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Sou a Bea que me cabe no corpo e na alma
Escrever sobre mim, falar sobre mim ou sobre
pessoas que são ou têm uma parte de mim é particularmente difícil e acredito piamente que o será sempre. Isto não se deve ao facto de não ter nada para dizer, muito pelo contrário, é precisamente por ter tanto para dizer que o meu esforço é insuficiente, as palavras sabem a pouco, tornam-se insignificantes ou talvez eu não arranje as mais corretas. Simplesmente essa dificuldade tem tudo a ver com aquilo em que acredito, pois, para mim, muito mais do que as palavras, as nossas ações e atitudes refletem quem realmente somos.
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É realmente desafiante tentar ver-me pelos meus olhos e não com os olhos dos outros. Hoje em dia, é tão difícil gostarmos de nós, é tão difícil não focarmos na opinião que o outro tem de nós e eu falo por mim, porque eu sou uma dessas pessoas. Responder a perguntas tão simples como quem fui? Quem sou? E quem serei? Parecem impossíveis e são daquelas que nos dão voltas e voltas à cabeça.
Nasci no Porto, em 2003. Trago um dia de inverno na data de nascimento, e neste mesmo dia, conheci não só o mundo em que iria viver, como o ser mais importante da minha vida, o meu irmão gémeo, que faz tanto parte de mim como eu dele. O meu crescimento foi algo que aconteceu naturalmente e que teve influência de diversas pessoas que considero profundamente inspiradoras
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e exemplos a seguir, que me mostraram que tudo é possível, quando olhamos com os olhos certos e temos o desejo de ser. Tenho uma mãe que é o meu pilar e sinónimo de coragem, generosidade e autenticidade, tenho um pai que é sinónimo de resiliência, criatividade e responsabilidade e tenho o melhor irmão do mundo. A minha família é o meu mundo e como tal, tento dar valor a cada membro e faço tudo o que posso para os ver felizes e para ficarem orgulhosos da pessoa em que me estou a tornar.
De olhos azuis-esverdeados, com um olhar intenso e atento a todos os pormenores, cabelos longos e ondulados, que balançam ao vento, com uma perspetiva da vida inocente, caraterística das crianças e com uma enorme vontade de crescer era a menina B.
Este meu eu do passado é alguém que guardo com muito carinho no meu coração, é uma parte de mim que nunca vou esquecer. Caraterizava-se pela sua vontade de sonhar, de ajudar o próximo e por querer mudar o mundo, tornandoo num lugar melhor e, consequentemente, mais bonito. Era destemida, teimosa, menina do seu nariz e tinha os seus valores e princípios muito bem definidos. Visualizo-a como detentora de uma energia que seguramente iluminava quem passava por ela e era feliz, muito feliz. Queria a todo o custo ser perfeita e o fracasso era algo que ela temia. Vivia, respirava e tinha uma paixão avassaladora pela dança e esta foi uma parte da sua vida durante tantos anos que até há relativamente pouco tempo pensava em seguir uma carreira de bailarina profissional.
Depressa tudo mudou e aquilo que julgava conhecer afinal não conhecia tão bem, as certezas que tinha passaram a incertezas, prevalecendo as dúvidas e perguntas para as quais não tinha resposta. Rápido percebeu que nada é garantido e que tudo muda numa questão de segundos, que aquelas coisas que pensamos que nunca nos vão acontecer acontecem mesmo e a leveza da vida já não é assim tão linear como costumava ser.
Neste momento, considero que sou uma pessoa diferente da que fui. Sou mais forte, mais determinada e mais reservada.
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Sou a Bea, não um ser humano qualquer, apenas a Bea que me cabe no corpo e na alma. Sou por isso, diferente do meu eu do passado, porque cresci, aprendi e transformei-me. De repente, a minha perspetiva sobre a vida e sobre o mundo muda abruptamente, «e é aí que percebo o que realmente importa, o que realmente vale a pena, e o que é essencial aos olhos, mas especialmente ao coração.» (Sofia Almeida).
Aprendi a dar o melhor de mim sem querer algo em troca e a mostrar gratidão a todas as pessoas que por alguma razão se cruzam no meu caminho e me levam a ser melhor pessoa, pois sem darmos conta tomamos as coisas/pessoas por garantido e não verbalizamos aquilo que elas significam para nós, e eu não quero que chegue o “tarde demais”, para me arrepender de não o ter feito.
Já não ambiciono ser perfeita, porque sei que isso não existe e tentar sê-lo é demasiado cansativo e esgotante. É acreditar ser algo que não sou, é acreditar numa coisa que não é real. Sendo assim, assumo-me perfeita na imperfeição, e aprendi a gostar de todas as minhas qualidades assim como de todos os meus defeitos. Não desisto à primeira tentativa e perceciono a vida como um conjunto de estradas e se, por alguma razão, numa houver uma obstrução, terei uma multiplicidade delas à minha disposição pois confio que quando se quer muito uma coisa, com determinação, tudo se consegue.
Continuo a ser bastante teimosa e impulsiva, mas agora possuo limites e já não fico presa a algo que não me cabe a mim mudar. Escolho as batalhas que valem o meu tempo e as discussões em que devo intervir. Escolho ser feliz e viver a vida privilegiada que tenho, aproveitando-a ao máximo possível por mim e por aqueles que contribuíram para a ter, deixando o passado, que ninguém pode alterar, no seu devido lugar.
Aprendi que todos temos um caminho para percorrer que é diferente para todos, e, portanto, já não me interessa se vou mais à frente ou mais atrás, apenas me interessa saber que sigo o caminho que escolhi e que o meu destino sou apenas eu que o escrevo e que este estará no sítio certo. Foi, exatamente, nas diversas adversidades da vida, injustas e dolorosas, que encontrei uma força
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que estava contida em mim e eu não sabia. Tiveram um papel de extrema importância naquilo que sou hoje e fazem parte da minha caminhada e da descoberta do que é a vida.
Posso dizer que a vida não pede clemência a ninguém porque já tive a prova disso, mas posso dizer com toda a segurança, que ela também ensina que não interessa as vezes que caímos, mas sim, como nos levantamos depois de cair.
A Beatriz, será o meu eu do futuro, a incógnita da minha vida que um dia irei desvendar. Apesar de ainda não a conhecer, sei que vai ser uma pessoa dada a causas, preocupada com o mundo e as pessoas ao seu redor. Terá imensos objetivos por cumprir, sendo alguns deles viajar, constituir família e ter uma profissão com a qual se identifique.
Concluindo, eu fui tudo o que me permiti ser, sou muito mais do que aquilo que vejo ao espelho e serei a minha melhor versão, com a certeza de que, serei sempre fiel a mim mesma porque no final do dia é apenas isso que importa, é apenas isso que me importa a mim. É precisamente quando chega o momento de pousar a cabeça na almofada e refletir sobre todos os nossos eus, gostarmos do nosso percurso e de tudo aquilo que ele eventualmente cultivou em nós, independentemente de ter sido mais colorido ou não. Assim, apenas me resta dizer que o melhor de mim está para chegar…
Beatriz Marques
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