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Bem-estar animal | Vitelos

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Política europeia

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Figura 1 Figura 2

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SAÚDE E BEM-ESTAR ANIMAL | VITELOS A INFLUÊNCIA DO FRIO

O PRESENTE ESTUDO TEVE COMO OBJETIVO AVALIAR ATÉ QUE PONTO O MANEIO DE VITELOS RECÉM-NASCIDOS, PRESOS COM ESTACAS E CORRENTES NA PASTAGEM, NO TEMPO FRIO, PODE DAR ORIGEM A UMA INCIDÊNCIA DE DOENÇAS, A MAIOR MORTALIDADE OU A UM MENOR GANHO DE PESO.

Por Pacheco, M., Viveiros, T., Stilwell, G.; Laboratório de Investigação em Comportamento e Bem-estar Animal (CIISA) Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade de Lisboa; stilwell@fmv.ulisboa.pt | Fotos George Stillwell

Nos Açores, é muito comum prenderem-se os vitelos recém-nascidos na pastagem com estacas e correntes (figura 1). Um dos maiores problemas desta prática tradicional é a exposição ao calor e/ou ao sol excessivos, ou ao frio/chuva/vento excessivos.

Neste estudo avaliou-se até que ponto este maneio, levado a cabo no tempo frio, pode dar origem a uma incidência maior de doenças, a maior mortalidade ou a um menor ganho de peso. Entraram no estudo vários grupos de vitelos mantidos em diferentes condições de alojamento. Na primeira visita, poucos dias após o nascimento, fez-se o cálculo do peso dos vitelos e mediu-se a temperatura (termografia por infravermelhos) de diversas áreas do vitelo. Nas seguintes visitas, o peso e o ganho médio diário foram novamente calculados e foram registadas as ocorrências de doenças ou mortes. Para além disso, recolheram-se dados relativos ao parto, quantidade e via de administração de colostro, quantidade e via de administração de leite e a temperatura ambiente nos dias das visitas.

O STRESS TÉRMICO NO CRESCIMENTO DE VITELOS

A termorregulação é a capacidade dos animais homeotérmicos em manter a sua temperatura corporal dentro de um certo intervalo, apesar da exposição a diferentes temperaturas ambientes (Bligh 1998; Stull and Reynolds 2008). Em caso de condições climáticas extremas, que não possam ser compensadas pelos mecanismos termorreguladores, os animais sofrem stress térmico que tem efeitos negativos a nível do bem-estar animal (Silanikove 2000) e a nível económico (Donovan et al. 1998; Roland et al. 2016), já que o desempenho do vitelo é muito afetado pela temperatura ambiente (Bateman et al. 2012). Os bovinos, dentro de um intervalo de temperatura ambiental específico conhecido como a zona termoneutra (TNZ), conseguem manter a sua temperatura corporal constante com custos fisiológicos mínimos e produtividade máxima (Kadzere et al. 2002; Roland et al. 2016).

Os limites da zona de neutralidade térmica não são constantes e são determinados por diversos fatores (Jones and Heinrichs 2013) como a humidade, exposição à radiação solar, velocidade do vento e precipitação (Silva 2012). Os fatores que podem aumentar a perda excessiva de calor corporal pelos vitelos incluem uma alta relação superfície/massa corporal, pele pouco espessa, pequena quantidade de gordura subcutânea, controlo vascular cutâneo pobre e perda de calor por evaporação quando a pele está húmida após o nascimento ou devido

a precipitação (Gonzalez-Jimenez and Blaxter 1962; Thompson 1973; Buttler et al. 2006).

De uma perspetiva de desempenho e bem-estar, os vitelos devem ser criados na sua zona de neutralidade térmica (Silanikove 2000). O stress térmico como resultado de temperaturas acima ou abaixo da TNZ pode resultar em perdas económicas devido ao aumento da morbilidade e mortalidade, e impactos negativos no desempenho dos vitelos (Roland et al. 2016). O frio pode afetar também negativamente a imunidade dos vitelos (Carroll et al. 2012) já que ocorre uma diminuição da taxa de absorção de colostro, prejudicando a transferência passiva de imunidade (Olson et al. 1980; Carrol et al. 2012).

