Doze Contos de Natal, de Rosa Maria Santos

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Rosa Maria Santos

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Pintura de Madalena Macedo


Ficha Técnica Título 12 Contos de Natal Tema Contos de Natal Autora Rosa Maria Santos. Capa Pintura de Madalena Macedo Arranjo de José Sepúlveda Revisão de textos Rosa Maria Santos Formatação José Sepúlveda Imagens encontradas no Google

Editado em E-book em dez. 2019 Biblioteca: ISSUU Rosa Maria Santos 3


Rosa Maria Santos Naturalidade – S. Martinho de Dume, Braga. Muito pequena, foi viver para a freguesia de Maximinos. A base do seu equilíbrio emocional está no seio familiar. É na família que encontra a alegria de viver. Viveu na Costa Litoral Alentejana, em Sines, trinta e um anos, tendo regressado em 2017, à cidade que a viu nascer, Braga. Participou em diversas coletâneas de Poesia, portuguesas e italianas. É Colunista no site Divulga Escritor, possuindo também uma rubrica na Revista com o mesmo nome. Foi assistente de produção e recolha na coletânea de postais do grupo Solar de Poetas, Poeta Sou…Viva a Poesia; participou nas coletâneas de postais de Natal do mesmo grupo: Era uma vez… um Menino; Nasceu, É Natal; Não Havia Lugar para Ele; VALE DO VAROSA: Uma Tela, um Poema, do Solar de Poetas, para promoção do Evento: Tarouca Vale a Pena; Belém Efrata; Então, Será Natal; Vi Uma Estrela, todas editadas em e-Book. 4


É Administradora dos grupos: Solar de Poetas, onde coordena também a equipa de Comentadores; Solarte – a Arte no Solar; SoLar-Si-Dó - A Música no Solar; Canal de Divulgação do Solar, Casa do Poeta; SolarTV Online; Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa; Hora do Conto e O Melhor do Mundo, todos do grupo Solar de Poetas. A escrita é uma das suas paixões… Não se considera escritora nem poetisa, mas uma alma poética a vaguear pelo mundo... Se um dia deixar de sonhar, diz, deixa de existir. Livros editados: Rosa Jasmim (poesia), Capa do Mestre Adelino Ângelo – julho 2018. E-Books: Cantam os Anjos (poesia de Natal) – Capa de Adias Machado - Dezº 2017; Ucanha terra de encanto Poesia) - Capa: Glória Costa – Maio de 2018; Bolachinha em Tarouca (prosa e poesia) – Capa: Glória Costa – Maio 2018; Bolachinha vai à Hora de Poesia – Outubro 2018; Bolachinha vai à Casa Museu Mestre Adelino Ângelo – Novembro 2018; Sinos de Natal, Natal de 2018; O Natal de Bolachinha, Natal de 2018; Pétalas de Azul (contos) – Fevereiro 2019; Estórias em Tons de Rosa (contos) Abril de 2019. Pena Rosada, Crónicas do Quotidiano, Julho 2019, Glosa, Arte e Poesia, Pinturas de Glória Costa, poesia da autora, Agosto 2019; Entre Barros, Arte e Poesia Bordadas à Mão – pinturas de Bárbara Santos, poesia da autora, 5


Outubro - 2019; Doze Contos de Natal, capa de Madalena Macedo. Imagens com arranjos da Autora.

A editar, em breve: Histórias da Bolachinha – Capa e ilustrações de Glória Costa. Distinções: Maio de 2017 - 2º Prémio de Poeti Internazionali. Poema Rosa de Saron, no Concorso Artemozioni, Cantico dei Cantici In Valle d’Itria, Itália; Maio 2019 - 3º Prémio de Poeti Internazional - Itália. Com o poema “Violino”;

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5° Biennale del Festival Internazionale Delle Emozioni, Itália - 10° Edizione Del Concorso Di Poesia e Narrativa: Prémio d’Onore Concurso de Premio Letterario Internazionale di Poesia “Gocce di Memoria“, Itália, Junho 2019 con la poesia Sfera di cristallo (Bola de Cristal). Concorso “Il Meleto di Guido Gozzano” Sezione Autori di lingua straniera - ATTESTATO DI MERITO, 14 settembre 2019 com la poesia Assenza (Ausência). Itália, agosto de 2019.

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As prendinhas do Menino

Sarita e Salomé, irmãs gémeas, festejavam neste Natal os seus risonhos seis anos de vida, o seu aniversário no dia de Natal. Sarita foi a primeira a nascer. Salomé, essa, birrava no ventre da mãe como que a dizer: Daqui não saio, daqui ninguém me tira. Foi assim que tudo mudou. O parto transformou-se num suplício. A mãe passou momentos de grande perplexidade e acabaria por não resistir. Antes que ela lançasse o seu último suspiro, ouviu-se um grito. Era ela, Salomé. 8


Agora, com a sua tenra idade, sem entender ainda muito bem porque tal acontecera, cai em si e pergunta: Minha mãe aonde está? Quero vê-la aqui contente, Faço anos amanhã E tê-la como um presente. Eu sei, há de estar connosco Aonde quer que estiver Para afagar nosso rosto Dar força ao nosso viver. Minha avó, como ela é linda Quando em sonhos me aparece. Mas acordo, o sonho finda E depois nada acontece. Sarita era uma menina alegre, viva, inteligente. Salomé, pelo contrário, era taciturna, vivia com a imagem da mãe tão presente como se estivera com ela continuamente. Viviam num pequeno povoado, perdido entre as aldeias. Nas suas orações matinais, Sarita pedira ao Menino Jesus que trouxesse a si sua mãezinha nesse Natal, que viesse e fizesse com que pudesse ver um sorriso que fosse no rosto da irmã. Como seria bom! 9


Quanta alegria ia provocar na sua casa naquele santo dia.

O pai estava ausente do país. Tinha emigrado após o desaparecimento da esposa querida para tentar esconder as lágrimas de saudade que no seu silêncio derramava incessantemente. Ficaram assim entregues aos cuidados da carinhosa avó que as amava e as criava com carinho, não fossem elas carne da sua carne, fonte do amor da filha malogradamente desaparecera naquele dia. Tentava assim colmatar a irremediável falta da mãe.

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- Meu Pai está p’ra chegar Vem cá passar o Natal, Para depois nos deixar Nesta luta desigual.

Ano após ano, Neida, a sua dedicada professora, convidava todas as crianças a escrever uma carta para enviar ao pai Natal, pedindo-lhe que satisfizesse o seu mais ardente desejo. Esse ano não foi diferente: - Meninos, vamos todos escrever ao pai Natal e pedir o presente que mais desejaríamos. Apenas um, doutro modo, coitado do Pai Natal, não podia carregar tantos presentes. Além do mais, como poderia distribuir presentes aos outros meninos? 11


- Quero uma bicicleta Dizia Pedro p’ró Mário - Eu, uma linda Boneca Para o meu aniversário. - Um relógio vou pedir, Dos modernos, colorido. - Colorido? – Disse a rir O seu coleguinha, o Guido. Sarita disse, contente: - Eu quero sossego e luz Pois tenho como presente - O meu amigo Jesus. Era a vez de Salomé Fazer o pedido dela. - Logo, Maria da Fé Gritou: Eu quero uma estrela. Foram tantos os pedidos, Cada qual, do seu gostou. Mestre Zé, bem protegidos, Para o correio os levou. Finalmente, chegou o grande dia, Natal e aniversário de Sarita e Salomé. O pai chegara lesto da viagem. Quantas saudades das suas lindas princesas. 12


- Filhas, cheguei! Aonde estão? Gritava, feliz, contente Aqui, meu pai, pois então, É bom ver-te, finalmente. - Minhas lindas princesinhas, Já tinha tanta saudade! E, abraçado às meninas, Amou-as, mas de verdade. - Que linda a minha Sarita, Tão parecida com a mãe! Querida Salomezita Como é bom sentir-te bem! Vinde aqui, trouxe presentes Neste dia especial São muitos e diferentes, De aniversário e Natal. Este Natal vamos festejar os vossos aninhos dum modo diferente. Primeiro, o aniversário, depois o Natal, duas festas, que dizem? - Que bom! Vamos sim, já temos preparada a mesa para festejarmos o dia de aniversário. Vamos, paizinho?

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O sorriso do pai irradiava alegria. Sim, vamos. Logo a seguir, vamos preparar o vosso presépio e só mais logo, à noitinha, teremos a nossa ceia de Natal.

- Vamos a isso, paizinho! Disseram suas meninas Colocamos o Menino Pela manhã nas palhinhas. A alegria estava estampada no rosto de toda a família. Depois da Ceia, já tarde, dado tratar-se duma noite especial, foram deitar-se cheias de ansiedade. Mas o 14


sono não chegava. Pensando que todos estavam a dormir, Sarita levantou-se, agasalhou Salomé e foi para o alpendre procurar no céu a estrela de Natal que conduzia as gentes até ao Menino Jesus. Tinha para lhe fazer um pedido deveras muito especial. O Menino Jesus podia, se quisesse fazer o milagre, fortalecer a saúde a Salomé… e trazer de volta a sua mãe querida. - Meu bom Menino Jesus Que vieste de Belém, Manda uma estrela de luz Trazer nossa mãe também. Queríamos tê-la aqui A viver no nosso lar, Em sonhos seu rosto vi Mas a perco ao despertar. De saúde usufruir A Salomé necessita, Olha p’ra nós a sorrir Mas bem depressa se agita. Ouve, estrela do Natal, Leva a Jesus meu recado, Sendo tão especial, Aqui fica ao teu cuidado.

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E a Ti, ó Deus Menino, Eu peço de coração Protejas leves destino Na tua Santa União.

A manhã surge. Coitada, nem deu por isso. - Sarita, que fazes no alpendre? Vem para dentro, está muito frio aqui fora. - Paizinho, queridos avós, só vim ver aquela brilhante estrela ali no céu. Diz a história que guiou os reis Magos ao Menino Jesus, não foi? - Foi sim - respondeu o avô que, sorrateiro, se aproximara. 16


Chegou-se a Sarita, pegou-a carinhosamente no colo e enlaçou-se num longo abraço, sem conseguir suster as copiosas lágrimas que lhe corriam pelo rosto. - Paizinho – disse Salomé – vamos para dentro, sim? - O pai estendeu-lhe a mão, afagou com carinho os seus cabelinhos de ouro e entraram. - Vamos juntos do presépio, muitas surpresas vos aguardam. Vamos a isso? - Vamos sim, gritaram as meninas cheias de entusiasmo. - Vamos todos festejar Nesta hora de alegria E ao nosso Deus louvar Pelo pão de cada dia. Sarita, o avô levou Para a sala de jantar, Salomé, o pai tratou De no seu colo a levar. E ao ver o Deus Menino, Nessas palhinhas deitado, Lhe disseram cm carinho: - Bom Jesus, muito obrigado.

