brincar ao esconde-esconde ou ao berlinde, por aqui por perto, ao redor da nossa casa.

- Vamos brincar Serafim Que a ti não há quem te finte, Escondo-me p’lo jardim, Podes contar até vinte! - Um, dois…, nove… dez.. Corre, lá, vai te esconder… Já te vi! É a minha vez, Na roseira, estou-te a ver!

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- Serafim e se fossemos espreitar, à janela? - sabemos que a mãe não gosta que brinquemos aqui, é pena, tem muito espaço e um jardim tão lindo, ninguém brinca nele. Nunca vi ninguém na casa, talvez esteja desabitada. - Há dias perguntei à mãezinha, se sabia quem morava na linda casa, não me soube responder.

- Vamos daí, meu maninho, Já chega de brincadeira; Lá na casa do vizinho Há uma linda roseira.

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Lindas rosas amarelas, Macias, aveludadas, Os botĂľes sĂŁo como estrelas E as folhas esverdeadas. - Se ela soubesse que estamos a brincar junto ao jardim do novo vizinho, ia ficar muito zangada connosco. Serena e Serafim, brincavam com a sua pequena bola, quando a bola saltitou da mĂŁozinha de Serena, voou pelas alturas e acabou por entrar naquela casa. Os meninos ficaram boquiabertos a olhar a bola. E agora? Parecia que a porta havia de se abrir precisamente naquele instante!

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- Minha maninha, tu viste? A bola entrou pela porta! - O que fazer? – disse triste - Vamos busca-la – o conforta - Na porta vamos bater Pedir licença para entrar - E se ele não nos receber? Diz Serafim a chorar - Não penses nisso, maninho A bola vamos buscar; Vamos pedi-la ao vizinho Para de novo jogar.

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De mãos dadas, Serena e Serafim, amedrontados, lentamente seguiram pelo passeio de pedra cinzenta que os levava à porta daquela casa enorme que fazia lembrar as velhas casas das histórias de fantasmas que em tempos ouvira contar. Ainda mal tinham chegado e logo a porta se abriu bruscamente. Serena puxou o irmãozito para trás de si, espreitou temerosa e perguntou cortesmente:

- Dá-nos licença de entrar? Perdemos a nossa bola, Só a viemos buscar, Depois, vamos dar à sola… 14


- Ó senhor do casario, Por favor, está alguém? Que silêncio, está vazio Não parece ter ninguém! - Isto anda tudo ao contrário Diz Serena a Serafim Apenas imaginário! Olha a bola no jardim. - Vamos de novo brincar Disse Serena a sorrir… - Ouviste alguém a falar E uma janela a abrir?

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- Vem, Serafim. Não estou a gostar disto. Despachate, alguém saiu da casa pela janela. Vamos ver o que foi? Apavorados, correm pelo jardim, mas nada encontram. De repente, nova janela se abre. Curiosos e cheios de medo, escondem-se e espreitam. Serena não resiste à tentação e salta por outra janela. Serafim assiste indeciso, mas acaba por a seguir. Agarra com força a mãozita de Serena e segreda baixinho: - Maninha, não devíamos ter entrado, pode ser perigoso. A mãezinha recomendou-nos para não nos aproximarmos da casa nem falar com estranhos. Estou assustado. - Chiu, não fales… - e logo a seguir – Olha! Estás a ver o mesmo que eu? Que estranho. A casa não tinha soalho, apenas paredes, nada de divisões. Assustador, mas simultaneamente mágico. Um novo mundo à sua espera. - Vamos entrar – disse Serena decidida.

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Uma nuvem negra invade o jardim. Num instante, as rosas amarelas tornam-se negras. A casa vira-se de repente. Serena e Serafim tremem como varas verdes. Metem-se pelo corredor e ei-los a correr como que num labirinto, de pernas para o ar. A magia se foi. Então em pânico, choram abraçados. - Mãezinha! – gritam – vem cá depressa, socorro!

Aos gritos dos meninos, acode a mãe, aflita, que tenta a todo o custo entrar naquela estranha casa: - Abre-te, porta marota Devolve-me os meus meninos, E depressa, sem batota, Pois são meus os seus destinos. 17


- Ninguém aqui é bem-vindo - Abre, deixa-os sair! Vamos depressa fugindo, As paredes vão ruir. Abraçados à Mãezinha, Ainda mal conscientes, Lá regressam à casinha Bem felizes e contentes.

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Quando curiosos olharam para trás, a misteriosa casa tinha desaparecido. Serena e Serafim, sempre que íam à rua, tremiam ainda ao olhar para aquele jardim estranho. E a si mesmo prometeram que a partir de agora estariam sempre mais atentos aos conselhos da mãe e às suas recomendações para os lugares para onde deviam ou não se dirigir, sabendo que, obedecendo, a sua vida estaria sempre mais segura. - Serafim, vamos brincar Ao berlinde, ao pião. E a nossa mãe lembrar Com redobrada atenção.

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O Barquinho de Papel

Joãozinho vivia numa pequena vila piscatória, adorava o mar e não gostava de ir para a escola. O seu fascínio era o mar, aquela imensidão que ao seu olhar se perdia entre o azul do céu e o infinito. Como gostava de ouvir as gaivotas logo pela manhã, quando o pai chegava cansado da lide da pesca. Como desejava um dia ser pescador! Quando crescesse iria sê-lo. A escola, pensava, era uma perda de tempo. Um dia, de manhã bem cedo, a mãe chamou: - Joãozinho, levanta-te, rapaz, não me ouves? Preciso de ti, vem cá. 20


Mas, o Joãozinho, nem vê-lo. O que queria era estar bem perto do mar, aquele que preenchia todos os seus sonhos e o chamava a cada instante.

- Ó mar, ó meu mar salgado, Como é bom estar aqui, Eis-me feliz, encantado Só porque estou junto a ti. Quero ser homem, crescer Contigo me aventurar, Tu vais ser o meu viver, Não preciso de estudar. Quero estar contigo, mar, E sentir a maresia E se a vida me ajudar Pescador serei um dia. 21


Naquele dia, o mar estava muito agitado. Joãozinho não se lembrava de o ver assim, com um ondular tão intempestivo, forte. Na praia, mulheres vestidas de negro, num grande clamor, de mãos elevadas aos céus, pediam à Virgem proteção para os seus entes queridos. - Senhora da Lapa, salvai os nossos maridos, os nossos filhos, aqueles que temos no coração. Como era dura a faina lá no mar! Todo aquele movimento, o mar em alvoroço, mexia com Joãozinho que, alheio à perplexidade e ao sofrimento, olhava fascinado. Momentos que, embora de anunciada tragédia, se mostrava de rara beleza. O seu espírito ainda inconsciente de criança não o deixava pensar na tragédia que poderia acontecer. 22


Corria pelo areal, alheio a tudo, baixando-se de quando em quando para apanhar um búzio, um ouriço, uma estrela, tantas coisas belas que as elevadas ondas lhe ofereciam e ele, na sua inocência buscava, enfrentando um perigo que para ele não existia. E, feliz, agradecia:

- Ó meu mar, muito obrigado Por tantas, tantas conchinhas, Em ti me sinto arreigado, São tão belas, pequeninas. Querem fazer-me estudar Para um futuro melhor, Do teu leito me afastar E eu não quero, por favor! 23


Não quero, quero viver Esta vida simples, sã, Ver o sol a despontar No alvor duma manhã

Inês, a mãe do Joãozinho, chamava aflita pelo filho, mas nada. Onde se terá metido? - Joãozinho, vem cá, onde estás? Mas nada. O seu mundo era bem diferente. A vida era pacata na pequena aldeia plantada na costa litoral. O areal estendia-se até não mais se ver. Saiu preocupada calcorreando o areal quando encontrou Ti Miquelina. 24


- Bom dia, Inês, tu não queiras Longe do mar o encontrar Procura nessas esgueiras Ali, próximo do mar - Ti Miquelina, bem quero Pois precisa à escola ir E quando crescer, espero Vê-lo mais alto subir. Diz não gostar de ir à escola, Pensa ser um desperdício Chega e arruma a sacola, Vai ver o mar, como um vício.

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- A Ti Miquelina é uma pessoa experiente, o que hei de eu fazer? - Olha, Inês, o teu rapaz foi feito para o mar. É filho de pescador, pescador vai ser. Não te esqueças disso, Inês. Deixa o rapaz seguir as pegadas da família, a vida que o chama e de que gosta. Ou vais vê-lo para sempre infeliz. Ninguém foge à sua sina e o mar é o seu destino. - Faz-me pensar, Ti Miquelina. É capaz de ter razão. Bem, me vou, até mais logo, que o Senhor a acompanhe. - Até logo, rapariga, não esqueças o que te disse! E ei-lo ali na frente, olhando o mar. Parece falar com ele, como com um amigo de longa data. E interrogase: - Será que Ti Miquelina tem razão? Nós, os pais, bem procuramos um futuro diferente para os nossos filhos. Na verdade, o meu pai já nele foi sepultado. Sempre que o mar grita, o meu coração estremece e logo o credo me vem à mente. A minha esperança é que com o tempo ele se habitue à ideia e possamos rumar para outras terras onde esse fascínio possa esmorecer-se da sua mente. - Hás de ser um dia doutor. – pensava de si para si – Custe o que custar. E virando-se para o filho: - Joãozinho, meu filho, está na hora de voltares, há trabalhos escolares à tua espera, filho. 26


- Pronto, mãe, vamos. Mas amanhã volto. Gosto de conversar com o mar.

