Título: Ventos de Mudança. Conto de Ano Novo, de Rosa Maria Santos.

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Ventos de Mudanรงa

Conto de Ano Novo

Rosa Maria Santos 2


Ficha Técnica

Título Ventos de Mudança Tema Conto de Ano Novo Autora Rosa Maria Santos. Capa Arranjo de José Sepúlveda Ilustrações Rosa Maria Santos Revisão de textos e Formatação José Sepúlveda Publicado por Rosa Jasmim Edições

Editado em E-book em Dezembro de 2020 https://issuu.com/rosammrs/docs

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Rosa Maria Santos Naturalidade – S. Martinho de Dume, Braga. Muito pequena, foi viver para a freguesia de Maximinos. A base do seu equilíbrio emocional está no seio familiar. É na família que encontra a alegria de viver. Viveu na Costa Litoral Alentejana, em Sines, trinta e um anos, tendo regressado em 2017, à cidade que a viu nascer, Braga. Participou em diversas coletâneas de Poesia, portuguesas, italianas e brasileiras. É Colunista no site Divulga Escritor, possuindo também uma rubrica na Revista com o mesmo nome. Foi assistente de produção e recolha na coletânea de postais do grupo Solar de Poetas, Poeta Sou…Viva a Poesia; participou nas coletâneas de postais de Natal do mesmo grupo: Era uma vez… um Menino; Nasceu, É Natal; Não Havia Lugar para Ele; VALE DO VAROSA: Uma Tela, um Poema, do Solar de Poetas, para promoção do Evento: Tarouca Vale a Pena; Belém Efrata; Então, Será Natal; Vi Uma Estrela, todas editadas em e-Book; O Presépio de Marco – inspirado nas imagens do presépio de Natal 2019, elaborado por Marco Penna e seus familiares. 4


É Administradora dos grupos: Solar de Poetas, onde coordena também a equipa de Comentadores; Solarte – a Arte no Solar; SoLar-Si-Dó - A Música no Solar; Canal de Divulgação do Solar, Casa do Poeta; SolarTV Online; Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa; Hora do Conto e O Melhor do Mundo, todos do grupo Solar de Poetas. A escrita é uma das suas paixões… Não se considera escritora nem poetisa, mas uma alma poética a vaguear pelo mundo... Se um dia deixar de sonhar, diz, deixa de existir. Livros editados: Rosa Jasmim (poesia), Capa do Mestre Adelino Ângelo – Julho 2018.

E-Books - Poesia Cantam os Anjos (poesia de Natal) – Capa de Adias Machado – Natal 2017; - Ucanha terra de encanto Poesia) - Capa: Glória Costa – Maio 2018; - Sinos de Natal, Natal de 2018; - Glosa, Arte e Poesia, Pinturas de Glória Costa, poesia da autora, Agosto 2019; - Entre Barros, Arte e Poesia Bordadas à Mão – pinturas de Bárbara Santos, poesia da autora, Outubro 2019; - Maviosa poesia, a arte de rialantero" Pintura de Silvana Violante; poesia da autora; Em Palhas Deitado, Dezembro 2020.

