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Produção | Bovinos de leite
by RUMINANTES
PRODUÇÃO | BOVINOS DE LEITE FAZER LEITE BIOLÓGICO NA ILHA TERCEIRA
A PERCEÇÃO DAS CONDIÇÕES ÚNICAS DOS AÇORES PARA UM MODO DE PRODUÇÃO DE LEITE MAIS NATURAL, COM MENOS CUSTOS E COM MAIORES PROVEITOS, IMPEROU NA DECISÃO DE ANSELMO PIRES, PRODUTOR E PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE JOVENS AGRICULTORES TERCEIRENSES, DE CONVERTER A SUA EXPLORAÇÃO PARA MODO BIOLÓGICO. EM NOVEMBRO PASSADO, VISITÁMOS A SUA EXPLORAÇÃO NA FREGUESIA DE STA. CRUZ DA PRAIA DA VITÓRIA. Por RUMINANTES Fotos FG
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ENTREVISTA A ANSELMO PIRES PRODUTOR DE LEITE BIOLÓGICO
Neto e filho de produtores de leite, Anselmo Pires deu continuidade à atividade da família. Atualmente é também presidente da Associação de Jovens Agricultores Terceirenses.
Ainstabilidade provocada pela abolição das quotas, a volatilidade dos mercados e os aumentos sucessivos do preço dos fatores de produção não proporcionavam as condições ideais para aumentar o negócio. Assim, em 2017, quando surgiu a hipótese de produzir leite em modo biológico com apoios à produção, Anselmo Pires decidiu iniciar o processo de conversão da sua exploração. Se não corresse bem, não era difícil voltar para trás, além do mais “para entrar no biológico são precisos 2 anos, mas para sair é rápido, basta comprar produtos convencionais”, pensou. Concluiu o processo de transição em 2019 e, atualmente, entrega o leite biológico que produz na Unicol.
A exploração de Anselmo Pires abrange uma área total de 21 hectares de área e fica situada na freguesia de Sta. Cruz da Praia da Vitória. As parcelas — que no Arquipélago também são denominadas "serrados" ou "pastos" — distribuem-se pela média altitude (200m) e baixa altitude, a uma distância de 2 km do mar.
No que toca à mão-de-obra, conta com a ajuda do seu pai e, pontualmente, recorre ao exterior para reparar muros e limpeza dos terrenos: “Quando passei do sistema convencional para o biológico a mão-deobra manteve-se basicamente a mesma, mas com menos tempo no trator e mais no “manual”, essencialmente na limpeza dos muros e terrenos”, disse Anselmo.
Quando passou a produzir leite em modo biológico?
Em 2017 entrámos no modo de produção biológico, mas só em 2019 é que o leite começou a ser vendido ao público como biológico.
Qual a principal motivação para esta mudança?
A minha exploração sempre foi rentável, mas sempre achei que o modelo de produção utilizado nos Açores não deveria ser muito intensivo. Como além de produtor sou dirigente associativo, e porque não sou adepto do “faz o que eu digo, não faças o que eu faço”, decidi partir para este modelo e, assim, mostrar com atos que acredito que é possível fazer, com resultados, algo de diferente nos Açores. Claro que associada a esta transição para o modo biológico, existe uma remuneração adequada para a qual a indústria contribuiu, que consiste num prémio de 12 cêntimos adicionais por litro em relação ao modo convencional.
Se tivesse que voltar ao convencional, voltava a mudar todo o maneio?
Não. Mantinha quase tudo, talvez utilizasse um herbicida para a limpeza das pastagens, pois facilitaria muito o maneio. Mesmo que não me pagassem mais pelo leite, eu hoje teria alterado sistema de produção para modo biológico.
Sente-se mais seguro com este modo de produção?
Sem dúvida. Estou menos dependente de fatores externos do que a maioria dos meus colegas. A base da alimentação dos meus animais é a pastagem, que tem melhorado de ano para ano. Deixei,
António Pires, pai de Anselmo Pires, é a mão direita do filho na exploração, onde continua a ir todos os dias, faça chuva ou faça sol.
por exemplo, de produzir milho. Os meus custos de produção, relativamente aos fatores de produção, são muito inferiores, por isso tenho muito mais espaço de manobra para enfrentar uma crise como aquela que estamos a passar agora, com os fatores de produção a atingirem preços altíssimos.
Que alterações aconteceram quando passou do modo convencional para biológico?
A primeira foi a redução do efetivo. Fizemos uma transição brusca para o modo biológico, em que abandonei as fertilizações, o milho de silagem, os rolos de erva e uma série de rotinas, o que levou a uma quebra inicial na disponibilidade de forragem. Passei de 35 vacas em ordenha para 30. Mas, curiosamente, hoje produzo praticamente a mesma quantidade de leite. As vacas comem muito mais erva, pastam mais.
