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Genética | Ovinos de carne

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Rui de Lacerda e um dos seus carneiros Pelibuey.

GENÉTICA | OVINOS DE CARNE MELHOR SEM LÃ

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FOI SETH GODIN, AUTOR NORTE AMERICANO DE BEST-SELLERS SOBRE MARKETING, QUE DISSE, A PROPÓSITO DA IMPORTÂNCIA DE GOSTARMOS MUITO DAQUILO QUE FAZEMOS: “EM VEZ DE FICAR A SONHAR COM O PRÓXIMO DESTINO DE FÉRIAS, CRIE UMA VIDA DA QUAL NÃO PRECISE DE FUGIR.” ASSIM FAZ O PROTAGONISTA DESTA HISTÓRIA, RUI DE LACERDA, MÉDICO VETERINÁRIO E PRODUTOR DE GADO NUMA HERDADE DO BAIXO ALENTEJO, NA PROCURA POR UM MODELO DE NEGÓCIO MAIS RENTÁVEL E PELA OVELHA IDEAL.

Por RUMINANTES | Fotos FG, Helder Chaparro

Exemplar F1 de Pelibuey em fase de deslanamento.

Parte do efetivo antes da tosquia, com carneiro Pelibuey em primeiro plano.

Éna zona de Moura-Barrancos, junto à localidade de Santo Amador que fica a Herdade do Pintador. São 1200 hectares de sequeiro, em regime de conversão para biológico, abrangendo uma zona de cerca de 200 hectares de barros de primeira com erva natural para feno, e outra, ligada com o rio Ardila, com relevos maiores, muita pedra, alguma vegetação arbustiva e pouca erva. Foi aqui que Rui Lacerda cresceu, e foi para cá que voltou depois de concluir os estudos, para trabalhar com o seu pai na gestão do negócio pecuário.

O efetivo da herdade engloba 400 vacas, 200 ovelhas e, mais recentemente, um rebanho de cabras. Mas foi nas ovelhas e, concretamente, na procura pela “ovelha ideal” que se centrou a nossa conversa com Rui Lacerda.

Como surgiu a ideia das ovelhas?

Em 2015 quando cheguei, numa tentativa de diversificar o negócio que até então era exclusivamente dedicado às vacas, adquiri um lote de 20 ovelhas Merino Preto, puras. Tinham-me dito, e é verdade, que são melhores mães que as brancas e que têm menos problemas com bicheiras, o que também constatei.

Para que tem o negócio?

Para ganhar dinheiro através do low cost. Adoro esmagar custos.

Qual é, para si, a ovelha ideal?

Um animal extremamente resistente a doenças, com bom temperamento, muito rústico e dócil. Não muito grande, para ter uma energia basal mais baixa, sem lã para não ter que tosquiar nem ter os problemas das feridas por bicheira causados pela lã, e com o rabo pequeno. Idealmente uma ovelha que desse 2 borregos por parto, por ano, com facilidade de partos. E teria que ter um borrego apetecível para o mercado:

pesado, com formas cárnicas, um bom quadril e um bom lombo.

Como pretende chegar a esse objetivo?

Através da genética. Com esta abordagem estamos a resolver os problemas na sua origem. Um exemplo: para não ter que cortar o rabo às ovelhas, comprei um carneiro com o rabo pequeno e assim já não tenho que ter trabalho.

Como foi o percurso até aqui?

Comecei com um cruzamento com Ile de France e com Merino Alemão e fui ficando com filhas desses cruzamentos, sem grande ideia ainda do que realmente queria. Cruzei com essas raças essencialmente porque eram animais de carne. Quando começou a moda do Suffolk, cruzei com Suffolk, mas verifiquei que não se aguentava para o que eu queria, que era muito pouca ou zero assistência a campo, apesar de ter tido grandes resultados a nível de performance. Tinha rápido crescimento e grande conversão.

Depois, apercebi-me de duas situações que estavam interligadas: as feridas por bicheiras, que chegam a matar os animais, e a lã: as ovelhas desenvolvem as bicheiras porque a lã promove um certo ambiente ótimo para as moscas porem ovos e para os parasitas se desenvolverem. Sendo que a tosquia é cada vez mais complicada devido à dificuldade em arranjar mão-de-obra, comecei a procurar raças deslanadas.