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E-Books - Contos Pétalas de Azul (contos) – Fevereiro 2019; - Estórias em Tons de Rosa (contos) Abril 2019; - Pena Rosada, Crónicas do Quotidiano, Julho 2019; - 12 Contos de Natal, capa de Madalena Macedo - imagens com arranjos da autora, Natal 2019; - O Veado Solitário, na Aldeia do Chefe Lyn - Edição bilingue (português/italiano), Janeiro 2020; - Esperança no País do Arco Íris – Edição bilingue (português/italiano), Abril 2020; - O Menino da Lagoa - Edição bilingue (português/inglês), Abril 2020; - A Menina Raposa, capa de Ana Cristina Dias; - Rufo, o Cãozinho desaparecido – Edição bilingue (português/espanhol), Abril 2020; - Ana Rita e o fascínio dos ovos – Maio 2020; - Milú, o Chapeuzinho que gostava de cirandar, Maio 2020; - Contos ao Luar, Maio de 2020; - Patusca, no Reino Misterioso - Edição bilingue (português/italiano), Maio 2020;- O bolo na casa da Avó Doroteia, Junho 2020; - Sonega, o Coelho Mandrião, Julho 2020; - Rosalina e a Sombra Rebelde, Julho 2020; - O Jardim em Festa, Julho 2020; - Ritinha, salva a Sereia Serena, Julho 2020; - Ana Clara, em tempos de pandemia, Novembro 2020; - Josefina, a menina que veio do mar, Novembro 2020; - Luizinho, protetor do ambiente, Novembro 2020; - A Girafa Alongadinha e a Pulga Salomé, Novembro 2020; O Dia de Natal, Dezembro de 2020; O Natal de Afonso; Dezembro de 2020; Um Milagre na Ilha Paraíso, Dezembro de 2020; Ventos de Mudança, Dezembro de 2020. 6


Histórias da Bolachinha Bolachinha em Tarouca (prosa e poesia) - Capa: Glória Costa - Maio 2018; - Bolachinha vai à Hora de Poesia - Edição bilingue (português/ francês), Outubro 2018; - Bolachinha vai à Casa Museu Mestre Adelino Ângelo - Novembro 2018; - O Natal de Bolachinha, Natal 2018 Bolachinha e a Hora de Poesia, a visita de Teresa Subtil - Edição bilingue (português/Mirandês), Fevereiro 2020; - Bolachinha e a Hora de Poesia, a visita de José Sepúlveda - Edição bilingue (português/francês), Julho 2020.

Aventuras de Maria Laura Maria Laura, a Menina da Página dezasseis, Agosto 2020; - Aventura no Castelo sem nome, Agosto 2020.

Brevemente Vidas Suspensas, romance.

Distinções 2º Prémio de Poeti Internazionali. Poema Rosa de Saron, no Concorso Artemozioni, Cantico dei Cantici In Valle d’Itria, Itália; Maio 2017. 3º Prémio de Poeti Internazional - Itália. Com o poema “Violino”; 5° Biennale del Festival Internazionale Delle Emozioni, Itália - Maio 2019.

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10° Edizione Del Concorso Di Poesia e Narrativa: Prémio d’Onore Concurso de Premio Letterario Internazionale di Poesia “Gocce di Memoria“, Itália, Junho 2019 con la poesia Sfera di cristallo (Bola de Cristal). Concorso “Il Meleto di Guido Gozzano” Sezione Autori di lingua straniera - ATTESTATO DI MERITO, 14 settembre 2019 com la poesia Assenza (Ausência). Itália, agosto de 2019. Jogos Florais Vale do Varosa 2019 – Concurso Literário Tarouca - “O rio, o vale e as gentes”: Menção Honrosa, categoria de Poema. Concorso di Poesia Internazionale " Gocce di Memoria" VI edizione 2020. Menzione d'onore con la poesie “Il mio quadro” – (Meu quadro). Itália julho 2020. Segunda Classificada no Prémio Poeti Internazionali 11ª. Edizione del Concorso Internazionale di Poesiavideopoesia e racconti dal titolo: Poesia Esteri “Ouve” (Ascolta) dezembro 2020. Menzione di Merito de poeti Internazionali 11ª. Edizione del Concorso Internazionale di Poesia-videopoesia e racconti dal titolo: Racconti “Esmeralda” dezembro 2020. https://issuu.com/rosammrs?fbclid https://romyflor.blogspot.com/p/blog-page.html 8


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Ventos de Mudança

Na Capoeira da avó Clotilde, havia uma galinha meio desajeitada que trepava pela rede e esvoaçava para uma das árvores ali ao lado do galinheiro e apressadamente subia cada ramo até atingir o cume. Logo que se via lá em cima, era vê-la a cacarejar bem alto e a apreciar a bela vista bem à sua frente. Ao ver essa tendência para a aventura de trepar, a Avó Clotilde dera-lhe o nome de galinha Trepadeira por ela tremer muito sempre que andava e por trepar às árvores, era uma galinha muito desajeitada.

