Ruportagem nr5

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Fevereiro 2017 | Edição nº5 Distribuição Digital e Gratuita

Burnout e Fadiga por Compaixão em Psicólogos Clínicos Inteligência Emocional 1


WWW.IPIAGET.ORG

ALMADA

ISEIT — Ensino Universitário

Apro v pela A ado pelo p 3ES ra máxim zo 6 ano o s

MESTRADOS

PSICOLOGIA CLÍNICA E DA SAÚDE PSICOLOGIA SOCIAL E DAS ORGANIZAÇÕES Saiba mais em www.ipiaget.org.

VISEU

ISEIT — Ensino Universitário

Apro v pela A ado pelo p 3ES ra máxim zo 6 ano o s

NOVO MESTRADO

SAÚDE E INTERVENÇÃO COMUNITÁRIA “Trata-se de um programa inovador e que poderá ter um impacto e contributo social muito relevante. No domínio em apreço a oferta existente em Portugal não cobre as regiões do interior onde as necessidades são por vezes crítica.” — CAE, no âmbito da acreditação pela A3ES Saiba mais em www.ipiaget.org.

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Editorial

o tema dos conflitos organizacionais, tendo em conta as suas dificuldades e potencialidades. Para além disso, sob outro ponto de vista, falamos sobre inteligência emocional, refletimos ainda sobre psicoterapia com base no livro “Cada um vê o que quer... num molho de couves” (2011) . Por fim, debate-se sobre Darwin , a espécie humana e sobre estratégias, gostos e preferências nas relações entre os sexos. Vais perder a oportunidade de explorar tudo isto?

O ano de 2016 chegou ao fim! Para alguns foi tido como um ano de reviravoltas e coisas inesperadas no entanto, a mudança pode ser o ponto de partida para a evolução. Também a RUP mudou. Mudou a sua estrutura dirigente, reorganizou-se nos seus vários departamentos, e pretende levar a RUP cada vez mais longe, continuando o percurso foi feito pela equipa anterior. Queremos essencialmente que a RUP seja ainda mais reconhecida e procurada no meio universitário, chegando a cada vez mais estudantes, bem como elevá-la a um patamar de reconhecimento no mundo da Psicologia, de forma transversal. Na RUPortagem queremos dar a conhecer artigos de opinião sobre várias temáticas do teu interesse, o que acontece pelo país, fora e acima de tudo, queremos que vejas esta revista como uma mais valia para o teu percurso académico e profissional. Nesta edição abordam-se variados temas de diversas áreas da Psicologia. Por um lado, o tema dos estágios curriculares em determinadas instituições, com base numa entrevista a quem vive essa realidade, fala-se de Bournout e de conceitos inovadores como fadiga por compaixão em psicólogos. No domínio organizacional aborda-se

Votos de um bom 2017. Psisaudações Maria João Fangaia

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Ana Aleixo

Beatriz Monteiro

Catarina Fernandes

Jessica Rolho

João Mena

Maria João Fangaia

Marta Silva

Nadine Amaro

Para mais informações ou sugestões podem contactar: editorial.rup@gmail.com A Editora, Maria João Fangaia Coordenador de Design Ruben Alves Tiago A. G. Fonseca

Designer Yara Neves

Patrícia Martins

/// ISSN: 108/2015///Interdita a reprodução parcial ou total dos textos, fotografias ou ilustrações sobre quaisquer meios e para quaisquer fins sem previa autorização escrita da Administração da RUP/ANEP//// Editora: Maria João Fangaia ///// Administradora: Adriana Bugalho ///// Director da Comissão de Revisão Cientifica: Tiago Fonseca ///// Periodicidade: Trimestral ///// Produção: Organismo Autónomo Revista Universitária de Psicologia da Associação Nacional de Estudantes de Psicologia ///// Propriedade: Associação Nacional de Estudantes de Psicologia – ANEP ////// Associação Nacional de Estudantes de Psicologia - ANEP ///// Faculdade de Psicologia //////////Alameda da Universidade ///// 1649-013 Lisboa ///// Portugal /////// Revista Universitária de Psicologia da Associação Nacional de Estudantes de Psicologia - RUP/ANEP ///// 3000

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Conteúdos

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Editorial

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Importância do papel do psicólogo em contexto legal

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Agenda

E se fosses estagiário no IPO ?

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Bournout e fadiga por compaixão em psicólogos clínicos

Conflitos geracionais

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Tea talk with Charles

Visão Psicológica sobre o filme “Inside Out – Divertida-Mente”

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Inteligência emocional

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Molho de couves ou ramo de flores


Agenda

VIII Simpósio de gerontologia: Como não enrugar a mente e as emoções? Local: Auditório da Escola Superior de Saúde de Viseu Data: 14 de Janeiro de 2017 Preço: Estudantes - 25 €

XXI Encontro do Grupo Português de Psiquiatria Consiliar Ligação1.as Jornadas da Unidade de Psicologia Clínica do CHUC /Psicossomática Local: Auditório do Hospital de Santo André, Leiria Data: 8 e 9 de Março de 2017 Preço: É necessário enviar e-mail para: gefop@chleiria. min-saude.pt, para saber o preço

1st International Conference on Childhood and Adolescense Local: Centro de Conferências da Alfândega do Porto Data: 26 a 28 de Janeiro de 2017 Preço: Estudantes de Licenciatura e Mestrado - 75€ Estudantes de Doutoramento - 110€ 1.as Jornadas da Unidade de Psicologia Clínica do CHUC Data: 22 a 24 de Março de 2017

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XVI Simpósio da Sociedade Portuguesa de Suicidologia Local: Auditório da Universidade de Aveiro Data: 31 de Março e 1 de Abril de 2017 Preço: Estudantes da Universidade de Aveiro - 15 € Estudantes de licenciatura - 25 € 11.º Congresso Iberoamericano de Psicodrama Local: Fábrica do Braço de Prata, LisboaData: 14 de Janeiro de 2017 Data: 3 a 6 de Maio de 2017 Preço: Sócios SPP e Estudantes – 130 €

8.º Congresso Internacional de Psicologia da Criança e do Adolescente XXVIII Colóquio da Sociedade Portuguesa de Psicanálise- Sexualidade Contemporânea

Local: Auditórios 1 e 2 da Universidade Lusíada de Lisboa Data: 26 e 27 de Abril de 2017 Preço: Estudantes das Universidades Lusíada – 5€

Local: Auditório J.J. Laginha ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa Data: 5 e 6 de Maio de 2017

Estudantes de outras instituições – 10€

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E se fosses estagiário no IPO?

“Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota.” Madre Teresa de Calcutá 8


oncologia ou a área da adoção e acolhimento, onde tanto o tema como a orientadora eram bastante do meu interesse. E foi tanta a indecisão que… acabei por escolher no último dia bem à noitinha, assim numa de não pensar duas vezes no que estava a fazer. Se me arrependo? Não. Se me perguntarem o que me motivou a escolha entre duas áreas que são tão do meu interesse, conscientemente ou não sempre achei que estaria um motivo pessoal por trás; há cerca de 17 anos atrás o IPO foi o hospital que viu a minha avó falecer numa cama do Serviço de Cuidados Paliativos. Com 5 anos e naturalmente ingénuo acreditei que ela passou de uma cama de hospital para a estrela que passou a brilhar mais no céu desde aí. Ainda que tenha existido a oportunidade de uma despedida sei que ficou muito por viver juntos. 17 anos depois senti que nada acontece por acaso e surgiu a oportunidade de trabalhar junto desta população e poder fazer por alguém dentro do nosso papel de profissionais aquilo que se calhar gostaria de ter feito por alguém que me partiu cedo demais e que fazia parte desta população. Se este foi o motivo interno que me levou a decidir sem pensar duas vezes, não sei, mas acredito que terá sido.

Ricardo Machado, 22 anos e natural do Porto, estagiário Psicólogo no serviço de Psicooncologia do Instituto Português de Oncologia, núcleo região Norte. Fez todo o seu percurso académico na Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação da Universidade do Porto e aceitou o convite para uma breve entrevista acerca da sua experiência no IPO. Ser estagiário de psicologia é visto como o primeiro desafio profissional na área e é, por isso, com enorme pertinência que a RUP considera a partilha de experiências com os nossos leitores, quer estejam ainda no 1º ano de Psicologia ou já caminhem para esta fase! Deste modo, Ricardo aceitou com agrado o convite da RUP para uma breve entrevista acerca da sua experiência.

2. Quais as suas expectativas e hipóteses sobre esta experiência?

1. Em primeiro lugar, porque decidiu escolher o IPO para realizar o seu estágio académico?

Tendo em conta a vulnerabilidade física e emocional da população oncológica, sei que é expectável defrontar-me com realidades dolorosas e de sofrimento intenso… ou até não. Trabalhar nesta área exige do psicólogo ferramentas fortes da relação terapêutica. Conseguindo trabalhar com uma população tão fragilizada como esta, penso que nos tornará o trabalho com as outras populações clínicas bastante mais fácil. as minhas expetativas estão muito nesse nível, então, de trabalhar e desenvolver ferramentas básicas da relação psicoterapeuta numa população que é particularmente difícil, ter um maior conhecimento e prática na especificidade da doença oncológica e intervenção psicológica na mesma, bem como um crescimento pessoal que a meu ver é impossível de não acontecer quando trabalhamos todos os dias com pessoas que vivem na incerteza e na esperança em simultâneo e que têm tanto para nos ensinar.

