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O PLANETA ESTUFA
Os gases que causam o efeito estufa, e que retém calor próximo à superfície, são o gás carbônico, o metano e o óxido nitroso, eles sempre existiram na atmosfera. O efeito estufa é fundamental para o planeta, sem ele talvez nem existisse a vida como nós a conhecemos, e a temperatura da superfície seria de -17ºC, ou seja, toda a água do planeta estaria congelada. A manutenção desses gases é importante para manter a temperatura, para se ter água em estado líquido e vapor de água: os oceanos cobrem 71% do planeta e evaporam a água, que o vento leva para dentro dos continentes, proporcionando a chuva que permite a vida.
Carbono é o elemento químico fundamental para a existência de vida. Na natureza, ele está presente em cada ser vivo e em tudo o que foi vivo um dia, bem como nos processos básicos da vida, como a alimentação e a respiração. Quando derrubamos ou incendiamos árvores e desenterramos toneladas de petróleo para queimar na forma de combustível, estamos jogando para a atmosfera o carbono que estava fixado, estacionado, na natureza. Por isso o termo “efeito estufa”: a quantidade excessiva de gases forma uma cobertura sobre o planeta, concentrando ainda mais o calor, como em uma estufa.
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Os vegetais fazem o “trabalho ecológico” de capturar o carbono que está no ar e fixar de novo, de forma menos agressiva, à vida. A gente aprende esse processo desde cedo na escola, a fotossíntese: usar energia solar para transformar gás carbônico em oxigênio. Fica fácil de ver até na fórmula química: se os vegetais pegam CO2 (gás carbônico) e soltam O2 (oxigênio), para onde foi o C de Carbono? Para o corpo do vegetal. Imagine uma floresta do tamanho da Floresta Amazônica, com suas árvores enormes de troncos largos, quanto carbono fixa! E quando as plantas ou derivados do petróleo são queimados, o Carbono (C) que está fixado é liberado no ar e se junta com o oxigênio do ar (O2), formando o gás carbônico (CO2).
Sem Fuma A Nem Fogo
Para Carlos Nobre, o grande motivo da crise climática que enfrentamos são os combustíveis fósseis: “O carvão, o petróleo e o gás natural têm que ficar enterrados. Se forem queimados, vamos ultrapassar os limites, ficaremos muito acima dos 2ºC de aumento da temperatura e um futuro insustentável”. Segundo ele, é uma tendência mundial o uso de energias renováveis, como a solar e a eólica, muito mais econômicas, inclusive; e o Brasil tem um dos territórios mais favoráveis para geração dessas novas possibilidades energéticas: “O futuro está na eletrificação dos transportes, os veículos elétricos já estão sendo testados em todo o mundo - um trânsito sem fumaça”.
A previsão é que, durante o século XXI, o aumento da temperatura seja tão alto, que não vamos conseguir sair de casa, em termos fisiológicos. O setor do combustível fóssil é muito forte economicamente, resiste em permitir a queima de recursos fósseis, é urgente voltarmos nossa atenção para o aquecimento global.
NÓS, OS SEM FLORESTA?
O primeiro artigo publicado por Carlos Nobre, em 1990, falava sobre uma provável “savana na Amazônia", alertando para um futuro em que a Amazônia poderia se tornar um bioma como o Cerrado. E o que era alerta está mais perto de acontecer, já que esse risco não vem só pelo desmatamento, a floresta está mais vulnerável ao fogo. Como é vizinha a áreas desmatadas, a floresta degradada fica perfurada pela ação humana.
São motivos conectados: a estação seca está mais longa, pois a floresta está 3ºC mais quente; em áreas que não absorvem carbono, o aumento da temperatura causa a diminuição de chuvas. Outra preocupação é que as árvores de clima úmido estão morrendo, sua decomposição gera mais carbono, o gás do efeito estufa, que vai para a atmosfera.
Essas são observações reais, não é mais apenas teoria. Se continuarmos nessa direção, e chegarmos a 50 ou 60% de degradação da Amazônia, acabaremos em um ponto de não retorno, e não teremos como recuperar a floresta.
Trocas Com O Ambiente
O projeto Amazônia 4.0 quer valorizar o enorme potencial da “floresta em pé”, que tem milhares de produtos para todas as áreas. Um hectare de floresta amazônica tem mais espécies de árvores do que toda a Europa, são mais de 300. A ciência já estudou mais de 500 possibilidades - alimentos, bebidas, fitoterápicos, remédios, cosmética e óleos. É urgente juntar esse potencial gigantesco e levar indústrias para explorar essas oportunidades. É “aprender com a biologia”.
A Natureza Que Inspira
Uma pesquisadora da Universidade Federal do Amazonas, ao observar a formiga cortadeira, teve uma ideia: desenvolveu um novo grampo para sutura, os pontos cirúrgicos, inspirado na mandíbula da formiga saúva. É o biomimetismo, a ciência busca referência no que deu certo na natureza.