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Sua mãe, a galinha Marrifa, passava o tempo sobressaltada, com medo que a qualquer momento Trepadeira caísse lá de cima e ficasse mal. Por isso, passava o santo dia a chamar-lhe a atenção. Mas ela não queria saber dos avisos da mãe. - Trepadeira, desce daí, um dia destes estatelas-te no chão.

- Bom demais – diz Trepadeira Que bela a vista daqui Sua mãe na capoeira Fica insegura de si. - Menina, desce daí, Que o perigo se avizinha. Mas Trepadeira sorri E diz: - Que lindo, mãezinha! 11


- Não entendo, filha minha, Porque gostas de trepar, Que te seduz lá em cima. -Sobe, pois hás de gostar! - Subir aí? Nem pensar! Prefiro as patas no chão, Quero segura ficar, Ouvir a voz da razão. P’ra bem da tua saúde, Desce e então vais entender O porquê da inquietude Que ao ver-te, tento esconder. Tens nas veias sangue quente De um avô aventureiro Por essa razão premente, Passas nisso o dia inteiro.

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Trepadeira não queria saber. Fazia ouvidos moucos e pensava: - “Um dia destes partirei daqui e irei à conquista do mundo. Conhecer outras terras, outras gentes, outras culturas” O Natal estava já próximo. O peru Jeremias mal cantava. Andava preocupado. Falava-se em toda a capoeira que pelo Natal iria desaparecer para dar lugar a uma tradicional refeição na casa dos seus senhores. Pobre Jeremias! - Talvez ainda parta hoje de viagem – pensava Trepadeira – e possa ainda convidá-lo para embarcar comigo nesta aventura. Sempre me faz companhia. Vou sentir, isso sim, saudades da minha mãe. Afinal, se lhe desse a conhecer a ideia que tinha, tudo faria para me impedir de partir. 13


A galinha Marrifa, na verdade, sรณ conseguia empoleirar-se sobre uma das patas e descansar, sempre que via Trepadeira sossegada e a descansar na capoeira.

O tempo, lento, passava E Trepadeira, a sonhar Via o Natal que chegava E ela pronta a viajar. Coitado do Jeremias, Com seu destino traรงado, Apenas um ou dois dias E o seu fim consumado. 14


Do alto, cacarejada P’ra seus castelos no ar E já tudo planeava Para partir, viajar. No seu poleiro vivia Confiante e empolgada E, sem cuidado, caía Lá no chão, estatelada.

Pobre Trepadeira! Tão envolta que estava nos seus pensamentos que nem se apercebeu da força do vento que soprava e fazia agitar fortemente as 15


ramagens da árvore, desequilibrando-se e caindo redonda no chão. Quando se apercebeu, Marrifa, a mãe, logo entrou em pânico, cacarejando aflita, o que fez com que a avô Clotilde acorresse ao capoeiro para se inteirar do que estava a acontecer. Quando ali chegou, deparou-se com Trepadeira estatelada no chão, como que adormecida. Correu para ela e qual não foi o seu espanto quando a viu levantarse a toda a pressa, como uma louca, e esvoaçar às voltas, dizendo:

- Aonde estou? O que aconteceu comigo? Quem me retirou do meu posto se vigia? 16


E logo voltou a tombar inanimada. Na verdade, o tombo fora grande. A avó Clotilde examinava todo o seu corpo, removendo pena a pena, para se certificar se estaria ou não magoada. Caramba, felizmente, fora apenas um susto. A sorte foi que Trepadeira tinha caído sobre um amontoado de folhas que ela mesmo tinha juntado naquela manhã, debaixo da árvore. Providencialmente, foi isso que amorteceu a queda e, quem sabe, salvou a vida de Trepadeira, a alegria de toda a capoeira.

