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Observatório das Matérias-Primas
by RUMINANTES
OBSERVATÓRIO DAS MATÉRIAS-PRIMAS AFINAL, HÁ OU NÃO HÁ INFLAÇÃO?
Por João Santos
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INFLAÇÃO!
As notícias dos últimos tempos têm sido o SNS, a falta de crescimento da economia, a invasão Russa da Ucrânia, e também a muito falada inflação. Vamos então dissecar este assunto: i) temos que lembrar-nos que com a crise financeira de 2008, os bancos centrais de todo o mundo, para conter a crise, injetaram triliões de dólares nas economias, algo que durou até meados de 2018. Com pequenas nuances, mas de forma continuada, foram 10 anos a injetar liquidez no sistema financeiro, o que, mais cedo ou mais tarde, iria inevitavelmente conduzir a um período longo de inflação que agora estamos a iniciar. Só uma pequena parte destes triliões foi aplicado de maneira racional em investimentos produtivos e rentáveis, sendo que o grosso desse dinheiro terminou em políticas públicas nefastas que não conduziram a um crescimento sustentável. Mais não foram do que dinheiro publico mal gasto, de que no nosso país tivemos muitos exemplos, mas também no setor privado existem muitos casos. O dinheiro barato também conduziu a um incremento de capacidade em setores que já tinham capacidade instalada suficiente e, consequentemente, a investimentos ruinosos. ii) o forte investimento em capacidade de produção antes de 2008, em particular no setor energético, conduziu a um longo período de baixos preços na energia, que posteriormente se traduziu num longo período sem grandes investimentos. E, assim, chegamos às vesperas da guerra na Ucrânia já com preços altos da energia. iii) não nos podemos esquecer que em fevereiro de 2018 começámos a ver a China a atacar a crise da peste suína, que conduziu a uma redução de mais de metade do seu efetivo e que, no início de 2021, finalmente recuperou os efetivos que tinha antes de fevereiro 2018. iv) tivemos a guerra comercial entre USA-China, em 2018, que levou a uma mudança de fluxos agrícolas. v) a Covid-19 a partir do início de 2020. vi) graves problemas de colheitas pequenas nos hemisférios sul e norte desde junho de 2020. Se tivermos por base uma colheita média, podemos considerar um valor total destes últimos 2 anos de 120 milhões de toneladas perdidas de produção, que conduziram a uma redução importante dos stocks finais (ver tabela). vii) a transição energética levou muitos Estados a decidirem fechar as suas centrais nucleares, as de carvão, e a reduzirem a produção de gás natural, e assim a inflação começou a consolidar-se no final do 4º trimestre de 2021. E depois chegamos a 24 fevereiro de 2022, com a Rússia a invadir a Ucrânia.
Com isto temos uma combinação de fatores reais que alteram a relação da procura e da oferta e outros nominais de natureza inflacionista. Hoje, voltamos aos preços nominais, na maioria das matérias-primas, a níveis pré-covid ou mesmo pré-2008. Donde, a níveis reais, temos preços mais baixos do que já tivemos na última década (descontando a inflação). No setor agroalimentar, temos que separar os óleos vegetais, aqueles que sofreram mais o aumento dos preços. A um nível intermédio temos os cereais, os produtos lácteos e a carne, que tiveram uma subida moderada. E por fim o açúcar e o café que não subiram de preço, para nomear alguns.
E então perguntamos: e não houve nenhuma revolução pelo mundo? E a resposta é, não, e o motivo é simples, para mais de metade da população mundial o arroz é a base da sua alimentação, e este não subiu de preço; e na África sub-Sahariana, a base da alimentação é a mandioca, e esta também se manteve estável.
Aprofundando a questão: - em junho de 1973, o futuro de soja chegou a 11.51$/bushel, que equivale hoje a 74.87$, atualizada com a inflação dos USA, o recorde da soja em Chicago foi 17.95$ em setembro de 2014 que, ajustado à inflação, seria hoje equivalente a 22.3$. Hoje, junho de 2022, estamos a 16.80 $/bushel. Espero que com este exemplo, fiquemos esclarecidos entre a diferença de preços nominais e reais (ajustados pela inflação).
Continuando, quanto de
substancial/real têm os preços atuais versos o especulativo/ nominal dos preços actuais: i) os stocks estão altos ou baixos? a resposta é que estão baixos. ii) os preços para o mês seguinte estão mais altos ou mais baixos do que os preços a deferido (mais de 2 meses)? A resposta aqui é que os preços estão mais altos no imediato do que para a frente, o que significa que existe escassez no disponível e perspetiva de mais disponibilidade para a frente. Assim, estamos perante uma situação real e não nominal porque, se assim fosse, os preços para a frente estariam mais altos devido à expetativa de inflação futura. Esta é a situação dos preços da maioria das matériasprimas, atualmente, sejam elas agrícolas ou não - os preços estão invertidos.
Mais, com uma inflação sobre os 9-10%, como a que se espera em junho de 2022, os bancos centrais, para controlar a inflação, terão que forçosamente caminhar para uma taxa de juro mais alta que a inflação. Quanto mais tempo demorarem a subir as taxas de juro, mais tempo vai demorar a reduzir a inflação, e maior será o sacrifício que as famílias terão que fazer pela perda de rendimentos reais. Por muito que doa a quem tenha dívidas, os juros subiram e muito.