Ao longo dos 3 anos de “licenciatura” sempre tive em mente que a área de mestrado em que queria ingressar seria Psicologia Clínica e da Saúde, sempre muito inclinado mais para a vertente da clínica. Entretanto no 4º ano, já em mestrado na área, tive contacto com a unidade curricular de Psicologia da Saúde que me interessou bastante e permitiu alargar bastante a minha área de interesse dentro da Clínica e Saúde. Particularmente, o meu interesse foi absoluto numa aula completamente dedicada à doença oncológica. Acho que essa aula foi, sem dúvida, importante no meu interesse e maior contacto com o impacto emocional, as dimensões psicológicas e a própria prática e intervenção psicológica junto da população oncológica e todo o carácter humano e de grande sensibilidade envolvente. Chegada a altura de escolher o tema/orientador para a tese, desde logo pensei em trabalhar na área da Psicooncologia, nomeadamente sabendo que escolhendo esse tema com a Profª Leonor Lencastre tinha estágio obrigatório no IPO. Quanto mais demonstrava aos outros o meu interesse na área e no local de estágio e mais eles me diziam para pensar bem e que me iria arrepender, maior era a minha vontade de conhecer essa realidade. Entretanto a minha escolha prendiase com um forte dilema: escolher a área da Psico-

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divorciam-se, têm 2 ou 3 filhos para cuidar… toda uma série de complicações que se juntam, como se a doença por si só não chegasse. Outros, felizmente tem bons recursos sociais de suporte e muitos motivos que lhes permitem enfrentar de forma mais fácil a doença. O coping é muito diferente de doente para doente. Ainda assim, todos estes doentes fazem-nos sentir mais humanos e sensíveis no contacto que estabelecemos com eles. A delicadeza da sua condição faz-nos empatizar facilmente com eles e permite também com mais facilidade uma ligação emocional; facilmente conseguimos perceber o sofrimento e toda a carga emocional que a pessoa transmite, conseguimos senti-la, processá-la e assim mais facilmente colocarmo-nos no lugar da pessoa para podermos atuar na nossa função. No contacto com estes doentes ganhamos cada vez mais vontade de lá estar e perdemos o medo de sentir, é inevitável.

3. Será que nos podia descrever um pouco da sua rotina como estagiário de psicologia no IPO? O estágio de Psicologia no IPO passa essencialmente por 4 funções mais gerais. 1. Assistir a consultas junto das psicólogas de serviço nas diferentes clínicas (tanto consultas externas como nos internamentos) com os doentes ou com os familiares no serviço de Pediatria e Cuidados Paliativos; numa fase posterior passamos a orientar as consultas com supervisão das psicólogas de serviço da instituição. Temos também acesso ao portal onde constam os registos dos doentes e podemos/devemos dar uma vista de olhos no processo do doente, antes de termos contacto com ele na consulta. 2. Participar em ações de formação no centro de formação do IPO. 3. Participar em investigações a decorrer no IPO (por exemplo, avaliações psicológicas, administrações de questionários a familiares, fazer transcrições de consultas etc.). À parte disso, recolhemos também dados e informações para a nossa dissertação de mestrado, relacionada neste caso com o estágio. 4. Participar em reuniões com a equipa de Psicooncologia (psicólogos e psiquiatras) a fim de discutir casos, apresentar artigos e temáticas pelos diferentes membros (incluindo os estagiários) e discutir esses mesmos temas. É basicamente isto… e já é muito trabalho!

5. Tem sido fácil a sua adaptação a esta instituição? Tendo em conta que é um lugar de muito sofrimento, descreveria o IPO como lugar de dor/sofrimento ou de esperança? Sim, bem mais fácil do que pensava e do que as pessoas diziam. Sinto que me tenho superado todos os dias. Sinto que o desafio foi crescendo e tenho feito uma uma gestão muito equilibrada, essencialmente a nível emocional que era o meu maior receio. É como eu disse, uma questão de nós sentirmos aquilo que o doente expressa e sente, conseguirmos empatizar essas emoções, interpretá-las e trabalhar com isso. As 4 psicólogas do serviço foram desde o início excelentes connosco, puseram-nos desde logo à vontade, sentimo-nos muito rapidamente “em casa”; sem dúvida que tornaram toda a adaptação mais fácil. Como já referi, muitas vezes ao lado do sofrimento caminha a esperança. Dos 25 doentes pelos quais passei até hoje, senti uma esperança geral, os doentes demonstram vontade de viver, de continuar a lutar porque sentem que têm um propósito e há sempre algo onde se agarrarem (sejam filhos, marido/esposa, etc.). O sofrimento é normativo nestas populações e há todo um ciclo de adaptação à doença e aos tratamentos. O diagnóstico inicial vem sempre acompanhado de um choque e grande sofrimento, mas a esperança vai

4. Tendo em conta a sua experiência inicial de estagiário, o que nos pode dizer sobre o contacto com estes doentes? O contacto com estes doentes é especial, ainda que todos os doentes sejam tão diferentes. Há doentes com vulnerabilidades físicas e emocionais bastante acentuadas e outros que são bem mais resilientes e otimistas. Ser doente é diferente de ter uma doença. Estas pessoas são mais que a doença. Há casos em que além da doença, possuem toda uma conjuntura de acontecimentos de vida particularmente complicados e de grande carga emocional. Doentes que no período de um ano deparam-se com o diagnóstico da doença, perdem 2 a 3 familiares,

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“O diagnóstico inicial vem sempre acompanhado de um choque e grande sofrimento, mas a esperança vai surgindo com o tempo. Felizmente respira-se muita esperança no IPO, apesar de tudo.”

Enquanto pessoas que somos e que trabalhamos com e para outras pessoas é importante sentirmos o que estamos a fazer, sentirmos a experiência que estamos a viver, sentirmos a pessoa que está à nossa frente e aquilo que ela nos transmite e desperta em nós. Se eu sentir que estou a sentir é porque sinto algum propósito e razão de ali estar. Relativamente ao estágio no IPO é aquele que eu considero ser um “estágio de vida”. Ter consciência da vulnerabilidade dos doentes e conseguirmos aproximar-nos daquilo que estão a sentir numa postura empática e compreensiva é a meu ver a ferramenta chave para trabalhar em Psico-oncologia.

surgindo com o tempo. Felizmente respira-se muita esperança no IPO, apesar de tudo.

6. Relativamente à sua transição do mundo universitário para uma instituição, como a descreveria?

8. Por último, se algum doente oncológico tivesse a possibilidade de ler esta entrevista, o que lhe diria?

Pensei que seria uma transição mais complicada. Os últimos dias de férias foram realmente a pensar muito nisso. Pensava muito em como era bom voltar aos tempos de aulas, estar com os colegas todos os dias, a responsabilidade não era tanta. Mas começando a entrar na rotina e ao deixarmo-nos envolver pela experiência, ao final de 2 semanas esta é já a nossa realidade e sentimos como crescemos, estamos no 5º ano, no último ano de curso e com um ano de estágio, de prática profissional pela frente. Acaba por se tornar interessante ir pontualmente à faculdade e encontrar X ou Y e partilhar todas as experiências dos diferentes estágios uns com os outros. Acaba por ser mais engraçado que aquilo que eu pensava. O que ainda continua a fazer falta da faculdade… são os lanches mistos a meio da manhã!

Obrigado acima de tudo. Em tão pouco tempo não posso estar mais feliz com a transformação que tenho sentido como pessoa… e sei que é muito graças a todas as histórias com que me deparei nestes últimos 2 meses. Mal sabemos nós os sortudos que somos com as nossas preocupações supérfluas de quem não tem mais nada em que pensar. Ensinaram-me que por vezes temos que tapar os olhos a muita coisa e que isso não demonstra uma atitude ingénua e hipócrita, mas sim inteligente e ponderada. Aprendi que nem sempre devemos dizer tudo o que pensamos, que ignorar também é solução. Aprendi essencialmente que às vezes basta tão pouco quando isso nos diz tanto! Além do meu agradecimento, gostaria também de transmitir toda a esperança e força nesta caminhada e em como é importante ter em mente todos os propósitos que lhes fazem querer continuar nesta viagem que é a vida, todas as pessoas que gostam deles e das quais gostam, todos os projetos que estão prontos para serem ainda abraçados por si e todo o amor e felicidade que o mundo lhes reserva. A essência de cada um deles vai muito mais além da doença.

7. Qual a mensagem que deixaria aos futuros estagiários de psicologia na área de psicologia clínica e da saúde? Cada estágio é único e depende de muita coisa: da população que trabalhamos, da equipa com que trabalhamos, das condições e recursos que temos, etc. Não existem estágios perfeitos. O meu conselho é que consigam realmente ter a capacidade de filtro. É um ano de estágio em que temos oportunidade de aprender tanto e contactar com instituições e populações com as quais não sabemos se voltaremos a ter essa oportunidade, por isso há que aproveitar ao máximo. É importante que apesar de todos os constrangimentos e coisas menos boas que possam existir, saibamos filtrar… e apreender aquilo que de melhor podemos tirar: as pessoas, as experiências que nos trazem, a experiência da prática profissional e o crescimento pessoal e profissional associado que tudo isso nos pode trazer. O nosso público alvo são pessoas; a nossa responsabilidade é acrescida quando trabalhamos com a saúde mental das pessoas.