- Como pode acontecer? Mas que grande trambolhão! Nem se conseguia erguer, Estendida lá no chão. 17


Levada p’rå Capoeira, Clotilde a amparou E a galinha Trepadeira, Agradecida ficou. E ali, envergonhada, Querendo cacarejar Sentia-se atrapalhada, Não conseguia falar. Logo, cheia de incertezas Para Clotilde olhava. Na mente, tantas certezas, De viajar precisava

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A avó Clotilde levantou-a com cuidado e acomodoua na capoeira. Alice, a sua netinha, estava na quinta a passar férias. No meio de tanto alvoroço, correu ao galinheiro, pensando que a avó tinha ido buscar uns ovos para a doçaria de Natal, como fazia sempre. Era menina de oito anos que adorava a avó, a única que tinha. O avô Santiago e a avó Natércia tinham partido para o seu descanso havia alguns anos, ainda ela não tinha nascido. O avô António, esse, adormeceu era ela pequeninha. Como recompensa, tinha a avó Clotilde que a adorava. Sempre que estava de férias, lá ia ela a correr para casa da avó.

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- Avó, avó! – chamava, correndo por entre os canteiros de alfaces, até ao galinheiro - Eu ajudo-te a recolher os ovos e a levá-los para a cozinha!... Mas, avozinha, onde estão os ovos? - Netinha minha, a avó não veio buscar ovos, ainda é muito cedo. Só depois do almoço, quando ouvirmos o cacarejar das galinhas. - Então, avozinha, porquê tanto alvoroço no galinheiro? Foi a tramadinha da Trepadeira que caiu resolveu empoleirar-se de novo lá no cimo da árvore e caiu. É danada, passa todo o tempo empoleirada ali. Depois, dá nisto! Bem, vamos embora daqui, hoje vou fazer para ti umas panquecas com recheio de banana, que achas?

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Hummm, que delícia, já sinto água na boca, avó. - Então, vamos até casa. - Posso ficar aqui um pouquinho, avozinha? - Está bem, mas não te demores, ou comes as panquecas frias, está bem? Clotilde regressou a casa. Foi então que Trepadeira se chegou a Alice e lhe disse: - Queres ir dar a volta ao mundo comigo e com o peru Jeremias? Bem, ele ainda nem sabe, mas vou convidálo a acompanhar-me. - Que dizes, galinha Trepadeira? Como consegues falar? As galinhas não falam! Além disso, como pensas viajar? Não irias longe. As galinhas não viajam!

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- Não sou uma Galinha normal, sou a galinha Trepadeira. E sobre o falar, não me perguntes que não sei responder. Só o consigo fazer desde a minha queda da árvore, há momentos. Quanto a viajar, vou fazê-lo, sim. É um sonho antigo que sinto necessidade de concretizar. - E queres ir para onde, galinha Trepadeira? - Sei lá, viajar, conhecer as maravilhas do mundo… e levarei comigo o peru Jeremias. - O peru Jeremias? Porquê o peru Jeremias? A minha avó disse-me que iria matá-lo para o dia da consoada.

- Por isso mesmo, homessa, porque haveria de ser logo o pobre do peru Jeremias! Porque não comem 22


outra coisa? Coitado, pobre Jeremias! Olha bem como ele está triste, ali naquele canto! Porque razão tem ele que ser sacrificado apenas para satisfação dos vossos prazeres? Recheado, que arrogância! Não acho justo ele ser abatido sem ter feito mal algum. Mas, deixa, de um modo ou de outro, ele vai fugir a esse triste destino, vou levá-lo comigo. Olha, faz-me um favor, vê se abres o ferrolho da portinhola, para sairmos. Se for essa a tua vontade, podes vir connosco. Mais tarde, depois de passado o Natal, regressaremos ao nosso capoeiro. - Como pensas viajar? A caminhar? Não vais conseguir, o mundo é muito grande.