- A despedida é tristeza E logo temos saudade Mas amanhã, com certeza Vou aqui passar a tarde. Os homens entram no mar As mulheres no abrigo Passam a vida a rezar P´ra que não haja perigo Esta faina é perigosa Dou à minha mãe razão Mas vida maravilhosa Dá o mar em profusão. 27


- O mar está revolto hoje, Joãozinho, vamos pedir à Virgem que os traga de volta em segurança. Devem estar de regresso. Já estou com o coração nas mãos. - Não fiques aflita, mãe, o mar é nosso amigo, vai os trazer de volta carregados de peixe, vais ver. - Deus te ouça, meu filho. Os bens mais preciosos que temos são as suas vidas, isso sim, a nossa verdadeira riqueza. Ao chegar a casa, Joãozinho, obediente, logo tratou de fazer os trabalhos escolares. Um silêncio estranho pairava no ar. O tempo passava e os pescadores, nada de regressar da faina. - Mãe – disse colocando ternamente a mão sobre o seu ombro – estás preocupada. Posso fazer-te companhia! Não chores, sim? 28


- Vai descansar, meu filho. Eles não tardam a chegar. Apenas se atrasaram um pouco. Deus é poderoso. - É isso, mãe, tudo vai correr bem. Vou até lá dentro descansar um pouco – disse, beijando-a.

Meu Deus, todo poderoso, Cuida nossos pescadores, O mar está furioso, São, bons e trabalhadores Naquela expectativa, dava voltas e mais voltas. O tempo parecia não passar! Lá dentro, tomado pelo cansaço, Joãozinho acabou por adormecer. 29


- Homem ao mar! – alguém grita – Acudam! - Segura o leme! Como é forte a tempestade! O vento vai derrubar o barco, a força dos remos torna-se impotente para enfrentar a força das ondas. Os remos são agora frágeis e impotentes varas. - Joãozinho acorda e corre para a rua. E contempla toda aquela fúria das ondas, a revolta dos homens do mar, as mulheres que gritam e blasfemam contra a imagem da Senhora que assiste e não age. Joãozinho corre a casa, abre a escrivaninha e arranca o seu pequeno barco de papel. Corre ao areal e, enfrentando as ondas, faz-se ao mar:

- Porquê, meu mar, diz-me, mar, O que está a acontecer? Mas que fúria esse ondular, Não quero ninguém perder. 30


Ouve, mar, com atenção, Perdido nas tuas ondas Eu te entrego em oração Meu barquinho, não o escondas. É de papel, tem cuidado, Fi-lo com muito carinho E não te faças rogado Leva-o no bom caminho O logo o mar se acalmou Ao ouvir o seu apelo E a tempestade acabou E o sol brilhou mais belo

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Logo que o seu barquinho voltou a suas mãos, logo atrás, como que arrastado por ele, aquele barco enorme, agora a navegar em segurança. - Vês, mãezinha, o mar é bom. Já me aceitou como um dos seus. Sou um pescador. E, virando-se para o mar, agradeceu: - Amanhã virei ao mar Com fulgor, com alegria P’ra consigo festejar Tanto amor, quanta harmonia.

O céu, agora manchado apenas com pequenas nuvens claras, parecia sorrir para si, como que agradecendo a sua entrega. O despertador toca. Sobressaltado, Joãozinho levanta-se de um salto e corre à gaveta da escrivaninha. 32


Que alívio! O seu barquito lá estava a um canto, arrumado e intacto. - Mãe, os barcos já chegaram? - Sim, Joãozinho, graças a Deus. Não faças barulho, os homens precisam descansar. - Está bem. O meu barquinho aqui estará sempre pronto para os poder salvar. - O quê? – disse com espanto – Diz-me, filho, o que sonhaste desta vez?

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D. Cegonha Felisberta Veloz Dona Cegonha Felisberta Veloz, acabara de se mudar para a Quinta do Tremoço, lugar belíssimo, ladeado

por um belo riacho de água tépida e prateada. Todos os dias se lançava num voo profundo através do imenso céu azul celeste, acompanhada pelos seus quatro filhotes. Jolina, a mais velha, era meiga e brincalhona; Marco, o seu segundo filho, era muito traquina e espertalhão, queria saber tudo o que se passava ao seu redor; Marieta, a terceira, era uma sonhadora inveterada, atirava-se lá para um canto onde ninguém a incomodasse; Leopoldo, o mais novo, brincalhão e rezingão, gostava era de aventura. No alvorecer de certo dia, logo no céu o sol fez aparecer o primeiro raio de luz, abriu o bico e agradeceu ao Criador, Rei do universo, o ter despertado. 34


- Agradeço-vos, Senhor Por mais este despertar, Com saúde e com vigor Para meus filhos criar - É hora de levantar Ó Felisberta Veloz, Vem ver o sol a brilhar Cantou ela em alta voz. - Mas que bela vista aqui! Vou acordar os meninos… Eh lá, que se passa ali? Um bebé para os vizinhos?

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Vou minha casa arrumar E procurar alimento, A comida preparar Quando chegar o momento Depois de tudo arrumado, Este bebé vou levar Ao casal ali ao lado! Que anseiam vê-lo chegar.

E ei-la, despachada, a levantar-se e a arrumar a casa. Em seguida, lançou-se aos céus à procura de alimento para os seus filhinhos. Só assim poderia preparar um bom pequeno almoço. Ela bem sabia que um bom pequeno almoço era essencial para os ver crescer fortes e sadios. 36


Adorava vê-los sôfregos a esvaziar as tigelas com a boa comida que lhes tinha preparado durante o seu voo pelos campos circundantes à sua humilde casinha, colocada lá bem alto no cimo da Alta Tensão.

De sacola aos ombros, carregou tudo o que podia para armazenar, guardou na sua despensa, para manter em casa algumas provisões, tão necessárias para qualquer emergência. - Muito bom, hoje a procura foi proveitosa. Foi um regresso a casa bem feliz e contente: - Eis o meu lar, doce lar Cantava alegre e feliz Lá me vou aconchegar Conforme a cantiga diz

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E quando a casa chegar, As crianças vão comer; Depois, iremos voar Se o pudermos fazer

Gostavam de no fim da refeição cruzar os céus todos juntos, atravessar as brancas nuvens (ou cinzentas, sabe-se lá!). Todos os dias faziam esse voo leve além dos céus. Era tão bom sentir a fresca brisa a acariciarlhes o rosto. O telefone tocou. Tinha uma entrega muito importante para fazer. Um casal que há muito esperava o seu bebé. Como dizia o ditado popular, a cegonha está a chegar. Com os olhos postos no céu, esperavam ansiosos a desejada visita da cegonha, carregando no bico o almejado filho, sonho acarinhado por toda a família. 38


Ansioso pela chegada, Aflito, o pai murmurou: - A cegonha está atrasada. - Lá vem ela! - alguém gritou. E já cansada, a cegonha À sua mãe o entregou E muito alegre e risonha P’ra sua casa voou. Olhando com terno amor, O pai logo a aconchegava, Agradecia ao Senhor E o seu filhinho beijava.

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- Missão cumprida. – desabafou Felisberta Veloz. Era hora de regressar ao lar e cuidar dos seus filhos, de lhes dar a atenção e o cuidado que também eles careciam. Estava cansada, tinha sido uma manhã desgastante. Mas Felisberta Veloz estava muito feliz. Quando chegou a casa, os seus lindos filhos divertiam-se contentes. Contou-os, um, dois, três, e… - Leopoldo! – chamou… Mas…nada! Aflita, olhava para todo o lado com o coração apertado. Já sem saber o que fazer, de repente, quando ouviu uma vozita trémula e assustada de alguém que surgia por debaixo das suas asas:

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- Estou aqui, Mãezinha! O malandrote tinha-se ocultado por entre as suas penas para poder assistir à entrega daquela linda criança. - Leopoldo – resmungou a mãe - não voltes a fazer isso. Sabes que é muito perigoso, podias ter caído sem que eu pudesse proteger-te. - Quero ser médico Mãezinha – foi por isso, queria ver como era. - Não me venhas com essa, é ainda muito cedo. Bem, vai brincar com os teus irmãos… E ganha-me juízo nessa cabecinha – adiantou, escondendo um sorriso. - Sim, mãezinha. Mas vais ver… Quando for grande, quero andar como tu a entregar bebés de lar em lar e, como tu, espalhar felicidade por esse mundo além, sim, mãe? 41


Joaninha, a menina que gostava de livros

- Joaninha! - chamava a mãe - Onde estás, princesa? A pequenita nem ouvia. Era de tal modo absorvida pela leitura que, sempre que podia, lá estava ela no mundo dos livros, à descoberta do desconhecido. Avidamente, folheava cada página e mergulhava no sonho, na fantasia. Como desejava entrar nesse mundo de magia! Será que um dia saberia escrever assim? Sempre que podia, lá estava ela absorvida por aquele mundo mágico, os livros. Naquele dia, ao amanhecer, Joaninha levantou-se, foi buscar o novo livro que lhe tinham oferecido. Prenda de aniversário. De repente, ouviu: - Joaninha! – insistia a mãe – Desce, está na hora do pequeno almoço. Até te esqueces de te alimentares, 42


pequena. Deixa um pouco os livros e vem, sim? – e, desabafando para consigo – Que miúda esta! King, o seu gatinho persa, com o seu olhar atento, observava a menina, como que a dizer: “Vem daí, Olha a minha barriguinha a clamar por alimento!”