Segundo Young (1981) os efeitos a longo prazo do stress pelo frio e aclimatização (mudanças adaptativas fisiológicas) envolvem mudanças complexas de fatores hormonais e fisiológicos. Na prática, estes resultam num aumento da produção de calor em repouso e, portanto, num aumento das necessidades de energia para manutenção, aumento do apetite e uma diminuição na função digestiva (Young 1981; Mellor and Stafford 2004). Assim, e de acordo com Toghiani et al. (2020) animais em stress térmico pelo frio têm um mau desempenho a nível de crescimento e a nível reprodutivo, assim como uma maior taxa de mortalidade. A digestão é feita com menor eficiência, o que leva a um crescimento mais lento (Young 1981; Toghiani et al. 2020).

O stress térmico pelo frio em animais alojados no exterior pode ser reduzido através da construção de abrigos (Roland et al. 2016) ou da utilização de casacos (cobrejões). Sendo essencial evitar prender os animais em estaca, já que impede a procura de abrigo, mudança postural, aumento da locomoção e agrupamento dos animais, ações realizadas pelos animais com o objetivo de preservar o calor corporal (Silva 2012). Adicionalmente, de modo a garantir a manutenção da temperatura, é essencial fornecer energia extra, recorrendo a um aumento quantitativo do alimento fornecido aos animais que se encontram a temperaturas baixas (Stull and Reynolds 2008). A energia extra pode ser garantida através do aumento da quantidade total de alimento, da percentagem de sólidos do leite, ou através da inclusão de gorduras na dieta (National Research Council 2001).

CASO DE ESTUDO – PROTEGER OS VITELOS RECÉM-NASCIDOS DO FRIO

Objetivos

O objetivo geral do Estudo consistiu em comparar imagens termográficas de vitelos criados em diferentes condições de alojamento e maneio: estabulados; mantidos no exterior preso a estacas; mantidos no exterior presos a estacas, mas com um casaco (coberjão) (figura 2); mantidos no exterior soltos com a mãe. Um segundo objetivo foi o de comparar o crescimento e a saúde dos animais nos diferentes grupos, através da realização de medições do perímetro torácico e avaliação da incidência de doenças/ mortalidade durante os primeiros dois meses de vida.

Material e Métodos

Neste trabalho foram incluídas oito explorações da ilha de São Miguel, Açores. A participação dos produtores foi voluntária e selecionada de acordo com os grupos pretendidos e de forma a representar as diversas formas de maneio dos vitelos recém-nascidos nos Açores. Deste modo, realizaram-se três visitas, durante o Inverno de 2020-2021, a cada vitelo: uma do nascimento até aos 7 dias de idade; outra, cerca de um mês após a primeira visita; e a última cerca de dois meses após a primeira visita. Para este estudo, foi utilizado um termógrafo portátil da marca Milwaukee® M12 7.8 KP Thermal Imager. Foram tiradas fotografias térmicas da área orbital, da área do coração, do membro anterior e do membro posterior. Para além da realização da imagem termográfica aos animais, mediu-se o perímetro torácico dos mesmos nas três visitas. A medição foi realizada com a fita métrica Animeter, própria para bovinos.

Resultados e Discussão

Um dos momentos mais importantes na vida dos vitelos é o primeiro dia de vida, e o segundo período de maior suscetibilidade é a primeira semana de vida, já que, nesta fase, os vitelos são extremamente frágeis (Hulbert and Moisá 2016). Neste estudo, fez-se o acompanhamento dos vitelos durante os primeiros 2 meses de vida, visto ser o período mais problemático.

Todos os vitelos incluídos no estudo nasceram de partos normais. Ou seja, os nossos resultados não terão sido influenciados por diferenças nas condições do parto (Lorenz et al. 2011b). Houve uma relação significativa entre a quantidade de colostro bebido pelo vitelo e a probabilidade de ele vir a adoecer, mostrando, mais uma vez, que o maneio do colostro é fundamental para a garantir a saúde e o desenvolvimento dos bovinos jovens.