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Suave Milagre

O dia de Natal aproximava-se a olhos vistos. Luca, uma menina de cinco anos, muito irrequieta, exibia a sua longa cabeleira ruiva. Os seus olhos castanhos saltavam com tal brilho que mais pareciam duas castanhas acabadas de saltar de dentro do ouriço para regalo do nosso olhar. Seu rosto sardento fazia as delícias de quem a olhava. 18


Ali, na sala, saltitava de um lado para o outro, confundindo a mãe, tão absorta nas rotinas do lar. - Para-me um pouco miúda A pobre mãe lhe dizia Vem, dá-me uma ajuda? Mas a Luca não a ouvia! Saltava por todo o lado, Da sala para a cozinha, E a mãe gritava: - Cuidado, Lá se vai a tigelinha! Cai a farinha no chão Que ali fica emporcalhado, Instala-se a confusão Não ali, em todo o lado. - Para, Luca, está quieta, Vê que isso não faz sentido, Se não fosses tão pateta, Nada tinha acontecido. - Mãezinha - diz a menina Desculpa, foi sem querer. Fica triste, coitadinha, Não sabe o que há de fazer.

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- Mas que grande confusão. E no tapete escorrega. Depois desse trambolhão, A mãe vem e a aconchega. Ela lhe estende sua mão E segreda baixinho: - Mãezinha, peço perdão, É tão bom o teu carinho. A mãe no colo a aconchega E a estende no sofá. - O médico que não chega! - Espere um pouco, vou já.

Luca sentia-se agora sonolenta. A mãe, em cuidado, abanava-lhe o corpito com cuidados mil. - Não, filhinha, não adormeças, precisas manter-te desperta. O médico, seu irmão não tardaria a chegar. - Será que vai necessitar de ir al hospital? – perguntava-se. Ainda mal entrava a porta, aflito, perguntava: - Que aconteceu? Examinou-a e disse: - Parece não ser nada de grave, mas vamos levá-la ao hospital. Quero examiná-la melhor. 20


E foram-se dali a toda a pressa para o Hospital da Nossa Senhora da Assunção, com preces à Santa para que tudo estivesse bem.

- Maninha, presta atenção, Isto não deve ser nada, É só uma convulsão Que passa, não és culpada. E a mãe disse a chorar: - Ela é muito remexida, Preciso me acautelar, Menina cheia de vida. 21


- Quando a viu ali deitada, Ficou triste, em aflição, Inerte, debilitada Segurou em sua mão.

Não fiques preocupada, minha irmã, é apenas uma precaução, tudo parece estar bem. Não tarda e logo a vais ver por aí de novo nas suas traquinices. Quando chegaram ao hospital, levaram Luca para fazer alguns exames. A menina estava agora inanimada e isso causava-lhes alguma preocupação que nem um nem outro queriam exteriorizar. Preferiram esperar. Enquanto o doutor Malaquias cuidava da menina, a mãe dirigira-se agora à pequena capela da Senhora da 22


Assunção, ali, no hospital, para no seu recato elevar algumas preces à Santa, pedindo-lhe que trouxesse Luca de volta, para regressar ao lar. Do outro lado da vida, Luca sentia-se parecia confusa e estranha. Parecia tentar encontrar a mãe, apenas tinha a sensação de a sentir a segurar a sua frágil mãozinha. Parecia dizer: - Mãezinha, estou aqui, desculpa ter partido a tigelinha e ter derramado a farinha no chão. Não era minha intenção fazê-lo. Foi sem querer. - Luca, desperta, querida. A mãe já aí vem. - Tio, quero ir para casa, posso? Não quero ficar aqui. - Sim, Luca, irás para casa ainda hoje. Neste entretanto, entra a mãe. - Filhinha minha, que bom ver-te. Sorriso lindo, mesmo nesse teu sono inesperado, meu amor. - Vais ficar boa depressa, tenho a certeza. - Olha, mana, vamos agora levar a menina para fazer alguns exames. Quero certificar-me que tudo está bem com ela. E, colocando-lhe a mão no ombro, disse: - Não sei, mas deve ter que ficar aqui em repouso e a ser vigiada algum tempo. Eis que chega o Dr. Malaquias, o médico que a assistiu. - Preciso falar convosco. A menina vai ficar em repouso no hospital. Vão para casa e logo que tiver o resultado dos exames, contacto convosco de imediato. 23


- Oh – exclamou a mãe, aflita – logo hoje que chega o pai. Como vai ele ficar? Faltam apenas dois dias para o Natal. - Acalmem-se, nada há de ser de mal, apenas precaução.

- O Deus Menino adorado, Ajudai a minha Luca, Ficai sempre do seu lado Para vencer esta luta. E neste Santo Natal Trazei-a de novo ao lar, É um dia especial Para em família passar. 24


Cabisbaixa, a caminho de casa, Tita, a mãe, estava apreensiva. A vez primeira, sentiu como que um nó no estômago. Como passar sem as traquinices da filha, e sua companhia se bem que às vezes irreverente. Então, chorou copiosamente. - Eis que chega o dia de Natal. No hospital, Luca dormia ainda o seu sono profundo. Os pais, com o coração apertado, foram visitá-la. - Minha querida filhinha, Olha o teu paizinho, acorda! - Saudades filhinha minha, Vem daí, vamos embora. Quero ver tua alegria Neste dia de Natal. Ó meu Deus, que bom seria Levá-la deste hospital. - Hoje nasceu o Menino Na choupana de Belém, Era pobre, coitadinho, Nasceu para nosso bem. - Um milagre há de fazer, Do teu sono vais sair E de novo eu hei de ver O teu rostinho a sorrir. 25


- Doutor Malaquias, diga-nos, por favor, há novidades sobre o seu estado de saúde? - A vossa filha fez um traumatismo craniano. Quando caiu, bateu fortemente com a cabeça. A queda causou-lhe uma hemorragia. A equipa que a operou enveredou todos os seus esforços. Ela vai recuperar, confiamos. O que nos preocupa mais, é que já devia ter despertado. - Deus é grande, Ele vai agir, tenho a certeza – desabafou a mãe, não conseguindo conter as lágrimas. Acompanhados pelo Dr. Malaquias, dirigiram-se para o quarto onde estava Luca. E ei-la, sorrindo para eles: - Mãezinha, paizinho, que bom ver-vos aqui. 26


- Milagre – gritava a mãe, emocionada - a nossa filhinha acordou! - Luca, querida filhinha, O paizinho já chegou. - Que saudades, princesinha, O pesadelo acabou. - Foi o Menino Jesus Que fez isto acontecer E das trevas nos fez luz, Fez a Luca renascer. Neste Natal só queria Ver a Luca a despertar, Quanta saudade sentia De a ver correr, saltar. Ó Deus Menino, obrigada Por esta tão grande graça! E mais despreocupada, Pega na Luca e a abraça. Alegres e felizes, regressaram ao lar, onde agora, Luca, de novo esfusiante de alegria, saltava de um lado para o outro para viver assim o seu Natal. A dado momento, salta para o colo do pai e começa a contar aquela história: - Ouve, paizinho: Era uma vez… 27


Um Natal Especial

Na quinta da ti Jaquina, havia um enorme capoeiro onde existiam muitas espécies de aves, galinhas, dois galos, alguns granizos, galinholas, patos, uma mão cheia de pintainhos, e um peru. Desde há algumas gerações que a sua família tinha por tradição apresentar na mesa da ceia de Natal, um belo e suculento peru, bem assado no forno de lenha, recheado com frutos secos e umas deliciosas batatinhas novas, colhidas lá na quinta e semeadas propositadamente para esta quadra. 28


Logo pela manhã, Galipó, o galo, dava o toque da alvorada. Ti Jaquina, muito antes do galo cantar, já andava nas suas lides domésticas. Cantava o galo cedinho Có ró có có no postigo Qui ri qui - canta o pintinho Não te quero aqui comigo! - Que dizes? Sai-me daqui, Precisas crescer um pouco, - Qui qui ri qui ri qui qui Este galo é mesmo louco! Mau feitio, parvalhão, Pensas ser mais que eu? - Ainda beijas o chão, Parvo, só tu – respondeu. - Vem aí a Ti Jaquina, Ainda o dia a começar E ei-la toda ladina, Com comida p’ra nos dar. Ti Jaquina tratava Timóteo, o peru, dum modo muito especial. Era preciso que estivesse bem rechonchudo com o pescoço e as carúnculas vermelhas e a crista encarnada a brilhar ao sol. Estava a ficar um belo peru! 29


Ti Manel, nutria uma afeição muito especial pela sua Jaquina. Era zelosa, para com a família, duma dedicação imensa e cuidava os animais como ninguém. Enfim, um exemplo de mulher. - Olha-me só para o Timóteo, Manel, está um belo peru. Vai fazer um figurão a nossa mesa de Natal.

Glu glu glu, em cantoria, Contente no seu cantinho, Olhava, apenas comia Para ficar bem gordinho. - Ora, ora, se não vamos, Jaquina, está mesmo uma ave rara – sorria. - Está mesmo no ponto, nada lhe falta. Amanhã, Ceia de Natal, já vamos ver se o gosto condiz com a figura ou, como diz a gente, se a treta diz com a careta – gracejava. 30


- Vou ter que o preparar: Colocar um bom tempero, Vê-lo lá no forno a assar E depois, toca a comê-lo. O peru não entendia O que estavam a dizer, Olhava, apenas comia, Não queria lá saber. - Olha, vou preparar o pequeno almoço para os pequenos, não tarda nada e aparecem por aí aos gritos a dizer que têm fome. Vamos daí, vamos lá fazer bem à barriguinha. - Hoje temos um dia árduo pela frente. Depois, crianças em casa, maior canseira. É bom tê-los cá, melhor ainda, vê-los correr pela quinta, mas… - Vai indo que eu já vou ter contigo. Logo que Jaquina virou as costas, Manel deu uma volta pelo capoeiro, olhou todos aqueles animais e sentiu o peru nervoso, exaltado: - Glu glu glu – grita o peru, O que estarão a dizer? E repete: - Glu glu glu, Que raio querem fazer?

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Diz-me, galo, diz-me lá! - Chiuuu, Ti Manel vem aí! O Natal é amanhã, Querem peru, ai de ti! Vou ter que me por a milhas, Não pensam vou ser comido. - Deixemo-nos de cantigas, Nós protegemos-te, amigo.

Ti Manel, nem se apercebeu do porquê de tanto alvoroço.

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- Deve ser por estarmos no início do dia ou porque estão refastelados a saborear a comida que Jaquina lhes trouxe – pensou. Mas a questão era outra. Longe do complô que estava a ser montado, Jaquina e Manel nem imaginavam o que os esperava. Ali por perto, o Tico e o Teco – um casal de raposas – tinham em mente uma ideia macabra. Preparar-se também para celebrar o Natal a seu modo. Não se apercebendo da proximidade das raposas, virou as costas e foi-se dali. A Jaquina me espera Para juntos almoçar. Duas alfaces colhera E levou p’ra as preparar. Em seguida, seguiu em passos para casa. Na capoeira, Timóteo, o peru, preparava a trouxa para zarpar dali. Mas, ao abrir a porta do galinheiro, viu aproximar-se o casal de raposas, com aquele seu olhar amistoso, cheio de manha. - Olá, Timóteo, fora da capoeira? Vais passear? - Não, apenas descontrair um pouco, aí pela quinta, gozar um pouco a minha liberdade. - Com farnel às costas?