Muito Obrigada, Ricardo. Texto por: Ana Aleixo

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Inteligência Emocional O Projecto Emotion Talks

“We are not thinking machines that feel; rather, we are feeling machines that think.” António Damásio

De uma forma geral, a Psicologia define a Inteligência Emocional como a capacidade de reconhecer as emoções - tanto as do próprio como as de outras pessoas - e a forma como o indivíduo lida com estas. A capacidade de gerir as próprias emoções correlaciona-se positivamente com a automotivação e o optimismo face a si, aos outros e ao futuro. Muitas vezes apercebemo-nos do caráter negativo das emoções, como por exemplo o medo de fracasso pode desmotivar-nos e levar a desistir de um exame na Faculdade. Contudo as emoções têm uma função: o mesmo medo pode ter um efeito adaptativo positivo, em vez de nos levar a desistir, pode dar-nos a motivação suficiente para estudar para uma prova difícil. Desta forma, as emoções básicas - ira, alegria, surpresa, repulsa, medo, tristeza - têm uma função adaptativa. A ira permite que o indivíduo aja, de forma a agredir e defender-se dos inimigos, gerando ainda mais energia para ultrapassar os obstáculos que possam surgir e alerta para as afrontas e injustiças. Já a alegria deixa o indivíduo mais predisposto à aproximação dos outros e à reprodução. Quanto à surpresa, aumenta a atenção do indivíduo em relação a novos estímulos, permitindo a recolha de informação para esclarecer situações inesperadas. No que diz respeito à repulsa, tem uma função essencialmente de protecção evitando, por exemplo, um possível envenenamento. O medo leva a um movimento de auto-protecção e de maior cuidado em situações de possível perigo. Por fim, e por mais difícil que possa parecer, a tristeza também tem a

sua importância: promove a adaptação do indivíduo depois de uma perda significativa, integrando-a na informação anterior presente nos mapas cognitivos e permitindo a adaptação à mudança que é a perda de algo “que se tinha”. Assim, ser capaz de reconhecer emoções e lidar de forma adequada com as mesmas, possibilita o auto desenvolvimento e o sucesso em várias áreas, desde as relações interpessoais à vida profissional. Tendo em conta o papel da Inteligência Emocional no sucesso individual, surgiu o projecto Emotion Talks, com o objectivo de ajudar as pessoas a desenvolver a sua Inteligência Emocional. Ricardo Cabete, o autor deste projecto, respondeu a algumas questões para a RUPortagem.

1. Quem é o Ricardo Cabete e como surgiu a Emotion Talks?

Eu tinha medo de falar e cantar em público. Quando tinha 22 anos, uma amiga convidou-me para ir a um Karaoke. Nessa noite decidi arriscar, saí da minha zona de conforto e cantei pela primeira vez em frente a uma audiência. Essa experiência mudou a minha vida, hoje sou Formador em Inteligência Emocional e vocalista de uma banda Rock. Depois de me licenciar em Matemática Aplicada, percebi que era algo que eu gostava mas não me apaixonava realmente. O que sempre me apaixonou foi a área de desenvolvimento pessoal e a minha experiência pessoal mostrou-me que é possível desenvolver competências como a empatia, a

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“Não fomos educados para lidar com as nossas emoções, aprendemos a linguagem da Matemática, da Física, do Português, mas não aprendemos a linguagem das nossas emoções.”

assertividade ou a capacidade de vencermos os nossos medos. Especializei-me em Inteligência Emocional e fundei a Emotion Talks com o objetivo de aumentar o Sucesso e a Felicidade das pessoas em todo o mundo através de Workshops de Inteligência Emocional, partilhando as minhas experiências e conhecimento.

2. Quais são as características de uma pessoa emocionalmente inteligente?

Não fomos educados para lidar com as nossas emoções, aprendemos a linguagem da Matemática, da Física, do Português, mas não aprendemos a linguagem das nossas emoções. Através do desenvolvimento da Inteligência Emocional podemos aprender a linguagem das nossas emoções.

Ser emocionalmente inteligente implica conseguirmos identificar as nossas emoções, percebermos a mensagem que cada emoção nos envia e agirmos de forma benéfica para nós e para os outros. Uma pessoa emocionalmente inteligente: Consegue identificar e expressar as suas emoções; Comunica de forma assertiva; Consegue tolerar o stress; Tem uma boa autoestima; Tem relações interpessoais gratificantes; Consegue controlar impulsos destrutivos; Consegue um bom equilíbrio entre a noção da realidade e o otimismo; É empática; Transforma conflitos negativos em positivos; Lida bem com a mudança, normalmente lidera a mudança; Não guarda rancor; Interessa-se genuinamente pelos outros;

3. Quais são as vantagens de desenvolver Inteligência Emocional?

Na China antiga, um homem a cavalo passou por outro que estava à beira da estrada. O homem de pé perguntou “Cavaleiro, onde vais?” O homem a cavalo respondeu: “Não sei, pergunta ao cavalo”. Esta história é uma metáfora das nossas vidas emocionais. Na nossa vida, sentimos muitas vezes que não temos controlo sobre as nossas emoções. Desenvolvendo competências de Inteligência Emocional como a autoconsciência emocional, a realização pessoal ou a autoestima, estamos a aprender a lidar com o nosso “cavalo”. Desta forma podemos agarrar nas rédeas da nossa vida emocional e decidirmos para onde vamos.

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A Inteligência Emocional é essencial no autodesenvolvimento e nas nossas relações profissionais, familiares, sociais e amorosas.

A Gratidão ajuda-nos a vermos o lado positivo da nossa vida, entre outras vantagens cientificamente já comprovadas. O Sucesso e a Felicidade também se treinam!

4. Como se pode trabalhar a Inteligência Emocional?

Contactos: Website: www.emotiontalks.com Facebook: www.facebook.com/emotiontalks Email: ricardo.cabete@emotiontalks.com

Ao contrário do QI (quociente de inteligência), o QE (quociente emocional) pode ser desenvolvido com o treino regular de comportamentos emocionalmente inteligentes, o nosso cérebro constrói os caminhos necessários para os transformar em hábitos. Passado algum tempo passamos a adotar os novos comportamentos sem sequer pensar neles, ou seja, de forma inconsciente e natural. Quando treinamos no ginásio ou realizamos algum tipo de atividade física, apenas melhoramos a nossa força, resistência, flexibilidade ou velocidade, se treinarmos de forma regular e com método. As competências cognitivo-comportamentais funcionam da mesma forma, por exemplo, se queremos melhorar a competência “Otimismo”, podemos praticar a Gratidão diariamente. Eu, todos os dias, escrevo sobre algo pelo qual estou grato. No final de um ano tenho 365 situações, pessoas ou acontecimentos que me fazem sentir grato. É uma lista que posso consultar sempre que me sinto mais em baixo. É mais saudável e funciona melhor do que qualquer comida ou medicação.

Texto por: Catarina Fernandes

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Serviços à Comunidade O Centro de Prestação de Serviços à Comunidade (CPSC) da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCE-UC) tem como principais objetivos aproximar a comunidade académica da sociedade civil, apostando no saber e na investigação. Consultas de Psicologia O CPSC enquadra consultas de Psicologia, asseguradas por docentes e profissionais de reconhecido mérito, em diversas áreas de intervenção.  Assessoria ao Tribunal: o Avaliação Neuropsicológica o Avaliação Psicológica e Intervenção Terapêutica de Suporte para a Mudança  Avaliação Psicológica, Aconselhamento e Reabilitação  Gerontopsicologia  Consulta "Anos Incríveis"  Orientação e Aconselhamento de Carreira  Psicoterapia de Grupo  Psicoterapia Individual  Consulta Universitária Crianças e Adolescentes  Resolução de Problemas e Aprendizagens Escolares  Terapia de Casal e Familiar Consultoria O CPSC assegura igualmente serviços de consultoria, nas diversas áreas de especialização da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, às entidades e serviços que assim o solicitem.  Âmbito de Procedimentos Concursais (Portaria nº 83-A/2009, de 22 de Janeiro, alterada e republicada pela Portaria n.º 145-A/2011, de 06 de abril)

o Avaliação psicológica o Entrevista de avaliação de competências Avaliação Psicológica de Condutores

Formação não graduada (área de Psicologia, Ciências da Educação e Serviço Social) O CPSC organiza um conjunto de formações não graduadas, dinamizados por docentes da FPCE-UC e/ou convidados externos de elevada qualidade. Para 2016/2017 as formações na área da Psicologia foram submetidas ao sistema de acreditação da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP):  Dislexia: Caracterização, Avaliação e Intervenção  Avaliação Psicológica e Médica de Condutores  Avaliação de Programas, Estratégia e Atividades em Educação e Formação  Intervenção em Sistemas Familiares e Comunitários: do saber ao saber fazer  Hiperatividade com Défice de Atenção: avaliação e intervenção  Avaliação numa Perspetiva Familiar Sistémica CPSC: Telef.: 239 851 476 (09h00 – 12H30) | cpsc@fpce.uc.pt | www.uc.pt/fpce/CPSC/ Telef.: 239 851 450 | dir@fpce.uc.pt | http://www.uc.pt/fpce/

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A importância do papel de um Psicólogo em contexto legal

Quando falamos em psicologia, das primeiras coisas que nos pode vir à cabeça é o cenário do consultório, com um terapeuta e um cliente. Nesse cenário, geralmente é o cliente quem faz um pedido de ajuda e que requer os serviços do psicólogo, criando uma relação de empatia e de apoio, onde a confidencialidade é um aspeto importante para manter a confiança. No entanto, existem diversos contextos nos quais o psicólogo pode estar inserido, sendo um deles o contexto legal-jurídico, onde o cliente não é um indivíduo, mas sim o sistema legal, como tribunais, polícia judiciária etc. O aspeto da confidencialidade muitas vezes não se aplica, sendo que a relação que se estabelece com o indivíduo avaliado (transgressor ou vítima), não é de empatia, mas sim uma relação neutra, parcial e estruturada. Deste modo, podemos conceptualizar um psicólogo a desempenhar diversos papéis no contexto da justiça, entre os quais:

testemunho, perceção e identificação de faces, falsas memórias e deteção de mentira etc…

Que relação existe entre Direito e Psicologia?

