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Saúde e bem-estar
by RUMINANTES
SAÚDE E BEM-ESTAR ANIMAL | BORREGOS E CABRITOS A IMPORTÂNCIA DA HIDRATAÇÃO
A EXPERIÊNCIA DE CAMPO FAZ-NOS CONSTATAR A ENORME MORTALIDADE FREQUENTEMENTE OBSERVADA EM BORREGOS E CABRITOS NO PRIMEIRO MÊS APÓS O NASCIMENTO. ESTA MORTALIDADE, POR VEZES BRUTAL E CHOCANTE, CONDICIONA A RENTABILIDADE DAS EXPLORAÇÕES PECUÁRIAS E PROVOCA UM PROFUNDO DESÂNIMO AOS SEUS PROPRIETÁRIOS E AOS CUIDADORES DOS ANIMAIS. Fotos Francisco Marques, 123RTF
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JOSÉ CAIADO, LMV Dairy Management Consultant jose.pires.caiado@gmail.com As causas da mortalidade em borregos e cabritos muito jovens são múltiplas e de origem variada. A mais frequente está ligada ao aparecimento de diarreias de origem infeciosa por bactérias, vírus e protozoários, nomeadamente o Criptosporidium, infelizmente demasiado familiar a muitos criadores.
Na verdade, não é a diarreia em si mesmo que mata, mas sim a sua consequência mais perigosa: a DESIDRATAÇÃO!
A diarreia causada pelos agentes patogénicos, muitas vezes altamente contagiosos, provoca uma perda de água e de iões sódio e potássio (desidratação), uma acidose metabólica e uma carência energética que agrava ainda mais o problema. Para além das diarreias, a febre, o stress térmico e o de transporte dos animais, bem como a doença em geral, são causas de desidratação, seja em animais jovens, seja em borregos após o seu transporte para centros de engorda, seja em animais adultos.
A desidratação corporal pode, portanto, ser um problema muito sério tanto para animais jovens como adultos. A sua severidade é uma grande ameaça à vida e por isso obriga a que seja corrigida de forma imediata, antes que o animal afetado entre num processo de irreversibilidade quanto à sua recuperação. A desidratação causa um desequilíbrio hidro-electrolítico, diminui a capacidade do animal distribuir
% Desidratação Normal
1-5
6-8
9-10
11-12 TABELA 1 AVALIAÇÃO DO ESTADO DE HIDRATAÇÃO ANIMAL
Posição do globo ocular Normal
Normal
Ligeiramente afundado Espaço entre o olho e a pálpebra circundante Espaço grande com olho muito afundado Duração de prega na pele (segundos) <1
1-4
5-10
11-15
16-45 Secura das mucosas
Húmidas
Húmidas
Pegajosas Pegajosa a seca Secas
pelo seu corpo não apenas as medicações que lhe sejam feitas, mas também os nutrientes vitais às células e aos seus órgãos, desde logo o nutriente mais básico, vital, e demasiadas vezes esquecido: a ÁGUA!
Lembremo-nos do que acontece quando um bebé tem uma forte diarreia e o notamos a enfraquecer. O pediatra dá-nos imediata guia de marcha para o hospital e, mal lá chegamos, o bebé é imediatamente colocado a soro. O soro é a forma expedita como se consegue reidratar a criança e fazer a sua rápida estabilização do ponto de vista hidro-eletrolitico e o seu revigoramento. Após esta terapia, consegue-se travar o agravamento da situação clínica e o bebé normalmente recupera rapidamente os seus sinais vitais e a capacidade do seu sistema imunitário para lutar contra o agente que lhe causa a enterite e a diarreia associada. Quanto mais rapidamente se atua, menos risco de vida corre a criança. Esta mesma condição e raciocínio se passa com os nossos animais. Exceto que no caso dos borregos e cabritos não os levamos para o hospital e o “soro” passa por se lhes fornecer os famosos “ELETRÓLITOS”, quase sempre por via oral, como terapia reidratante e de suporte de vida. Quanto mais depressa e bem os aplicarmos, mais probabilidades teremos de os salvar.