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- Diga lá, peru vadio, P’ra onde vai viajar? - Tenho a vida por um fio, Amanhã serei jantar. - Nós te daremos abrigo, Connosco podes ficar, Acompanha-nos, amigo, E não irás ser jantar. - Como estou agradecido, Nem sabia para onde ir. - Tens um lugar garantido Dizem elas a sorrir. Na Capoeira, Sanico, o galo, berrava em alta voz, como que tocando sinos a rebate. Timóteo agora estava metido num valente sarilho. Ingénuo, Timóteo seguia as raposas. Apenas pensava sair dali para fora a toda a velocidade. Quando ouviram as aves e os restantes animais da quinta em tal alvoroço, Jaquina e Manel, correram para o capoeiro para se inteirarem do que se estava a passar. - Mas que barulho infernal, O que está a acontecer? Tico e Teco vão pró vale Com Timóteo, p’ra comer. 34


Ti Jaquina lança a mão à cabeça e diz: - Manel, temos que fazer alguma coisa. Corramos atrás deles para resgatar Timóteo! Ai, esses safados do Tico e do Teco que não nos deixam em paz. Ti Manel pegou em dois fortes varapaus, entregou um a Jaquina e correram no encalço dos raposos. Assustadas, as crianças acorreram ao lugar e logo mostraram vontade de ajudar a recuperar Timóteo. E, todos juntos, foram seara fora em busca dos meliantes.

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- Vamos todos devagar Pra barulho não fazer Havemos de os encontrar E o Timóteo trazer. - Lá se vai a nossa ceia, Não quero ficar sem ela. Tenho cá a minha ideia, Sei onde é a lura dela. E logo se dirigiram em direção à lura onde os raposos se refugiavam. - Aonde estão, Tico, Teco? – gritava Jaquina - Devolvam-nos o Timóteo ou quem há de servir de ceia para o nosso Natal vão ser vocês. Lembrem-se que estou a precisar dum novo casaco, cuidem das vossas peles ou estão feitos. Enfiados na lura, Tico e Teco, nem tugiam nem mugiam. Já estavam a preparar-se para lançar o dente ao pobre Timóteo que tremia como varas verdes, amarrado a uma raiz, dentro da lura. Manel, Jaquina e as crianças, munidos de varapaus, lançaram-se a abrir a lura e escorraçaram o par de raposos, libertando Timóteo do seu cativeiro. E ei-lo agora nos braços de Jaquina, a caminho do seu agora almejado capoeiro. Desta, o pobre Timóteo já estava livre. - Obrigado, Ti Jaquina, é bom voltar ao nosso capoeiro, apesar de saber que me restam apenas poucas 36


horas de vida. Ao ouvir as suas palavras, Jaquina comoveu-se. O grupo seguia agora num silêncio profundo. Chegados à capoeira, Timóteo lançou-se para um canto e ali ficou em silêncio, como recomendando ao Altíssimo a sua alma. Manel, Jaquina e os miúdos afastaram-se lentamente em direção a casa. Passaram-se hora e nada acontecia, ninguém voltava ao capoeiro. - Eis que vem o entardecer E ela não aparece; Bem queria adormecer, Tudo é foi, nada acontece. Quem sabe! Se ela não chega, Talvez me deixe viver. Logo o galo diz: - Sossega, Ela vai aparecer. - Reparem – Já vem ali! - Será que me vem buscar? Gostei de viver aqui, Amanhã serei o jantar. Jaquina chegou, silente, distribuiu os alimentos como habitualmente, jantar reforçado, um caldo de couve galega com farinha de milho, folhas verdes, mais 37


milho em quantidade e…, para espanto de todos, afastou-se, sem levar Timóteo. No dia seguinte, as crianças andavam numa correria louca, de um lado para o outro, pela quinta, na recolha de musgo, hera e tudo o mais que necessitavam para o seu presépio. Foi então que Jaquina se aproximou de novo do capoeiro, se virou para as aves e lhes disse: - Comam, com vontade, meus queridos, de hoje em diante vão ser todos como membros desta nossa família. E tu, Timóteo, não temas, eu nunca poderia imaginar que entendias o que nós dizíamos. Não vais mais sofrer. Por tudo isto, quase acabavas a servir de refeição para os manhosos raposos.

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Hoje é dia de Natal. Vou abrir a portinhola e podem ir ajudar as crianças a encontrar nozes, pinhas, musgo e tudo o mais para o presépio e para alegrar o nosso Natal. Logo à noitinha irão participar connosco na Ceia de Natal. Nessa Ceia de Natal Não houve peru à mesa Mas foi muito especial Para todos, com certeza. Natal, da família o dia, Haja paz e união, Esperança e alegria E muita compreensão. Cantemos em alta voz, Ao nosso Deus, aleluia, Porque no meio de nós Também Jesus nos sorria.

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Sonho de Natal

Na sala dez do primeiro ano escolar, Tomás, um menino de seis anos, estava atento. Era um dos vinte alunos da turma da professora Maria Luísa. Todos a adoravam. Era dócil, simpática e estava sempre pronta a ajudar quem dela precisasse. Na presença de uma turma em que os alunos eram ainda muito jovens, Maria Luísa bem cedo tentou incutir neles o gosto pela leitura e criatividade, a fim de suscitar neles a curiosidade e o gosto pela escrita e dedicando-lhe uma hora semanal. Era a “Hora do Conto”. Todos aguardavam com grande expectativa 40


cada quinta feira. As crianças aderiram de tal forma ao projeto que logo começaram a rascunhar alguns apontamentos, tendo em vista mais tarde escrever as suas próprias produções e assim exibir aos amigos as suas qualidades de escritores. Decorria já a última semana de aulas, o Natal aproximava-se a passos largos. Não tardava e já aí estava o Pai Natal, de trenó, a distribuir presentes por toda a parte. Coitado, tão gordinho e a ter que descer por cada chaminé… e ainda por cima, carregado de presentes.

Nesse dia, Maria Luísa levou para ler um livro muito diferente. Arguto, Tomás logo se apercebeu e, cheio de curiosidade, encaminhou-se disfarçadamente até à secretária da professora. - Eh lá! – exclamou – Que bela capa. Mal sabendo ainda juntar as letras com destreza, foi soletrando: Contos de Natal. E, virando-se para a professora que 41


estava absorvida a escrever no quadro negro alguns apontamentos: - Um novo livro, professora? Acabaram os contos? - Sim, Tomás, já vos falo nele. És curioso, miúdo. Não estavas melhor sossegadinho na tua carteira? – e, virando-se para todos os alunos, disse: - Bem, já que falaste no livro, Tomás, vou explicar a todos a razão de o ter trazido. Muita atenção, meninos. Como sabem, estamos a comemorar a quadra de Natal. Esta semana vamos ter leitura todos os dias e decidi trazer para vós alguns contos alusivos à quadra. Que acham? - Que bela ideia, professora. Vamos gostar. - Daqui a um pouquinho, vamos até ao pátio. Está um lindo dia, e um sol quentinho que nos chama, a brilhar por entre as árvores.

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- Então - disse a professora Oiçam com muita atenção, Vamos todos para fora Mas com ordem, pois então! Depois, irei escolher Uma história de Natal Bem linda, vocês vão ver, Uma história excecional. Silêncio, fazem favor, Vou-vos ler a linda história, Fala-nos de um grande amor, Tem Belém na trajetória. Muita gente caminhava Sob um calor de verão, Muito feliz, mas cansada, Era grande a multidão. José, um homem velhinho, E num burrinho, Maria Que afagava o seu filhinho No ventre, com alegria. Sentada no pátio, a criançada nem pestanejava, atenta a cada palavra proferida pela professora que, compenetrada, continuava: 43


E lá chegaram. Mas, para infortúnio da pobre mãe, não encontraram lugar onde repousar. Estava tudo completamente cheio.

E o pobre casal lá foi parar a um estábulo de animais, onde, noite dentro, deu à luz o seu filhinho. Vieram camponeses, pastores e até uns magos reis do oriente visitar o Menino que, diziam, era o novo Rei do mundo que viria salvá-los do seu cativeiro romano. Herodes, o rei, não gostou de ouvir que um novo rei nascera e intentou mandar matar todos os meninos... … Tomás estava agora absorvido pelas palavras da professora e num instante, mergulhou sozinho no seu mundo: - Fujam todos, vêm aí as tropas de Herodes, querem matar todas as crianças de Israel. 44


- O que se passa? – gritava Tomás, envolvido naquela cena estranha - O que vem a ser isto? Onde estou? Onde estão as minhas calças, os meus sapatos? Onde está a minha escola? Professoooorraaaa – grita. A Criança bem que gritava, mas ninguém lhe acudia. Olhava ao redor e eram só cavalos, soldados, armaduras. - O que fazes aqui rapaz? – pergunta-lhe um dos soldados, com cara de poucos amigos. - Quem me dera saber – respondeu, confuso, Tomás Não sei como vim aqui parar. Só sei que estava, atento, a ouvir a história que a professora Maria Luísa nos contava no pátio da escola e pronto, aqui estou sem saber como!

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- Sai-me daí para um canto ou ainda ficas esmagado. Tens sorte, que não estás na idade das crianças que procuramos, senão… - e virou para ele a espada, fazendo-o estremecer - A propósito. Não viste por aí uma mulher jovem com um recém-nascido ao colo? - Não, não vi nada – respondeu Tomás, tremendo. E olhando os cavalos em desenfreada correria, por ali ficou na rua deserta. A noite chegava. O sol começava a declinar, escondido atrás das colinas. Num momento, ouviu uma voz meiga e doce atrás de si: - Andas perdido? - Minha mãe! – murmurou. Virou-se e, para seu espanto, deparou-se com o vulto de uma jovem mulher, montada num burrinho, puxado por um simpático velhinho. - Vem connosco. – chamou - Não tarda, a noite cai, não podes ficar por aí sozinho. Daqui a pouco, chegaremos à cidade. Vem, logo encontraremos água e alguns alimentos para nos saciar a sede e a fome. Lá encontraremos também um lugar onde nos recolher. E Tomás, menino esperto, Sem saber o que fazer, Viu um cocho meio aberto, Aonde se recolher. 46


Pé ante pé, nele entrou. Tinha animais a dormir. Venham aqui – os chamou Havemos de conseguir. Muito a sul da Palestina, Longe da sua cidade, Essa gente peregrina Procurava liberdade. Passado um tempo, souberam Que terminara esta guerra. Herodes morreu. Puderam Regressar à sua terra. Envoltos nesse ambiente, O Menino, sua mãe Muito pacientemente. Voltaram para Belém. - Acorda Tomás – chamava Maria Luísa, agitando o corpo do menino – Adormeceste? Não gostaste do conto? - Tomás arregalou os olhos, e respondeu: - Se gostei? Adorei! – respondeu, sorrindo. Levantou-se num ápice e deu dois beijos na face da querida professora que olhava espantada sem entender nada do que se estava a passar. 47


- Estive lá, professora. – disse, com um brilho nos olhos – Fui viajar por terras distantes. Ajudei os pais do Menino Jesus a encontrar um lugar de repouso. Iam a fugir da fúria de Herodes, que queria matá-lo. Obrigado, professora, por tão belos momentos. Diz o povo com razão Em sua sabedoria: “Querer é poder” – então, Queiramos sê-lo, algum dia!