O Direito diz respeito a um sistema de regras que procura regular as ações dos indivíduos, com base em conceções duradouras sobre as causas do comportamento. A psicologia também se debruça sobre a ação humana e sobre as causas do comportamento, no entanto, a relação da psicologia com o direito não se limita ao sistema legal como objeto de atenção psicológica. O direito tem efeitos importantes quer no funcionamento quotidiano, quer na prática da psicologia e os psicólogos precisam de compreender como é que as regras jurídicas impõem obrigações e restrições aquilo que fazem. As primeiras tentativas da psicologia para responder a questões legais tiveram origem na Alemanha, no desenvolvimento da Psicologia Experimental. Inicialmente as principais preocupações remetiam a questões como perceção e com a memória, e o impacto das mesmas em depoimentos de testemunhas oculares. Mais tarde estes desenvolvimentos ocorreram também na Inglaterra e nos Estados Unidos da América.

Psicólogo Forense, que diz respeito a uma dimensão mais aplicada da psicologia, onde para além de atividades de investigação, se faz consultadoria de juízes e advogados, testemunhos periciais ou pareceres relativos a problemas surgidos em diversos momentos do processo em tribunal. Psicólogo Legal, que diz respeito a uma dimensão experimental da Psicologia Forense, tendo uma ação mais formativa. Geralmente são psicólogos de orientação cognitivo-social. Psicólogo Judiciário, atua em qualquer forma de criminalidade que possa ser examinada pela polícia, desde o incêndio criminoso e roubo até ao assassínio, à violação e até mesmo terrorismo. Aqui os conhecimentos com que os psicólogos mais podem contribuir são em termos de traçar perfis de suspeitos (“Offender Profiles”) Psicólogo Criminal, destinado mais a uma área de investigação, sobre fenómenos como psicologia do

Sabias que? O primeiro caso registado de um

psicólogo que atuou como testemunho perito num tribunal ocorreu em 1896, na Alemanha, no julgamento de um homem que era acusado do assassínio de três mulheres.

Com o desenvolvimento da Psicologia Clínica e da Psicologia Educacional, os tribunais começaram a fazer uso da prova psicológica, de modo a terem em conta o papel do funcionamento psicológico do réu no cometimento de um crime.

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Além das competências requeridas aos psicólogos em tribunal, estes também começaram a realizar testes de inteligência e de personalidade a agentes da polícia, como instrumentos na seleção. No entanto, até aos anos 60 poucos psicólogos trabalharam com o Direito de uma forma regular, e as aplicações da psicologia ao sistema legal só recentemente interessaram os departamentos universitários. Hoje em dia, a psicologia tem um importante papel no contexto jurídico-legal na medida em que ajuda ao regulamento do Direito. Existem inúmeros livros e estudos que ajudam a compreender fenómenos relacionados com a psicologia mas que influenciam o Direito, como por exemplo porque é que pessoas inocentes cometem crimes que não cometeram. Além disso, são os psicólogos que são responsáveis por traçar perfis de suspeitos (“Offender Profiles”); realizam formações a agentes policiais sobre diversos assuntos entre os quais como realizar uma entrevista a um suspeito de crime; realizam perícias pedidas pelo tribunal, onde podem avaliar os transgressores ou as vítimas. Essas perícias ou relatórios psicológicos periciais/ forenses configuram um meio de prova utilizado como elemento adicional dos relatórios médico-legais ou até mesmo como recurso único. No entanto, apesar de um psicólogo poder avaliar indivíduos em contexto judicial, assessorando os tribunais e os advogados, não é da sua competência atribuir responsabilidade criminal pelos atos cometidos.

minimizar os riscos e os impactos de potenciais reincidências. Muitas vezes, integram equipas multidisciplinares, onde trabalham com profissionais do Direito, da Psiquiatria e da comunidade policial, de modo a responder a necessidades de avaliação que vão desde a agressão sexual, até ao acompanhamento de uma vítima a tribunal. A Psicologia tem vindo a afirmar-se como uma maisvalia ao serviço da sociedade, não só como disciplina autónoma, mas também conjugada com outras áreas científicas.

Se quiser ingressar por um destes ramos da Psicologia, como o farei? Algumas instituições tem mestrados em Psicologia Forense ou Psicologia da Justiça, como é o caso de: Mestrado em Psicologia Forense, Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra Mestrado em Psicologia Forense, Universidade Lusófona Mestrados em Ciências Forenses, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

São diversos os contextos criminais, onde os Psicólogos já possuem conhecimentos e técnicas essenciais ao sistema legal, onde se procura

Mas se por outro lado, pretendes algo complementar a tua área de estudo, tens como exemplos: Pós- graduação em Psicocriminologia, ISPA Pós-graduação em Profiling Criminal e Criminologia Forense, INSPSIC Pós-graduação em Psicologia da Justiça, INSPSIC Pós-graduação intensiva em Ciência Forenses, Investigação Criminal e Comportamento Desviante, Instituto CRIAP Curso em Psicologia Forense, Instituto CRIAP Texto por: Jessica Rolho

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Burnout e Fadiga por Compaixão em Psicólogos Clínicos

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Ser psicólogo clínico implica ter de lidar com várias pessoas e as suas problemáticas e histórias de vida. É essencial a construção de uma aliança terapêutica de alto envolvimento e confiança entre terapeuta e paciente, com vista à boa prossecução do processo terapêutico. No entanto, se pode ser bastante gratificante ouvir e conseguir ajudar os outros em sofrimento, também pode, por outro lado, ser desgastante. Os psicólogos podem acusar cansaço, exaustão, sentindo-se até incapazes de praticar a sua profissão, podendo ser os seus piores inimigos, não reconhecendo em si próprios a existência de um problema ou recusando serem auxiliados. Assim, os psicólogos clínicos podem ser sujeitos a síndromes relativas ao tipo de trabalho, como o burnout e a fadiga por compaixão. Segundo Maslach e Jackson (1981), o burnout caracteriza-se por ser uma síndrome constituída pela exaustão emocional, despersonalização e redução da realização profissional e pessoal em profissionais que trabalham com outras pessoas. Ou seja, o psicólogo tende a perder progressivamente energia e recursos físicos e emocionais que lhe permitam executar as tarefas. Para além disso, há o desenvolvimento de atitudes negativas face ao trabalho e aos seus pacientes, responsabilizando-os pelo que está a acontecer consigo próprio. Adicionalmente, o psicólogo apresenta ainda tendência a avaliar-se a si, ao seu trabalho e ao trabalho com os outros negativamente. O burnout deriva então da crescente discrepância entre os recursos do profissional e as necessidades do trabalho e corresponde a um final de um processo. Quanto menor essa discrepância, maior o envolvimento com o trabalho. Já quanto maior a discrepância, maior predisposição ao burnout e menor eficácia do trabalho realizado. No burnout, há assim a presença de reacções emocionais negativas, como irritabilidade e ansiedade e a ausência de reações emocionais positivas. Deste modo, as suas consequências dão-se a nível individual, interpessoal e organizacional. No que concerne ao conceito - fadiga por compaixão - este é temporalmente recente e considera-se até como a “forma de burnout dos cuidadores”, surgindo em profissionais com maior capacidade de empatia e de compaixão, como é o caso dos psicólogos clínicos. Representa os “os custos de cuidar do outro”, ou seja, os comportamentos e emoções que surgem em resposta ao sofrimento do outro ou à tentativa de o ajudar a ultrapassá-lo.