Encontrei inicialmente um carneiro Dorper, com um misto entre pêlo e lã, e comecei a cruzá-lo com as ovelhas. Pensei que tinha encontrado a solução, mas rapidamente percebi que não tinha, porque apesar de os Dorper puros perderem a lã, os descendentes em cruzamento não perdem. Então, ainda fiquei pior do estava porque o Dorper dá lã de má qualidade e essa lã não cai. Mas (esses exemplares) continuam no rebanho porque passam para os filhos outras características muito boas: excelentes capacidades maternais, rusticidade, o rabo pequeno e triangular (com menos probabilidades de acumular cagaitas e trazer moscas e larvas) e docilidade. A nível de conversão de peso, porém, não são tão interessante como outras raças.

A seguir ao Dorper veio o Mouton Vendéen, porque precisava de uma raça de carne, resistente e com boas formas. Gosto dos borregos para abate com quadril, e aí aparece o Mouton Vendéen como uma solução para a minha desilusão com o Suffolk. São muito mais rústicos, embora não tanto como os Dorper, e com grandes resultados zootécnicos ao nível da produção de carne.

Finalmente, trouxe o Texel, também com perspetiva cárnica, mas gosto mais do Mouton Vendéen.

Falta-lhe resolver o problema da lã…

No meu objetivo de diminuir a lã, não resolvi o problema, até aumentei a lã (risos). E por isso continuo a pesquisa. Mas, lá está, o Dorper não é uma ovelha deslanada pura, é uma ovelha mista de lã e pêlo. Encontrei entretanto a raça Pelibuey, um animal de pêlo puro, completamente deslanado: o pêlo aumenta no inverno e cai no verão. É extremamente adaptado ao calor e não é frágil com o frio. Não são animais tão dóceis como os Dorper, são um desastre zootécnico, mas são mães extraordinárias. As filhas ainda nascem com lã mas perdem-na por elas, embora existam variações. Os borregos que nascem destes cruzamentos vendem-se, embora não tenham grande interesse zootécnico. O meu interesse não é no Pelibuey mas apenas naquele gene do pêlo. Vou continuar a apostar no Pelibuey até as minhas ovelhas serem deslanadas. Agora estou a misturá-lo com raças cárnicas. Quero fazer uma evolução conjunta para que as minhas ovelhas percam lã, ganhem pêlo mas também sejam mais cárnicas. Um borrego 50% Pelibuey já é melhor que um Pelibuey puro, mas comparado com outras raças ainda é muito inferior em rapidez de crescimento, conformação, GMD…por outro lado, são animais mais rústicos e têm taxas de sobrevivência maiores.

Se agora tivesse que fixar os cruzamentos, durante 5 anos, como é que começava a fazer?

Misturava Pelibuey com Mouton Vendéen e alternava com Texel. Vou buscar carne e pêlo, que é o que quero. O Texel é muito cárnico, pode fazer um balanço bom com o Pelibuey, e mais dócil que o Mouton Vendéen. Ia alternando, Pelibuey, Mouton Vendéen e Texel, com um Dorper pelo meio, porque gosto das mães Dorper e gosto da rusticidade que me dão.

Conformação cárnica dos carneiros Mouton Vendéen. Mãe e cria Mouton Vendéen.

O objetivo final é vir a ter ovelhas predominantemente de pêlo, tipo Pelibuey cárnico.

Quando pensa conseguir chegar à ovelha ideal?

Preciso de 5 a 6 anos. Mas até tenho andado mais rápido do que pensava, não estava à espera de que os F1 perdessem logo a lã. A ideia das ovelhas de pêlo pode ser boa ou má, a lã hoje não vale nada mas amanhã pode valer.

Que taxa de mortalidade tem no rebanho?

A mortalidade é de 15%, mas concentra-se quase exclusivamente na primeira semana de vida, por predação; as minhas ovelhas andam sempre a campo.