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O Presépio

Véspera de Natal. Mariana e Tozé, estão entusiasmados com a construção do presépio lá da aldeia. Convidaram os primos Leonardo e Carolina e lá foram cheios de expetativa para o ver exposto ao público no Patronato de Santa Maria da Vitória. Este ano, o presépio estava mais lindo ainda. Mariana e Tozé eram irmãos. Ela tinha oito anos, ele nove. Gostavam muito de se encontrar com os primos, praticamente da sua idade e, por isso, corresponderam de imediato ao seu convite. Pediram autorização aos pais e ei-los a caminho, felizes e contentes.

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Embora o Patronato ficasse perto, os pais de Mariana e Tozé não paravam de os avisar sobre os perigos. - Cuidado com a estrada – avisavam. - Eh lá, que correria desenfreada é essa, meninos? – admoestava Barnabé, o pai – O presépio não foge! - Vocês portem-se bem. – avisavam Cândida e Mário, os pais de Mariana e Tozé. Tinham-se juntado os quatro para ajudar a preparar as últimas iguarias para a ceia de Natal.

- Mãezinha, podemos ir Á Santa Maria Vitória? Perguntam a sorrir -Quer vir também, tia Glória? 51


- Este ano, o padre Quim Fez um presépio tão belo, Ocupa todo o jardim E tem no meio um castelo. Tem uma vaca, um burrinho, Anjos a tocar corneta, O Menino, coitadinho, Dorme, com os pais alerta! Na gruta, tudo é verdura, A ofuscar olhares impuros. Herodes, bem que procura, Mas ali, estão seguros. Há gente por todo o lado. Uma estrela lá no céu Brilha p’ra o Menino amado Que o humilde recebeu. E perto da manjedoura, Numas palhinhas douradas, O burrinho, e uma toura Lançam umas baforadas. - Tozé, sabes bem que é perigoso andar na rua sozinhos. Porque não convidam o pai para vos acompanhar? 52


- Ainda tenho alguns afazeres por aqui – responde o pai - mas podem ir. - Venha daí, tia Glória, vai gostar de ver o presépio, está tão lindo! - Isso, vai também, Glória, vais gostar de ver o presépio! Este ano o Abade esmerou-se-Convenceram-me. Vamos daí, meninos, vamos ver o presépio. Mas muito sossegadinhos, agasalhem-se. - E lá foram eles, cantando em surdina canções de Natal. Rapidamente, estavam no local. Passaram o grande portão do Patronato e logo exclamaram: - Oh, que lindo. 53


Leonardo, com a boca entreaberta de espanto, de olhos arregalados, quase nem pestanejava. - Que belo - dizia Carolina, perante tal formusura. - Então, tia Glória, que diz do presépio? - Estou espantada, nunca vi presépio assim. O senhor Abade esmerou-se mesmo. - Santo Deus, ajudem-me! – gritava o padre Quim que surgia espavorido à porta do Patronato - Ajudem-me, por favor! - O que aconteceu, Padre Quim? – adiantou-se Glória. - O Menino Jesus desapareceu! - Desapareceu? Como pode ser? Ele não pode ter ido a lado nenhum! - respondeu tia Glória. - Vamos procura-Lo – responderam as crianças a uma só voz. - Eu procuro ali naquele canto do Jardim - disse Carolina. - Eu naquele canteiro de rosas amarelas: disse Mariana - Eu vou espreitar dentro do castelo – acrescentou Leonardo, desolado com o desaparecimento do Menino. - Eu vou dar uma vista de olhos aí pelo jardim, tem que estar em qualquer lado – adiantou Tozé - o Menino Jesus tem que aparecer. É porque alguém o levou. Não ia agora, sozinho, meter-se por aí a cirandar. 54


- Alguém o levou – dizia, aflito, o Padre Quim - Porque haveriam de levar o Menino Jesus, senhor Abade - questionou Tia Glória. E, apressadamente, cada um para o seu lado, todos esmiuçaram por todo o lado. Mas, do Menino Jesus, nem sinal. Na Cabana, Maria e José pareciam tristes. Olhavam a manjedoura, vazia!

- Aparece, meu Menino, Quem te levou, afinal? Meu coração pequenino Grita por Ti, é Natal! 55


Oh meu Menino Jesus, O que foi que aconteceu? Logo, num raio de luz, O Menino apareceu! José olhava Maria Com um sorriso perfeito E até Ele sorria E apertava seu peito. Quando na cabana entrou. Ao ver Jesus lá deitado Tozé, feliz o chamou E correu para o seu lado - O menino está a dormir, Tão cansado, coitadinho! Mariana o viu sorrir E ficou mais um pouquinho. O Menino despertou, E disse - Muita atenção, O perigo já passou, Deus ouviu vossa oração. Chamou-me para cuidar, Estender-vos minha mão E o bom que lhe podeis dar É o vosso coração. 56


Vivamos este Natal Com amor, com alegria Pois este mundo, afinal, É vosso lar, Aleluia! Era ver a face do Abade irradiante de alegria! O Menino estava de novo no seu presépio. O rosto das crianças resplandecia quando olhavam para Jesus.

Agora, olhava o presépio e dizia: - Ó meu Menino querido, É bom ter-te em nosso meio. Sempre que estamos contigo De nada temos receio. 57


Alegres e felizes, despediram-se do padre Quim, dizendo: - Que lindo presĂŠpio, estĂĄ de facto muito belo. E, com os olhos postos no Menino, regressaram a casa para passarem juntos a noite de Natal.

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O Cogumelo Encarnado

Mário era um menino que contava ainda nove anos. Gostava de se sentar frente àquela grande janela e observar o céu e olhar cada estrela, posicionada com rigor cada qual em seu lugar. Quanta beleza e perfeição! A sua casa situava-se mesmo no confim da cidade. Era o lugar perfeito para a sua contemplação. Da janela a observar As estrelas lá no céu Brilhantes, como a acenar Nesse escuro e denso breu. 60


Milagre parece ser, Ver o céu todo estrelado, Observar Jesus nascer No longínquo povoado. Haja paz e alegria Por todo o mundo, afinal, Porque Jesus neste dia Vai viver o Seu Natal.

Aquela noite era para ele uma noite especial. Era o dia da ceia de Natal. A família encontrava-se já toda reunida lá na sala. Sem que ninguém o notasse, Mário esgueirou-se e deu um pulo até alcançar a enorme janela do salão do o rés-do-chão. Assim como assim, era Natal e nesse dia podia estar em convívio com a 61


família até mais tarde. Na verdade, nunca vira o Pai Natal. Quem sabe se nessa noite não poderia avistálo ao longe, no velho trenó, carregando as prendinhas para as crianças, quiçá, para si. Se bem que os pais não gostassem que ele andasse a vasculhar sobre o assunto, a sua curiosidade impeliao a fazê-lo. Se não o visse, paciência. O tempo passava velozmente. Logo, seria tempo de voltar a descer essas escadas e se dirigir à grande árvore que estava ali à sua frente para poder descobrir a prenda que ali teria à sua espera. Como ansiava aquela prenda que fervorosamente tinha pedido. Só não entendia uma coisa. Se era o Menino Jesus que dava as prendas, porque razão seria Pai Natal a trazêlas? Seria ele o capataz do Menino Jesus? Ao notarem a ausência do menino, os pais chamaram: - Mário, vem-te aquecer na lareira, filho, aí em baixo está muito frio, podes constipar-te. Ele nem ligou ao chamado. Absorto na sua contemplação, se repente, chamou: - Mãe, mãe, vem ver! Com os seus olhitos arreguilados, olhava agora embasbacado para o enorme cogumelo que num repente se instalara ali em frente do seu nariz. - Vem ver, mãe, deve ser o tal milagre de Natal. 62


- Vou sim, filho, espera só um pouquinho – estou aqui a ultimar umas coisas e já aí vou.

- Avó Maria, vem aqui, não podes perder isto. Que lindo! Com esforço, a pobre velhinha levantou-se da velha poltrona, e lá foi escada abaixo. - Espera, já vou a caminho. Nesta idade, as pernas já não ajudam. Mas já aí chego. - Oh! Desapareceu! – pena teres demorado. - Desapareceu como? O que aconteceu? - O cogumelo gigante, que há instantes estava ali no jardim. O cogumelo e as pequenas fadas que o rodeavam – dizia o menino um quanto desiludido. 63


- Ainda agora estavam lá, Depois, desapareceram Bem, pode ser que amanhã… Seus olhos humedeceram. Sai da janela a correr, Quase prestes a cair, - Marito, que vais fazer? Chamava a avó sorrir. - Mãezinha, vi no jardim Um cogumelo a nascer, Era vermelho, carmim, Mas já não o posso ver. - Deixa lá, já não existe, Nem cogumelo, nem fadas, Não precisas ficar triste, Tudo são pequenos nadas. Vem aqui, vou-te contar A história das fadinhas Que nas noites de luar Contavam as avozinhas. Mas Mário não estava nessa. Queria desvendar o mistério do cogumelo carmim. Regressou à janela e logo ficou estupefacto com o que viva.

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- Não pode ser – exclamava. E de olhos arregalados olhava de novo o cogumelo vermelho a romper daquele canteiro. Não se contendo, gritou: - Avó, vem cá, está ali de novo! Ele e as pequenas fadas! Vem ver como dançam à sua volta. Que beleza! - Minha avó, vem a janela Ver este lindo bailado. Santo Deus, vê como é bela, Essa subiu pró telhado! Eu jamais vi outro igual No meu jardim a nascer E milagre de Natal O que está a acontecer! Curiosa, Avó Maria aproximou-se e disse-lhe: - Fértil imaginação, Milagres a acontecer, Pureza do coração Que não deves mais perder. Quando nós somos crianças, Nisso cremos piamente, Crescemos, fica a lembrança Desse pensar inocente.

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É assim cada Natal: Queremos acreditar E o momento, especial, Lá se vai concretizar Podes crer, neto querido, A árvore, o azevinho, Quando fores mais crescido, Vais lembrá-los com carinho.

- Queres que te conte, a história das Fadinhas do Natal? - Sim, avó, conta. - Vem sentar-te pertinho da lareira. 66


Há muito tempo, nos dias em que Jesus nasceu, Maria e José caminhavam através do deserto de Samaria a caminho de Belém, a terra de origem de José. Ia haver um recenseamento ordenado pelo Governador da Palestina, Herodes. Maria, coitada, estava quase a dar à luz esse rebentinho amado que carregava na sua barriga. Coitada! Estava tão cansada que a dado momento, não podendo mais suportar, disse a José: - Marido, preciso descansar um pouco, as dores são terríveis. José, aflito, ajudou-a a desmontar do burrinho. O terreno era muito árido e eram raras as árvores onde encontrar um pouco de sombra. José já pouca água tinha. E foi esse pouquinho que com carinho deu a Maria, para que pudesse saciar um pouco a sua sede. Retirou o manto, estendeu no chão, e ajudou-a a estender-se. Vê bem, um sol escaldante, pouco alimento, quase sem água. Maria, exausta, sentia-se a desfalecer. Ouve agora com toda a atenção. De repente, um cogumelo rompeu do chão, crescendo até se tornar num grande guarda-sol. E logo aparecer a sombra. Que bom para Maria e José. Reconfortados pela sombra, retomaram a viagem em direção à Palestina, logo alcançariam a cidade de Belém. Diziam que as doze fadas que dançavam ali à volta do cogumelo, eram os 67


meninos que por todo o mundo, cada dia, cantam para Jesus. E foi Natal! Logo, o milagre acontece No meio da provação: Um cogumelo aparece Aos puros de coração. Enquanto as fadinhas dançam A anunciar o Natal, Os pastores os alcançam Nessa noite sem igual. É Natal, tocam os sinos, Haja paz, muita alegria, Deus abençoe os meninos Neste tempo de harmonia.

