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UMA CÉLULA CORINGA

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ESCRITORES

ESCRITORES

A experiência lá fora permitiu que Lygia tivesse o conhecimento necessário para trazer para o Brasil a pesquisa sobre célulastronco embrionárias que podem se transformar em qualquer tipo de célula, como a carta coringa do jogo do baralho. É como se, nesse estágio embrionário, ainda não tivessem decidido o que serão: se vão ser células dos ossos, do cérebro, do coração etc. O pesquisador põe essas células para se multiplicarem no laboratório, depois, faz elas se transformarem no tipo de células desejadas, para então colocar essas células no paciente. Os estudos seguem no mundo inteiro em fase de testes, mas isso vai permitir que, ao invés de receber um transplante de outra pessoa, um paciente possa recuperar o órgão que foi desenvolvido em laboratório de maneira perfeitamente compatível consigo.

Igual A Um Minicora O

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Todas as nossas células têm o mesmo DNA. Em uma célula de músculo, coração ou cérebro, a sequência do DNA é idêntica. Uma célula de um músculo é completamente diferente da de um neurônio, porque só os pedaços do DNA (alguns genes) relacionados às funções de ser músculo estão ativos, funcionando. Imagine uma sala de controle, com vários botões, cada um tem uma função: a cada um que apertamos, ativamos uma ação diferente. Ligando-se e desligando-se algumas regiões do genoma, as células se transformam em ossos, coração, músculos, e assim por diante. Lygia conta que na primeira vez em que viu as células-tronco, os “botões” ativados eram comandos para virar célula do coração. Ela olhou pelo microscópio e essa célula estava lá batendo, igual a um coraçãozinho.

Dna A Carteira De Identidade Dos Seres Vivos

Atualmente, o principal questionamento de Lygia tem sido a pequena parte que diferencia uma pessoa da outra. Todos os seres vivos são resultado de um DNA, o seu genoma. É uma receita que a natureza segue para formar aquele indivíduo, seja ele uma samambaia, um peixe, um vírus ou nós. Quando se estuda esse DNA, entende-se todas as instruções que a natureza segue para formar biologicamente aquele indivíduo, e como seu corpo vai funcionar ao longo da vida.

O que fascinou Lygia foi constatar que muito do que há no genoma de organismos mais simples é encontrado também em seres mais complexos. Lembra das drosófilas? Elas têm 60% do genoma em comum com seres humanos. E na medida em que se aproximam evolutivamente, as semelhanças aumentam incrivelmente, e resta pouca diferença. Humanos e macacos, por exemplo, têm apenas 3% de diferença entre seus genomas.

SOMOS 0,1% DIFERENTES

Pouca gente tem ideia do quanto os humanos são idênticos uns aos outros do ponto de vista do genoma: somos 99,9% idênticos. O genoma das pessoas não pode ser totalmente idêntico, senão seríamos todos clones, iguaizinhos. Nesse 0,1% estão nossas características individuais, como a cor dos olhos, os tons de pele e os cabelos, mas também a nossa saúde. Estão determinadas as formas como nosso organismo vai trabalhar, por exemplo: como é o nosso metabolismo, como distribuímos a gordura no corpo, se temos facilidade em fazer músculos e nossa predisposição a doenças, tudo está nessa mínima porcentagem.

Projeto Dna Do Brasil

Sabendo que somos apenas 0,1% diferentes e que não existe um único genoma humano, mas, sim, mais de 7 bilhões de genomas diferentes, alguns países começaram a sequenciar milhares de pessoas de suas populações para entender essa diferença.

Em 2016, começaram a ser publicados artigos mostrando que 80% desses estudos são feitos em populações brancas, populações de ancestralidade europeia. A comunidade científica internacional estava desenvolvendo todo o conhecimento sobre genética humana sem incluir a diversidade do ser humano. Então Lygia pensou: “Opa, essa é a hora do Brasil contribuir. Porque se tem uma coisa que temos é diversidade”.

Seu projeto atual, O DNA do Brasil, tem como objetivo conhecer os genomas dos brasileiros. Nós somos essa mistura única de indígenas que estavam aqui, de diferentes grupos étnicos, com europeus que vieram e africanos trazidos à força como escravos. Nossa história como Brasil, de 1500 para cá, foi escrita com muita miscigenação, principalmente entre esses três grupos, mas também eventualmente com populações de outras partes do mundo.

O projeto vai estudar a genética do povo brasileiro com o principal objetivo de conhecer a genética das doenças comuns no Brasil, como asma, diabetes, alzheimer, hipertensão, doenças cardiovasculares e hipertensão. Assim, vamos poder saber quais medicamentos são melhores para cada pessoa, e poderemos até criar novos medicamentos mais precisos e eficazes que adaptem as proteínas, e de forma mais inteligente, para atuar diretamente nas doenças.

Será possível fazer testes para prever quem tem risco maior de desenvolver essas doenças, pois algumas delas não dependem só do fator genético, muitas estão relacionadas ao meio ambiente, às ações externas ao corpo. Então, se conhecemos uma predisposição genética para hipertensão ou diabetes, podemos adquirir hábitos mais saudáveis, cuidando da alimentação e fazendo exercícios. Lygia diz que “a genética não é uma bola de cristal que determina todo seu futuro. Nós somos também muito influenciados pelo meio ambiente. A genética não dá pra mudar, mas podemos mudar o estilo de vida, possibilitando que aquela doença, que está na base do nosso DNA, nunca se manifeste”.

Museu Da Esp Cie Humana

Com o projeto, abre-se a oportunidade de se conhecer mais sobre a formação da nossa população. Os indígenas originários, por exemplo: a imensa maioria foi dizimada, extinta. Só que aquele DNA ainda existe, fragmentado no brasileiro atual. Cada um de nós é como se fosse um mosaico de diferentes frações de genomas de diferentes origens. E, quando sequenciamos esses genomas, é possível recuperar frações de DNAs de ancestralidade de povos que não existem mais.

Lygia está trabalhando com sua equipe para ajudar a medicina no combate a doenças, mas também para nos mostrar que cada pessoa é como um grande museu da espécie humana. Além de servir de manual de funcionamento do seu organismo, seu DNA guarda memórias das gerações que lhe antecederam, mesmo que você ainda não saiba.

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