Qual é o maneio alimentar normal das ovelhas?

Comem 95% pastagem, vão mudando de cercas que chegam a 50 ha, e em situações de escassez comem tacos.

Onde está o principal custo na produção de um borrego?

Na mão de obra é onde gasto mais dinheiro. E, a seguir, na alimentação, sempre que tenho que suplementar.

Quantas ovelhas tem por carneiro?

30 ovelhas. Tendo a ter machos a mais, para poder ficar tranquilo se morrerem alguns. Essa é a minha filosofia.

As ovelhas estão sempre com os carneiros. E a recria?

Geralmente as borregas são desmamadas com a mesma idade com que os machos vão para o matadouro, com 30 kg de peso. Gosto de fazer desmames tardios para evitar mastites. Mas depende. No verão são desmamados mais leves porque gosto que as minhas ovelhas passem o verão sem borregos grandes.

Depois de desmamadas, as fêmeas ficam à parte, mais perto do Monte e ponho-as com o Pelibuey a seguir à desmama. O 1º parto é aos 13-15 meses. Normalmente as minhas ovelhas cobremse a partir dos 8-9 meses, mas depende das raças.

Tem os machos misturados com as ovelhas?

Sim, exceto nas ovelhas de 1º parto, em que ponho só um Pelibuey para evitar problemas de parto.

Quantos borregos gostava de ter por ano?

O meu ideal seria que cada ovelha fizesse um parto por ano, se possível com dois borregos, mas já fico contente com um.

De quantos empregados precisa para o seu negócio?

No dia-a-dia, um cavalo e um cão. Nas desmamas, nos saneamentos e nas vacinações, recorro à prestação de serviços de 3 pessoas. Empregado fixo para as ovelhas, não tenho.

Os índices produtivos não são uma questão aqui, porque é a Natureza que dá quase tudo…

O conhecimento dos índices produtivos é importante, já que quando um animal tem um bom índice de conversão vai atingir mais depressa o peso ideal para ser vendido. Na verdade, eu não meço o ganho médio diário mas sei as ovelhas que desmamam borregos mais pesados, e as que geralmente têm gémeos, estando na mesma pastagem, e isto são índices produtivos.

O que diriam as suas ovelhas de si?

Acho que diriam bem. Pelos meus critérios, acabo por lhes facilitar a vida, não ao indivíduo, mas ao grupo, porque se lhes der condições genéticas de resistência, elas vão estar bem. Se agora chegar ao campo, verifico que as ovelhas que estão incomodadas são as que eu comprei: são as que estão cheias de lã, são as que não têm rabo porque alguém lho cortou. As minhas ovelhas, as que já são fruto do meu objetivo, são as que estão melhor, as que já têm muito pêlo e pouca lã, as que têm o rabo não muito comprido para não ficar cheio de porcaria mas com o tamanho ideal para sacudirem as moscas, e que têm muito menos tendência a ter carraças, feridas por bicheira, muita resistência aos parasitas (o Pelibuey é muito resistente aos parasitas). Todas as raças de pêlo são resistentes a parasitas, por isso é que são as raças dos trópicos.

Mãe cruzada de carne e cria F1 Pelibuey. Momento da tosquia.

AGRICULTURA REGENERATIVA DE VOLTA ÀS MANADAS

"É A VACA QUE FAZ A PASTAGEM E A PASTAGEM QUE FAZ O ANIMAL". FOI COM ESTA IDEIA EM MENTE QUE DIOGO RIBEIRO DA CUNHA E O SEU IRMÃO, RODRIGO RIBEIRO DA CUNHA, DEITARAM MÃOS À OBRA DE TORNAR SUSTENTÁVEL E MAIS RENTÁVEL A PRODUÇÃO DE BOVINOS EM EXTENSIVO NA HERDADE DE VALE DO PORCO, COM 500 HA, LOCALIZADA EM LAVRE, NO CONCELHO DE MONTEMOR-O-NOVO.