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- Ora, apenas um pormenor, nem me preocupa isso. Irei até onde conseguir. - Chamas a isso pormenor? Se formos a pé, não ultrapassamos aquela esquina. E como disse, o mundo é enorme - Está bem, não seja por falta de transporte! Tive uma ideia. Há dias vi um balão daqueles que sobem bem lá nas alturas, na cerca do João Tomé. Vamos até lá e levamos o balão emprestado! - Ora boa – respondeu Alice encantada com a ideia – Então, vem daí, vai ser uma bela aventura. Sem mais delongas, puseram-se os três a caminho. - A minha vontade é fazer uma visita ao Testemunho da Passagem do Ano. Sobre isso, ontem pelo entardecer, o galo Pimpão contou-nos uma história maravilhosa.

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Juntos, ao entardecer, O galo Pimpão contou Que o Ano Novo, ao nascer, O Ano Velho empurrou. - Quero ver, acreditar, Que esse conto é verdadeiro; Quero sair, viajar E ser vosso companheiro. Só assim posso escapar Dessa ceia e ao serão Não vou servir de jantar P’ra cumprir a tradição! E Jeremias assim Da morte quer escapar Porque p’ra tal um tal fim É melhor ir viajar. Numa mesa sem peru Outro manjar é preciso - A mim não me enganas tu – Dizia com um sorriso. Corre em todo o galinheiro, Que o peru é para o Natal Engordam-no o ano inteiro Como algo natural. 25


- Glu, glu, estou muito feliz por me convidares a ir contigo, galinha Trepadeira. - A minha avó é que não vai gostar muito da brincadeira. Mas isso logo se resolve. A causa é nobre. - Isso mesmo, Alice, a causa é nobre. A tua avó é sempre boa connosco. Mas chegou o momento de sentir um pouco de liberdade. Quero conhecer o mundo e confinada entre estas redes, não o poderia fazer nunca. Além disso, temos que proteger o peru Jeremias. - Pensando bem, certamente, a minha avó nem vai precisar do peru Jeremias no dia de Natal. Por isso, 26


antes que seja tarde, vamos daí, ponhamo-nos a caminho.

Depois de terem atravessado caminhos de rara beleza, a par de outros mais sinuosos, viam passar o tempo que parecia voar. E muitos dias depois, ei-los a cruzar aquelas planícies sem fim da Lapónia. E quem haviam de encontrar? Era mesmo ele, o Pai Natal, que lhes pediu ajuda para a entrega de presentes a muitos meninos espalhados pelo mundo. Que fascínio! Nem queriam acreditar!

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Mas, a nostalgia chegou até Alice que parecia agora muito triste ao lembrar-se que era o dia de Natal e ela tão distante de casa! Como estaria a avó Clotilde? Certamente, preocupado à sua procura. - Sê paciente, minha filha – dizia o Pai Natal – iremos passar lá por casa… e deixar um presente muito especial no teu sapatinho.

Aquela noite foi passada com muito entusiasmo por todos os elementos do grupo. Fartaram-se de espalhar presentes por toda a parte. O entusiasmo era 28


grande e a vontade de que a aventura não mais acabasse era cada vez maior. E ei-los chegados à sua região. Era a vez de entregar presentes aos primos. Alice entrou pela chaminé e deparou-se com a avó que, de joelhos, suplicava aos céus pelo bem estar da sua querida neta. Ao vê-la, a menina, cercada pela comoção, deixou escapar duas lágrimas sentidas que, imaginem, deslizaram pela mão da bondosa velhinha que ao vê-la, rejubilou de alegria. - Milagre! – gritou – Por onde tens andado tu, menina traquina? O teu desaparecimento foi tão doloroso para nós, querida! Agarrou-a pela mão e correu para o quarto dos pais e, ao vê-los, estendeu-lhes um apertado abraço. - Filha minha, aonde tens andado? Quantas saudades!