- Joaninha, princesinha, Olha as horas, meu amor! - Já desço, minha Mãezinha, Mais um pouco, por favor! Mas que livro interessante O que ontem me ofereceram, História impressionante! - Vamos lá, que nos esperam!

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Assim parecia dizer com suas insistentes lambidelas o gatinho King. - Está bem, convenceste-me, vamos ao pequeno almoço! Mas por pouco tempo, despacha-te, que logo quero retomar a leitura do meu novo livro. Com toda a pressa, Joaninha sentou-se e quase se engasgava a tomar o pequeno almoço. Mãezinha não gostou e disse: - Come devagar, Joaninha, se não te portas bem, ainda arranjas a não poder voltar às tuas leituras. Cada coisa a seu tempo, filha, tens todo o tempo do mundo para ler.

- Eu sei Mãezinha, mas o livro é tão interessante! King, ao vê-la quase a levantar-se, lançou-lhe um olhar meigo como que a dizer: Espera: - Miauuuu, miauuu. 44


- Sim – respondeu Joaninha afagando-lhe o macio pelo – mas despacha-te. Reuuuu – respondeu King, exibindo a sua peluda lombada e erguendo o rabo de contente. Num ápice, tomaram o pequeno almoço, levantaramse da mesa e subiram de novo ao quarto de Joaninha. - Mãezinha, já terminei E para o quarto vou ler - Ai, que menina, bem sei! Mas o que posso eu fazer? - King, deixa de saltar, Vens comigo, ou talvez não, Não são horas de brincar, Leva isso em atenção!

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E King lá se convenceu a ficar pela cozinha onde, na companhia da mãe, podia saltar à vontade sem ser incomodado pelas admoestações constantes da amiga. Joaninha chegou ao quarto e logo se embrenhou de novo na leitura. Logo, logo, King se aproximou e arranhou inquieto na porta como que a pedir para entrar. - Renhau, renhau, - arranhava O King, sobre o tapete. Joaninha nem ligava E o barulho se repete. Sem se poder concentrar Na historinha que lia, Abre a porta, deixa entrar E volta à sua magia

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Para tentar acalmar os impulsos do seu nervoso gato, Joaninha senta-se a seu lado no tapete, abre o livro, e entra novamente no seu mundo de magia. Absorvida pela leitura, nem se apercebeu que King desaparecera. - Uau, que maravilha, King. – E olhando para o lado – King, onde estás? Nada de King. - King, meu lindo gatinho onde te meteste? – chamava aflita e insistentemente. Sorrateiramente, em silêncio, dá uns pequenos passos em direção a uma portinhola dourada, estende a sua pequena mãozita e abre-a. Surpreendida, vê na sua frente um extenso e verdejante manto relvado, que se prolonga até onde a vista pode alcançar. - Oh, será que posso entrar? Pensou logo Joaninha É tão belo este lugar… Olha que linda portinha! Vou abrir, vou procurar King, o meu gatinho persa, Eu tenho que o encontrar, Tudo o resto, pouco interessa! A portinha vou abrir: - Bom dia, dão-me licença? Disse a menina a sorrir Se não derem, paciência! 47


Entrou, pousou o pezito no relvado e começou a caminhar: - King, onde estás, gatinho lindo? - King, meu lindo gatinho, Vem até mim, por favor, Aonde estás, pequeninho? Aparece, por amor! Naquele silêncio sepulcral, logo o coração quase lhe salta ao ouvir uma gargalhada: - Ahahahahaha, hihihihihihi… Quem ousa pisar-me aqui? - Desculpe, senhor Relvado, sou eu, a Joaninha, procuro o King, o meu gatinho persa, não o viu por aqui? - Eu cá nada vi. Vá procurá-lo lá para a sua terra ou onde quiser! 48


- Desculpe, senhor Relvado – respondeu assustada. Abriu de novo a portinhola e saiu a tremer daquele lugar que lhe parecia tão belo e de repente se mostrou tão sinistro. Ao voltar ao seu lugar de leitura, surpresa, encontra uma nova portinhola, esta, de cor prateada. Cheia de medo, pé ante pé, chega-se e pensa: - O que esconderá esta porta?

Depois, apavorada, mas decidida, exclama: - Vou abrir, tenho que encontrar o King. E lentamente foi abrindo enquanto chamava baixinho: – King, meu gatinho, onde estás? E, ao mesmo tempo, questionava-se: - Será que poderei abrir a porta? 49


Deita a mรฃo ao puxador e exclama estupefata: - O mar! Um extenso areal, banhado por ondas suaves, aconchegava em si pequeninos beijinhos de amor que pareciam sorrir-lhe. Pequenos caranguejos percorriam o areal, lindas gaivotas esvoaรงavam num enternecedor bailado sobre o ondular daquelas รกguas.

- Bom dia, senhor meu Mar, Pode dizer por favor Se viu por aqui passar O meu King miador? E o mar logo falou Pelas ondas, bem baixinho, - Este beijinho que te dou Com muito amor e carinho 50


- Leva-o contigo, menina. Este teu gatinho é lindo? - O meu nome é Joaninha Disse a menina sorrindo. - Sê bem-vinda ao paraíso Deste meu Vale Encantado, Farei o que for preciso Se ele andar deste lado. Fica connosco, querida, Todo o tempo que quiseres Só quero que neste dia O faças por mereceres.

Joaninha lançou-se no areal. Estava cansada e aflita pelo seu King. Quando estava prestes a fechar os olhos, pareceu-lhe ouvir um ruído: 51


- Psiu, psiu… Olhou de um lado, a seguir do outro, voltou-se para trás e nada! Então, perguntou: - Quem és tu? Não te consigo ver? - Estou aqui em cima – respondeu baixinho! - Um peixe com asas? Pareces um peixe! Mas, os peixes não têm asas? Como podes voar se és peixe? - Sou o Peixe Voador que ajuda seja quem for. Ainda confusa, Joaninha esfregou os olhos uma, duas, três vezes. - Podes abrir os olhos, Joaninha, é esse o teu nome! Ou não? O teu gatinho persa falou-me de ti? - Viste o meu gatinho persa?

- Sim, vi. Vem daí, vou-te levar até ele. Entusiasmada, Joaninha seguiu o peixinho Voador. E logo chegaram a um lugar paradisíaco, cheio de algas multicolores que se estendiam ao longo de um manto 52


de areia fina e na passagem pareciam sorrir. Do ar, outros peixes voadores acompanhavam o seu andar, sobrevoando aquele lugar tão belo. Alguns polvos pareciam arpejar com harmonia lindas canções de amor. Um grupo de raias lançavam no ar harmoniosas melodias. E até alguns chocos pareciam debruçados em seus violoncelos. Que maravilha esta orquestra imaginada pelo coração de Joaninha. E ei-la que grita: - Onde estás, meu King?

- Espera um pouco, querida, O pouquinho desejado Para lembrar pela vida Teu King, o gatinho amado 53


E ei-lo que surge. Logo salta para o colo de Joaninha e, entre mil afagos, parecia dizer: - Minha Joaninha querida, o teu mundo da leitura é fascinante, mas será que podemos ficar neste mundo que agora descobri? - Não, gatinho querido, temos que voltar ao nosso mundo. Quem sabe se um dia aqui possamos regressar. Para isso, temos apenas que aprender a abrir o nosso livro… e voar!

O livro é um Universo Que nos traz sabedoria, Seja poesia ou verso Ele é cultura e magia!

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Joanito, o cientista em construção

Joanito acabara de festejar os seus oito anos. Como presente, os pais ofereceram-lhe um telescópio, brinquedo que desde há muito tempo esperava. Mas este era daqueles muito avançados que todas as crianças gostariam de ter. Nada que se comparasse aos velhos telescópios de brincar que tinha arrumados no armário e a que já não ligava patavina. Estava numa idade mais exigente. A idade das descobertas, e a sua argúcia e curiosidade pediam agora algo mais avançado. Agora, passava grande parte do seu tempo a observar o céu. Sempre que surgia uma nova descoberta, entusiasmado, gritava: 56


- Mãe, eureka, vem cá ver isto! Mas vem depressa, doutro modo, já nada vais ver. Pronto. – dizia às vezes algo desapontado, sempre que a mãe se atrasava – Já nada há para ver!

- Vá, não fiques assim – respondia - não deu para vir logo a correr. Logo surge de novo e eu vou poder ver. - Que fenómeno estranho, o que seria? - pensava Joanito. Certamente, a mãe tinha razão, logo voltaria a ser visível. E horas a fio ali se mantinha à procura de novas descobertas. Quem sabe se voltaria a ver aquele fenómeno que assim como veio - de repente- do mesmo modo se foi. 57


- Não vou ficar a cismar, Há de haver uma resposta! O telescópio no ar E o olho a ele encosta. Interessante o que vejo, Um novo astro no céu, Uma vez mais eu a vejo Mesmo envolta neste breu. Na vida, o que mais almejo, É vir a ser cientista, O telescópio manejo Apurando sempre a vista 58


- Joanito, tem cuidado Que te podes magoar! Não fiques desamparado Para ao chão não ires parar.