Concretamente, num estudo com psicólogos clínicos portugueses (Amaro, 2016), os resultados mostram que a maioria dos psicólogos possui níveis baixos de burnout e níveis médios de fadiga por compaixão. Nessa mesma amostra, verificaram-se como preditores significativos dos níveis obtidos em algumas dimensões de burnout e fadiga por compaixão as variáveis género; horário de trabalho semanal; local de trabalho do psicólogo clínico; populações-alvo que atende; problemáticas com que lida; supervisão dos seus casos clínicos e necessidade de recorrer a acompanhamento terapêutico. De facto, a história contada pelo paciente pode desencadear no psicólogo reacções emocionais que podem afetar a sua vida profissional e pessoal. Assim, um profissional a passar pelo processo de fadiga por compaixão vai sentir-se temporariamente menos habilitado para ajudar o outro, dado se sentir exausto e ter contactado demasiadamente com os problemas do paciente. A fadiga por compaixão é ainda definida como um dos aspetos da qualidade de vida profissional segundo Stamm (2010), ou seja, a qualidade de relação estabelecida entre o profissional de ajuda e quem este auxilia. Os aspetos negativos da qualidade de vida profissional denominam-se então de fadiga por compaixão (que ainda se subdvide em burnout e stresse traumático secundário, em que o terapeuta pode desenvolver sinais e sintomas semelhantes aos do seu cliente). Não obstante, os aspetos positivos definem-se como a satisfação por compaixão, ou seja, o profissional sentir-se realizado com o seu trabalho, apoiado pelos seus colegas de trabalho e perceber que consegue fornecer esperança aos seus clientes. Existem poucos estudos sobre estas temáticas, especialmente em psicólogos clínicos. Contudo, é crucial saber os níveis de burnout nesta populações de acordo com variáveis demográficas, como o género ou idade e variáveis socioprofissionais, como o número de horas de trabalho e problemáticas atendidas, até para orientar possíveis intervenções. Os psicólogos também necessitam de supervisão dos seus casos clínicos, para esclarecer dúvidas e diminuir situações de incerteza e de acompanhamento terapêutico. Porque, por vezes, quem ajuda, também precisa de ser ajudado! Texto por: Nadine Amaro

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Conflitos Geracionais O próximo grande problema das organizações

Com as mudanças constantes do mercado de trabalho e a entrada de novos colaboradores numa organização, vemos as equipas de trabalho a serem compostas de trabalhadores de todas as idades. Sabe-se que cada geração tem características que a definem, e com a variedade de gerações representadas nestas novas equipas de trabalho, é normal que surjam conflitos. Mas afinal, o que é uma geração no contexto do trabalho, e como estas se podem relacionar de modo a gerir os conflitos e a criar um ambiente coeso? Cada geração é definida pelas experiências e circunstâncias da sociedade em que se desenvolveu, os seus ideais e valores são definidos por estas circunstâncias (Fullerton & Dixon, 2010). Tendo em conta toda esta diversidade, é normal que ocorram mal-entendidos, ou que se interprete incorretamente o comportamento de um colega de outra geração. Deste modo, os conflitos geracionais podem ser definidos como o choque directo de valores, ideias ou comportamentos de diferentes gerações. No ambiente de trabalho, esta questão pode levantar sérias questões, podendo mesmo influenciar de forma negativa o desempenho e os resultados de uma equipa de trabalho. Assim, é importante criar medidas que permitam diminuir a ocorrência destes conflitos. No entanto, antes é necessário identificar quais as gerações presentes actualmente no mercado de trabalho e quais são os traços e características que as definem. Pode-se considerar a presença de cinco gerações diferentes no mercado de trabalho, os tradicionalistas, os Baby Boomers, a Geração X, a Geração Y (também conhecida como Millennials) e a Geração Z. Cada geração tem as suas especificidades e características que as definem. Os Tradicionalistas nasceram antes de 1946 e acreditam nas formas tradicionais de trabalhar e numa gestão com base na hierarquia, preferindo

ainda tomar poucos riscos. Para esta geração o respeito e estatuto na empresa está ligado com o tempo de permanência na empresa, trabalhando para realizarem as tarefas com sucesso. Esta geração pode ser classificada como trabalhadora e com grande lealdade face à empresa, valorizando ainda a colaboração no trabalho em equipa e as competências de comunicação interpessoal. De modo a aproveitar os anos de experiência e o conhecimento destes trabalhadores, os tradicionalistas são bons mentores para os novos colaboradores da empresa. Os Baby Boomers são os que nasceram entre 1946 e 1964, sendo os seus valores influenciados pelas actividades de activismo dos direitos sociais. Foram os primeiros a considerar que a vida profissional tinha mais prioridade do que a vida pessoal, podendo sacrificar a última em prol da primeira, de tal modo que o temo “workaholic” se aplica perfeitamente para esta geração. Esta é uma geração que não confia na autoridade e grandes sistemas. No entanto são mais optimistas que a geração anterior (Tradicionalistas) e mais abertos à mudança. Esta geração tem também algumas características partilhadas com a geração anterior, é trabalhadora, leal e associam o respeito com o status e o tempo de permanência na empresa. Devido a sum sentido de ética forte, capacidade de comunicação presencial e experiência de trabalho, estes profissionais podem ser considerados como bons modelos para as gerações mais novas. Por sua vez, a Geração X (1965-1976) foi a primeira a mudar as regras estabelecidas até ao momento, questionando as figuras autoritárias e sendo responsáveis por criarem o conceito de balanço trabalho-família, e demonstram características diferentes das gerações prévias. Embora demonstrem ética de trabalho, não demonstram lealdade para com nenhuma organização, uma vez que esta deve ser ganha e não dada. O mesmo acontece com o respeito, este é ganho de acordo com a performance, não através dos anos de permanência

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ou estatuto; lidam ainda bem com a gestão da empresa, mas não concordam com a táctica hierárquica dentro do escritório. A geração X possui mais conhecimento relativo à tecnologia, quando comparado com as gerações anteriores, uma vez que fez parte do seu desenvolvimento. Esta geração aprecia as oportunidades de desenvolvimento pessoal, as recompensas monetárias baseadas na sua performance individual, e apesar de serem independes, trabalham bem com outros, encorajando estes a pensarem individualmente. A Geração Y (ou Millennials) nasce entre 1977 e 1997, e é a primeira geração centrada na globalização, entrado na idade adulta durante o crescimento da Internet e o aumento do terrorismo global. São uns dos mais resilientes na navegação da mudança enquanto demonstram a sua apreciação pela diversidade. Devido às melhorias na tecnologia e nos sistemas educativos, esta geração é a que tem mais qualificações no mercado de trabalho e a que lida melhor com a tecnologia, adaptando-se com facilidade a novas inovações. Os Millennials cresceram ainda numa época em que participaram em inúmeras actividades extra-curriculares (como o desporto), para os manterem ocupados enquanto os seus pais (Baby Boomers) trabalhavam, o que faz com que estejam muito ligados ao trabalho em equipa, valorizando a comunicação entre os colegas e com a chefia. Os pais desta geração tiveram uma grande influência na forma como esta geração trabalha, a disposição para trabalhar arduamente e a definição de objectivos a alcançar para obter o estilo de vida desejado são as principais. À semelhança da Geração X, os Millennials acreditam que o respeito é ganho através da performance,

não demonstrando também lealdade para com a organização, se lhes forem apresentadas outras oportunidades, irão mudar de emprego, de preferência um que se enquadre mais no seu estilo de vida. Esta geração valoriza o feedback sobre o seu trabalho e oportunidades de desenvolvimento, estando focados no desenvolvimento pessoal e no crescimento dentro da sua área de actividade. Relativamente à Geração Z (nasceu depois de 1997), estes trabalhadores estão agora a entrar no mercado de trabalho, sendo ainda um pouco cedo para fazer muitas generalizações, podendo ser muito mais diferente do que as prévias. No entanto pode-se prever que devido à importância que depositam nas redes sociais (sendo o seu meio de comunicação prediecto), esta geração irá preferir mais o trabalho virtual do que a geração anterior. E enquanto os Millennials demonstraram preferência pela ambiguidade e escolha no estilo de trabalho, a Geração Z irá precisar de mais estrutura. Conhecendo as diferentes gerações e as suas principais características podem-se então desenvolver medidas que facilitem o trabalho com uma equipa multigeneracional. Estas medidas podem começar com discussões onde todas a gerações estão presentes, com comunicação aberta, de modo a que se possa partilhar conhecimento e diferentes formas de trabalho; criar equipas de trabalho com diferentes gerações, de modo a evidenciar os aspectos positivos de todos os colaboradores. No entanto, para além de tentar minimizar os conflitos entre as gerações também é preciso considerar a retenção de talento, é então preciso pensar nas fornas de liderança e quais as estratégias a implementar, as necessidades de cada geração variam, assim como as formas de trabalho. Deste modo poderá ser necessário reorganizar as compensações e benefícios oferecidos, de modo a responder às diferentes necessidades, perpectivas, e atitudes