Por André Antunes, Agricultor, Conselheiro de Agroecologia e Médico Veterinário | Fotos André Antunes

Em 2015, no ano em que vieram tomar conta da herdade da sua mãe, em Lavre, concelho Montemor-o-Novo, Diogo e Rodrigo foram confrontados com uma seca severa que os fez pensar na urgência de encontrar formas de gastar menos dinheiro com a alimentação das 70 vacas que na altura compunham o efetivo, como Diogo começa por explicar: “Percebemos que tínhamos de tentar melhorar aqui alguma coisa, porque gastávamos muito dinheiro em fatores de produção. Lembro-me de ouvir dizer que é a vaca que faz a pastagem e a pastagem que faz o animal e comecei a procurar pensar de uma forma diferente o maneio dos bovinos. Tinha que haver uma forma mais fácil de fazer as coisas, mais amiga do ambiente e mais ligada à natureza dos próprios herbívoros. Esta pesquisa levounos ao encontro da Gestão Holística.”

Hoje dão muito menos comida à mão, como conta Rodrigo: “Com a Gestão Holística diminuímos muito as despesas e aumentámos o encabeçamento de 70 para 180 vacas cruzadas de Limousine.”

Como é atualmente composta a vacada?

Diogo (D) - São 180 vacas cruzadas de Limousine, mas temos margem para aumentar o efetivo nos próximos anos, até 220, tranquilamente.

O que mudou a nível do pastoreio?

D - Fazíamos pastoreio extensivo tradicional, com rotação entre 5 cercas de 100 ha cada. A pouco e pouco, ao longo de 5 anos, fomos diminuindo o tamanho dos parques, de 100 ha para os 0,3 ha que temos hoje. De momento, as vacas só permanecem no mesmo parque 1 dia e só voltam a esse parque passado um ano.

Augusto (A): O certo é que eu ao início achava os parques muito pequeninos, lá está vai do hábito, não é?

De um modo geral, adotaram a estratégia de Mob-Grazing1 na sua variação Strip-Grazing2 ?

D - Sim. A cada 5-6 dias, subdividimos um parque maior em parques mais pequenos. A água fica no início do primeiro parque. A partir daí, as vacas vão avançando para uma zona ainda não pastoreada, delimitada por um fio elétrico que se vai fazendo avançar, diariamente. Quando precisam de beber, voltam atrás, nunca tendo que percorrer mais do que 500 metros.

Mesmo sem vedação, os animais não voltam atrás porque não têm interesse, a erva está para a frente. Apenas usam um corredor para voltar atrás para beber e logo voltam ao sítio da erva. Se o parque

Rodrigo Ribeiro da Cunha, Augusto Francisco de Vale Gato (empregado) e Diogo Ribeiro da Cunha.

fixo fica aqui durante 5 ou 6 dias, elas vão sempre para onde vamos abrindo com o fio.

Rodrigo (R) - De momento, mudam de parque todos os dias, mas daqui a pouco tempo será 2 vezes por dia.

D - Nas pastagens biodiversas temos postes de madeira fixos numa malha de 90 m x 600 - 1000 m de largura. Nas zonas de pastagem natural é igual, mas os postes estão fixados a cada 180m. A rede está eletrificada por setores. O energizador está no armazém, ligado à corrente. É importante montar um bom sistema de terra num sítio onde o solo esteja húmido.

Onde notam resultados deste maneio?

Augusto (A) - Em tudo, em termos de trabalho, na poupança de pastagem e na saúde dos animais. As vacas estão lindas, e cada vaca tem um bezerro — estão a dar de mamar e estão assim. E também no tempo que se ganhou: antes, por exemplo, demorávamos imenso tempo a encontrar os bezerros que nasciam. Agora, sei sempre onde estão os animais e eles vêm logo ter comigo.

Como foi a adaptação a este tipo de uso das cercas elétricas?

R - Ao inicio tinhamos mais problemas em solos mais duros para espetar os espigões, mas tem vindo a melhorar. Penso comprar um berbequim de 18V e uma broca de betão com um calibre inferior ao do espigão para andar na moto 4. Ouvi dizer que ajuda.

Quais foram os principais desafios na transição para este maneio?