A mãe aproximou-se, segurou no telescópio que por pouco não esborrachou no chão. Chamou a atenção do filho e adiantou que vai ser necessário comprar um suporte mais robusto, para não virem a sofrer qualquer dissabor com ele. Mais cauteloso agora, Joanito matutava: - Ai, se o telescópio caísse! - Tiveste sorte, nada aconteceu. Mas há que ter cuidado. 59


- Olha, mãe, vi de novo aquela luz estranha. Parece uma nova estrela. Quando o telescópio estiver de novo operacional, em segurança, vais ver. Hei de reencontrá-la. Vais ver quanta beleza ela tem. Brilha muito, mãe.

- Vou vê-la, sim, Joanito. Vamos mas é colocar O telescópio no sítio. Depois, podes procurar. - Pronto, mais seguro agora. Não faças força nele, isto não é muito seguro, pode partir-se. - Nem fales nisso, mãe. Para mim, seria muito triste. Além disso, daqui a dez dias regresso às aulas. 60


E lá continuou Joanito nas suas infindáveis pesquisas até que, de repente, chamou: Mãe, vem ver. Parece a figura de um urso! Um urso no céu? O que faz ele ali, mãe? - Se calhar, fugiu de casa. – ironizou – Que ursito traquina. Vê-me bem, um urso no céu! Que menino este!

- Não sei, parece chorar, Ai, pobre da mãe ursinha, Deve andar a procurar A sua bela menina. - Vou dar uma espreitadela, Talvez consiga ajudar Quem sabe se alguma estrela Me ajude a encontrar.

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De olhar atento no ar, Joanito observa a imensidão do espaço. Talvez entre aquele denso manto negro possa vê-lo, à luz majestosa da lua entre as milenares estrelas do firmamento.

- Diz-me, ursinho, por favor, O que foi que aconteceu? - Eu sou a Ursa Maior E há outra menor que eu. - Mas que grande confusão Que neste céu se instalou! Ursas no céu, que razão Ao universo as levou? 62


- Deixe lá, não se apoquente, A outra vai aparecer! Brilhante, resplendente Antes do anoitecer! E traz a Estrela polar A brilhar na amplidão Para que a gente do mar Siga em boa direção. Sê paciente, cientista, Não há outra solução, Há, pois, que apurar a vista E aguardar a ocasião.

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E neste tagarelar, a Ursa Maior estende-lhe um convite: - Quer vir até aqui, senhor cientista? - Nem quero acreditar. Lá vou eu! A Ursa Maior estendeu a sua cauda até mesmo ao parapeito da janela e ei-lo numa viagem de sonho além do universo. - Vamos lá à procura da Ursa Menor, onde se meteu ela? - Mais dois passos p’ra trás E outros três para o lado, Vamos ver se sou capaz De voar mais um bocado. - E logo a Ursa Menor Vou avistar deslumbrado Que agora, no meu melhor, Quero vê-la em seu estado.

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- Vais sim, Joanito. Ela é o equilíbrio do universo, o caminho, a direção, aquela que nos leva sempre a um porto seguro. - Vamos encontrá-la, tenho a certeza. Talvez se encontre oculta por detrás daquela nublosa, num daqueles encontros de amor entre a estrelas do céu – sorriu. - Ah ah ah ah, quem sabe!

- Quem me veio interromper? - Sou eu, a Ursa Maior! - Pois, só queria saber. - Vem connosco por favor! - Sem ti o nosso universo Caminha sem direção - A força que desde o berço Eu tenho na minha mão 65


- Acaba co’a traquinice E volta p’ró lugar - Espera aí, que chatice Já estou quase a acabar.

- Vem connosco – pediu Joanito – precisamos de ti, do teu brilho, da tua direção. Agora descobri que luz estranha era aquela que vi através do meu telescópio. Eras tu, a guia do universo. Como foi bom vir-te conhecer. Minha mãe nem vai acreditar quando lhe contar desta minha viagem. Que horas são? - Ena, já é tarde! Não falta muito tempo e temos o sol a romper no alvor da aurora. – Ajudas-me a chegar a casa, Ursinha linda?

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- Num segundo, Joanito, vamos a isso. E ao chegar a casa, encontra a mãe numa faina, à sua procura: -Onde te meteste, miúdo? - Nem te digo, mãe. Nunca irias acreditar. Por isso, olha, andei por aí… - Este meu filho! – disse, abanando a cabeça – Sempre na lua!

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Jolina, a Borboleta vaidosa

Na Borbolândia, o paraíso das borboletas, Jolina, uma borboleta elegante e muito colorida, olhava o espelho e para as amigas e dizia: - Sou a mais bela borboleta do mundo. As amigas retorquiam: - Jolina, sê mais modesta querida, isso não te fica bem! Mas Jolina não queria saber, achava que a vida era apenas isso, ser exuberante e exótica e chamar para si todas as atenções. Certo dia, fazia muito vento, Jolina, como sempre, saiu para voar, vaidosa, senhora de si. O tempo estava toldado e um mau presságio pairava no ar. De repente, 68


soprou o vento, cada vez mais forte e, impotente, Jolina viu-se arrastada pelo ar. Aflita, gritou:

- Para, vento, por favor, Tem piedade de mim Não provoques em mim dor, Quero ficar no jardim! Para, vento, tem cuidado, Lá se vai a minha asita, Não sejas tão desastrado, Sou tão frágil e bonita! 69


Para, vento, que maldade, Não me faças padecer! Sou frágil e na verdade Muito nova para morrer.

Aos apelos de Jolina, o vento amainou deixando a pobre borboleta lançada para um canto, abandonada nos subúrbios da cidade. Lançou-se num enorme rodopio e ei-lo correndo campo fora espalhando o terror e arrastando tudo à sua frente. Ainda mal refeita, Jolina foi-se recompondo e entrou no lugarejo aonde fora lançada. Surpreendida e sem entender, apenas viu miséria ao seu redor. E não gostou.

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- Só pode ser um pesadelo – dizia com desânimo – Ao redor, um manto de destruição. Nem flores, nem pássaros a cantar, árvores no chão e mesmo o prado verdejante estava agora transformado num mar de lama. - O que fazer? – pensava triste.

- Vai-te, vento, num momento Que aqui não quero ficar Meu viver é um lamento Que não quero mais lembrar! - Num lugar ermo, coitada, Aonde vou dormitar? Transformei-me em quase nada, Aonde vou eu parar? 71


- Ai, vento, que atrevimento Não te vás assim, homessa! Faz findar o meu tormento E ajuda-me, bem depressa.

- Como gostava de me ver ao espelho – exclamava – Eu, Jolina, a mais linda borboleta, agora transformada num trapo sem valor! O que fazer da minha vida? Perplexa, olhava ao redor, só destruição. Nem entendia como conseguia manter-se de pé. - Que lugar aterrador! – pensava. Com esforço, ergueu as frágeis asas, mas não podia voar. - O que se passa? – pensava. 72


- Minha Senhora da Agrela, Vem valer-me nesta aflição! Não há no céu uma estrela, Tudo aqui é solidão! Não consigo descansar Neste deserto vazio E com a noite a chegar Ainda vou morrer ao frio! - Pensa lá, Jolina, pensa, Vê o que podes fazer E nesta aflição imensa Tudo se vai resolver.

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Mais confortada, ouvia os conselhos dessa voz celestial que dizia: - As tuas amigas bem que te diziam para não sair da tua aconchegada flor, o teu lindo Girassol. A noite chega, Jolina, Tens que procurar lugar, E pela manhã, menina, Já vais poder viajar! Ó minha estrela do Norte, Dai luz quando anoitecer, Pressinto que a minha sorte Deixou de me pertencer!

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Jolina lá se arrastou como pode, caminhando em pequenos saltos, sem conseguir voar. No meio daquele cataclismo, encontrou um sapato velho abandonado num monte de quase nada e protegeu-se lá dentro. - A minha vida é um desnorte. – lamentava - Agora, era hora de dar apreço às pequenas coisas da vida. Ai, se as suas amigas a vissem nesse estado! Não, precisava recuperar e voltar à vida. Olhava o céu. Aquelas nuvens chorosas pressagiavam uma enorme tempestade. Esse curto espaço de tempo desde então decorrido, parecia uma eternidade.

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- Diz-me, Pai da Natureza Senhor de enormes sinais, Onde está minha beleza, Meu conforto e tudo mais? Te suplico humildemente, Tende piedade de mim, Faz-me pensar diferente E não seja mais assim. E quando a chuva cair Neste meu frágil corpinho Ajudai-me a resistir E não mais serei um mito. 76


Ao ribombar do primeiro trovão, logo um raio cruzou os céus, seguida de uma imensidão de tantos outros que pareciam não mais parar. A dado momento, Jolina acordou. - Bom dia, minha querida, como estás? - Era Raquelina a sua melhor amiga - Que agitação era essa? Parecias aterrorizada! Que susto me pregaste. - Sim? O que aconteceu? – perguntou Jolina ainda combalida por tanta emoção. - Não te recordas? – continuou Raquelina – Ias a caminho duma daquelas passerelles de que tanto gostas. No momento, uma criança que brincava perto atirou uma bola pelo ar e acertou-te em cheio. E espalhaste-te redonda no chão. Que susto!