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Foi então que o menino correu de novo à enorme janela, à procura do seu cogumelo abençoado. Qual não foi o seu espanto quando viu as doze fadinhas que o olhavam a sorrir, enquanto acenavam agora para Mário e a avó cheias de alegria. Logo se ouve a voz da mãe, chamando: - Mário, está na horinha de descansar, é meia noitefilho, acabei de ouvir tocar o sino da igreja de São Martinho de Dume. Não tarda e chega por aí o Menino Jesus. Mário subiu as escadas com a avó e olhou a mãe vem no fundo dos olhos: - Sabes, Mãezinha? Ao lado do cogumelo carmim estão doze fadinhas, tantas como as badaladas que ouviste tocar. A mãe olhou o filho e deixou escapar um sorriso: - Sim, mas vamos descansar E levar essa alegria A Jesus que está a chamar Ao colinho de Maria. Que este dia de Natal Nos traga esperança e luz Que haja paz universal Com a bênção de Jesus. 69


O Natal do Ardina Tomás

Véspera de Natal. O dia nasceu cinzento, apático, com ar triste, Tomás, o ardina, andava numa correria desenfreada, na entrega dos jornais do dia. Temia que viesse por aí desancada uma chuvada daquelas que o colocaria numa situação difícil, com tanto jornal às costas. - Tenho que me despachar Na entrega dos jornais. Se ela cai, vou me molhar, Pra mim será mau demais. 70


E só mais um quarteirão, Já estou quase a acabar. – Quase dava um trambolhão Para a criança evitar. - Senhor, compre-me um jornal, Preciso de os vender, Falta pouco p’ró Natal E vejo o tempo a correr.

- Obrigado, meu senhor, por me comprar o jornal. E lá ia ele rua abaixo, quase a correr, apregoando o jornal em alta voz. 71


- Agora, já poucos restam – dizia para consigo, lançando um olhar rápido para a velha sacola de couro. Pesada que ela era! O céu estava cada vez mais carregado de chorosas nuvens. A chuva caía copiosa. Ao longe, ouvia-se já o ribombar dos trovões. E ele, no seu passo ligeiro, tentando abrigar-se encostado às paredes de casas e lojas de comércio. Agora, já conseguia avistar o café, ali poderia abrigar-se do temporal. - Bom dia, quer o jornal? Há notícias e das frescas. Muitas delas, afinal, Às vezes rocambolescas. Pouco depois de entrar no café, o proprietário abeirava-se para lhe dizer: - Olha, Tomás, daqui a pouco vamos fechar. Tenho de ir para casa ajudar a minha Sara. Ainda temos muito que lhe dar a preparar as coisas para a ceia. Vai também, lá em tua casa a coisa também não deve estar muito fácil. - Não posso voltar ainda, Ti’ Manel, só depois de vender estes poucos jornais que ainda restam. Precisamos do dinheiro ou lá se vai a nossa ceia de Natal. A vida não está fácil, o senhor sabe. Com duas crianças para 72


alimentar, há que trabalhar. Não quero que lhes falte o pão.

- Pois é, rapaz, eu, graças a Deus, já cá tenho o meu bocadinho. Toma lá este café, sempre ficas mais quentinho. Depois, tenho mesmo que fechar. Quando os jornais chegaram ao fim, Tomás lá regressou a casa mais feliz. Por graça divina, tinha-os vendido todos e, para sua alegria, a chuva acalmara um pouco. Bem depressa, já se poderia aquecer junto à lareira, fazer o presépio e brincar com as suas lindas filhinhas. Tão belas que elas eram! 73


- Meninas, o pai chegou Vamos tudo preparar, A trovoada amainou, O tempo vai melhorar. ‘Stá escuro como breu E as estrelas escondidas, Foi algum mal que lhes deu Ou talvez andem perdidas. A madeira a crepitar Na lareira e no fogão Dão conforto ao nosso lar, Onde há paz e união. Lá puseram na cabana A vaquinha, o burrinho Enquanto a mamã Luana Desembrulha o Deus Menino. Logo, o olhar de Sofia Via tudo ao pormenor Enquanto a Rita Maria Olhava tudo ao redor. Depois do presépio montado, foram espreitar à janela. Ouviam-se ainda os trovões. De quando em quando, um relâmpago rasgava o céu e iluminava tudo à sua 74


volta e atravessavam o ar num ziguezague estonteante.

As crianças arregalavam os olhos, com um sentimento misto de fascínio e de medo. De repente, entre um e outro relâmpago, avistaram uma lua enorme vestida de Pai Natal, com um belo gorro às riscas, semideitada, bocejando como se tivesse acabado de acordar e um belo pirilampo mágico que se agitava à sua frente tentando despertá-la. Estava na hora de partir para distribuir as prendas a todos os meninos. 75


- A Lua é o pai Natal, Sabias disso, paizinho? Mas parece estar tão mal, Vem aqui ver, coitadinho! - O Pai Natal, a dormir? Eu nem quero acreditar Grita Ritinha a sorrir Vamos lá a levantar! Ele não vai se atrasar, Toda a gente está à espera. As prendas, vai entregar Nem que venha a primavera! - Mãe, ele não pode entrar, A Lareira esta acesa! Ainda se pode queimar. - O jantar está na mesa? Só de noite chega aqui, Não há que preocupar. Venham, meninos, daí, Está na hora de jantar. Alegres e felizes, sentaram-se e assim puderam saborear a bela ceia de Natal que a mãezinha tinha preparado. Mais uns momentos, e já poderiam saborear aquelas iguarias que a mãezinha tinha preparado com 76


tanto carinho. Olá lá, que boas! Lembram-se então daqueles que sofrem: os sem abrigo, aqueles que são violentados pela guerra, os abandonados.

- Obrigado, ó Pai, pela nossa farta mesa, por nada nos faltar neste Natal. Protege os mais carenciados, para que possam também viver momentos de felicidade. Na rua, a chuva cai. O vento sopra forte e, através da janela, pareceu-lhes ouvir: - Aleluia, haja alegria e amor neste lar, glória a Deus nas alturas, paz na terra aos homens de boa vontade.

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- Haja paz e alegria Nesta noite de Natal, Jesus, filho de Maria, Presente celestial Jesus nasce cada dia Para nos dar Seu amor, Há conforto e harmonia Junto ao nosso Salvador. Vivamos em união, Com nosso Redentor E que em cada coração Oremos em Seu louvor. Natal marca o nascimento Desse Menino Jesus Presente no pensamento E que da noite faz luz. Crianças, nossas amigas, No Natal que aí vem Possam estar bem unidas À família de Belém.

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Mister Gray, a Prenda de Natal

Mister Gray, era um gato bem-comportado. Tinha um belo porte e era admirado por todos os gatos lá do sítio e redondezas. Há tempos, vivera numa bela mansão, com o seu bom amigo Sérgio Malaquias, que infelizmente voou para a eternidade numa triste noite que Mister Gray jamais iria esquecer. Bons tempos aqueles em que tinha tudo à sua disposição, amor, carinho, amizade, compreensão. E além disso, tinha sempre um lugar quentinho, livre das intempéries do tempo. Agora, era um gato abandonado à sua sorte. Vivia debaixo do varandim do coreto, nos 80


subúrbios da cidade. Felizmente, teve sorte de encontrar muitos amigos, como ele, a vaguear, vadios, ali pelas ruas. Mister Gray gostava de contar histórias dos seus belos tempos de bonança, no tempo em que vivia rodeado de carinhos. Toda a gataria se reunia ao seu redor para o ouvir falar daquele lugar de sonho, que nenhum deles houvera conhecido. - Mister Gray, ainda bem Que algum dia assim viveste; Neste mundo de ninguém Não temos nada que preste. Na nossa comunidade Trabalhamos mutuamente, Temos nossa liberdade E amigos para sempre. - Obrigado, companheiros, Pela ajuda que me dão, Sois amigos verdadeiros, Amigos do coração. Indicaram-me abrigo E deram-me a vossa mão, Quando vos sinto comigo, É menor a solidão. 81


- Contem sempre comigo, meus amigos, saberei corresponder à vossa generosidade. As histórias que aqui vos trago são apenas um incentivo para que confiem no futuro, há sempre um amanhã feliz que nos espera. O dia de Natal aproximava-se a largos passos. Mister Gray suspirava cheio de ansiedade. Olhava o céu, negro como um véu, que lhe servia de teto e lembrava com saudade os bons tempos vividos. Na verdade, era nesses dias que a saudade mais apertava. Lembrava a azáfama daqueles dias, aquela cozinha em alvoroço, o seu antigo dono, o velho Malaquias.

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- Malaquias, bom amigo, Diz, porque foste embora? Sem te ver, eu não consigo Ser assim feliz, agora. São as saudades que apertam Em dias especiais, Meus sentimentos despertam E fico triste, demais! Seria bom ser levado Para essa dimensão Sentir-me aí, do teu lado, O afago da tua mão. Agora, com desconforto, Noite após noite ao relento, Não sei se estou vivo ou morto, Mas sei que mal aguento. Se aqui sou acarinhado Pelos gatos cá da rua, Eu olho o céu estrelado E nada, apenas a lua. Faz-me falta o teu carinho, Mal aguento a saudade E assim vivo, tão sozinho, Aguardando a eternidade. 83


É dia de Natal. As pessoas correm pelas ruas desenfreadamente. Vão à procura de satisfazer as últimas necessidades para aquela noite especial da ceia. As lojas estão repletas de transeuntes que se atropelam, se acotovelam, na ânsia de rapidamente alcançarem os presentes que querem para si. Gray, o gatinho, apenas observa com espanto. – Ah – recorda – eram assim, nada mudou. Quantas vezes acompanhou o velho Malaquias, como eles, a correr, à última hora, para comprar aquele presente de que se tinha esquecido. Ah, esse não poderia faltar! Aproveitava para comprar mais uma dúzia deles, inúteis e desprovidos, para aqueles que haveriam de chegar à última hora. Era então que Malaquias o olhava num momento e lhe dizia: - Gray, meu fiel amigo e companheiro de todas as horas, vem comigo, não vamos demorar. - Saíamos a correr Para essa missão cumprir, Não era por se esquecer, Mas apenas prevenir. Ai, este mar de saudade Qua não me sai da lembrança; Agora, a realidade Não me mata essa esperança. 84


Algum dia vai chegar Em que surja um outro alguém A quem eu deseje amar E me possa amar também. Vivo o sonho, afinal, De alguém que goste de mim, E no dia de Natal Me venha buscar por fim. Mister Gray olhava ainda aquele manto de estrelas que se estendia para além do infinito e sorria, mesmo que no seu coração sentisse o tormento da sua solidão. Quanta saudade! - Estrelas mil, me ouvi! Oh, quanto vos agradeço. Esse tempo que vivi, Agora, não o mereço. Theo, um menino de sete anos, que passeava por ali, há muito que pedia aos seus pais um gatinho. De mão dada com a mãe, passeava nesse dia no jardim. Olhou o varandim do coreto e logo soltou para a mãe um grito de contentamento:

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- Mãezinha, vê-me aquele gato, É esse lindo que eu quero. - Theo, vá lá, sê sensato, Não entres em desespero. - Já te disse que te dou Um gato, tem paciência. Ele, logo ripostou: - É esse, mãe, que excelência! - Da rua? Não pode ser, Vamos à Instituição, Pois doenças pode ter, É bom tomar precaução. 86


Qual quê? Sem mais pensar, Theo já se soltara da mão da progenitora e corria agora em direção ao distinto Mister Gray que, assustado, logo dali correu para se esconder debaixo do varandim. - Não fujas, não, gatinho, já te apanho! Aflito, Gray cochichava para consigo: - Vamos lá nós confiar num miúdo irreverente e desvairado! Ah, meu querido Malaquias, tu, sim, eras digno de toda a confiança. Escondido como podia, ali aguardava o desfecho de toda esta trama. Quanto medo, caramba! - Vem aqui, lindo gatinho, Vem a mim, gostei de ti Sou o Theo, um teu vizinho, Quero levar-te daqui. Vá lá, não fujas de mim, A minha casa é quentinha! Vem trocar este jardim Por uma bela casinha. Hás de dormir num cestinho Quando assim o desejares… E logo a mãe: - Vem, filhinho, Já é tempo de voltares.