D - Sobretudo a água de beber para as vacas. Foi necessário fazer investimentos para evitar que tivessem que andar mais de 500 m para beber.

Existem algumas nascentes na herdade, e um furo alimentado por um painel solar que leva a água para o ponto mais alto. Por gravidade, a água é distribuída pelos vários bebedouros através dum tubo enterrado de 1 1/2". Ao aumentar os pontos de água, beneficiámos essas zonas.

Qual é a capacidade dos bebedouros?

D - Cerca 1500 litros, com bóia, para permitir o enchimento quando o nível de água baixa em demasia. Na zona dos bebedouros também se encontra o bloco mineral. As vacas usam-no mais, ou menos, de acordo com a época do ano.

Usam o Pasture Map para planificar os parques. Porquê?

D - Gosto muito desta aplicação porque me dá a informação toda. Por GPS, consigo saber logo a área do parque de amanhã. Consigo também os registos passados, como o tempo que os animais passaram em cada parcela. E posso planear o futuro: saber se tenho, ou não, comida para, pelo menos, 1 ano. Hoje, especialmente com as incertezas das secas, etc., planear ajudanos imenso. De momento, a herdade está dividida em 480 parques virtuais de distintos tamanhos, dependendo do sítios onde há melhor disponibilidade forrageira.

Que resultados notam na pastagem?

A - A erva vem com mais força, talvez por o pasto ficar bem comido, o estrume mais concentrado e porque os parques ficam a descansar 1 ano. Dantes não havia descanso, as vacas voltavam ao mesmo parque passadas 5 semanas. Ao início não acreditei mas depois vi que dá resultado.

D - O facto de darmos este período de descanso de 1 ano, para a planta também se traduz em reservas nas raízes que, antigamente, não tinham oportunidade de se formar. As plantas mais palatáveis da pastagem não tinham hipótese. Cada vez ficavam mais as plantas indesejáveis e as boas começavam a desaparecer...

A - Antigamente isto estava cheio de cardos, agora não se vê um.

Como era antes a alimentação das vacas?

D - Nesta altura do ano já começávamos a ficar sem comida e tínhamos que dar feno até novembro/dezembro. Dávamos também tacos, concentrado e farinha. As acidoses ruminais eram um problema frequente. Hoje, com o aumento da forragem em pé e o correto planeamento dos movimentos dos animais, conseguimos, apenas com suplementação proteica, suprir as necessidades das vacas e eliminar praticamente os problemas que tínhamos.

O distribuidor de fardos retangulares poupa muita mão-de-obra. Na opinião dos irmãos Ribeiro da Cunha, "é um investimento que compensa". A app PastureMap permite medir uma série de parâmetros importantes para a melhor tomada de decisões de gestão de pastoreio. De momento, a herdade está dividida em 480 parques virtuais de distintos tamanhos, dependendo do sítio onde há melhor disponibilidade forrageira.

Como fazem essa suplementação?

D - Usamos luzerna desidratada em fardo. O objetivo é que as vacas tenham sempre 7 a 8% de proteína para conseguirem digerir esta fibra e se manterem em boa condição corporal. Suplementamos desde o início de agosto até meados de outubro, depende de quando vêm as primeiras chuvas e a erva mais rica em proteína. Este ano vamos começar a dar, progressivamente, a partir de julho, começando com uma dose inferior, para melhorar a condição corporal.

R- Isto para tentar que os animais não caiam muito, porque isso acaba por sair-nos mais caro. Custa mais recuperar a condição corporal dos animais do que mantê-la.

D- É importante manter a população microbiana dentro do rúmen o mais estável possível. Penso que o facto de mudarmos os animais todos os dias dá-lhes acesso a uma maior variedade de forragens, o que favorece as populações microbianas que vão acompanhando as estações do ano. São as bactérias que alimentam a vaca.

Veêm melhorias ao nível do ecossistema?

R - Claramente, pássaros que há algum tempo não víamos aqui e raposas que eu já não via desde pequeno.

D - Ao nível da biodiversidade, sim, basta levantar uma bosta para ver isso.

Que mais existe aqui na herdade?