Zona Franca Da Floresta Em P
Em 1969, foi inaugurada a Zona Franca de Manaus. O pensamento da época era atrair indústrias prontas de fora para o desenvolvimento do município. Hoje, além de eletrodomésticos, a região produz veículos, motocicletas, bicicletas, computadores, bebidas, isqueiro, lâmina de barbear, xarope para refrigerantes, entre outros produtos. As indústrias são atraídas pela isenção fiscal, o abatimento nos impostos que são pagos para a produção local. Sendo assim, em vez de abrir uma fábrica em São Paulo, é comercialmente mais atrativo abrir empresas em Manaus.
O projeto Amazônia 4.0 aponta que a sustentabilidade pode unir meio ambiente e economia. Ao invés de trazer produtos e peças de fora, por que não conhecer e investir nos ecossistemas aquáticos e terrestres de nossos rios e florestas?
Mais Verde E Melhor
A ideia é desenvolver uma bioeconomia:
♦ para a recuperação de áreas degradadas pela pecuária em sistemas agroflorestais;
♦ para desenvolver biofábricas para processar produtos locais;
♦ para a pesquisa de novos produtos.
O Brasil exporta só a matéria-prima, mas são os industrializados, derivados da transformação dos produtos da floresta, que podem gerar mais renda. Carlos Nobre conheceu o açaí em uma sorveteria na sua primeira viagem à Amazônia em 1971, e perguntou: “Qual o sabor daquele sorvete roxo?”. Na época, o consumo era apenas local, hoje, é uma indústria mundial presente em 20 mil pontos do mundo, gerando 10 milhões de dólares por ano. Mas é exportado como polpa e é industrializado fora do país: “Nos Estados Unidos você pode ir à farmácia e encontrar diversos produtos feitos de açaí”. Atrair indústrias e criar novidades, em vez de exportar apenas produtos primários, agregaria valor cinco vezes mais alto, levando uma nova produção para fora da Amazônia e para outros países.
Repensar Nossos Valores
Exportar produtos primários, como madeira e minérios, gera desigualdade. São poucos proprietários de grandes áreas, assim como acontece nas fazendas gigantescas de pecuária. Se não há indústrias para gerar trabalho, os melhores empregos diminuem, são elas que geram oportunidades para os moradores locais, em um sistema coletivo que beneficia milhares de pessoas. Uma ideia socialmente inclusiva e economicamente rentável para o país.
Carlos Nobre diz que temos que repensar nossos valores: a floresta em pé tem muito mais valor, o projeto deve ser um esforço concatenado do governo com políticas públicas e recursos para a implantação das bioindústrias para uma Amazônia 4.0.
Um hectare com sistema agroflorestal que gera açaí, castanha, cacau, produzidos por cooperativas, mesmo sem industrialização, atinge por ano uma lucratividade entre cinco e dez vezes mais que a do gado, e o dobro que a da soja, já que se produz mais em menos espaço.
O sistema agroflorestal é uma forma de uso consciente do solo e combina o plantio de várias espécies levando em consideração o tempo para colheita e a lucratividade de cada produto, fazendo a recuperação do solo entre os plantios, restabelecendo a vegetação nativa e atraindo a fauna.
Gostinho Da Mata
Uma das ideias em teste é o cupulate, chocolate feito da semente do cupuaçu. “Para você ter uma ideia do quanto isso agrega valor: o quilo do cupulate vale dez vezes mais que o da semente do cupuaçu”. A pesquisa quer criar novos produtos com a polpa do cupuaçu e o nibs de cacau, o chocolate em sua forma mais pura, além de pesquisas para a castanha-do-brasil e o açaí.
Aqui Desde Sempre
O Amazônia 4.0 reafirma o respeito a todos os grupos indígenas, inclusive àqueles que não querem contato com pessoas não indígenas e preferem ficar isolados. O professor relembra a figura dos bandeirantes paulistas que nos livros de História do seu tempo apareciam como heróis, mas que hoje poderíamos comparar aos que são invasores e que praticam grilagem de terra e garimpo ilegal.
♦ Grilagem de terras é uma prática ilegal, alguém invade um terreno e frauda um documento comprovando que aquela terra lhe pertence. São apropriações de terrenos do Governo Federal ou de áreas de povos indígenas. O nome vem de quando se colocava o documento em uma caixa com grilos, que em pouco tempo ficava esburacado e com cor envelhecida. Hoje, os grileiros possuem técnicas avançadas para forjarem os documentos e são responsáveis por grande parte do desmatamento da floresta.
O professor conta que já apresentou a ideia a várias lideranças indígenas que se mostram favoráveis às bioindústrias; a grande maioria quer manter sua cultura, mas com melhores possibilidades de vida material, e o projeto quer criar uma parceria, dar treinamento técnico às comunidades indígenas, pesquisando tecnologias embasadas em conhecimento tradicional.