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COOPERATIVISMO "A MUDANÇA TEM QUE OCORRER PARA UMA MELHOR CAPACIDADE DE GESTÃO QUE JÁ TIVEMOS."

ENTREVISTA A VITORIANO MEDEIROS FALCÃO, PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA COOPERATIVA AGRÍCOLA BOM PASTOR. Por RUMINANTES | Foto FG

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Em vésperas de eleições para a nova Direção da Cooperativa Agrícola Bom Pastor, entrevistámos Vitoriano Medeiros Falcão, atual

Presidente.

A conversa começou pelo tema da situação menos boa que o setor leiteiro nacional atravessa, a que o responsável da Bom Pastor se mostrou apreensivo: "O novo ciclo de dificuldades, determinado pelo baixo preço do leite e pelo crescente custo de fatores de produção, situação que tem penalizado os nossos associados e a atividade da nossa cooperativa, que é desenvolvida na área do abastecimento de fatores de produção, máquinas e equipamentos agrícolas e prestação de serviços diversos aos agricultores.

A situação é muito crítica, pois os produtores vêm reduzidos os valores recebidos do leite, em simultâneo com a subida vertiginosa de todos os custos de produção, incluindo mão-de-obra e todos os custos de contexto.

Perante este cenário, a Bom Pastor tem amortecido as dificuldades dos associados, vindo a reduzir ao máximo as suas margens comerciais, antecipando o pagamento de prémios comunitários aos produtos lácteos para garantir as disponibilidades de tesouraria a muitos agricultores. Tem também promovido campanhas de produção com alargamento de prazos de pagamento e multiplicado os serviços de apoio aos agricultores."

Qual o papel da Bom Pastor num mundo rural de S. Miguel/Açores?

Olhando para as principais preocupações que assolam o nosso mundo e a Europa em particular, um dos maiores desafios da agricultura da próxima década será o da sua adaptação às exigências crescentes determinadas pelas alterações climáticas. Os agricultores vão ser chamados a responder ao desafio da sustentabilidade ambiental, ou seja, a produzir de forma a provocar o menor impacto possível sobre o ambiente.

No caso açoriano, importa afirmar que a nossa agricultura, ao contrário de tanta outra que se faz por esse mundo fora, é ambientalmente sustentável, pelas condições geográficas e climáticas em que se desenvolve, sem exaurir solos.

Neste quadro de produção ambientalmente sustentável, temos que exigir das nossas agroindústrias mais competência na leitura das oportunidades do mercado, para posicionar os nossos produtos nas prateleiras dos consumidores, afirmando e enfatizando a sua proveniência. É importante também que saibam dirigir a transformação do leite de acordo com as efetivas necessidades de mercado e não para segmentos onde existe excesso de oferta.

Desta forma tem agido uma das unidades industriais da Ilha, posicionando produtos no mercado com uma dinâmica indutora de uma imagem de felicidade dos animais nas nossas pastagens, assente numa forte campanha de visibilidade. Outras, ainda, procuram mercados especializados e/ou com alguma base alternativa ao mercado nacional, o que lhes tem permitido obter melhores resultados. Como exemplos, e num produto em que o mercado é excedentário em Portugal, o leite UHT, a Bel desenvolveu e lançou o “Programa Leite das Vacas Felizes” e a Pronicol, na ilha Terceira, integrada na Lactogal, lançou o primeiro “Leite Biológico Açoriano”. Só depois apareceu a Unileite com o “Leite de Pastagem” que, olhando para as prateleiras das superfícies comerciais, não é valorizado como os outros.

Que balanço faz destes 3 anos de mandato e o que implementaram de novo para os associados?

O balanço que fazemos do nosso mandato é muito positivo.

Conseguimos reduzir os prazos de pagamento das vendas a crédito e recuperar algum crédito que podia prescrever; aumentámos, de forma muito acentuada, 40% o volume de vendas (2018 a 2021) o que foi feito com base na competitividade obtida com a redução das margens comerciais, com a oferta de mais referências e produtos e com uma dinâmica de maior proximidade aos agricultores.