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- Mãe, vamos levar este gatinho para casa, sim? Prometo que cuido dele! - Vamos, filho, vamos à loja. Logo decidimos sobre o gato. Muito triste, Theo obedeceu. E lá foram estrada fora até que chegaram ao destino. Theo, contudo, não parava de pensar no gatinho do coreto. Que nem passasse pela cabeça da mãe deixá-lo ficar ali, abandonado. Havia de o levar para casa. - Deixa-me o gato levar, É tão lindo, de cor grés! - Para de me chatear, Muito chato é o que és! - Deixa levar, por favor, Parecia tão assustado! Precisa do nosso amor, De viver ao nosso lado. - Sabes, mãe? Hoje é véspera de Natal. Pedi ao Menino Jesus um gatinho. - Se levarmos este, para casa, o Menino Jesus não sabe e é capaz de trazer outro. - O Menino Jesus sabe tudo, Mãezinha! Deixa-me levar o gatinho para casa!

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- És tão chato, miúdo. Está bem! Vamos fazer um acordo. Vai junto dele. Se ele vier ao teu encontro, podes trazê-lo. Se fugir, é porque não deseja vir contigo. - Combinado. Obrigada Mãezinha! Theo entrou no jardim a correr e, com carinho, chamou Mister Gray para si: - Bichinho lindo, já cá.

Correspondendo ao chamamento do menino, Mister Gray sentiu-se confiante correu, feliz, na sua direção e entrelaçou-se-lhe nas pernas, ronronando e afagando-o com a pequenina cabeça. Gray rejubilava de alegria. 89


- Vem, gatinho lindo, vem morar comigo, dizia com voz trémula e meiga. Logo, Mister Gray o seguiu, saltitando, pela rua, até que chegaram a casa. Logo, a mãe de Theo abriu o pequeno portão que dava para o jardim, franqueando-lhe de seguida a porta do seu lar. - Bem-vindo, gatinho lindo. Mister Gray entrou sorrateiro e correu para a lareira, ainda em brasas, a aquecer aquela sala. Theo sentouse na carpete fofinha frente ao sofá e convidou Mister Gray a saltar-lhe para o colo. Este, abanando o rabo, saltou de imediato. - Que nome gostarias de ter? – Será que já tens nome? Foi quando reparou que o gatinho tinha uma coleirinha que dizia: Mister Gray. - Mister Gray? Que nome mais janota! Será que tens dono? Mais atento, verificou que abaixo do nome tinha escrito uma morada e um número de telefone. Apreensivo, Theo pensou alertar a mãe. - Será que ele tem dono? Porque estava no jardim? No coreto, ao abandono, Precisamos saber, sim! 90


- Mãezinha, vem cá, depressa Dá-lhe a coleira pra mão E no seu olhar expressa Tristeza e apreensão. - Mãezinha, e se ele tiver dono? Telefona, por favor. Se tiver, o dono deve estar aflito. Como o telefone não atendesse, Theo e a mãe deslocaram-se com o gatinho à morada indicada. Quando ali chegaram, tocaram à campainha, mas ninguém atendeu. Questionaram uma vizinha de olhar bondoso que ia a passar, se sabia alguma coisa daquele gatinho que encontraram abandonado no jardim, perto do coreto.

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- Que surpresa, é o Mister Gray. Faz meses que o Sérgio Malaquias faleceu. Como não tinha familiares a residir por estes lados, viu-se ao abandono. Desde que o velho Malaquias faleceu, a casa foi fechada e não mais ninguém entrou nela. Coitadinho, tinha tudo, de repente ficou sem nada. Fico feliz que tenha encontrado um novo lar! Mister Gray, bem o merece. Seja no lugar onde estiver, o velho Malaquias, deve agora dar pulos de alegria. Fiquem em paz, meus amigos. E dito isto, desapareceu, sob o olhar atónito de Theo e a mãe que, felizes, regressaram a casa, com a certeza de que Mister Gray se encontrava agora no seu lar, em segurança.

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- Mister Gray, oh meu gatinho, Num jardim abandonado, Aqui vais ficar quentinho, Passear por todo o lado. Neste Natal eu pedi Um presente ao bom Jesus; Ele, levou-me atĂŠ ti E das trevas se fez luz. Assim, felizes fiquemos, Temos tua companhia E nesta noite cantemos A Jesus, aleluia!

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O Nevão do Natal

A neve caía lenta no país da Nevolândia. O ratinho Timo, passeava pelo parque, tiritando com o frio. Olhava o céu de anil e pedia ao Deus Menino que lhe desse uma casinha aconchegada que o protegessem do rigor da neve que, lentamente, lhe estava a afetar a sua já frágil saúde. - Ó meu Jesus pequenino, Vem ouvir-me, por favor, Faz-me encontrar um cantinho Mais quente e acolhedor. 94


- Sem ter casa, sinto frio, Nem um simples cobertor Neste lugar tão vazio Para um frágil roedor. - Te peço neste Natal Que me possas aquecer, Este frio faz-me mal, Não irei sobreviver. E bem que se esforçava, na esperança de encontrar um lugar onde se pudesse aconchegar, no meio daquele valente nevão que não parava de cair e fustigava o seu corpo sem dó nem piedade. - Vê bem, meu Jesus querido! Onde me vou recolher? Ando aqui como um mendigo Que não sabe o que fazer. De mim vem ter piedade, Só procuro uma casinha, É uma necessidade Ter uma cama quentinha. Natal, solidariedade, É isso que ouço dizer E eu só quero, na verdade, Um lugar onde viver. 95


Era esse o constante pensamento de Tino, o ratinho. Tocas onde se refugiar, nem as vês. A sua tinha desaparecido há muito, debaixo daquele nevão tremendo que caiu incessantemente durante três dias e três noites. - Ouve, Menino, te peço, Vem indicar-me um abrigo, Ou será que não mereço Por ser ratinho mendigo? Ou talvez eu seja mau E não mereça um lugar!... … E ao tropeçar num degrau, Ao chão ele foi parar. - Sinto gelo na barriga! Grande tombo, que chatice! - Olá, sou uma formiga, E o meu nome é Alice Que te aconteceu, ratinho? Não tens casa onde morar? Eu vi há pouco um sapinho Que não sabe onde ficar.

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- Pois é, que grande chatice, Perdido neste nevão! Alguém aí já me disse Que não tens casa, pois não?

- Se soubesses, amiguinha! A minha frágil casinha desfez-se por aí durante o nevão, perdi-a de vista, fiquei sem lugar onde me abrigar. Na verdade, como dizem, não sei onde ficar. Até já pedi ao Menino Jesus que me indicasse um pequeno refúgio, um abrigo, para estes dias rigorosos de frio.

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- Imagino, amigo, deves estar mesmo aflito. Olha, vem daí, quem sabe se te posso ajudar. Junto ao lugar onde armazeno os meus víveres, tenho muita tralha. Mesmo assim, se calhar, ainda conseguimos um espaço o suficiente onde te possas abrigar. - Obrigado, formiguinha, Pela ajuda que me dás… - Ali, ao virar da esquina, O vento é muito mordaz. Sigamos com segurança, Devagar, devagarinho, Não percas a confiança, Conheço bem o caminho. Na ânsia de chegar ao esconderijo da formiga, lá foram eles, rodeados de cautelas, pé aqui, pé acolá, na tentativa de evitar como podiam o gelo que se ia acumulando na estrada, um suplício para as suas frágeis patinhas. Foi então que, ao longo do caminho, encontraram o Sapinho Litos, que em vão tentava chegar ao lago, agora transformado numa imensidão de gelo. Qual lago, qual carapuça! Como podiam eles encontra-lo se desaparecera?

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- Meu lago! Que aconteceu? Interrogava o Sapinho, Enquanto olhava pró céu E prá neve no caminho. - Roubou-me o meu aconchego, Meu lindo lago dourado, E agora, não o nego, Há neve por todo o lado. - É lindo, mas esquisito Disse formiguinha a sorrir Olhem, chegou o Fomito, Será que nos vai seguir? - Pra onde vão apressados? Não quero ficar sozinho, Andam desencaminhados? Perderam-se no caminho? - Se tu soubesses, Fomito! Andamos a procurar um sítio acolhedor para o Litos, o sapinho, e para o Ratinho Timo. – disse a Formiguinha Alice com desembaraço. Se quiseres vir connosco, despacha-te, está um frio de rachar e a noite não tarda por aí. Então, depois, é que não encontramos mesmo nada onde passar a noite.

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- Não é hoje o dia de Natal? Ai, quem me dera um lugarzinho quentinho para poder descansar. - dizia Timo, o ratinho, tiritando de frio - Como gostava de ter a minha querida mãezinha aqui ao meu lado. – lamentava-se Litos, o Sapinho. - E eu? Tenho tantas saudades das minhas irmãs! Nunca imaginei dizer isto, achava-as aborrecidas, sempre a seguirem-me para todos os lugares onde ia – dizia Formito, o esquilo. - Meus amigos, muito bem, Havemos de o encontrar, Também Jesus, em Belém, Não teve aonde ficar. Depois, lá se acomodaram Numa corte de animais. - Tu tens razão – concordaram É só neve, nada mais. O vento fazia-se agora sentir no meio daquele descampado desprotegido. Havia que se continuar, não faltaria já muito para chegarem ao refúgio da formiga Alice.

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Quando nada o fazia prever, uma rajada de vento muito forte, lançou sobre eles algo forte que os fez tombar naquele gélido chão.