Relativamente às doenças mais comuns neste estudo, 3,33 % teve um episódio de diarreia, 20 % apresentou doença gastrointestinal e respiratória e 20 % morreu no primeiro mês de vida. No segundo mês de vida, os valores diminuíram sendo que 16,67 % apresentou doença gastrointestinal e 8,33 % doença respiratória. Constatámos que a taxa de mortalidade foi muito elevada, e bastante superior ao observado noutros estudos, em que as taxas variam entre 2,1 % e 14 % até ao desmame (Abuelo et al. 2019). A taxa de mortalidade dentro de cada grupo atingiu valores de 22,22 % no grupo “estabulado”, 40 % no grupo “exterior sem casaco”, 18,18 % no “exterior com a mãe”, sendo nula nos animais do grupo “exterior com casaco”. Vários fatores podem justificar estes valores, sendo que o facto de haver uma elevada mortalidade no grupo estabulado pode dever-se a fracas condições de higiene e de ventilação, tornando surtos de doenças infeciosas mais frequentes e graves. No caso dos animais no exterior, parece haver alguma relação com um estado de hipotermia e, por isso, de imunodepressão.

Relativamente ao crescimento observado durante o presente estudo, observou-se um maior crescimento entre a segunda e a terceira visita. Esta conclusão vai de acordo com Thulier (2015) que afirma que a maioria dos vitelos tem pouco ganho de peso após a primeira semana de vida, tal como acontece na medicina pediátrica – até se espera que os bebés saudáveis percam algum peso após o nascimento, devendo readquirir o peso do nascimento às duas semanas de idade. O Ganho Médio Diário (GMD) neste estudo foi de 0,56 kg/dia, e apenas o efeito da instalação influenciou-o significativamente. O GMD dos animais “estabulados”, “exterior sem casaco” e “exterior com casaco” foram significativamente superiores ao dos animais das explorações “exterior com mãe”. Esta diferença pode ser influenciada por diversos fatores, como o facto de dentro do grupo “exterior com a mãe” termos animais que ficaram 2 dias e outros que ficam 3 semanas com a progenitora, e posteriormente foram transferidos para

outro tipo de instalação. Para além disto, a separação dos vitelos da mãe é um fator de stress e implica uma adaptação a um meio completamente diferente do anterior, podendo ser a causa de uma perda de peso transitória.

No que diz respeito às instalações e à morbilidade no primeiro mês de vida, esta foi bastante superior no grupo estabulado, com diferenças significativas entre o grupo “estabulados“ e os restantes grupos. No entanto, não houve diferença entre o grupo “exterior com casaco” e os outros dois grupos no exterior. Isto revela que a criação de animais em regime de estabulação pode proporcionar piores condições, no que diz respeito à transmissão de doenças. Ou seja, a

estabulação só por si não garante a

saúde do vitelo. Fatores como a falta de higiene, de ventilação, as temperaturas e humidades elevadas e a elevada densidade de animais, podem facilitar as doenças infeciosas. No entanto, também se concluiu que o casaco não parece ser o suficiente para reduzir a morbilidade dos vitelos criados no exterior, mas seriam precisos mais estudos para se comprovar estes resultados. Estes resultados, indicam-nos que o alojamento individual no exterior tem melhores resultados ao nível da prevenção de doenças, do que o alojamento em espaços muito fechados (Lorenz et al. 2011a). Porém, de acordo com Lorenz et al. (2et al.011a), a prática de manter vitelos no exterior, ou seja, sem qualquer abrigo, demonstrou aumentar a probabilidade de ocorrência de doença em comparação com as restantes classes, devido à exposição dos vitelos às condições de vento e humidade que prejudicam a saúde e o bem-estar dos animais. A realidade é que nos Açores muitos vitelos recémnascidos são retirados à mãe e colocados em estaca no exterior sem qualquer tipo de proteção contra as condições ambientais, muitas vezes ainda molhados, passando de um ambiente uterino quente para o exterior frio e húmido, favorecendo a perda de calor pelos vitelos. Para além disso, alguns dos vitelos pertencentes ao grupo “exterior com a mãe”, após o período de 3 semanas eram colocados no exterior em estaca. Os restantes vitelos desse grupo eram agrupados após 2 a 5 dias com as mães. Para além do stress térmico sofrido pelos animais, a separação da mãe para posterior agrupamento ou colocação em estaca são todos fatores indutores de stress, tanto para as mães como para os vitelos.