A DESIDRATAÇÃO E OS SEUS SINTOMAS MAIS VISÍVEIS
Um dos sintomas mais marcantes são os “olhos afundados” e sem expressão. Mas também a palidez e a secura das gengivas, a fraqueza muscular que leva os animais a cambalear e a cair, as pregas na pele que perde a sua elasticidade e o aspeto “seco” dos corpos.
Consoante o tipo de sintomas observados e a sua exuberância, costumase estabelecer uma tabela que ajuda a medir a gravidade da desidratação e a determinar os meios terapêuticos necessários à sua resolução. As análises ao sangue seriam um ótimo meio de diagnóstico da situação em cada caso, mas não são obviamente exequíveis na prática diária de campo.
COMO DEVEMOS REVERTER E TRATAR A DESIDRATAÇÃO
O combate à desidratação faz-se pela administração, tão imediata quanto possível, de produtos designados popularmente por “eletrólitos”, dissolvidos em água segundo proporções adequadas.
Os eletrólitos são os responsáveis por manter o corpo hidratado de forma a que os músculos, o sistema nervoso e o organismo em geral possam funcionar saudavelmente. As boas soluções (fluidos) eletrolíticas (água + eletrólitos) ajudam, não apenas a restaurar os eletrólitos corporais perdidos pela desidratação causada pelas diarreias, pelo stress térmico e de transporte, mas também a corrigir a acidose metabólica (sangue) e a disponibilizar um aporte rápido e adicional de energia.
Porque os borregos e cabritos bebem menos que os bezerros, requerem um equilíbrio eletrolítico diferente. Daí ser recomendado, para a obtenção de melhores e mais rápidos resultados, a opção por produtos com uma composição dirigida às necessidades nutricionais particulares de borregos e cabritos, que ajudem a otimizar a absorção de água e dos nutrientes ditos eletrolíticos.
Os fluidos eletrolíticos podem ser administrados pela via oral e pelas vias subcutânea ou intravenosa. Estas últimas são mais rapidamente eficazes, mas, por razões óbvias de complexidade, devem ser executadas pelo médico veterinário assistente da exploração e obrigam à utilização de fluidos estéreis, coisa que dificilmente se coaduna com as condições típicas de uma exploração e sem a intervenção profissional de um médicoveterinário.
Em teoria, a administração exclusivamente oral (pela boca) deve reservar-se para animais cuja desidratação não ultrapasse os 5%. Contudo, e em minha opinião pessoal, devemos tanto quanto possível usar esta via, e o seu limite de utilização está na capacidade de sucção ou de mamar dos animais. A melhor via de administração é mesmo por um biberon, pois o fluido eletrolítico vai diretamente para o abomaso do animal. Para além deste ponto, se quisermos fazer mesmo tudo para salvar um animal, teremos de lhe administrar fluidos eletrolíticos por via parenteral (subcutânea ou endovenosa). A frequência e quantidade total de fluidos eletrolíticos hidratantes administrados varia em função do peso do animal em causa e da severidade da perda de líquidos, bem como da situação clínica do animal.
COMO ESCOLHER OS “ELETRÓLITOS” A USAR?
Existe no mercado uma grande oferta de produtos e a grande questão está em que produto escolher para ser usado. Obviamente a escolha deve recair sobre aquele produto que tenha uma boa relação custo-benefício, sendo que os benefícios podem ser associados ao tipo e quantidade de nutrientes/substancias que os compõem. Muitos produtos à venda incluem na sua composição uma variedade enorme de nutrientes, mas cuja eficácia não está totalmente focada na eficácia hidratante. Um bom produto deve conter necessariamente o seguinte: - sódio (para reposição eletrolítica, tal como o potássio) - potássio (numa concentração não inferior a 1,8%) - glicina (reparação das células intestinais e “bomba” iónica) - betaína (metabolismo osmolítico celular) - dextrose (fonte de energia rapidamente disponível) - um tampão, tipo bicarbonato de sódio, ou, melhor ainda, acetato de sódio
Ter uma composição com muitos ingredientes/nutrientes diferentes não significa necessariamente um produto mais eficaz. Até porque muitas vezes as quantidades incluídas são pouco mais do
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que homeopáticas, ou seja, muito reduzidas. As etiquetas de muitos produtos à venda incluem vitaminas diversas, aminoácidos não funcionais em nanodoses, probióticos, etc. Tudo isto tem efeito apenas acessório e já está normalmente fornecido e coberto pelo leite ingerido pelos animais. O foco deve estar nos nutrientes mais acima descritos e nomeadamente na % de potássio (cloreto de potássio) pois este sendo caro normalmente aparece em dose abaixo de 1,8% e, assim, não se atinge no fluido hidratante a concentração osmolitica ótima e exigida.