R - Temos manchas de pinheiro manso com algumas repovoações, e pinheirobravo. Também há abelhas perto. Queremos, no futuro, integrar outras espécies de animais.

Ovelhas? Talvez acabassem por complementar o pastoreio das vacas.

A - Sim, as ovelhas acabavam por comer o resto disto.

D - Nos sítios onde há silvas, as cabras seriam úteis. Evitariam a necessidade do corta-mato.

R - Hoje em dia, qualquer investimento que evite o uso de combustíveis faz todo o sentido.

A condição fitossanitária do sobro tem melhorado? Como resiste o renovo à mordida dos animais, com este tipo de pastoreio?

A - Estragam muito menos!

D - Acho que faz toda a diferença. Anualmente instalamos 25 ha de pastagem permanente biodiversa, onde previamente foi protegido todo o renovo. É aqui que os animais vão andar durante o verão possibilitando assim que, na altura de maior crescimento dos sobreiros, devido à alta taxa de fotossintese, 95 % do montado, que é a única coisa verde na pastagem, não esteja ao alcance das vacas.

Depois, em outubro, quando a erva verde volta as vacas já não querem saber dos sobreiros jovens. Antigamente, quando as vacas passavam 2 semanas ou mais num parque, era uma desgraça.

Às vezes, o facto de mudarmos os animais de um dia para o outro já faz a diferença. Acho que, assim, podemos fertilizar o montado sem o prejudicar.

Em relação à qualidade da cortiça, é cedo para saber, mas a mortalidade dos sobreiros tem vindo a diminuir. Temos alguma Phytophthora mas tem vindo a melhorar bastante.

A cobrição é natural? Quantos touros têm?

D - Dois, mas à medida que aumentamos

as vacas, temos de aumentar os touros para estimular a competição entre eles. Também começámos a concentrar os partos mais perto da primavera, de modo a que as vacas tenham melhor colostro e os bezerros uma melhor alimentação.

Qual é a taxa de fertilidade?

D - É cedo para dizer porque até ao ano passado as vacas ficavam com o touro o ano todo. Depois passou para 6 meses, agora 4 e o nosso objetivo é chegar aos 3 meses para concentrar a época de parições. Mas penso que deve rondar os 80%. Com a consolidação da condição corporal, acho que vai ser possível chegar aos 90%.

A herdade está em modo de produção biológico? Como escoam o produto?

D - Estamos no segundo ano do período de conversão. Até agora, temos vendido quase sempre para o leilão de Montemor, com cerca de 7-8 meses. A nível de preços, o mercado animou alguma coisa ultimamente mas, como ainda não vendemos este ano, não tirámos partido disso. Tenho pena que o facto de estar em modo de produção biológico ainda não se reflita numa receita maior para o produtor.

Estão satisfeitos com a qualidade da carne?

D - Embora ainda não tenhamos tido feedback de clientes, nós comemos esta carne e gostamos muito. E sabemos que ao nível nutricional é de qualidade superior, por exemplo, com valores de ácidos gordos poli-insaturados omega-3 altos e omega-6 baixos.

A - É do melhor que há - é mesmo natural.

Se as vacas falassem, diriam que estão mais contentes agora ou quando andavam à solta?

A - Agora. Tenho dito muitas vezes que era capaz de as levar ao café, a Lavre. Eles não acreditam, mas eu tenho mesmo a certeza (risos). Antes, as vacas nem nos podiam ver, agora ando no meio delas e toco-lhes à vontade. As vacas não estão stressadas. Não precisamos de cajados, cães, gritos…

Do Sol para o Solo, do Solo para a Erva, da Erva para o Animal e logo para nós...