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- Mãezinha do coração, Eis-me aqui, já regressei! Que apertando a sua mão Lhe disse: - Alice, bem sei! - Vou mais uma semaninha Para as prendas entregar, Depois, querida mãezinha, Prometo que vou voltar. E se vos faço sofrer, Desculpem vossa menina Mas é tão bom aprender, Desafiar minha sina… Vou-vos agora deixar, O Pai Natal já me espera Temos que nos despachar Nesta noite de quimera. Distribuímos brinquedos Aos meninos deste mundo, Desafiamos os medos Com o nosso amor profundo. É tempo de ir viajar, Da viagem prosseguir Na qual vamos encontrar Motivos para sorrir. 30


E num piscar de olhos, Alice, a galinha Trepadeira, o peru Jeremias e o Pai Natal continuaram na sua noite de aventuras em direção à casa do Velho Ano, quase a passar o testemunho para novos dias cheios de Esperança. Passaram por um estreito e perguntaram a um burrinho, algures preso a uma cerca, entretido a comer alguma erva muito fresca e verdejante. - Burrico, meu amigo, diz-me por favor onde posso encontrar o Velho Ano?

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- Velho Ano? Como assim? Não conheço nenhum Velho Ano por aqui. Conheço o Ano Bissexto, o Ano Comum... Aliás, sabias que este é o Ano Bissexto? - Seja o que for, precisamos falar com o Velho Ano, ou Ano Bissexto, quero lá saber como se chama? Quero é que nos passe o Testemunho para o Novo Ano que já se vê ao longe!

- Acalma lá, miúda. Vou explicar-te o que é o Ano Bissexto. Chamam-lhe assim porque, ao contrário do Comum, que conta trezentos e sessenta e cinco dias, conta trezentos e sessenta e seis dias. E agora que já sabes, vou dar-te algumas diretrizes de como 32


chegares até ele: Segue por esse estreito e quando passares junto duma praia de areia branca, segue o trilho do riacho. De seguida, irás ver um pomar carregado de frutos deliciosos. Continuas no trilho das maçãs e ao chegares ao fim, vais encontrar um jardim multicolorido aonde abundam lindas borboletas de várias cores num bailado ímpar. Vais avistar então um manto branco, de rara beleza. Entras então na Rua Primeiro de Janeiro. Na Rua ao lado, a Trinta e Um de Dezembro, vive o Velho Ano, o tal Bissexto de que te falei. O pobre diabo está combalido, foram muitos dias, uns plenos de euforia, outros de tristeza profunda, outros dias tão azarados, tão azarados que mais valia não os ter vivido. Mas, ao fim e ao cabo, viveu ainda momentos de alguma felicidade.

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- Está em baixo, coitado, Tanta a tristeza vivida; Uns dias, cantou o fado Numa farra espavorida. Entre sonhos, pesadelos, Foi vivendo o dia-a-dia, Com desafios, com medos Mas também com alegria. Difícil viver assim, Em tempos de solidão, Valia-lhe o seu jardim, Qual palácio de ilusão. E foi no passar do tempo, Com festejos à mistura, Que viveu com sofrimento E alguma desventura. Dias felizes, Natal Com prendas no sapatinho, Nesse tempo especial Em que nascera o Menino. Mas está quase a chegar O seu derradeiro dia E então vai-nos deixar Sozinho, como soía. 34


- O tempo urge, não se distraiam. E assim, o pequeno burrinho, agora solto pela bondade de Alice, despediu-se dos amigos e foi à sua vida. Seguindo as suas recomendações, os três amigos entraram por fim na Rua Primeiro de Janeiro. Era tempo de partida para aquele ciclo até chegarem à Rua Trinta e um de Dezembro. As emoções eram fortes. Cada dia era um dia de aventura. Quando por fim chegaram ao destino, surgiu-lhe na frente uma casa com a porta escancarada. Alice caminhou silenciosamente e bateu. - Está alguém em casa? Podemos entrar? 35