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sobre o trabalho. Enquanto uma geração poderá preferir a possibilidade de mais dias de férias, uma geração mais nova poderá preferir maior flexibilidade nas suas carreiras. As estratégias de comunicação também deverão ser repensadas, em vez de transmitir comunicação apensas de uma forma, vários formatos devem ser utilizados de forma a garantir que chega a todos os colaboradores, enquanto os Tradicionalistas e os Baby Boomers preferem a comunicação verbal, a Geração X e Y podem preferir o uso do e-mail. Os grupos de trabalho com diferentes gerações também podem ter relevância, tendo um ou mais representantes por Geração para transmitir informações importantes para cada uma, como características e história, de modo a educar e a facilitar o diálogo. Em último lugar, os programas de mentorado devem ser valorizados, sendo o mais estruturados possível para facilitar a transferência de conhecimento, dos colaboradores que se encontram na organização há mais tempo, para os mais novos. Estes programas podem ser individuais ou em grupo, o que é importante é que a história da empresa e o seu conhecimento seja transmitido entre gerações. Isto permite ainda que se facilite a comunicação entre diferentes gerações, assim como a criação e relações entre colaboradores. Ao criar um ambiente com respeito e aberto, onde colaboradores de todas as idades possam comunicar e trabalhar sem se sentirem julgados é importante para a produtividade do colaborador e da empresa. Com todas estas diferenças no mercado de trabalho atual é irrealista pensar que apenas um método de trabalho funciona, deste modo, é importante relembrar que a liderança de uma organização deve estar aberta a novas ideias, dar feedback a trabalhar com os gestores de equipas, evitando projectar as suas próprias expectativas de trabalho, mantendose aberta a diferentes formas de trabalho baseadas nas diferentes atitudes geracionais. Assim uma organização poderá diminuir os conflitos com origem nas diferenças geracionais ao mesmo tempo que aproveita o melhor que cada geração tem para oferecer. Texto por: Patrícia Martins

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A Revista Universitária de Psicologia teve, desde a sua fundação, a intenção de dar a conhecer o trabalho científico dos estudantes de psicologia em Portugal. Temos como bandeira de acção para este mandato a realização efectiva desta intenção, pilar na concretização dos objectivos da nossa Revista Universitária de Psicologia na representação do estudantes. Assim, no sentido de pudermos lançar o número 01 do volume 01 de 2017 da Revista Universitária de Psicologia, desafiamos os

nossos estudantes de Licenciatura, Mestrado ou Doutoramento a submeter os seus trabalhos para esta edição de estreia. Contamos com todos para a melhor divulgação da qualidade científica dos estudantes de psicologia em Portugal!

Tiago A. G. Fonseca (Director da Comissão de Revisão Científica da Revista Universitária de Psicologia)

Datas referentes ao Número 01, Volume 01 da Revista Universitária de Psicologia 2017

Divulgação do Regulamento de Submissões e demais Documentos

5 de Fevereiro de 2017

Abertura das Submissões

6 de Fevereiro de 2017

Encerramento das Submissões

20 de Fevereiro de 2017

Limite de Envio de Respostas às Submissões

20 de Fevereiro de 2017

Limite às Alterações às Submissões

10 de Março de 2017

Lançamento da Revista Universitária de Psicologia

Final de Março de 2017

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Molho de Couves ou Ramo de Flores?

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o controlo da sua própria vida e a responsabilidade sobre os seus processos dinamizadores internos, tornando-se capaz de compreender (com a ajuda do terapeuta) que existe um potencial de transformação dentro dele próprio e que é aí mesmo onde se encontra a sua cura. Este livro leva-nos a viajar ao longo de 18 travessias terapêuticas que a autora divide conforme o tempo de evolução dos pacientes. É dividido numa primeira parte que relata as “evoluções mais curtas”, e numa segunda parte, onde narra algumas “evoluções mais longas”. Estas últimas não são necessariamente de maior gravidade psicopatológica, uma vez que, não existe uma relação direta entre esta e o tempo que demora a resolver-se. Tudo depende de variáveis ligadas à relação que se estabelece entre médico e paciente, à aliança terapêutica.

Isabel Abecassis Empis nasceu em Lisboa e licenciouse em Psicologia Clínica na Universidade de Genève. Com mais de 30 anos de prática psicoterapêutica e psicanalítica, foi docente na Universidade de Lisboa e no ISPA e é membro da Sociedade Portuguesa de Psicanálise. Para além de docente universitária, integrou também as equipas do antigo Centro de Saúde Mental Infantil e Juvenil de Lisboa e o quadro do serviço de psicologia do Hospital Miguel Bombarda. Colaborou na revista Pais&Filhos e já publicou vários livros de sucesso, dos quais são exemplo: Bem-Aventurados... Os Que Ousam! (2006), Eu quero amar, Amar perdidamente (2008) ou o seu último livro Ousar Ser (2013).

O que estes indivíduos, que o leitor vai conhecendo ao longo da leitura, têm em comum é a passagem por um ou vários psis de diferentes abordagens (desde psicanalistas até psiquiatras), que em vez de incitarem a sua evolução, levaram a uma estagnação do seu processo de cura. Assim, desorientadas e abatidas com tantas explicações, diagnósticos e rótulos para os seus problemas, dirigem-se à Doutora Abecassis Empis, ainda um pouco inseguras e muitas vezes ainda céticas, numa outra tentativa de resposta ao seu pedido de ajuda, como podemos denotar no livro.

Com uma manifesta inquietação face a algumas questões que lhe surgem ao longo de travessias terapêuticas e na sua experiência pessoal de psicanálise freudiana “ortodoxa”, a Doutora Isabel Empis decide desafiar convenções e teorias sugerindo um novo olhar na intervenção psicoterapêutica. Retrata estas ideias de forma clara e ilustrativa no seu livro “Cada um vê o que quer... num molho de couves” (2011) do qual se vai falar.

Para além disto, expõe-se nesta obra uma crítica aberta a um certo tipo de abordagem psicoterapêutica que em vez de aproximar o paciente de si próprio, pode chegar a destruir esse reencontro. É salientado então o perigo de fabricar dependências no paciente, que pode tender a “aderir ao club de pensamento do terapeuta” criando assim um “falso self” (Winnicot), onde há uma clara desresponsabilização da pessoa pelo que é; “Sou doente e não posso fazer nada acerca disso”. Assim, o foco da psicoterapia encontra-se nesta nova relação de confiança com o terapeuta, o que vai permitir ao paciente reconstruir também uma nova relação “com as suas coisas”, com o seu mundo

Neste livro retratam-se uma série de casos de pacientes que já têm um historial de consulta de algum psi, cuja abordagem os afastou de si próprios por fornecer-lhes um leque de explicações para os seus comportamentos e sintomas, que levaram a um processo de desresponsabilização e passividade face aos seus processos internos, sentindo-se muitas vezes como apenas um produto daquilo que “lhes fizeram”. É sugerida então uma abordagem mais humana, baseada no poder da relação que se pode estabelecer entre terapeuta e paciente através da empatia e compreensão, tornando ambos elementos cúmplices na procura de um mesmo objetivo: o renascimento do paciente. É precisamente no contexto desta relação, como já defendiam autores como Rogers (Abordagem Centrada na Pessoa), que o paciente pode recuperar

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o acompanhamento constante do profissional até que estejam aptas para tomar conta do seu próprio processo dinâmico interno sem se agarrarem a ideias ou frases alheias. Assim é imperativo acompanhar o processo que se desenvolve no interior do paciente, sendo o terapeuta por vezes um “contentor” das angústias e do fluxo das associações do paciente, por vezes orientando-as e interpretando-as. No entanto, se o terapeuta substitui o fluxo associativo da pessoa com teorias, explicações e opiniões corre o risco de que se criem tantos “outros eus” na cabeça da pessoa, que esta já não seja capaz de saber qual deles é o verdadeiro nem a verdadeira razão da procura de ajuda na terapia.

interno e perceber-se, mas sobretudo aceitar-se um pouco mais. Devido à sua formação, a autora segue uma vertente psicanalítica no percurso com os seus pacientes. No entanto, constata-se que não segue a chamada “psicanalise ortodoxa”, tem um posicionamento bastante crítico em relação a um tipo de abordagem psicanalítica, a qual considera ter como risco inerente de tornar-se numa “explicanálise”, como um processo que levará a um ser humano a afastar-se de si próprio (através de explicações desresponsabilizantes), quando o verdadeiro propósito da psicanálise é levar uma pessoa a reatar consigo própria.

A Doutora Abecassis Empis mostra-se cética respeito aos tipos de abordagem que parecem pretender procurar nos cantos mais obscuros do inconsciente as maiores fontes de sofrimento da pessoa para torná-las conscientes, virando sistematicamente a faca na ferida. Sendo assim, propõe um outro tipo de intervenção que tem como objetivo destruir as defesas que se consideram como obstáculos para a verdade patológica. Esta opção cria então sofrimento que se assume como caminho para a reconstrução da saúde mental. No entanto, a autora defende que o sofrimento pode efetivamente ser transformado e reutilizado no caminho para a saúde, mas só quando primeiro o paciente é capaz de reviver, através da relação empática criada com o terapeuta, certos episódios onde sentiu uma abundância de amor e conforto. Esta visão defende assim que só desta forma, a pessoa pode equacionar perdas sabendo que existem também ganhos e crescimento. Assim, é reforçado em todos os casos expostos, o valor de alguma relação, ou vivência na vida do paciente onde se tenha sentido verdadeiramente amado e confortado, e uma vez salientada esta sensação pode-se passar ao trabalho com o sofrimento atual.