- Que vem a ser isto, senhor Vento, tem compaixão de nós! Já não bastava o frio, agora, tu, a atirar-nos um não sei quê para cima! Embora o frio lhes fustigasse as barrigas, sentiam nas costas um aconchego que os fazia sentir bem. Levantaram-se e deixaram escapar um sorriso de alegria ao verem uma luva de lá macia aos seus pés. 101


- Ó luvinha querida, como vieste aqui parar? Milagre, certamente! - Não importa saber de onde ela veio. O importante é que já temos um sítio onde passar esta noite e outras noites que se seguirão. Já não ficamos ao relento, à mercê do frio e do forte nevão. - disse, animado, Timo, o Ratinho. Alice, a formiga, estava esfuziante de alegria, quando de repente viu um vulto que se aproximava em direção à luva. - Que pressa é essa, Lucrécia? - Vim atrás da minha luva. O vento arrancou-ma da mão. Dá-ma cá. - Ai, não dou, não - respondeu Alice determinada. - Quem me vai impedir? Tu? – respondeu Lucrécia, irritada. - Ouve, Lucrécia, estamos a poucas horas do Natal! Não vais agora impedir que estes amigos se agasalhem do frio nesta noite de festa! O nevão levou-lhes o abrigo e, coitados, ficaram sem lugar aonde se proteger. Olha para eles, estavam tão felizes! Lucrécia não se conteve. Olhou os pequenos animais e decidiu. - Certo, não posso mesmo fazer isso. Fiquem com a luva. Afinal, hoje é dia de Natal. 102


Logo, procuraram uns pequenos pauzinhos, colocaram a luva em cima, improvisarão uma rústica escada e instalaram-se ali no conforto daquele espaço peludo. - Que bela casa, meus amigos, um palácio digno de reis – dizia o sapinho, satisfeito. Belo trabalho – retorquia, aconchegando-se num cantinho. - Eu quero é descansar, estou exausto – respondeu o esquilo. - Na verdade, hoje o dia foi muito pesado. – acrescentou o ratinho. - Ei, amigos esquecemos da nossa amiga Alice, a formiga, que tanto nos ajudou. Olharam para todos os lados, mas nada, tinha desaparecido. Olharam o céu. As estrelas começavam a aparecer, belas formosas. - Ei, estão quentinhos? Era Alice, a boa amiguinha. - Alice – responderam a uma só voz. - Vim trazer-vos umas iguarias de Natal. Espero que apreciem. - Obrigada, amiguinha, vem mesmo a calhar, a nossa barriga já reclamava uma boa comidinha! Vem fazernos companhia.

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- Obrigada, meus amigos, não posso ficar, tenho a minha colónia à espera. Amanhã darei aqui um salto, para ver como estão! Feliz Natal. - Feliz Natal, boa amiga – disseram todos - Que esse Menino te possa recompensar tanta solidariedade. - Fiquem na Sua companhia, passem uma boa noite.

- Obrigada, meu bom Deus, Por este novo aconchego, Elevo os olhos aos céus, Tive medo, muito medo! 104


Meu bom Menino Jesus, Das palhinhas de Belém Trouxeste conforto e luz Para nos sentirmos bem. Que esta noite de Natal Seja de paz, muito amor E que seja especial Contigo aqui, ó Senhor. Que no nosso coração Possa habitar a humildade, E que todo o nosso irmão Viva em paz, felicidade. Venho pedir neste dia, Que ajudes os sem-abrigo Lhes dês conforto, alegria E os livres do perigo. Conduze-os no bom caminho Nesse seu peregrinar E lhes dês novo cantinho Onde possam repousar. Desde esse dia, os três amigos, no novo lar agora encontrado, contavam o tempo em que o nevão passaria para que no final pudessem refazer os seus lares e viver em harmonia. 105


- Neste dia de Natal Faz nosso lar diferente, Onde o que Ê essencial Se faça o melhor presente.

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Picolé, o Bonequinho de Neve

A aldeia das Três Maria, ficava situada entre duas serras. Era frequente cair neve e sempre que isso acontecia, toda a juventude se lançava naquela imensa extensão vestida de branco para se divertir. Brincavam ao arremessa, faziam corridas de trenó, mas o que mais as fascinava eram os bonecos de neve. A magia do natal já se fazia sentir, o dia estava à porta. A serra estava linda, toda branca, e o solo da aldeia era um manto de brancura. 108


Nas últimas horas, a neve tinha caído incessantemente. Os limpa neves andavam pelo terreno numa azáfama, a limpar as estradas. Até mesmo os espaços pedonais, na envolvência dos jardins, estavam atolados de neve, espaços ideais para a construção dum boneco de neve. E ei-los prontos a lançar mãos à obra. Era já tradição construí-lo no meio do jardim, debaixo dum frondoso pinheiro adornado de lâmpadas de muitas cores.

- Venha lá nosso boneco Muito distinto, direito. - O tempo é frio, mas seco, O ambiente é perfeito. 109


Mãos ao trabalho, rapazes, E vai ser muito o trabalho, Eu sei que serão capazes, Co’a ajuda desse pirralho. Tragam a neve p’ra cá, Outra tanta para ali; Fica feito esta manhã, Hoje, o tempo nos sorri. O Manel aqui nos trouxe Este cenourão enorme, Tu, Joana, pousa a fouce, O Pedro na forma dorme. Os sapatos colocados, Venha daí o chapéu, - Os braços entrelaçados? Pergunta, alegre, o Pompeu. Com todos envolvidos em grande azáfama, depressa o boneco começou a ganhar a sua forma. Faltavam agora os olhos, a boca e, quem sabe, umas luvas para que o pobre não arrefeça. A Sara foi ao seu lar, E perguntou aos irmãos Se podiam encontrar Umas luvas para as mãos 110


Nisto, viu um cachecol Quentinho, multicolor, - Com todo este briol, Talvez se sinta melhor. E as luvas que encontrou, Combinavam muito bem; Colocou-as e pensou: - Agora, frio não tem! Com olhos esbugalhados, Um paletó, dois botões, Com dois cintos apertados, Sempre vale dois tostões. - Perfeito – gritaram - que maravilha. Orgulhosos pelo trabalho feito, respiravam fundo, cheios de alegria. Mas algo parecia faltar na confeção do boneco. - Há qualquer coisa que nos escapa - disse Bernardo. - Sim? Mas quê? – interroga Matilde – Tem tudo: roupa, sapatos, luvas, cachecol, olhos, chapéu – acrescenta Joana. - Está quase perfeito, sim! Mas… A não ser… - O quê? – interrogam todos.

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- Falta-lhe um nome! – Todos as coisas precisam de um nome, mesmo que seja um boneco de neve. - Que nome lhe havemos de dar? – perguntou Leonardo. - Já sei! Vamos chamar-lhe Picolé, que dizem? – sugeriu Carlota. - Porque não? É um lindo nome para um boneco de neve – concordou António. - Muito bem – concordaram todos – vamos chamarlhe Picolé.

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- Vais chamar-te Picolé, É essa a minha vontade, Achamos giro e até Vai cair bem, na verdade. É véspera de Natal, A aldeia está contente, Uma data especial Para toda a nossa gente. As crianças a aparecer Para com ele brincar E as aves vão querer Nos seus ombros ir cantar. Dali não deve sair Para não se derreter, Deixaria de existir E não pode acontecer. - Está mesmo frio hoje. Vamos agora para o quentinho da lareira e partilhar com mais gosto e alegria a nossa ceia de Natal. Amanhã, de novo estaremos contigo, Picolé. E lá se foram todos para casa, alegres e felizes, com mais uma missão cumprida e espírito de Natal espalhado pelo ar. 113


No jardim, debaixo daquela enorme árvore repleta de lâmpadas a acender e a apagar, ei-lo sozinho. Picolé tremia, não de frio, esta era a sua condição de boneco de neve. Tinha, isso sim, medo. Andavam à volta uns predadores que poderiam aparecer. Um deles, o pequeno esquilo, já rondava o espaço há algum tempo. Não se tinha ainda afoitado a aparecer graças à presença daqueles jovens. Agora… - Olá, toma uma bolota, Aceita, podes comer. Mas que bela a tua bota, Que estás aqui a fazer? 114


- Para ti, até que é bom, Tu não és feito de gelo! - Ai que frio – diz Ronrom Está-me a eriçar o pelo. - Se queres, fica com ela, Tenho em casa muitas mais… - Talvez fosse bom comê-la, Mas não sou como os demais. E Picolé grita, diz: - Não quero ficar sozinho! E eis que poisa a perdiz No seu rico chapeuzinho. - Hoje é dia de Natal Não te vou abandonar Se não me levares a mal, No teu chapéu vou ficar. Mais calmo, Picolé esboçou um sorriso, quase agradecido a Lerda, a perdiz, pela companhia que lhe oferecia para essa noite que se se adivinhava longa e fria e, de todo, especial, era dia de Natal. O gato Ronrom é que não estava nada a gostar daquilo. Sentia a humidade a penetrar-lhe no pelo e isso criava-lhe muito desconforto. Humidade não é para gatos, não. Tentou aconchegar-se numa perna das calças de picolé e por ali se acomodou como pode. 115


O vento trazia no ar melodias vindas de longe. O céu, antes carregado de negras nuvens, era agora um mar de estrelas, uma delas, parecendo anunciar o nascimento do Menino. Passou iluminou o espaço e logo se ouviu uma sinfonia de anjos. No silêncio da noite, a criançada correu à rua e gritou: - Uma estrela, é ela, a Estrela do Natal. Já diziam os velhos escritos: “Belém Efrata, em ti há de nascer o Salvador do Mundo”.

Natal! Nasceu um Menino Na cidade de Belém, Muito humilde, pobrezinho, Dizem que p’ra nosso bem. 116


Conta-se que nesse tempo, Lá dizia a profecia, José guiava um jumento Onde levava Maria. E desde então, o Menino Que Maria transportava, Volta sempre, peregrino, Nesta linda madrugada. Com os olhos voltados para o céu, Picolé, cheio de alegria, pedia ao Menino que lhe desse uma prendinha especial, um coração de gelo que pudesse trazer a paz ao mundo, aos homens por Ele amado. Feliz Natal, aleluia!

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O Presente de Natal

Quinta da Magia. Assim era chamado aquele lar de acolhimento infantil. Era ali que muitas crianças abandonadas encontravam refúgio, aguardando com ansiedade que os pais ou alguém as fossem buscar, ou para o regresso ao lar ou para um novo lar que algum casal que, gostando de ter um filho e não o conseguisse, lá fosse procurar o filho que iria alegrar o seu lar, ausente desse afeto. Dois irmãos ainda muito pequenos, Maria, de cinco anos e João, de três anos, deram entrada na Quinta havia algum tempo, e ali estavam à espera que alguém os recolhesse e assim pudessem sentir o afeto dos pais 118


– os de sangue, ou aqueles que se propusessem substituí-los. Certamente que assim encontrariam seu equilíbrio emocional e familiar. Constância e Leonardo, os pais, que passavam por momentos difíceis carências económicas, provocadas sobretudo por falta de emprego, não viram outra solução que não fosse entregar no Lar os seus filhinhos amados, até que conseguissem equilibrar as suas vidas e a situação permitisse trazê-los de novo a para casa. Despediram-se com o coração destroçado e os olhos rasos de lágrimas. Eram os seus filhos, um pedaço de si que deixavam para trás até não sabiam quando. Mas, no momento, não havia outra solução, não podiam vê-los cada dia a mitigar a fome e o frio. Era o melhor que poderiam fazer.

