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ALAN ALVES BRITO

O Menino Que Olhou Para O C U

Na zona rural, sem a confusão da iluminação urbana, o céu parece imenso.

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Desde pequeno, Alan Alves Brito, que nasceu no interior da Bahia, queria estudar as estrelas. Ele se lembra das noites desse céu brilhante, em lugares onde a energia elétrica não havia chegado.

Em 1986, o cometa Halley voltou ao nosso sistema solar 76 anos depois de sua última passagem. Essa aparição criou uma grande expectativa, o cometa foi tema de especiais de televisão, festa de aniversário, quadrinhos e capas de cadernos escolares e lancheiras. Mas, infelizmente, na maior parte das cidades brasileiras, por conta de condições climáticas ou da poluição, não foi possível ver a passagem do cometa.

Na data em que Halley voltou a cruzar o céu da Terra, Alan tinha oito anos. Os jornais comentaram a frustração de todos os brasileiros, de não terem avistado o cometa. Mais ou menos no mesmo período, um outro fato astronômico ocorreu na pequena cidade baiana de Valença: caiu um "corisco" em cima da casa onde Alan morava. "Corisco" era como as pessoas da região chamavam algum raio ou coisa que caía do céu. “Foi um furdunço, gente acreditando que o mundo ia acabar… Mas não vimos o cometa!”, diz ele. No entanto, mesmo sem ver a cauda do cometa, a união desses dois acontecimentos ficou em sua imaginação de criança.

Alguns anos depois, a família se mudou para a cidade de Feira de Santana, também na Bahia, que tem até hoje o Observatório Astronômico Antares. Alan sempre frequentava esse observatório, onde folheava livros em inglês com imagens do céu. Nas manhãs de sábado, não perdia o programa de ciências na televisão; aos 13 anos, criou um clube de ciências para crianças, e com ele, realizou seu primeiro projeto científico.

Queria ser astrônomo: era uma certeza. Na escola, um professor havia dito que para isso era necessário fazer faculdade de Física e, justamente quando ele prestaria vestibular, o curso foi inaugurado na Universidade Estadual de Feira de Santana. Pouco tempo depois, pôde ter aula com dois professores que tinham experiência em astronomia. Talvez, como diz a expressão, “o universo estivesse conspirando a seu favor".

Alan foi a primeira pessoa de sua família a entrar no Ensino Superior, tendo estudado em escola pública, o que era um grande feito. Mas a trajetória acadêmica de Alan estava apenas começando. O jovem recebeu um prêmio de iniciação científica em São Paulo e voltou como herói para sua cidade. Os moradores comemoraram, afinal, era uma conquista não só para Alan, mas para todos. Com toda essa repercussão, o garoto que dormia olhando os pontos brilhantes no céu se viu cada vez mais perto das estrelas quando cursou o mestrado em São Paulo, depois o doutorado, o pósdoutorado, com períodos no Chile e na Austrália - onde estudou com o ganhador do prêmio Nobel de Física de 2011, o professor Brian Schmidt, que descobriu que a expansão do Universo estava acelerando e não desacelerando como até então se imaginava.

O pesquisador enxerga a ciência entrelaçada com questões sociais. Consciente de suas origens, ele sempre manteve projetos de divulgação científica para jovens estudantes. Em sua pesquisa, ele volta o olhar para nossas raízes brasileiras, valorizando os pensamentos dos povos originários indígenas e africanos.

Ant Nia E Os Segredos Do Universo

Não havia livros em casa, mas Alan era frequentador assíduo da biblioteca de Feira de Santana. Por ter estudado a vida inteira em escolas e universidades públicas e gratuitas, ele não consegue pensar sua carreira profissional longe dessa realidade. “Não tinham carteiras, mas tinham professores; não tinham livros, mas tinham professores”. Hoje é Alan que assume esse papel e colabora na divulgação da ciência: “Olho para trás certo de que não estaria aqui se não fosse a escola pública que transformou a minha vida e me possibilitou mundos outros”.

Quando visita as escolas, Alan costuma ouvir: “Você é professor de educação física?” Alan identificou que meninas e meninos negros não se imaginam como físicos, ou astrofísicos, como se essas carreiras não pudessem fazer parte do futuro deles. Foi dessa necessidade de representatividade que nasceu a personagem Antônia, uma menina negra que carrega os segredos do universo.

A escolha do cabelo crespo se deu não só pela estética, mas para mostrar que crianças negras também podem fazer perguntas, que deve haver espaço para todos que têm curiosidades. Antônia tem sotaque, ela fala “oxente” e “mãinha”. Por ser negro e nordestino, o cientista afirma que até hoje sofre preconceitos: “Eu não poderia chegar aqui e dar as costas para minha história, trajetória, família. Não vim sozinho, eu represento muita gente”.

Outros Povos Sempre Olhavam Para O C U

Quando olhavam para o céu, o que pensavam outros povos, além dos europeus? Os nomes das constelações vêm da mitologia grega, mas a cultura brasileira é formada também pelos saberes dos indígenas, que já estavam aqui quando os europeus chegaram em suas caravelas, e dos africanos que foram trazidos à força. Alan acredita que muitas vezes uma parte importante da história se perde: as vozes de povos que são silenciados, pelo racismo e pela colonização.

O Brasil tem uma plataforma de lançamento de satélites em Alcântara, no Maranhão, que é muito importante para a representação da ciência no nosso país, mas foi construída em um território quilombola. São escolhas como essa que, se fossem feitas com o olhar sociocientífico, poderiam ter rumos diferentes.

A árvore genealógica nos mostra quem são nossos parentes próximos e quem foram nossos antepassados, como bisavós e tataravós. A palavra “ancestralidade” é uma forma respeitosa de honrar, relembrar e saudar os antepassados e traz a sabedoria das gerações anteriores à nossa existência. O presente e o futuro são compreendidos através do passado. Ancestralidade é fundamental para os povos indígenas e a diáspora africana, pois remete a uma conexão que não se perde, mas resiste através do contato com suas raízes.

Enquanto a Cosmologia busca explicar como tudo se formou no universo, a pesquisa de Alan Alves Brito trabalha agregando conhecimentos de povos como os Yanomamis, os Guaranis, os Kaingangs, além das populações de matriz africana. Um saber não se sobrepõe ao outro, uma cultura não deve ser vista como melhor do que as outras. Essa é uma preocupação social e científica, uma sociociência. A proposta é acrescentar as contribuições das culturas africanas e indígenas na ciência para se ter uma compreensão mais ampla dos fenômenos da natureza e da História.

O cientista conseguiu mobilizar a comunidade científica para que o Referencial Curricular Gaúcho, que é plano da Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul, e o planejamento da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre incluíssem temas da Educação Escolar Quilombola.

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