Desta forma, a abordagem da Doutora Isabel Abecassis Empis, têm um enfoque na promoção da arte da relação, que adquire maior importância do que as explicações psicanalíticas clássicas que culpabilizam relações anteriores pela patologia atual. O que é relevante é a tomada de consciência da pessoa de que apesar de não ser capaz de transformar “aquilo que lhe fizeram” ou “as coisas que lhe acontecem”, é perfeitamente competente para transformar a sua relação com o seu entorno e com os seus recursos internos. Surge então a questão: Alguns profissionais podem vir a deparar-se, por vezes, com a tendência para apresentar ideias e explicações sobre a vida dos pacientes, sintomas e as razões ou causas de determinados comportamentos. Afinal, uma das nossas maiores ânsias é a de saber explicar o modelo de funcionamento da pessoa e interligar hipóteses explicativas. Efectivamente, no fundo pode estar a incapacidade de se admitir que só a própria pessoa é que “sabe realmente o que se passa no fundo”, sendo errado e precoce fazermos inferências baseadas na nossa opinião sobre os problemas das pessoas, antes de dispormos de evidências que as comprovem. Neste aspeto, a autora indica o quão pode ser importante para um profissional curar-se da necessidade de curar. Sublinha o facto de que são as próprias pessoas que têm a capacidade de se curar, aprendendo a fazê-lo, com a ajuda dos seus recursos internos e se for estabelecida com elas uma relação propícia a que o processo se desenrole. Sendo fulcral

Outro aspecto bastante recorrente ao longo do livro é a questão da confusão entre os factos da nossa vida e aquilo que nós somos, quando somos na verdade a relação que estabelecemos com eles. É assim mostrado aos pacientes que existe capacidade de transformação, não dos factos, mas da sua relação com eles. E é precisamente nesta capacidade de

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Teoria Psicanalítica ainda se encontra bem presente em diversos contextos. No entanto a mesma pode tal como foi evidenciado criar explicações erróneas para a patologia. Isto é visível em vários dos casos, relatados no livro, de pacientes que vêm já preparados com explicações feitas, “Sou assim porque o meu pai ou a minha mãe eram assado”, explicações estas que muitas vezes encontram em livros de psicanálise ou vindas de técnicos que construíram hipóteses para as causas do seu sofrimento. É delicado, sem ofender, levar a pessoa a entrar numa relação útil para o seu bem-estar, ignorando os “clubes de pensamento”, de ideias e justificações a que já aderiu. Há um perigo acrescido quando é o próprio terapeuta a dar respostas igualmente classificativas e taxonómicas que substituem o trabalho quotidiano e gradual de aproximação da pessoa com a capacidade que tem dentro para se poder reconstruir em saúde. Demasiadas explicações podem levar a um afastamento da pessoa com o seu próprio núcleo.

“A vida é multifacetada, a plasticidade do aparelho psíquico é extraordinária” transformação que se encontra o potencial de criatividade e saúde. A tomada de consciência deste poder de transformação que todos temos dentro de nós próprios permite o acordar para uma realidade que esteve sempre ali, mas que é redescoberta. Trata-se de um acordar para um “novo enfoque de uma velha realidade”. Ademais, a autora apela também à necessidade de precaução com os diagnósticos ou avaliações precoces que podem levar a uma identificação do paciente com a “doença” ou com o rótulo que recebe, o que incapacita os seus recursos internos para a sua evolução. Esta ideia está essencialmente encarnada num dos casos relatados (o único que não tem qualquer tipo de evolução). Podemos adiantar que esta é a história do Pedro, que foi diagnosticado como “fóbico” desde muito cedo (aos 10 anos) e que se identificou de tal forma com a doença e com os remédios, que teria que tomar “para a vida, que a sua personalidade sofreu profundas alterações..

Por vezes verifica-se que as pessoas tendem a instalarse num estado de constante responsabilização do exterior por tudo aquilo que lhes acontece, transformando-se, como na metáfora muito repetida ao longo do livro, num pedaço de plasticina deformado pelo impacto do mundo, sem qualquer tipo de dinâmica interna. A chave da abordagem sugerida, está na transformação, no sentido da redescoberta ou do reencontro com a dinâmica interna, que permite uma responsabilização por parte das pessoas da sua própria evolução e que traz uma sensação de uma nova liberdade de existir. Assumir um estatuto de vítima e pôr a culpa no exterior pode aliviar a curto prazo, mas a longo prazo pode implicar atitudes patológicas de estagnação, desamparo e fragilização do próprio. O facto de pôr a culpa fora de nós implica assumir que a solução, está também ela lá fora. Assim pode-se cair na dependência de relações amorosas, de medicamentos, do psicoterapeuta, do passado.

Isabel Abecassis Empis relembra sempre que, na abordagem dinâmica da personalidade, o que é relevante não é um dado evento com potencial traumático, mas sim a forma em que este é integrado dentro do universo psíquico da pessoa e o impacto que teve no seu desenvolvimento e no estabelecimento de relações com os outros e consigo própria. Como a autora refere: “A vida é multifacetada, a plasticidade do aparelho psíquico é extraordinária” “Que a esperança nunca seja algo que sem querer tiramos a quem nos consulta, por reações subjetivas nossas a problemas ou acontecimentos que achamos objetivos”

Para concluir saliento que temos a responsabilidade, como futuros profissionais, de tomar consciência disto e evitar nós próprios cair na dependência de explicações, diagnósticos ou “escolas de pensamento” que se interponham entre nós e as pessoas que vão passar à nossa frente. E, desta forma, ter a capacidade de apreciá-las como seres humanos com um potencial de transformação que precisa de ser nutrido em relação. Ser capazes assim, de conseguir ver, num molho de couves, um ramo de flores.

É referido no livro Cultura: Tudo o que é preciso saber de Dietrich Schwanitz como nada foi tão forte na história das ideias na Europa, em termos de revolução de mentalidades, como as ideias de Freud. Houve uma grande expansão do pensamento psicanalítico em muitos outros âmbitos, como a literatura e pedagogia ocidentais que levaram as pessoas a inserirse automaticamente nas categorias freudianas. E embora se tenham seguido muitos contramovimentos (behaviourismo, cognitivismo, etc.), a

Texto por: Beatriz Monteiro

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Tea-talk with Charles

Estratégias de Reprodução Mistas

A Psicologia Evolucionista (PE)1, para quem com esta não está familiarizado, é uma abordagem na qual princípios e resultados advindos da biologia evolucionista, antropologia e neurociências são integrados na psicologia com o objetivo de mapear a natureza humana (Cosmides & Tooby, 2000). Esta não é vista como um campo específico da psicologia, mas sim uma forma de pensar a psicologia (Cosmides & Tooby, 2000). Na presente crónica procuramos explorar algumas temáticas à luz desta nova forma de olhar a nossa área.

No primeiro, membros do mesmo sexo competem uns com os outros e o vencedor terá acesso aos membros do sexo oposto, por exemplo, dois veados a lutar com os chifres; no segundo, os membros de um sexo escolhem um parceiro tendo por base a preferência por características particulares, permitindo explicar a cauda brilhante e colorida do pavão (ibidem). É interessante notar que, com base nos resultados de Basolo (1990), a preferência feminina por uma característica estará presente antes de o macho desenvolver esses traços. Para Gaulin e McBurney (2003), a seleção sexual resulta das diferenças nas taxas de reprodução entre os sexos. Mais especificamente, a taxa de reprodução no caso feminino é limitada não por falta de acesso a parceiros (ou esperma) mas sim devido à sua capacidade de investimento fisiológico (i.e., gestação e lactação). No caso masculino, a taxa de reprodução está limitada, por um lado, pelo seu acesso a mulheres férteis e, por outro, o investimento paterno na descendência que, de acordo com os autores, apesar de variável culturalmente, está presente em todas as culturas, “abrandando” a taxa reprodutiva masculina. Definido por Trivers (1972) como “qualquer investimento pelo progenitor num descendente que aumente as hipóteses de sobrevivência desse mesmo descendente (e consequente sucesso reprodutivo) pelo custo da capacidade do progenitor de investir noutro descendente”, o investimento parental poderá, segundo Gaulin e McBurney (2003), ser benéfico no caso masculino caso os indivíduos que recebem cuidados biparentais tenham uma vantagem

No que aos relacionamentos diz respeito, desde os encontros sexuais casuais a relações de uma vida, os seres humanos primam pela sua complexidade. Os nossos gostos, escolhas e preferências são, muitas vezes, difíceis de entender, de dar sentido no contexto das nossas relações, do nosso dia-a-dia. Porém, o modelo das Estratégias de Reprocução Mistas, proposto por Gaulin e McBurney (2003), poderá ajudar a responder na compreensão desta complexa trama relacional.

na

Comecemos por abordar a teoria da seleção sexual (Darwin, 1859). Segundo Buss (2003), podemos entender a seleção sexual como a evolução de características devido aos seus benefícios reprodutivos, ao invés de benefícios para a sobrevivência. A teoria de seleção sexual de Darwin tenta explicar os comportamentos de reprodução com base em dois mecanismos base: competição por um parceiro e preferência por um parceiro (ibidem).

1

Para uma revisão alargada, ver Buss (2014).