Neste estudo não foi possível fazer as imagens termográficas em condições controladas, as temperaturas ambiente obtidas no estudo foram obtidas através do termómetro da carrinha, o que não é de todo o método ideal, para além disso não foi possível obter as temperaturas no interior das instalações. Neste estudo apenas a Temperatura Máxima na área do Coração parece ter sido significativamente influenciada pela Temperatura ambiente, e a Temperatura Máxima do Membro Posterior foi significativamente influenciada pelo Tempo, Instalação e Quantidade de Colostro.

CONCLUSÃO

Um fator muito importante e favorável aos vitelos participantes neste estudo foi o facto de 100 % dos partos serem eutócicos. Verificámos que muitos vitelos ingeriram uma quantidade de colostro muito baixa (1,5 a 2 litros) o que poderá ter justificado uma elevada prevalência de doenças infeciosas. Assim, é essencial alertar os produtores que a quantidade ideal de colostro deve andar perto dos 12% do peso do vitelo à nascença, ou seja, 5 a 6 litros. Nos animais em estudo, a administração de colostro quando realizada pelo tratador, foi efetuada com um balde simples ou biberão, o que torna evidente a necessidade de realizar uma boa higiene dos baldes e biberões utilizados para a administração de colostro em quantidade suficiente e de boa qualidade.

A taxa de morbilidade e mortalidade obtida neste estudo foi bastante elevada. A mortalidade foi mais elevada em vitelos separados de imediato das mães e nos vitelos do grupo “exterior sem casaco”, seguido do grupo “estabulado” e do grupo “exterior com a mãe” o que nos indica que existem grandes falhas no maneio do vitelo recém-nascido quando são retirados à mãe, muito provavelmente relacionadas com a administração de colostro e as práticas de higiene. Para além disso, conclui-se que a falta de proteção contra as condições ambientais tem grande influência na mortalidade dos vitelos, já que os animais no "exterior sem casaco" e com a mãe apresentaram mortalidades bastante elevadas e nos animais no "exterior com casaco" a mortalidade foi nula.

Nos animais pertencentes ao grupo “exterior com casaco” o GMD foi mais elevado e a mortalidade foi nula. Já os animais do grupo “estabulado” apresentaram um GMD superior à média, mas uma morbilidade muito elevada. Podemos então afirmar que o uso de casaco em animais mantidos no exterior poderá ser uma forma de mitigar os efeitos do frio excessivo em vitelos recémnascidos, mas serão precisos mais estudos para confirmar esta conclusão.

Assim, é difícil concluir qual das instalações é a mais adequada para garantir as menores taxas de morbilidade e mortalidade e um maior GMD. A verdade é que é essencial a proteção contra as condições atmosféricas, como a chuva, vento e humidade elevada, seja através da estabulação com condições adequadas, da utilização de casacos ou da abolição de correntes e estacas de modo a permitir a procura de abrigo por parte dos vitelos. O GMD foi superior nos vitelos estabulados, no entanto os mesmos apresentaram uma elevada taxa de mortalidade e morbilidade, o que leva a grandes prejuízos financeiros atuais e futuros, já que a presença de doença pode prejudicar o desenvolvimento e a produção futura dos animais afetados. Os vitelos pertencentes ao grupo “exterior com casaco” revelaram um GMD muito elevado (0,742 kg/dia) e uma taxa de mortalidade de 0%, o que é muito interessante, e deve ser estudado. Infelizmente, esta modalidade é muito pouco utilizada nas explorações de S. Miguel, tendo sido impossível obter um maior número de vitelos para este grupo.

Sugere-se a abolição do alojamento exterior em estaca de vitelos recémnascidos sem qualquer proteção contra as condições ambientais, prática que continua a ser muito comum nas explorações micaelenses. Julgamos que é muito importante garantir a proteção contra as condições atmosféricas seja através de estabulação dos animais, ou através da utilização de casacos.

O aumento do número de animais e da duração do estudo é essencial para chegar a conclusões mais significativas no que diz respeito ao melhor método de cria e recria de vitelos nos Açores.

Referências Bibliográficas

Serão disponibilizadas pelos autores, a pedido dos interessados. Contactar: stilwell@fmv.ulisboa.pt.

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