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Jolina bem que tentava erguer-se, mas, cheia de tonturas, lançou-se de novo no conforto do seu Girassol. - Pronto, é melhor assim – continuou Raquelina – deixa-te estar quietinha, temos que tratar da tua cabecita e dessa asa para aí dependurada. A seguir, chamo o Dr. Borboletão que logo vai cuidar de ti. - Chega-me o espelho, quero ver como estou. - Melhor não, mais tarde, talvez. - Quero ver-me ao espelho! - Ok, ok, acalma-te. Depois, não me digas que tinhas preferido não te olhar. Espero que não fiques ainda mais doente – sorriu. - Quando se olhou, Jolina soltou uma alegre gargalhada.

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Surpreendidas, as amigas entreolharam-se e perguntaram: - Estás bem, Jolina? - Estou sim, minhas queridas, estou viva. Tudo o resto, é passageiro, nada vale. Nesta minha viagem ao meu mundo, descobri o meu verdadeiro ser. Como era fútil e cheia de vaidade. Que grande lição, minhas amigas! O que temos de melhor É respirar e viver Com saúde, paz e amor, Que mais podemos querer? Neste mundo espavorido Aprendamos a lição Que a vida só faz sentido Com amor no coração. 79


Julinha, a Menina do Mar

Julinha, era uma jovem menina, órfã de pais, os quais nunca conheceu. Vivia numa barraquinha junto à praia, ao sul do país. Adorava a praia. Sempre que podia, era vê-la desenfreada pela areia, perseguindo as gaivotas, dando cambalhotas na areia e perdendo-se em correrias desabridas. Vivia sob os cuidados duma bondosa senhora, já de certa idade. Um dia, encontrou-a vagueando pela rua, quase abandonada e logo decidiu trazê-la para a sua companhia, quiçá, a netinha, quase a recordação da sua menina que, para seu infortúnio, há pouco tempo vira desaparecer. Seriam pela mesma idade. Perecera 80


num acidente de viação, juntamente com os seus estimados filho e nora. Certa manhã, assim que o sol despontou no horizonte, Julinha lançou os seus braços na tentativa de abraçar o mar. Olhou, sorriu, chamou a sua avó querida, aquela avó que nunca tinha tido. Era tão bom despertar cada dia e saber que ela ali estava à sua espera para a encher de carinho.

Enquanto cantarolava, Julinha ia ajudando a avó a arrumar a cuidar da lida da casa. Nesse dia, depois das tarefas cumpridas olhou a avó e pediu: - Avó, deixas-me ir ver o mar? - Deixo sim, amor, podes ir. Mas, cuidado, sim? 81


Agradecida, Julinha aproximou-se e abraçou-a com carinho e saiu, como sempre, cantarolando, em direção à praia, ver as suas gaivotas e apanhar conchinhas e búzios que usava nos trabalhos lindos que fazia.

- Cá vou eu a caminhar P’ra ver as minha amigas Que esperam junto do mar, Minhas gaivotas queridas. Vou correr e vou saltar Com elas na fina areia, Chapinhar à beira mar Co’ a gaivota Doroteia.

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- Bom dia gaivota linda Como vai sua excelência? Olha lá, gaivota Olinda Que bela a tua aparência! Vejo que estão todas bem E agora vamos brincar? Irei contar até cem, Depois, vou-vos procurar. Elas, lançadas ao céu, Enquanto conta, a Julinha; E um peixinho apareceu E perguntou à menina: - Deixas-me brincar contigo? - Mas como o podes fazer, Meu querido e bom amigo? Sais do mar, podes morrer! - Vem até aqui chapinhar, Vais gostar, vais ver que sim, Entras na onda do mar, Nadas e vens até mim!

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Toda feliz, Julinha lançou-se às ondas e nadou até ao carinhoso peixinho. Logo que o alcançou, perguntoulhe: - Diz-me lá, como te chamas? - Sou Artola, o brincalhão! E tu que tanto me amas? - Sou a Julinha, passarão! - Tenho estado aqui a ver-te brincar com as tuas amigas gaivotas. Como desejava ser teu amigo, mas não sabia como. Até que descobri uma forma de o fazer. Vem daí, respira fundo. Há aqui bem perto uma ilha que se esconde no fundo do mar. Ali podes respirar, tu e eu podemos respirar. Respira fundo e segura as minhas barbatanas, não as largues nunca, sim? 84


Julinha logo se preparou para esta fascinante aventura. Encheu até bem fundo os pulmões de ar, agarrou bem forte as barbatanas do amigo, o seu peixinho Artola, o brincalhão. Nadaram, nadaram até que chegaram à pequena ilha, assim a modo que um pequeno oásis no fundo do mar. Olhou e viu curiosa algumas gaivotas, as suas amiguinhas de todos os dias. Brincaram, saltaram, correram estavam felizes. No fim, já cansadas, prepararam-se para voltar, não antes sem prometerem a si próprias que haviam de voltar mais vezes a esse tão belo lugar. Artola, o brincalhão, levou Julinha de regresso à praia. As gaivotas grasnaram felizes. E com um até breve, Julinha regressou a casa, como sempre, a cantarolar. Foi ter com a avó, que já tinha o almoço na mesa à sua espera, e abraçou-a por longo tempo.

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- Eis-me de novo em meu lar, Um novo amigo encontrei. A minha avรณ vou contar Que uma ilha visitei. Sei que vai ficar contente Por sentir tanta alegria Vai ouvir-me docemente E ter-me por companhia. - Minha querida avozinha, Sabes o que aconteceu? - Diz-me lรก, minha netinha! E um abraรงo lhe deu!

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- Meu tesouro precioso, És uma bênção dos céus, Vamos lá ao nosso almoço, E agradecer a Deus - Sim, minha linda avozinha, Ele está ao nosso lado! - Minha querida Julinha, Foi tão bom ter-te encontrado!

E num abraço infindo, ali ficaram, esquecendo o tempo e vivendo os momentos lindos que Deus, em quem depositavam os seus temores, sempre lhes proporcionava. 87


Luizinho, o Guardador de Estrelas - Luizinho – chamava a mãe - acorda filhinho! Está na hora, a escola chama-te.

O sino da torre da Igreja de Nossa Senhora do Carmo dera já as oito badaladas e Luisinho não havia meio de se levantar. Luizinho – insistia a mãe – Vamos lá, filho, faz-se tarde. Que dorminhoco me saíste – dizia com um sorriso. De Luizinho, nem um pio, o silêncio parecia instalado naquele quarto cheio de cor. - Que se passará? – pensava -Estará doente? Costuma ser presto a responder. Intrigada, vai ao quarto, aproxima-se da cama e afagao com carinho. E logo recebe o mais belo sorriso, um olhar cheio de felicidade. 88


- Estás bem? – perguntou – Estás atrasado, filho, vamos levantar ou chegas tarde à escola. Vamos?

- Luizinho, filho meu, Está na hora de acordar! - O que foi que aconteceu Para me estares a chamar? - Estás doente, filhinho? Chega-te cá, deixa ver. O termómetro é o caminho Para ver o que fazer. - Não, sonhava com estrelas Onde eu era o guardião Podia tocá-las, vê-las, E tê-las na minha mão. 89


Cada uma a mais brilhante, Semelhantes a faróis, Sorriam em cada instante No manto negro de sóis.

- Que sonhador me saíste. Já nem sabes o que dizes, filho, deve ser febre mesmo. Dá cá esse termómetro, rapaz, logo se vê o que fazer. – E consultando a temperatura – Ó, não tens febre! Iria jurar que estavas quente. - Já te disse, mãezinha, não estou doente. Apenas sonhei. E que sonho! Quem me dera ter lá ficado mais um pouquinho! Estava a sentir-me tão bem! - Pois, pois! Vem-me com conversas – retorquiu Olha-me bem as horas que são! Ou nos apressamos ou lá vai a escola, a carrinha não tarda a chegar. E de um salto… 90


- Vamos a isso então – disse – não vou perder a aula.

- Vamos a isso, mãezinha, Depressa me vou vestir, Depois, é ir à cozinha E os cereais deglutir. - Já estão a arrefecer Mas apressa-te, Luizinho! - Mas nada vou esquecer! - Vá lá, ganha Juizinho! - Já preparei o lanchinho, Coloquei-o na sacola E agora, corre, um beijinho? E salta, que está na hora. 91


Luizinho sai lesto de casa. A carrinha já se via ao longe. Quase não a apanhava. Mesmo na horinha! - Bom dia, Senhor João! - Bom dia Luizinho, como estás? Pensei que não ias vir, não te via junto à porta. - Atrasei-me um pouco. Hoje venho a cismar. - A cismar? Que aconteceu? - Ai, senhor João, se soubesse o sonho que tive de noite! Não ia ficar menos excitado que eu, não. - Conta lá, o que se passou? Os sonhos fizeram também parte da minha vida! Outros tempos! Agora, não me permito sonhar! - Senhor João, é tão bom sonhar! Acho que nunca devíamos deixar de sonhar. 92


- Senhor João, por favor, Nunca perca a esperança, Porque nada há melhor Que o sonho, que tudo alcança. - Esta noite, sonho estranho, De estrelas fui guardador, E sabe que até me acanho A contar. Mas, por favor… - Faz já três anos, Luizinho, Que entras nesta carrinha No início, caladinho, Preso às saias da mãezinha.

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Agora, mais crescidinho, Já gostas de conversar; És um belo rapazinho Na idade de sonhar. Tens muita sabedoria, Minha humilde opinião, Há nos teus olhos magia No papel de guardião. - Mas, ouve, vou-te dizer, Segue teus sonhos, rapaz! E logo então, hás de ver Que de tudo és capaz.