Com o maneio alimentar atual, a curva de produção de leite na sua exploração passou a ser mais marcada?
Neste momento, a curva de produção de leite é menos acentuada entre o período de maior e de menor produção, a diferença não é significativa, a curva está a transformar-se numa linha reta. No modo convencional tinha um pico de produção na primavera, e no verão uma quebra acentuada, agora não.
O que mudou na genética?
Nada. Em termos de melhoramento, olho bastante para os touros que conseguem ter um maior aproveitamento das pastagens, gordura e proteína.
E na alimentação?
Retirei a silagem de milho, troquei a ração convencional por uma biológica e passei a explorar muito mais o potencial das pastagens.
Como melhorou as pastagens?
Apenas o facto de não utilizar os fertilizantes azotados parece que fez aparecer as leguminosas. Passei a fazer uma rotação de animais mais longa, se antes fazia a cada 25-30 dias, agora faço a cada
Produção leite total vacaria/ano 200.000
Efetivo total 45
Raça Holstein
Vacas em ordenha 27 a 29
Ordenhas por dia 2 Tempo de ordenha do efetivo 45 + 40 minutos
Produção média diária 20 a 30 litros Nº médio de lactações 4 GB (%); PB(%) 3,8; 3,2 CCS 150.000 células/ml
Idade ao abate 6/7 anos
Idade ao 1º parto 24 meses Nº I.A. vaca adulta gestante 1,5 doses Custo com saúde animal Residual
30-35 dias, ou seja, as vacas estão na mesma pastagem cerca de 10 vezes num ano.
Que etapas teve que cumprir neste processo?
Estive 2 anos a cumprir as regras de produção de modo biológico, vendendo um produto que não era considerado biológico.
O que ganhou com esta mudança?
Reduzi os custos de produção (menos gasóleo, zero adubos, zero herbicidas), aumentei a faturação, e ainda tenho benefícios dos apoios governamentais. O governo regional atribui algumas majorações a quem produz neste sistema. E, curiosamente, os animais bebem muito menos água, porque comem muito mais erva.
Em que consiste a alimentação das vacas?
Pastagem, rolos de erva (contratadas fora, mas feitas nas pastagens da exploração) e ração biológica (200 g/ litro de leite).
Como é feito o maneio das pastagens?
Os animais estão em parcelas relativamente pequenas, e de cada vez que se ordenha (2 vezes por dia) passam para uma nova parcela. Ou seja, mudam para uma nova parcela 2 vezes por dia. Em média, por dia, as 30 vacas têm acesso a 0,6 hectares. (0,3-0,4 ha por parcela). Só voltam à mesma parcela passados 30 a 35 dias.
Uma vez por ano faço uma correção do pH das terras, porque aqui temos terras ácidas.
Que equipamentos utiliza neste sistema?
Cercas elétricas, bebedouros e ordenha móvel. Mesmos os vitelos estão sempre ao ar livre, perto de casa, e bebem leite duas vezes por dia até aos 3 meses.
Que indicadores de rentabilidade usa?
Analiso os custos de produção, a produção de leite, e sei qual o valor que tenho que faturar por mês para estar tranquilo.
TARCÍSIO MEDEIROS, TÉCNICO DE PRODUÇÃO ANIMAL NA UNICOL: "EM 2023 A ILHA TERCEIRA TERÁ CERCA DE 20 PRODUTORES DE LEITE BIOLÓGICO"
A produção de leite em modo biológico na Ilha Terceira está a crescer. Hoje, do total de 650 explorações representando 150 milhões de litros anuais, existem 8 em modo biológico que produzem cerca de 1,5 milhões de litros (o que corresponde a 1% da produção total de leite da Ilha). De acordo com Tarcísio Medeiros — técnico de produção animal na Unicol que presta apoio técnico aos produtores de leite biológico durante e após o processo de certificação — em 2023 mais 9 produtores terão concluído o processo de conversão e estarão a vender leite biológico certificado para o mercado. De acordo com o técnico da Unicol, que acompanhou a visita da Ruminantes, foi da indústria que partiu a iniciativa de pagar à produção um prémio pelo leite biológico. A demanda do mercado por este tipo de leite permite que os produtores em biológico recebam 12 cêntimos adicionais por litro. Além disso, à possibilidade de “ganharem mais dinheiro”, junta-se a “poupança nos fatores de produção” no modo biológico, diz Tarcísio. Relativamente às diferenças entre o modo de produção convencional e o biológico, Tarcísio refere que se aplicam as mesmas normas que para os produtores europeus. Salienta o controlo de infestantes sem herbicidas, que não são permitidos, e o encabeçamento: são permitidos 2 CN por hectare.