QUE QUANTIDADE DE LÍQUIDO HIDRATANTE DEVEMOS ADMINISTRAR?
Como foi explicado na tabela 1, uma vez que tenhamos determinado o grau de desidratação dos borregos ou dos cabritos, podemos calcular de forma rigorosa que quantidade de líquidos serão necessários para tratarmos ou corrigirmos a desidratação dos animais afetados, segundo a fórmula abaixo:
Volume(L) necessário/dia = Valor % da desidratação x Peso vivo (kgs) 1. Por exemplo, um borrego/cabrito com 6 kg de peso vivo está com uma desidratação calculada em 5%.
Isto significa que 0,3 litros (6 kg X 0.05 = 0.3) de um fluido hidratante se torna urgente e vital para substituir os líquidos perdidos pelo animal.
2. Após ter sido administrada a dose calculada do fluido hidratante, mais fluidos devem ser dados numa dose de 5ml por kg de peso, e por hora, durante o período em que a diarreia ou a perda de líquidos se mantenha muito ativa. 3. Não se devem nunca dar a animais pequenos doses superiores a 250 ml por toma, mas devem-se dar tantas tomas quantas as necessárias para fornecer a quantidade inicialmente calculada para um ciclo de 24 horas.
REGRAS PARA UM USO EFICAZ DOS “ELETRÓLITOS”
- Devem ser reconstituídos exatamente de acordo com as instruções do fabricante. - Deve assegurar-se que a concentração é sempre a mesma. Nem mais nem menos do que a dosagem indicada. - A sua eficácia no salvamento dos borregos e cabritos é tanto maior quanto mais cedo detetamos o problema e agimos. - É preferível dar quantidade a mais do que a menos e a pessoa que o faz deve ter uma atitude paciente para garantir que os animais mais fracos mamam o volume que devem ingerir. - As tomas de eletrólitos devem ser sempre dadas entre as tomas de leite e espaçadas destas um mínimo de 30 minutos para que nunca se misture o leite com os eletrólitos, evitando assim que a digestão do leite seja atrasada.
Muito importante: NUNCA PARAR DE DAR O LEITE!
Existe muito a ideia de que quando o animal tem diarreia se deve parar de dar o leite. Nada mais errado. Os eletrólitos não incluem toda a nutrição adequada e necessária para que possam substituir o leite. É verdade que certos leites de substituição podem aumentar a diarreia devido à sua concentração osmolar. Contudo, é um compromisso de necessidades que temos mesmo assim de compatibilizar, visto que o leite tem um aporte energético (de energia lenta e rápida, via lactose) muito alto, absolutamente vital para assegurar a manutenção, o crescimento e a reparação do “forro” do intestino (epitélio) danificado pelas causas das diarreias.
Os eletrólitos devem estar sempre presentes nas explorações, visto que o seu uso urgente não se compadece quase sempre com o tempo da sua encomenda. Estes não necessitam de receita médica e ajudam a mitigar, em grande escala, o uso de antibióticos de que tradicionalmente se faz uso frequente e muitas vezes desnecessário. A sua utilização é, em muitos casos (p.ex. vírus), uma boa e adequada alternativa ao uso de antibióticos e a um custo genericamente muito inferior.