A escola estava já ao alcance dos olhos. À horinha, como sempre. A professora Hermínia já lá estava junto 94


ao portão à espera dos alunos. Era um hábito salutar. Criava uma empatia tal que a criançada se sentia animada quando cruzava os portões daquela escola, uma parte do seu mundo. - Sabem do que vamos falar hoje? – pergunta Dona Hermínia - Hoje vamos falar de sonhos! Que acham? Luizinho arregalou os olhos e disparou: - Sim, que bom! Parecia a resposta ao desenrolar daquela noite a viajar no tempo, através do espetro celeste.

- Vamos falar de sonhos Diz a professora Hermínia. E com seu olhar risonho, A lição abriu, exímia. 95


- Hoje fui o guardião Das estrelas, lá no céu - Vem, conta-nos tudo, então, O que foi que aconteceu? É um tema interessante, Podes começar Luizinho. E logo, naquele instante, Fez-se ouvir um burburinho.

- Silêncio, meninos, vamos ouvir o Luizinho contar o sonho que teve esta noite! Que dizem, querem ouvir? - Sim, senhora professora Hermínia!

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- Vamos todos escutar O sonho do guardião. Conta, podes começar, Vocês, prestem atenção. - Podes começar Luizinho! Silêncio, fazem favor. Ai, Pedrito, caladinho, Sempre o mesmo falador!

Ontem, deitei-me como todas as noites, cedinho, pois a minha avó já me dizia que deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer. E vejam lá o que aconteceu. Adormeci e logo me vi no espetro celeste a voar. Uma multidão de estrelas me rodeou e logo me nomearam seu guardião. Agora, era um guardador de estrelas. 97


- Subi uma escada enorme, até ao céu, e quando lá cheguei, colocaram-me na mão uma espécie de varinha de condão e disseram-me: - A partir de hoje és o nosso guardião, um guardador de estrelas. - Guardador de estrelas? Como? O que tenho que fazer? Sentamo-nos à volta duma nuvem imensa e logo me deram todas as indicações de qual seria a minha nova função:

… E sempre que uma estrela sair do seu lugar – diziam – pegas na varinha e num toque de magia a fazes voltar ao seu lugar, para que haja harmonia no Universo. O nosso lugar deve ser sempre o nosso lugar, entendes? 98


- E foi assim. Muito divertido para mim. Sempre que alguma tentasse abandonar o seu lugar de vigia, eu logo a recolhia e a levava de regresso ao seu lugar…. Quando de manhã ouvi gritar, fiquei assustado e acordei. Era a minha mãe, aflita, a chamar-me porque a hora era já avançada estava atrasado para vir para a escola. - sorriu – mas logo, quando chegar a noite, vou adormecer e de novo viajar ao encontro das estrelas para exercer de novo a minha nobre função. - Uaaauuu, Luizinho! Que sonho mais lindo! – e, voltando-se para os restantes alunos – Quem quer daqui candidatar a ser também um guardião de estrelas? - Eu… eu…. Eu – gritavam os colegas. - Alguém tem perguntas a colocar ao Luizinho sobre o seu sonho?

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- Sim, eu quero, professora. As estrelas lá no céu De manhã se vão embora, O que será que lhes deu? Diz-me lá, ó guardião, Se souberes responder? Vá-se a minha confusão, Mostra então o teu saber.

- Todo o nosso Universo é composto por estrelas e planetas vivendo na mais perfeita harmonia. Contava a minha avó que Deus quando criou o mundo, no fim, olhou tudo o que tinha feito e viu que tudo era muito bom. E que pôs o sol a iluminar o dia e as estrelas a 100


iluminar a noite. E tudo se mantém assim através dos séculos na mais perfeita harmonia. Os colegas de Luizinho ouviam espantados essa bela história e sonhavam um dia virem a ser também Guardadores de Estrelas.

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Mariana, a menina que queria voar

Mariana era uma linda menina de oito anos que sonhava um dia ser piloto de avião. Passava horas e horas sentada a olhar o imenso céu azul, que se estendia até onde a sua vista de criança podia alcançar. Enquanto olhava, suspirava ansiosa. - Quando crescer, quero ser piloto de avião – pensava. - Mariana – interrompia a mãe - desce à terra, pequena! Sempre no mundo das nuvens, flor linda – dizia enquanto carinhosamente afagava os seus cabelos longos e castanhos, ladeados por duas belas tranças. Certa manhã, a mãe abeirou-se da menina e perguntou:

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- Olha, filha, tens uma vida à tua frente. Agora, a idade é para brincar. Um dia vais poder concretizar os teus sonhos, vais ver. Cada coisa a seu tempo. - Bem sabes, mãe, gosto de ver os aviões. Quem me dera um dia ser piloto. Vou lutar por isso e, vais ver, hei de conseguir. - Sei que sim, filha. Faz disso o teu objetivo e hás de lá chegar. Para já, há que estudar e viver o teu tempo de criança. Aproveita-o bem, querida, ele não vai voltar. Vem daí, preciso da tua ajuda, pode ser? Preciso que me apoies na cozinha. Vamos experimentar uma nova receita, queres?

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- Mariana, Filha minha, Vem ajudar, meu amor, Vem comigo p’rá cozinha E ajuda-me, por favor - Sim, já lá vou, mas espera Vejo no céu a espreitar Algo estranho, uma quimera, Nem dá para acreditar - Olha bem, um avião No imenso céu sem fim E nesta minha ilusão Parece chamar por mim

- Mas que obsessão, filha! Agora estás com visões? Vá, vem-me ajudar, preciso de ti aqui na cozinha. Não 104


demores, depressa nos despachamos e depois voltas para ver os aviões. - Chamas por mim? O que faço? Vá lá, diz-me por favor! Gosto de ver-te no espaço, Nesse azul de tanta cor. - Vem comigo ovos bater Nesta tigela pequena, Chega cá essa colher E vais ver que vale a pena. - Que bolo vamos criar? Diz-me, mãe, o que vai ser? - Eu bem sei que vais gostar Mas há muito p’ra fazer.

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- Sendo assim, mãos à obra, não temos tempo a perder – disse decidida. Mas despachemo-nos. Quero ver os aviões cruzar o céu azul, pelas nuvens mergulhar. Às vezes desaparecem, como que engolidos. Mas logo reaparecem com toda a sua pujança e beleza, numa harmonia sem par. E lá seguem seguros na sua rota rumo ao seu destino. Um dia hás de viajar comigo e eu a pilotar o avião. Queres? - Nesse dia, Mariana, irei ter muito orgulho em ti. Mas deixa que o tempo nos leve até ele. sem ansiedades, sem atropelos, sim?

- Tempo de espera, filhinha, Podes ir olhar o céu. Muito obrigada, mãezinha, Depois chama. Lá vou eu! 106


Quase caía no chão De tão apressada que ia; No céu, um grande avião No seu olhar aparecia. Seria sonho, seria? Ele prestes a descer E Mariana corria Para nele se meter

- Não pode ser! Estou dentro de um avião. Será um sonho? Vaidosa, garbosa, dentro da cabine do piloto, com todos os comandos à sua frente, nas suas mãos. Quantos ponteiros! E agora, o que fazer? - Mãezinha, sou uma mulher piloto – gritava com alegria. - Olhou de soslaio e ao seu lado viu surgir outra menina que lhe perguntou com um sorriso: 107


- Como te chamas, morena, Que fazes neste avião? Sou a piloto Serena, Dás-me uma explicação? - Não sei, quero pilotar Aviões, quando crescer pelo universo voar Mas antes, vou aprender

- Vem, vou levar-te a viajar por esse céu sem fim – convidou Serena – vamos lá nesta aventura. Serena pegou nos comandos e foi explicando tudo o que fazia. Mariana, fascinada, olhava todos os movimentos, tentando aprender tudo o que estava a acontecer. Lá longe, via a sua casinha, cada vez mais pequenina, a rua, as árvores a desaparecer, cada vez mais 108


distantes. À sua frente, agora, apenas montanhas de algodão. Que maravilha. Serena explicava-lhe tudo, tim-tim por tim-tim. Ela, absorta, olhando cada movimento, tentando absorver tudo o que via.

- Vamos atravessar essa nuvem, não te assustes. De repente, o azul se transforma numa leve montanha de algodão branquinho. Serena, sempre atenta às mãos da Mariana, tentava controlar todos os movimentos. Que sonho este! - Sabes, Serena? – desabafou – Se minha mãe imaginasse que estou a pilotar um avião, ia sentir-se orgulhosa de mim.

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- Orgulhosa? – sorriu – Assustada, isso sim! Está na hora de regressares. Vamos descer. Já em terra, Mariana abraça Serena e agradece toda esta aventura. Esta, feliz ao olhar a face sorridente da menina, respondeu: - Prometo voltar, confia. - Espero por ti, amiguinha. - Até um dia, Mariana, prometo sim, hei de voltar. Até breve. E partiu, cruzando aquele céu imenso que tanto fascinava Mariana.

- Mãe – gritou ao entrar entusiasmada cozinha dentro – fui viajar de avião, aprendi a pilotar! - Que bom, Mariana – sorriu com ar de troça – sempre a sonhar. Vem ver o nosso bolo.