R - Pensamos os três da mesma maneira - temos que deixar isto melhor do que encontrámos. O QUE É O "MOB GRAZING"

A tradução para português de Mob Grazing seria algo como Pastoreio em Bloco ou Multidão/ Turba. Consiste na concentração de todo o efetivo no menor número de manadas possível e com densidades animais de até 1000 CN/ha/dia, a produzir um forte impacto animal na pastagem durante um curto espaço de tempo (de horas até 4 ou 5 dias), seguido de um período longo de repouso desta pastagem sem entrada de animais (de semanas até 1 ano ou mais). A densidade escolhida e o tempo de repouso das pastagens dependem no clima, da época do ano, do solo, da capacidade de produção forrageira da pastagem, da altura do ciclo de vida do animal e das intenções do criador, mas há algumas regras a seguir: 1. Não adote receitas – experimente e adapte à sua realidade; 2. Não produza sobrepastoreio. Regra geral, deve deixar os animais comer 60% e deixar 40% de resíduo pisoteado. Não os deixe "rapar" tudo, especialmente na última passagem antes do verão. Se o solo e a sua rede trófica de colaboradores não tiverem comida e proteção, vai haver cada vez menos erva; 3. Monitorize a condição corporal dos animais e ajuste-a para que não caia. Se necessário, complemente com proteína; 4. Use a criatividade para suplantar os problemas técnicos; 5. Tenha uma planificação feita para saber de onde vem e para onde vai; 6. Não poupe no tempo de recuperação das pastagens – mais tarde vai agradecer-se por ter dado tempos mais longos. Este sistema foi popularizado inicialmente por Allan Savory e veio a sofrer muitas adaptações, modificações e ramificações. Uma delas é o Strip Grazing, ou Pastoreio em Banda/Faixa, no qual se subdivide um parque maior em parques mais pequenos, apenas avançando com uma linha de fio elétrico e deixando a água no início. Hoje existem adeptos muito conhecidos do mob grazing, como é o caso de Greg Judy – Regenerative Rancher (https://www.youtube.com/channel/UCi8jM5w49UezskDWBGyKq5g).

A - A herdade não tem nada a ver com o que era quando aqui chegámos em 2015. A todos os níveis. Eram só silvas, mato…

Os atores principais neste projeto são as vacas. Acham que elas dão conta?

A - Acho que sim. Antes fugiam de nós e eu andava atrás delas. Agora é o contrário, elas é que andam atrás de nós.

D - Sim, às vezes parece que fazemos parte da manada.

As vossas vidas melhoraram desde que começaram com este tipo de maneio?

A - Sim, havia dias que não conseguíamos ver o que queríamos. Agora, sei sempre onde estão os animais. E também temos menos problemas, nunca mais tivemos uma vaca coxa, por exemplo, nem tivemos que curálas por causa "dos carraços".

D - Sim, agora tenho muito mais tempo para a família. a meio da manhã está tudo visto. E temos mais tempo para fazer outras operações culturais: plantar árvores, protegê-las, fazer enxertias…

R - Conseguimos fazer de antemão vários parques. Antigamente, fazíamos um trabalho muito longo e pouco produtivo, andávamos muito tempo atrás dos animais.

Para quem está a começar agora neste tipo de gestão do pastoreio, ou que tem dúvidas, que conselhos deixam?

R - O mais importante é perceberem o sítio onde estão, as características, e não querer forçar as coisas. A partilha de conhecimento é importante, mas cada caso é um caso. E sempre ir passo a passo, não querer ir à pressa, construir bem os alicerces primeiro. Isto também se baseia nas experiências que cada um vai tendo, os sucessos e os insucessos.

A - Dia a dia, estamos sempre a melhorar. Vamos discutindo ideias e experimentando. Não há receitas!

D - Principalmente, perceberem como o sistema funciona. É muito importante irem às explorações de outras pessoas que já começaram, perceberem onde é que elas cometeram erros para poder evitálos. Ler sobre o assunto vai ajudar a ter uma perspetiva muito positiva. As nossas principais fontes de inspiração para o pastoreio foram o Allan Savory e o Jaime Elizondo, mas queria referir aqui o Manuel Dié que, quando comecei a ouvir falar da Gestão Holística, foi uma referência para mim. Foi um dos que deu o pontapé de saída nisto. Também o Frederico Macau, o Joaquim Mira e o Francisco Alves. Quando uma pessoa começa a ver os vizinhos a fazer, e vai lá ver.… a partilha de informação é fundamental. O grupo da Tertúlia Holística tem sido uma enorme mais valia.

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