Por outro lado, conseguimos estabelecer novas parcerias para a comercialização de produtos e bens necessários, com melhores condições de preço e pagamento. Convocámos entidades públicas para disponibilizarem os seus serviços de atendimento dos agricultores na sede da nossa cooperativa. Encontrámos forma de entregar bens como fertilizantes, rações e

"TEMOS QUE EXIGIR DAS NOSSAS AGROINDÚSTRIAS MAIS COMPETÊNCIA NA LEITURA DAS OPORTUNIDADES DO MERCADO."

até gasóleo agrícola nas explorações dos nossos associados, sem custos acrescidos. Apostámos no estabelecimento de parcerias e créditos de campanha para aumentar a eficiência das produções forrageiras, reduzindo a dependência de compras de alimentos para os animais e redistribuímos resultados dos exercícios sociais por forma a compensar a fidelidade dos associados, entre outras iniciativas.

Porque queremos estar sempre ao lado dos nossos associados e dos agricultores em geral, criámos uma delegação no Concelho do Nordeste, onde temos muita produção de leite, com um armazém como ponto de vendas, onde temos os mesmos produtos com preços idênticos aos praticados na nossa sede social, e convocámos as entidades públicas a disponibilizarem os seus serviços de atendimento aos agricultores na sede da nossa cooperativa.

O que ficou por fazer?

Para quem tem sonhos e ambição, há sempre coisas que ficam por fazer.

Apesar de termos melhorado a área de exposição de máquinas e alfaias agrícolas, continuamos longe de termos as infraestruturas adaptadas, em dimensão e qualidade, à nossa atividade comercial.

O investimento na construção duma loja agrícola, com espaço para comercializar e degustar os nossos produtos de lácteos, para comercializar produções agrícolas excedentárias dos associados, nomeadamente de primores agrícolas, numa espécie de loja, de e para as famílias de agricultores, é um objetivo ainda por concretizar, mas que temos a certeza constituirá um local privilegiado e de procura da população em geral.

À semelhança do apoio que damos à cultura do milho forrageiro, iremos trabalhar na melhoria das práticas de uso dos solos, nomeadamente para a produção de leguminosas, com recurso a modernas tecnologias de análise dos solos e monitorização das culturas, para uma produção de precisão, com menores custos e mais amiga do ambiente.

Ficou também por acentuar a intercooperação com outras organizações de produtores, que potenciasse, por exemplo, a concentração de compras ou a partilha de recursos, por exemplo com outras cooperativas congéneres e com a mesma atividade económico-social, no interior das quais ainda existe resistência à união de esforços.

"CRIÁMOS UMA DELEGAÇÃO NO CONCELHO DO NORDESTE, ONDE TEMOS MUITA PRODUÇÃO DE LEITE, COM UM ARMAZÉM COMO PONTO DE VENDAS(...)"

O negócio do leite em Portugal, e particularmente nos Açores, atravessa um período difícil. Porquê?

O negócio do leite em Portugal tem protagonistas muito fortes e dominantes.

Apesar dos Açores representarem uma área territorial muito diminuta face ao todo nacional, na produção de leite

representam praticamente um terço da produção nacional.

A questão que se coloca é que os maiores grupos nacionais têm unidades industriais nos Açores, o que lhes permite aproveitarem-se de produtos lácteos açorianos nas suas referências comerciais. Algumas unidades industriais locais desenvolveram novos conceitos para a comercialização dos seus produtos e encontraram mercados e parcerias que os valorizam; enquanto que a restante produção industrial láctea açoriana, detida pelo setor cooperativo, não tem sabido projetar, promover e valorizar no mercado muitas das suas marcas, nem tem conseguido reforçar, como seria desejável, a força de marcas de grande e boa aceitação no mercado nacional e exterior. Como é o caso dos queijos de S. Jorge, que merecem melhor visão, bem como um conjunto de pequenas produções, com características muito especiais, com maiores exigências na distribuição mas com grande potencial de vendas.

Esta abordagem tarda em ser bem feita pela Lactaçores, empresa cooperativa com funções comerciais, de capitais exclusivamente regionais, da qual faz parte a Unileite como sua maior parceira. Com efeito, a Lactaçores tem privilegiado a produção de leite UHT para o mercado nacional, onde tal produto é excedentário, em vez de incrementar a produção de queijo, de que o nosso principal mercado é deficitário. Por outro lado, a Lactaçores tem que reconhecer e aproveitar o potencial de uma especialização das outras unidades industriais que a integram, desde logo do Queijo São Jorge, uma das melhores referências do mercado do queijo e que, por isso, tem de constituir fonte de melhoria da fileira do leite naquela ilha e, naturalmente, do rendimento dos seus produtores.

O sucesso do setor cooperativo leiteiro dos Açores será garantido com uma nova abordagem, mais ambiciosa, da Lactaçores, que reconheça e valorize cada uma das suas parceiras na especialização e que as torne sustentáveis.