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- Oh, um avião! Que lindo que ficou. Obrigado, Mãezinha, vamos lá provar, fazer o nosso voo inaugural – sorriu. O sonho segrega o tempo, O tempo comanda a vida Nossa vida em pensamento É mais bela e colorida!

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A Centopeia Maroca

Logo de manhã, Dona Centopeia corria toda a horta numa euforia desenfreada, provocando um alarido enorme no Horto das Centopeias que logo abriam as janelas dos seus abrigos para se inteirarem do porquê de tanto barulho. - Lá está a Centopeia Maroca – diziam umas para as outras. E logo fechavam as pequeninas janelas e voltavam à sua lida. - É mesmo doida – pensavam de si para si – desmiolada essa Maroca. Vem um dia e ei-la melancólica e triste. Outros, canta e salta de contente, sem controlo.

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Deve ser bipolar – ria – Tempos atrás, andava numa série de tratamentos na Clínica do Dr. Centopeia Maior. Depois, baldou-se completamente para os tratamentos. Desde então, ninguém lhe ligava patavina. Tinham pena dela, mas não suportavam a sua excentricidade. Não se queria tratar e pronto! Maroca era inofensiva, não fazia mal a uma mosca. Passava o tempo querendo chamar a atenção fosse de quem fosse na tentativa de ser o centro de todas as atenções. Mal surgiam os primeiros raios de sol a bater-lhe à porta e lá começava ela naquela sinfonia diária. Hoje, mal despertou, aperaltou-se e quando se foi calçar verificou que lhe faltava um dos seus sapatinhos de veludo azul. Desenfreada, começou a gritar:

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- Aqui d’el-rei, venham cá, Venham, de mim tenham dó O meu sapato não está Junto do meu paletó. Perdi um sapato meu, O azul, o meu preferido, Desse azul da cor do céu, Deve andar aí perdido. Já procurei no salão, Na minha sala de estar! Que triste situação Preciso de o encontrar. - Andar descalça não posso P’ra não ferir a patinha, Vou fazer mais um esforço, Valei-me, Senhora minha! 114


Como uma louca, corria toda a casa, empurrava aqui e acolá e nada… - Vem valer-me, meu bom Pai, Socorro, Senhora Minha, Vossa mãozinha me dai Ajudem a Maroquinha. Ninguém ligava nenhuma! A Centopeia Maroca, Andava triste e sozinha E foi cair numa toca

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Pum, catrapus, pum pum! - Uiiii!... Que escuridão! Ai, meu rico corpinho, o que aconteceu? Mas que grande tombo eu dei, ufa. Ai, este breu aqui dentro! Aonde estou eu? Tenho que descobrir que lugar é este, encontrar uma saída!

- Ai, Senhor da escuridão, Vem, me ajuda nesta hora! Dei um grande trambolhão, Leva-me daqui p’ra fora!

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A muito custo foi-se levantando, coxeando. Nem sabia bem se o coxear era provocado pela falta do seu rico sapatinho, ou se por ter a pata ferida. Mal conseguia manter-se de pé e não parava de clamar a ajuda dos céus. - Senhora da Conceição, Sei que sou descontrolada Mas ouvi minha oração Ou senão estou tramada Acuda-me quem vem lá, Ouço passos, tenho medo. Quando acordei de manhã Não sonhei com este enredo

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- Quem ousa entrar no meu covil nesta manhã de sol? Quem és tu, criatura? Não tens amor à vida? - Não me faças mal, sou Maroca, a Centopeia. Pensam que sou meia louca, mas não sou. Caí aqui quando procurava o meu sapatinho de veludo azul. Ajudasme? Como te chamas? - Não me faças rir! Na verdade, és mesmo tonta! Vou dar-te um pouco de luz, assim, vais ver quem sou. - Que surpresa boa, não sabia que moravas nesta toca, Formiga Cautelosa. Diz-me, por acaso não trouxeste por engano o meu sapatinho azul? Preciso tanto dele! Sem ele não posso caminhar, posso magoar a minha frágil patinha. - Vem, vamos ao meu armazém, mas penso que não o tenho lá. Mesmo assim, nada melhor do que confirmar. Sabes? Até começo a simpatizar contigo. 118


- Olha, venha atrás de mim, Vamos, não faças barulho. Estas folhas de jasmim São pra mim um grande orgulho Hei, lá, Formiga Cautelosa, Que nada lhe falta aqui! Eu sei que é muito bondosa Eis o meu sapato ali! - Podes levá-lo, Centopeia Maroca, deve ter sido alguma formiga mais zelosa que o achou fofinho e o resolveu trazer para se aquecer no inverno. Nós as formigas armazenamos tudo o que nos possa vir a ser útil no rigor do inverno.

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- São muito trabalhadoras - Sim, amiga Centopeia - Eu sei, são acolhedoras. - Horas de voltar à aldeia. - Vamos, amiga Formiga, Já aqui levo o meu sapato Ai, piquei-me nesta urtiga, Vou calçá-lo, é mais sensato Ao calçar de novo o seu sapatinho azul de veludo, Maroca sentiu-se de novo a Centopeia mais importante da sua comunidade. Despediu-se da sua amiga Formiga Cautelosa e voltou a casa cantarolando e orgulhosa de o ter encontrado. Ao passar de regresso a casa, toda a aldeia se ria, fazendo troça. 120


- Olhem bem para esta doidinha, um sapato azul de veludo! Ahahahah. Sem lhe ligar importância às atoardas das amigas, Maroca seguiu contente e feliz em direção a casa. Afinal, sentia-se diferente, melhor que qualquer uma das outras.

- Eu calço o que bem gostar Que afinal a pata é minha, É inveja, se calhar Até me acham bonitinha “Ter inveja é muito feio” Diz o povo e com razão. Verdade, sabem? Eu creio Que querem é confusão 121


Podem-se rir à vontade, A mim isso não afeta, Vou em frente, na verdade, Não ligo a gente pateta

E, virando as costas à comunidade de centopeias que lhe eram tão hostis, lá foi estrada fora assobiando e saltando feliz ao longo do caminho. Afinal, agora podia exibir para toda a gente o seu sapatinho azul de veludo.

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Nas asas de uma cegonha

- Disseram-me que quando nasci, cheguei nas asas de uma cegonha. Então, sonhei que, afinal, todos os bebés chegam ao seu lar no bico duma cegonha, mas eu não, eu voei nas asas de uma cegonha! – desabafava Bernardo aos seus colegas. Bernardo era um rapazito com dez anitos de idade, com cabelo ruivo e um monte de sardas no rosto. Era assim, com entusiasmado, que se entretinha a contar aos amigos as pequenas histórias da sua vida, enquanto passavam o tempo no recreio da escola. Nesse dia estava entusiasmado e os seus amigos ouviam atentamente o relato que ele ia fazendo com grande alarde da senda do seu nascimento. 124


- Amigos, venham ouvir Esta história de encantar, Sonhei que estava a cair, Fui apanhado no ar. Numa cegonha montei Depois desta me livrar Nas asas me segurei E lá fomos viajar. Cruzamos a terra, o mar, Que lindas paisagens vi, Neste voo singular Quanta emoção que senti.

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E por fim, chegando ao lar Nessa manhã de alegria, Foi lá que aprendi a amar Com meus pais, dia após dia.

Ritinha, uma carinhosa menina, linda, linda, sorriu para Bernardo e perguntou: - Como sabes que vieste nas asas da cegonha e não numa fralda segura no bico da cegonha, como todos os meninos? Minha mãe depois contou-me que na verdade não nascemos assim, não são as cegonhas que nos entregam aos nossos pais, é apenas uma história para exercitar a nossa imaginação e nos ensinar o que é a vida. 126


- Pois é. Os meus pais também já me contaram outras coisas, mas às vezes fico confuso – respondeu em forma de desculpa. - E isso não mete cegonhas, não! – continuou Ritinha, sorrindo. E começou a desenrolar o novelo da sua versão de vida:

- Um dia, meus pais contaram Que tudo é diferente; Essa história que contaram Contavam antigamente. Mas agora já não sigo Nesse conto e, ao contrário, Eu penso para comigo Que não era necessário. 127


Deve dizer-se a verdade Sem muita explicação, P’ra que na realidade Haja nova geração.

- Talvez tenhas razão, ou não! - respondeu Bernardo – Quando chegar a casa, vou perguntar aos meus pais que história é essa das cegonhas e qual a verdade sobre o meu nascimento, mas gosto da ideia de ter vindo nas asas de uma cegonha! Ansioso por chegar a casa, Bernardo não pensava noutra coisa que nessa história estranha da Ritinha. Será que os pais lhe mentiram? Logo ao entrar da porta, disparou: - Mãe, quero saber a verdade de como vim ao mundo, conta-me a história do meu nascimento. 128


- Não me mintas, por favor, Agora, já sou crescido! Quero a verdade repor E não me sinta traído. A mãe olhou o menino, abraçou-o e olhou-o com carinho. - Já sei a verdade – continuou Bernardo - a Ritinha contou lá na escola que não voei nas asas da cegonha, que isso é uma história inventada pelos adultos, para não nos contarem a verdade, quando lhes perguntamos como nascemos, quando procuramos respostas para aquilo que às vezes não entendemos e nos faz confusão. Por favor, conta a verdade, para que não tenha que passar por mais uma humilhação ou chacota. Os meus amigos a falarem da realidade e eu a contar 129


histĂłria de fantasias e de cegonhas. Ainda cheguei a pensar que foi por ser um menino especial que fui trazido no bico de alguma cegonha, depois de um longo passeio voando sob as suas asas.