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considerável. No caso da espécie humana, os bebés nascem mais cedo do que suposto, são mais pequenos e indefesos, podendo esta dependência ter contribuído para a evolução de investimento biparental, ambos os sexos investindo economicamente, mas só as mulheres investindo fisiologicamente (gestação e lactação), tendo estas diferenças implicações no tipo de parceiros que homens e mulheres são esperados preferir (Gaulin & McBurney, 2003). Este ponto não será, porém, explorado neste texto. Para Gaulin e McBurney (2003), na seleção de parceiros podemos recrutar genes e investimento parental destes. Nesta linha, as estratégias reprodutivas mistas derivam de uma assimetria na confiança paternal, entendida como a capacidade de identificar a sua própria descendência. No caso feminino, os seus objetivos seriam melhor servidos com um parceiro confiável, capaz e disposto a investir os seus recursos na descendência e pudesse, ao mesmo tempo, recrutar os melhores genes para essa descendência; optar por uma das estratégias “puras”, i.e., recrutar os melhores genes ou os melhores recursos, poderá privar a obtenção alguns recursos, passando a estratégia mista pela sua obtenção separada, escolhendo a melhor fonte para cada (Gaulin & McBurney, 2003). No caso masculino, a estratégia mista passa por ter uma parceira fértil e investir na sua descendência, e ao mesmo tempo alocar recursos apenas suficientes para ganhar acesso reprodutivo a outras mulheres (idem). O estudo de Kenrick e colaboradores (1993, in Gaulin e McBurney, 2003) parecem fornecer algum

apoio para este modelo. Kenrick e colaboradores procuraram perceber a posição mínima de um parceiro aceitável numa série de características (estatuto, amabilidade, atratividade, entre outros) em vários níveis de envolvimento (encontro, namoro, sexo casual e casamento). Os resultados indicam padrões masculinos geralmente mais baixos (com a exceção da atratividade), os quais estão de acordo com a estratégia reprodutiva mista, uma vez que padrões mais baixos aumentam o número de potenciais parceiras; as mulheres, no domínio da atratividade e ao nível do sexo casual, apresentam um padrão superior ao dos homens e do seu próprio padrão na dimensão do casamento. Estes resultados sugerem que as mulheres, na situação de casamento, em que esperam receber genes e investimento, estão dispostas a ceder um pouco na qualidade genética; porém, na situação de sexo casual, em que apenas irão receber genes, os seus padrões de qualidade genética são colocados no máximo, e os restantes “relaxados”. Que outros fatores poderão influenciar o uso destas estratégias? Segundo Gaulin e McBurney (2003) a disponibilidade local de investimento paternal é uma variável ambiental chave. Imaginem-se os diferentes cenários: Existem na população muitos homens tanto capazes como dispostos a investir. Neste cenário, derivado do risco de cuckoldry2 , os homens podem reter recursos caso existam ameaças significativas à sua paternidade; nesta linha, as mulheres poderiam oferecer fidelidade sexual para aumentar o

2 Cuckholdry: custo reprodutivo infligido num homem pela infidelidade sexual de uma mulher ou uma deflexão temporária da sua relação de longo-termo regular (Shackleford, Goetz, Buss, Euler, & Hoier, 2005). A sua ocorrência está relacionada com a suspeita de infidelidade sexual (Goetz, Shackleford, Romero, Kaighobadi, & Miner, 2008).

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investimento paternal (Gaulin & McBurney, 2003). É, também, expectável que as mulheres sejam capazes de diferenciar entre homens que investem e que não investem, levando a que os homens que não investem dediquem muito tempo e recursos na corte, tendo sucesso limitado, sendo a estratégia mais adaptada investir em apenas uma mulher. Num cenário oposto, em que na população existem poucos homens que investem, investimentos a curto prazo podem ser obtidos em troca de acesso sexual, aumentando a mulher a quantidade de investimento com o aumento de parceiros. Os homens terão maior sucesso reprodutivo simplesmente pela maximização do número de parceiras sexuais. Neste cenário a descendência é pouco prejudicada pela nãopresença do progenitor homem e, dado à escassez de homens que invistam, as mulheres não podem negar categoricamente os homens que não investem, sendo pelo menos algumas tentativas de corte sucedidas. Em suma, apesar de homens e mulheres serem semelhantes em muitos aspetos, abordam os encontros, namoro e casamento de forma ligeiramente diferente, enfatizando diferentes traços na escolha de parceiro e competindo de formas diferentes, parecendo estes traços universais e previsíveis considerando as diferenças de sexo no investimento parental (Gaulin & McBurney, 2003).

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Visão Psicológica sobre o filme “Inside Out – Divertida-Mente”

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Inside Out é um filme de animação de 2015, que trouxe para o grande ecrã uma temática antiga da psicologia, isto é, as emoções humanas. As teorias que envolvem as emoções são muitas, provêm de diferentes orientações teóricas e partem de várias interpretações do funcionamento humano, mas tendem a encontrar-se numa ideia comum: a centralidade das emoções no funcionamento do Homem.

situações de perda, mudando de cidade com os seus pais e tem de lidar com estas perdas. A sua emoção de Alegria, que sempre esteve à frente do centro de comando, tentando, a todo o custo, que as suas memórias fossem o mais alegres possível, nunca a deixou ficar triste com as suas perdas, criando sempre uma memória alegre para o momento. Este comportamento levou a que a tristeza sentisse que estaria a mais, acabando por ser colocada de parte pela Alegria. Com o continuar da história, a Tristeza é levada para fora da central de comando devido a um acidente com as memórias de Riley e a Alegria foi em seu salvamento. Assim, Riley passou a ter apenas três emoções básicas a regular o seu funcionamento. Como resultado, as respostas emocionais de Riley tornaram-se desadequadas, colocando em causa o seu funcionamento diário e as suas ilhas de personalidade, tendo em conta que as emoções que tinha ao seu dispor eram reduzidas. Durante esta ausência de emoções, Riley vai atravessando momentos complicados para si com os seus pais e amigos, em casa e na escola, bem como nas suas actividades de tempos livres. Depois de explorar o cérebro de Riley, a Alegria e a Tristeza encontram o caminho de volta ao painel de controlo, onde se juntam com o Medo, a Raiva e o Nojo. A cena culmina quando a Alegria atribui importância à Tristeza no funcionamento de Riley, percebendo que esta também teria um papel importante enquanto emoção.

O filme centra-se na vida de uma rapariga, Riley, acompanhando o seu percurso de vida, desde o seu nascimento até aos 11 anos, dividindo a acção em duas partes centrais da sua vida. A primeira, com o seu nascimento, onde surgem as suas cinco emoções básicas de Alegria, Tristeza, Raiva, Nojo e Medo e, uma segunda parte, onde vai desenvolvendo a sua personalidade e passando por diversas experiências de vida que colocam à prova as suas respostas emocionais, isto é, o bom funcionamento das suas cinco emoções base. O realizador do filme baseia-se na teoria de Paul Ekman para sustentar teoricamente o papel das emoções na vida do seu personagem. No entanto, Ekman, autor conceituado na área das emoções e das expressões faciais humanas, começou os seus estudos por apontar seis emoções base – as cinco do filme e a Surpresa –, às quais acrescentou uma outra, mais tarde, o Desprezo. No entanto, estas duas não se tornaram consensuais como as outras cinco, sendo muitas vezes esquecidas e não tidas como parte das emoções básicas. O autor atribui às emoções uma expressão facial, subjectiva e representativa da emoção em causa. Esta premissa é bem salientada no filme pois, sempre que é demonstrada a resposta de uma das emoções ao que se está a passar com Riley, que leva a emoção respectiva a premir um botão de acção, é visível na sua cara a expressão facial em resposta ao botão. Além disto, diversos aspectos teóricos do funcionamento humano são tidos em conta para a realização deste filme. Em Inside Out, as emoções encontram-se a comandar o funcionamento de Riley, momento-a-momento, sendo elas as responsáveis pelo painel de controlo da sua vida, onde as cinco emoções adequam as experiências de vida da rapariga, atribuindo-lhes resposta emocional, resultando em memórias, algumas delas, centrais para a personalidade. Desta forma, o realizador procurou salientar a importância de determinadas experiências de vida na personalidade, formando ilhas com conteúdo emocional que formam os pilares da personalidade humana.

Inside Out é um filme sobre perdas, as perdas de Riley, pelo que a Tristeza se torna uma das personagens principais desta trama. É normal que as perdas causem tristeza e que nos levem a momentos tristes e a memórias tristes, no entanto, são estas vivências que nos ajudam a avançar, possibilitando a criação de novas respostas emocionais e uma maior solidificação da personalidade. Tal como a Alegria o fez, é necessário perceber a tristeza como uma emoção central no nosso funcionamento, não sendo mais nem menos importante que outras emoções, mas sim tão necessária como a alegria ou o medo ou a raiva ou o nojo. Com o alcançar desta ideia, que permite a Riley um melhor funcionamento dia-a-dia e uma maior regulação emocional, o seu painel de controlo fica maior, representando mais respostas emocionais para viver, cada situação sua, de forma mais adaptativa. É necessário permitirmo-nos sentir o que for necessário sentir, regulando cada experiência de vida com a emoção correcta para a podermos viver em plenitude e equilíbrio, sendo normal umas vezes estarmos tristes e outras alegres, mas não será normal estar sempre alegre, como achava a Alegria.

Além da vida de Riley e central à história, estão as emoções e a forma como estas interagem, reagindo às situações pelas quais a rapariga vai passando. No ponto alto desta história, Riley passa por diversas

Texto por: Tiago A. G. Fonseca

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