Como ninguÊm respondeu, Alice entrou devagarinho em casa do Velho Ano e deparou-se com um idoso, deitado sobre uma cama de verga, muito combalido, cansado. O Velho Ano olhou Alice e, sorrindo, disselhe: - Alice? És tu a menina que esperava? Que bom que chegaste! Aguardava-te hå tanto tempo! Por isso mantinha a porta entreaberta. - Como sabes o meu nome? - Eu sei o nome de todos os residentes desta terra, minha filha. Estou desgastado pelo tempo. Daqui a 36


alguns minutos entra um Novo Ano, com a euforia habitual, como eu, há trezentos e sessenta e seis dias atrás. Se ele imaginasse o que o espera! Ai, se ele adivinhasse!

- Coitado, vem cheio de esperança! Sinto pena dele, espero que chegue preparado para enfrentar as adversidades que o esperam. Também comigo foi assim. O céu toldou-se de tons multicolores, era o fogo de artifício que anunciava a minha chegada. Foguetes mais foguetes num ciclo interminável. Alice aproximou-se e amparou o Velho Ano, que vestido de Rei, segurando o testemunho na mão, se preparava para o entregar ao Novo Ano, prestes a chegar. 37


- Chega depressa, Ano Novo, Vem a correr prazenteiro E alegra o nosso povo Neste inĂ­cio de Janeiro. JĂĄ sou velho, vou partir, O meu reinado acabou. Agora, vais tu seguir, Terminar o que faltou.

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Que venha a felicidade, A ventura, e a alegria, Esperança, e igualdade No raiar de um novo dia. As ruas são enfeitadas, Lançam foguetes no ar, Há músicas animadas , Vamos todos festejar. Triste sou, Ano Velhinho, Quase, quase a sucumbir, Hoje parto mais sozinho Com Novo Ano a florir. Nesta minha despedida, Segura a minha mão Que alegria consentida Viva no teu coração.

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- Vão-se embora, meus queridos. Que o regresso a casa seja cheio de venturas. - Regresso? Como vamos regressar? Perdemos a direção. Nosso balão ficou algures, no caminho. E o Pai Natal já regressou à Lapónia. - Não temam, fechem os olhos. E depressa encontraram o caminho. Obedecendo às ordens do Ancião de Dias, Alice, a galinha Trepadeira e o peru Jeremias, cerraram os olhos vigorosamente e …. - Chegamos! Eis-nos de novo no seio familiar.

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Ao vê-los, a avó correu para Alice e abraçou-a demoradamente. Logo que conseguiu libertar-se do caloroso abraço, Alice correu para o quarto e lançou-se nos braços da mãe. - Minha filha querida, aonde andaste? - Depois vos conto, mãe, por agora, venham comigo, vamos levar a galinha Trepadeira e o peru Jeremias de regresso ao galinheiro. Era vê-lo feliz da vida por ter escapado da sina de acabar a servir de refeição à mesa dos seus senhores. Quanto a Marrifa, a mãe da galinha Trepadeira, esta cacarejava em alvoroço ao ver a

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filhinha, como se acabasse de largar no ninho mais dois ovos de rajada.

- Vejam lá bem quem chegou, Minha filha Trepadeira, Diga-me lá aonde andou, Sua galinha gaiteira! Estava preocupada - Não era a minha intenção, A experiência alcançada Pôs-me de patas no chão! 42


Marrifa correu para ela, E estendeu-lhe a sua asa. Ficara feliz ao vê-la, É tão bom voltar a casa! Tudo está bem, afinal, Que viagem de encantar! Venha o próximo Natal P’ra outra história contar.

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