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- Nossos queridos filhinhos Vão ter que ali ficar Para encontrar os carinhos Que não lhes podemos dar. Quando a solução tivermos P’ra nossa vida tão vaza, A esta quinta viremos E levá-los para casa. Crê-de em nós, pois voltaremos Pra vos levar p’ró lar, Do peito vos prometemos, Cá nos vamos arranjar. A despedida foi penosa. As lágrimas caíam copiosas dos olhos daquela mãe que sofria a perda (que, acreditavam, por pouco tempo) dos seus amados filhos. - Até breve, meus queridos, esperamos regressar depressa para vos levar de novo para casa e voltarmos a ser felizes. - Prometo-vos que brevemente regressaremos aqui – dizia o pai, com o coração despedaçado - acreditem. - Nunca se esqueçam – dizia a mãe – vós sois o amor das nossas vidas. E tu, Maria, és já uma mulherzinha. Cuida do maninho, sim? Eu sei que sob o teu cuidado

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vai correr tudo bem. Tu, João, ouve a tua irmã e cuida dela. És o homem da família. Abraçaram-nos longamente e saíram, escondendo deles seus corações destroçados. Um ano se passara desde aquele dia triste desde que entraram na Quinta da Alegria. Como era triste! Maria Abraçava seu irmão; Sua mente lhe pedia Uma boneca, um pião. Queria neste Natal Que Jesus, o Deus Menino, Lhes desse algo especial, A sua mãe, seu paizinho. - Ó Jesus, que maravilha Regressar de novo ao lar!... Uma lágrima que brilha E um peito a suspirar. Como fora longo esse ano na Quinta da Magia. O tempo passava lento, as saudades apertavam. João, o maninho, chorava cada noite, chamava pelos pais. Maria, tão tenra na idade, bem que tentava consola-lo, sem conseguir. 121


Por fim, lá conseguia adormecer o irmão, abraçada a ele. João sentia-se assim mais seguro e confiante. Afinal, era esse agora o seu papel de mãe. - Dorme, meu mano querido, Prometo te proteger, Ficarei aqui contigo, Nada vai acontecer. Como vai ser o amanhã, Não te posso prometer. Enquanto eu estiver cá, Será p’ra te proteger. Acredita, meu maninho, Que ficarei a teu lado, Dorme, dorme, meu anjinho, Meu irmãozinho adorado. 122


E era assim. Logo que ele adormecia, Maria então se permitia descansar. Seria assim sempre, até que um dia os pais vissem regressar. Aí, sim, tudo seria como dantes, o regresso ao lar e o retorno àqueles dias felizes.

- Um ano quase a passar E tu não voltas, mãezinha. Prometeste regressar, Quantas saudades, mãe minha. Nestas noites de vigília, Anseio voltar ao lar, Para vos ter por família E vos poder abraçar. 123


Ouve, meu Jesus amado Das palhinhas de Belém, Traz o pai p’ró nosso lado E a mãezinha também. Não te peço uma boneca Nem um pião p’ró João, Faz-nos falta uma caneca, A nossa caiu no chão. - Neste madrugar sem sono, Maria acabou adormecendo agarradinha ao irmão e entrou no seu mundo de sonhos. E eis que surge o Menino Jesus: - Ó meu Menino Jesus, Nas palhinhas deitado, Enche nosso céu de luz Pois está tão ofuscado. As estrelas já não brilham O céu ficou mais escuro E os homens não perfilham Nada bom para futuro. Vem e traz-nos esperança Num amanhã bem melhor Aonde cada criança Possa viver Teu amor. 124


- Bom dia dorminhocos, vamos levantar! Hoje é dia de Natal! – gritava a D. Delfina, a empregada do lar. - Hoje é um dia especial Uma surpresa, vão ter - Uma surpresa! Mas qual? O que vai acontecer? Maria esfrega um olhinho, Não queria acreditar Vê na frente o seu paizinho E corre para o abraçar. Acorda o seu irmãozinho Que sorri, ao despertar, E ao vê-la no seu quartinho, Nem queria acreditar. Vamos regressar ao lar, Voltar a casa, filhinhos, A vida recomeçar Junto dos vossos paizinhos. Está tudo preparado Já lá estão as prendinhas. Há muitas, por todo o lado, As vossas, do pai e as minhas.

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Cheios de alegria, levantam-se esfusiantes e num instante ei-los de saída de regresso a casa. - Quantas saudades, filhos, quantas saudades! Vamos festejar o Natal.

O Natal é cada dia Quando tudo acaba bem, Jesus, José e Maria São nosso Natal também. Hoje é dia de esperança, Da vida recomeçar, Tenhamos, pois, confiança No nosso lar, doce lar.

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Que seja um mundo melhor, Que haja saúde, pão, A paz de nosso Senhor A uma vida em união.

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O Natal no Bule Azul

Na casa da Ti Quitéria, havia um lindo bule azul, muito antigo. Era uma peça rara que vinha passando de mãos, de geração em geração. Só a víamos a ser usada em dias especiais, festas, aniversários, casamentos. Ti Quitéria, era uma senhora de meia idade, baixa e rechonchuda, simpática, afável e muito dócil. Era viúva há já um bom par de anos. Tinha quatro filhas e cinco netinhos. Para um deles, era o primeiro Natal, tinha poucos meses de vida. A poucos dias da grande festa anual, Ti Quitéria retirou o bule, com mil cuidados, da antiquíssima cristaleira que decorava a sala de jantar.

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Mais um ano se passou, De novo venho até ti, Nossa família aumentou, Há mais gente por aqui. Uma vez mais, o Natal, A conta já lhes perdi, Cada ano, especial, Tantos quantos já vivi. Tu, meu velho bule azul, Quantas vezes nos serviste! Lembras o tio Raúl Quando das mãos lhe caíste? Pobre homem, ficou aflito E nunca mais te pegou, Pudera, com o meu grito! … E nunca mais me falou.

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- Já lá vão muitos anos desde esse Natal. O que será feito do tio Raúl? Ai, meu amigo, se tu pudesses falar! Mas não, tu não falas, seja como for, já são longos os anos que passamos juntos. Bons anos, meu amigo! - Bem, vamos lá à vida. Deixa limpar esse pó que não para de se acumular. Não tarda e o pessoal começa por aí a chegar espavorido. Este ano, temos a casa repleta, vai ser muito bom. Já sinto saudades dos gritos e das traquinices das crianças, ao longo de toda a casa… olha-me bem que parvoíce. – disse de si para si - Aqui a falar com um bule! Valha-te Deus, Quitéria! Precisas mesmo de ter gente por perto. Tempo demasiado aqui sozinha, é o que dá!... Pronto, tudo arrumado e em condições de receber aqueles que nos visitam. Vou descansar um pouco! Ti Quitéria tinha o defeito. Por dá cá aquela palha, era vê-la a falar com o primeiro objeto que lhe aparecesse à frente. Afinal, não tinha ninguém com quem falar! - Meu velho amigo sofá, Em ti irei descansar. Prepara-te, que amanhã, Tens crianças a saltar. Apenas umas horinhas, Logo após o despertar Terás aqui criancinhas Que te irão perturbar. 130


O Raul, Maria, o Quim, A Luiza, a Liliana, A Joana, o Benjamim, A Carolina, a Luana… As crianças hão de vir, Assim me foi prometido E vamo-nos divertir No verdadeiro sentido. Ai, que sono. – murmura entre dentes - E acaba estatelada, sem forças, a dormir no velho sofá. Acorda em sobressalto ao ouvir o estridente som da campainha. - Caramba, quem tocará assim desta maneira? Até me assustou. Estava a dormir tão bem! Levantou-se a contragosto e disse surpreendida. - Que estranho! O sofá desapareceu. Olhou de um lado, olhou do outro e… nada. Magia! - Que raio aconteceu ao sofá? – desabafou. - Santo Deus, aonde estou? Como vim aqui parar Minha casa evaporou, Já quase me falta o ar. A quem irei perguntar O que foi que aconteceu? É o Natal a chegar E aonde estarei eu? 131


Abeirou-se da janela e espreitou. Não, esta não era a sua casa. Que lugar mais estranho! Abriu a porta que estava à sua frente e qual não foi o seu espanto. Ei-la dentro do bule azul. - Ó meu rico bule azul, como vim aqui parar? - Chiuuu, fale baixo, Ti Quitéria! - E tu, quem és? Que fazes também aqui dentro do meu bule? - Não me reconheces? Sou Maria, a mãe do Menino Jesus! - Maria? A mãe de Jesus? Como pode ser? Estás dentro do meu bule. E o Menino, onde está? E José, o pai do Menino?

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- Não faças barulho, pode acordar. Eu levo-te a vê-lo. José vela por Ele. Vem. Ti Quitéria estava agora de boca aberta perante aquele tão estranho cenário. E assim, não teve outro remédio se não correr o bule e seguir Maria. Passaram num pequeno corredor e ei-Lo, aconchegado, deitado sobre o pequeno espaço de saída para o bico. - Ó meu Menino lindo, como estou feliz! Diz-me, como vieste aqui parar? - Simples, Ti Quitéria, o Natal é quando o homem quiser, onde desejar, basta querer e eu estarei consigo. - Diz-se isso há tantos anos, meu Menino, e estamos sempre a aprender. Por mais anos que venha a viver, nunca saberemos o suficiente para entender o teu amor por nós. Hoje sinto-me muito feliz, estou junto a Ti. - Trimmmm, trimmmmm, trimmmm. De novo o som da campainha e Ti Quitéria acordou estremunhada do seu sonho tão estranho como belo. Agora, por mais que espreitasse para dentro do bule, nada via, apenas sorria com os mais ternos pensamentos. - Onde estará? – parecia perguntar – Um Menino dentro dum bule, só de loucos! Espreguiçou-se, bocejou e foi atender. - Triimmm… 133


- Já vou atender, só mais uns momentos, por favor. Quem será – pensou – Ainda é tão cedo! Agora, lançou um novo olhar sobre aquele bule. Parecia ver uma pequenina mão que lhe acenava. - Alucinações, só pode ser. E lá foi abrir a porta. - Hoje vai ter uma bela surpresa – parecia ouvir Maria que lhe falava, erguendo a tampa do bule. - Estou a ficar doida, de certeza – dizia. Abre a porta e logo os netos lhe caem em cima. - Meus netinhos queridos, que bom que chegaram! Já eram tantas as saudades! - Avó, olá, que bom ver-te. - Entrem, vamos tomar um chazinho, querem? 134


Sim, avó, naquele bule lindo, o azul! - Não, meus queridos, nesse não. Esta vez vou fazê-lo no outro, o branquinho, sim? - Porquê? Quebrou-se? - Venham, vou contar-vos o Milagre do Bule Azul. E foram para a sala, para junto do Bule. - O presépio está aqui Dentro deste bule azul. Foi por ele que perdi A amizade do Raúl Hoje, aprendi a lição, O Natal não é um dia Mas Jesus no coração, Com José e com Maria. O Natal é diferente Quando juntos de Jesus Que prometeu hoje e sempre, Ser nosso caminho e luz.

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Índice

Ficha Técnica ............................................................................. 3 Rosa Maria Santos ................................................................... 4 As prendinhas do Menino .................................................... 8 Suave Milagre ......................................................................... 18 Um Natal Especial.................................................................. 28 Sonho de Natal....................................................................... 40 O Presépio ................................................................................ 50 O Cogumelo Encarnado ...................................................... 60 O Natal do Ardina Tomás ................................................... 70 Mister Gray, a Prenda de Natal......................................... 80 O Nevão do Natal.................................................................. 94 Picolé, o Bonequinho de Neve ...................................... 108 O Presente de Natal .......................................................... 118 O Natal no Bule Azul ......................................................... 128

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