- Tens toda a razĂŁo, meu filho, Eu devia-te contar Que em dia de grande brilho Tu chegaste ao nosso lar. Gerado com grande amor E muito, muito carinho Encheste a casa de cor E ĂŠs o nosso amorzinho. E continuou: 130


- Afinal, que diferença faz teres vindo nas asas da cegonha ou não meu, querido? És o nosso filhinho amado, amamos-te muito e isso é o que importa. Ao fim, Bernardo parecia triste. A ideia de ter chegado sob as asas da cegonha era uma ideia interessante. Mas agora tinha que ir ter com Ritinha, precisava contar-lhe a nova descoberta, a confirmação da história que lhe tinha contado.

Agora, estava cansado e deitou-se, acabando por adormecer. Que sonho! A cegonha Loló apareceu-lhe e quis explicar tudo o que precisava saber. - Bernardo, acorda! Sou a Cegonha Loló. Os teus pais contaram-te essa história porque todos os pais querem o melhor para os seus filhos, não o fizeram por mal. Tenta-os entender. Eras ainda muito pequeno para perceberes muitas coisas. E olha, na realidade, 131


nos teus sonhos, voaste nas minhas asas, isso não vais esquecer jamais nem ninguém vai conseguir apagá-lo da tua mente.

- Que bom, Cegonha Loló, Já me sinto mais feliz Jamais me sentirei só, Sou da vida um aprendiz. Prometo! Assim que acordar, Aos meus pais eu vou dizer Que sempre os irei amar E com eles aprender. 132


Quando acordou, correu para a cozinha e abraçou a mãe. - Obrigado, mãezinha, gosto muito de ti – disse comovido – agora sei a verdade, mas nada vai mudar. A ideia de ter voado nas asas duma cegonha é uma história linda. Quero guardá-la sempre.

Quando a verdade vier, Sofrer já não faz sentido, Aprendemos a viver, Ver o mundo colorido. Fantasiar não faz mal, Um faz-de-conta, um presente, Um filhinho especial E uma história inocente!

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O Guarda-chuva Mágico

- Julieta, acorda - chamava a mãe – São horas de levantar. O dia tinha amanhecido com muita chuva e frio, o que inibia a pequena de sair do seu aconchego. - Querida, olha as horas, tens que ir para a escola Enquanto a mãe lhe afagava seus ruivos cabelos, cenoura pura, a menina lá ia abrindo os seus lindos olhos cor de mar num lindo dia de sol. Pareciam dois berlindes verdes, lindos, lindos. Estremunhada, espreguiçou-se, sorriu para a mãe lançou-se de novo na cama. - Então, Julieta! – reclamava a mãe, preocupada, enquanto olhava para o relógio - Olha bem para as horas

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que são, vamos, toca a levantar, deixa-te de preguiça - sorriu. - Só mais cinco minutinhos, mãe, já me levanto! Virou, revirou-se e logo pergunta: - Como está o tempo? – perguntou Julieta. - Chuvinha, querida. Vais ter que levar as botas de água e a capinha, não há outra solução.

- Pois então, vou-me vestir, As botas quentes calçar; Quando estiver pra sair O guarda chuva apanhar. Minha mãe, tu tens razão, Já vi que estava a chover, Propício a constipação E então, adoecer. 135


Ui, que frio, meu bom Deus, Estamos na Primavera Lá vão os nossos chapéus, A carrinha já me espera - Agarra bem o meu braço E até mais logo, filhinha. E envolta nesse abraço, Vai p’rá escola, princesinha Porta-te bem lá na escola Recomendações de mãe O lanche está na sacola E os teus livros também.

O autocarro chegou. Agarrada ao guarda-chuva, ficou estupefacta quando este se virou para ela e lhe disse: 136


- Muito bom dia, Menina Julieta, quer dar um passeio comigo? Surpreendida pelo insólito, ainda mal convencida, respondeu: - Como assim?... - Não fiques assim a olhar para mim, amiga, sou apenas um guarda-chuva. - Um guarda-chuva que fala? É isto possível? Estou mesmo a ficar doidinha. - Sou um guarda-chuva, digamos, diferente, mágico, se quiseres. E sabes? Posso até levar-te aonde quiseres… - Será que estou a ouvir bem? Como pode um guardachuva falar? … Este é único – disse para consigo. E, virando-se para ele: - Olha, podes até ser diferente, falar, mas não posso ir passear contigo! Vou ter aulas daqui a instantes, não posso faltar! - Então, fazemos o seguinte! - agarra-te a mim e vamos dar um passeio aqui à volta da escola, curtinho, aceitas? - Nesse caso, se for curto, aceito – disse temerosa e expectante. - Agarra-te bem, cintos apertados, lá vamos nós! Agarrando-se como podia, lá vão eles a cruzar os céus. Ao passar por uma nuvem os saudou:

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- Um bom dia, chapeuzinho, O que fazes por aqui? E logo lhe diz sorrindo Quem tens agarrada a ti? - A Julieta, uma amiga, Convidei-a e ela veio, Nuvem, já agora, me diga, - Vai-me estragar o passeio? Não o faça, por favor, Pois quero voar p’lo céu Diz Julieta com dulçor. E a nuvem se enterneceu.

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- Sobe, segura-te a mim, Vem daí também, chapéu, Vou mostrar-vos meu jardim E o mundo que Deus nos deu. Dela somos guardiãs, Cuidamos da natureza, O sol vem cada manhã Com toda a sua beleza. - Ó nuvem, muito obrigada Por tua grande afeição Mas já estou atrasada, Não vou perder a lição.

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- Temos que regressar e levar a Julieta de regresso à escola. Ela não pode faltar, a mãe não iria ficar contente, não! - Ide, então, o sentido de responsabilidade é de facto muito importante. - Um dia vou regressar - Ficarei à vossa espera Ei-los de novo a voar No seu mundo de quimera.

- Prende-te bem, Julieta, a chuva abrandou, a nossa amiga nuvem está a ser pródiga connosco, quer que cheguemos sem sobressalto. - Pus catrapus, pus, pus - cantarolou o chapéu de chuva. 140


- Que vem a ser isto? Enlevado no seu voo, arrastado pelo vento, qual papagaio de papel, ei-los chegados à escola. A professora aguarda na porta, nervosa, os alunos mais atrasados. - Estou aqui, professora! – gritou do alto a menina – Ajudem-nos! A professora olhava espantada o insólito cenário, levantando os braços e tentando alcançar a menina.

Os amigos, impotentes, acenavam-lhe como num estranho adeus, acompanhado por um desejo imenso de poder partilhar aquela aventura. - Ó, quem me dera ser eu a viver essa aventura! - dizia o Luís Miguel. Este, era todo aventureiro, nunca mostrava medo de nada. Ricardinho, recostado num 141


recanto da parede, esse, rezava aos sete santos para que trouxesse Julieta de volta. Mariana, não contendo as lágrimas, dizia: - Professora Elisa, o que vai acontecer à Julieta? - Vamos confiar, querida, é um guarda-chuva mágico, nada irá acontecer! E, antes que o diabo esfregasse um olho, eis Julieta, alegre, feliz, a entrar na sala de aulas.

- Muito obrigado, Jesus, Pela nossa Julieta, De repente, fez-se luz E ela voltou, direta. Entra o sol pela janela Mesmo em frente à japoneira, E tão lindo, como ela, Ilumina a sala inteira. 142


Foi quando o vento amainou Que Julieta apareceu E logo ali lhes contou O que foi que aconteceu. - Ai, Julieta querida, Foi bem grande a nossa dor? Estás bem, não ‘stás ferida, Louvado seja o Senhor!

Depois de a examinar bem a professora Elisa viu que Julieta, não se tinha magoado. Nem uma nódoa negra tinha Os meninos todos de volta da Julieta queriam saber o que tinha acontecido

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Julieta contou-lhes as aventuras naquela manhã, a professora se levantou e disse: - Vamos fazer um texto o tema é: - “As aventuras do Chapéu mágico” responderam em uma voz toda a sala Olhando para o chapéu mágico, Julieta agradeceu, a aventura daquela manhã chuvosa de primavera

- Obrigada, chapéu lindo, P’la aventura que me deste. E o chapéu disse, sorrindo: - Apenas p’ra quem merece.

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A vida é uma aventura P’ra viver com alegria, Pois esta nem sempre dura, Após um dia, outro dia. - O sonho comanda a vida, Diz o dito popular, É uma bola colorida P’ra toda a gente brincar.

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Índice Contos ao Luar ……………………………………………………….. 3 Ficha Técnica ............................................................................. 3 Rosa Maria Santos ................................................................... 4 A Casa Mágica .......................................................................... 8 O Barquinho de Papel …………………………………………… 21 Dona Cegonha Felisberta Veloz …………………………… 35 Joaninha, a Menina que Gostava de Livros …….……. 43 Joanito, o Cientista em Construção ………………………. 57 Jolina, a Borboleta Vaidosa ..………………………………… 69 Julinha, a Menina do Mar ……………………………………… 81 Luizinho, o Guardador de Estrelas ................................... 89 Mariana, a Menina que Queria Voar ……………………..103 A Centopeia Maroca ……………………………………………. 113 Nas Asas de Uma Cegonha ………………………………… 125 O Guarda Chuva Mágico ………………………………….. 135

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