Da parte da Cooperativa Agrícola do Bom Pastor, podemos e devemos tomar a responsabilidade de intervir diretamente para uma correta e melhor gestão da Unileite. Tal não tem acontecido pela dicotomia criada nas últimas eleições para os órgãos sociais de ambas as organizações que permitiram a renovação da sua gestão, mas mantiveram as orientações de gestão da Unileite. Se houver uma reversão da gestão da Unileite e um novo e profícuo relacionamento com as demais associadas da Lactaçores, baseado no respeito pelas características e valor de cada uma, com uma clara orientação do negócio para segmentos de maior valorização, a situação de todos os cooperantes, em todas as Ilhas, sairá beneficiada.

Qual é a razão pela qual se está a pagar o leite a um baixo preço?

A razão dos baixos preços pagos pelo leite de muito boa qualidade, que produzimos, está na deriva da gestão incompetente que tomou conta das nossas organizações que o transformam e comercializam (Unileite/Lactaçores).

A gestão das nossas organizações, que transformam o leite e que comercializam os nossos produtos lácteos, mostra-se incapaz de valorizar o setor e, como se percebe, disso se aproveitam os agentes privados.

O que é necessário para valorizar o leite dos nossos associados e dos produtores, em geral, é substituir a incompetência por gente séria e capaz. Gente que perceba do negócio, que saiba gerir, que saiba perceber e ler os sinais e indicadores do mercado, que direcione a capacidade industrial para a produção de produtos de que o mercado carece, e não para produtos onde o mercado é excedentário, como é o caso do leite UHT, ou que saiba estabelecer parcerias comerciais estáveis que, conjuntamente com a sua capacidade industrial, garantem a valorização de todo o leite rececionado. A Bom Pastor tem uma indústria de lacticínios que é a Unileite. Nesta união de cooperativas representamos mais de 88% do leite que lhe é entregue para transformar. Por sua vez, a Unileite é a maior cooperativa das que constituem a Lactaçores, que comercializa a produção das associadas. Depende de nós a capacidade de convocar as pessoas certas e tecnicamente capazes de reerguer o setor. Vai levar tempo, mas não temos dúvidas de que é o que deve e tem de ser feito.

Se olharmos ao nosso redor, as unidades industriais privadas têm apresentado bons resultados anuais, sem o mesmo nível de apoio financeiro público (comunitário e regional) que tem sido dirigido ao setor cooperativo. Ora, esta constatação impõe a conclusão de que uma mudança tem de ocorrer para uma melhor capacidade de gestão, que já tivemos.

Que medidas gostaria de ver implementadas pelo governo regional nos próximos 4 anos?

Temos tido na Secretaria Regional da Agricultura, ao longo dos anos, um bom e diligente ator na definição das medidas de política que toma em articulação com organizações e dirigentes dos agricultores. Nunca sentimos falta de solidariedade por parte dos sucessivos titulares da nossa secretaria que, se mais não fizeram ou fazem, tal se deve ao facto de não existirem tantos recursos como todos gostaríamos.

As medidas que hoje são necessárias já não se prendem com a dimensão das explorações, nem com a sua dispersão parcelar. Na estrutura fundiária deram-se passos importantes e devem manter-se e, se possível, também se devem melhorar todas as medidas que, no seu conjunto, reduziram o capital de queixa.

Hoje importa refletir em questões como: - o arrendamento rural, nele se devendo compreender novos modelos de exploração de terra alheia; - o crescimento dos perímetros de reserva agrícola, para continuar a investir em infraestruturas que trazem benefício aos produtores; - as medidas adequadas à promoção e valorização do que produzimos e comercializamos; - a identificação de ineficiências; a desburocratização de processos e redução de carga administrativa; - a regulação do trabalho agrícola; - a capacitação científica e de investigação das unidades agroindustriais; - a investigação e experimentação de novos produtos, entre outras.

Transversalmente a todo o setor devíamos refletir muito e começar a desenhar as medidas para a transição ambiental da nossa agricultura. A agenda ambiental será determinante no futuro próximo da nossa agricultura e vai requerer muitos recursos e grande determinação.

"A GESTÃO DAS NOSSAS ORGANIZAÇÕES, AS QUE TRANSFORMAM O LEITE E QUE COMERCIALIZAM OS NOSSOS PRODUTOS LÁCTEOS, MOSTRA-SE INCAPAZ DE VALORIZAR O SETOR E, COMO SE PERCEBE, DISSO SE APROVEITAM OS AGENTES PRIVADOS."

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