Para o nosso mercado de matérias-primas, a subida dos juros também é uma má noticia, fará com que seja mais caro dedicar-se ao comércio de matérias-primas, seja com fim comercial/abastecimento ou com fins especulativos, ou seja, haverá menos agentes económicos a participar e, com isso, menos liquidez, pelo que qualquer ajuste de preço será mais brusco e violento, logo haverá maior risco.
E, para terminar, será que a China vai continuar a crescer ou vai estagnar? Lembramos que é responsável por 1/3 do comércio mundial de produtos agricolas, e vinha com uma curva ascendente da procura.
PROTEÍNAS
Após um 2º trimestre com pouca colza disponível, a colheita europeia de 22/23 e a procura para biodiesel mudou de alguma forma o cenário para a colza. Vínhamos de preços acima de 400 euros e, estamos agora com perspetiva de preços sobre os 350 euros para o segundo semestre. Em relação à semente de girassol, como comentado no anterior número do Observatório, a Ucrânia é o grande produtor. Mesmo com a impossibilidade de exportar por mar, alguma semente vai saindo da Ucrânia por camião e comboio, se bem que em pequena quantidade devido à dificuldade de encontrar motoristas na Ucrânia (soldados na linha da frente), e porque a bitola das linhas ferroviárias da Ucrânia é diferente da dos seus países vizinhos, o que obriga ao transbordo da semente. E uma vez que há muito pouca capacidade para transbordo nas fronteiras, será sempre pouca a capacidade de exportação por terra comparada com as possibilidades pelos portos do Mar Negro.
Em relação ao girassol, os agricultores, um pouco por toda a Europa, andaram a escondê-lo, e agora, às portas da nova colheita, apareceram vários milhões de toneladas a juntar ao recorde de produção de girassol na Argentina. De repente, parece que sobra girassol. A farinha de girassol, devido às boas margens de extração, caiu de 350 para perto de 250€/mt e, a confirmarse toda esta disponibilidade de semente, na próxima campanha, independentemente da haver exportações de girassol desde a Ucrânia, vamos ter uma forte pressão vendedora de farinha de girassol.
Quanto à soja, a situação de stock finais é crítica nos USA, estamos no meio do weather market, em que o início da sementeira foi longe do ideal, pelo que temos um sério risco de estarmos numa situação explosiva. De lembrar que o Brasil e a Argentina tiveram colheitas pequenas. Assim, o preço da farinha de soja tem estado sobre os 520€/tm em Lisboa, com uma oscilação de +/-30€. À data em que estou a escrever este artigo, ainda não saiu o relatório do USDA de 30 junho, onde é publicada a situação de stock e a área das sementeiras de primavera. Mas, nestes dois parâmetros, não se espera que muito mais área seja semeada em relação ao que já está a ser assumido, e em termos de stock a perceção é que não há muita soja escondida nos States. Assim, será pouco provável que venham noticias baixistas em relação à soja. Mais bem altistas.
As boas noticias dos States para os compradores de farinha são os novos mandatos de Renewable Diesel – RD, que não é mais que um hidrogenado de óleos vegetais, em que o catalisador é o hidrogénio em vez do metanol, como é o caso do biodiesel europeu. E, ao contrário do biodiesel que tem que ser misturado com diesel, o HVO/RD pode ser usado diretamente. Este RD usa óleos vegetais usados e gordura animal, assim como uma grande quantidade de óleos crús de soja. Esta procura adicional de óleo de soja vai obrigar as fábricas dos States a trabalhar a todo o vapor e a aumentar a sua capacidade de produção, o que vai tornar os States um exportador de farinha e obrigá-lo a competir com a Argentina. Tudo isto faz com que o óleo esteja caro relativamente aos preços donde vínhamos, o que, com o preço atual do grão, faz com que a contribuição para a margem de extração do óleo seja historicamente alta, permitindo vender a farinha relativamente mais barata. O dito antes não evita que os preços de farinha se mantenham nos valores atuais, mas são boas noticias, em relação ao futuro, para os compradores de farinha.
Milhões de tm
SOJA
Produção mundial Stocks finais
MILHO
Produção mundial Stocks finais COLHEITAS MUNDIAIS
14/15 15/16 16/17 17/18 18/19 19/20 20/21 21/22 22/23
319,00 312,80 351,40 342,09 360,30 339,00 366,20 352,00 395,40
77,60 76,60 96,00 98,56 111,88 96,04 99,88 86,15 100,46 24% 24% 27% 29% 31% 28% 27% 24% 25%
1008,80 961,90 1070,20 1076,20 1123,30 1116,50 1122,80 1216,10 1185,80
208,20 210,90 227,00 341,20 320,80 303,10 292,20 310,90 310,50
21% 22% 21% 32% 29% 27% 26% 26% 26% CEREAIS
É uma grande incógnita se se vai conseguir exportar da Ucrânia, nos seus portos do Mar Negro, ou quanto é que se vai produzir. Tanto de cereais como de oleaginosas, o mercado está a assumir que se plantou menos e que se vai exportar bastante menos do que no pré-guerra. No entanto,