Saramela nº 2 (Abril 2016)

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saramela revista quadrimestral da APAP

Pilrito­das­praias Nascido no Árctico História da ROM Parte II Uma perspectiva "de dentro"

Pedestrianismo PR1 ­ Cividade de Bagunte

Sapo­corredor O velocista Ciência Cidadã Ciência ao alcance de todos

NÚMERO 2 | ABRIL 2016


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Fuinha-dos-juncos (Cisticola juncidis) | Foto: Paulo Marta


Editorial Neste segundo número da saramela, continuamos pé ante pé a percorrer as diferentes áreas de actuação da APAP. A biodiversidade da Paisagem Protegida do Litoral de Vila do Conde e Reserva Ornitológica de Mindelo, o Pedestrianismo, mas também a Ciência Cidadã, tema central deste número, pela recente participação da APAP em vários estudos de índole nacional – o Projecto Arenaria, o Censo Nacional de Pilrito-das-praias (ave de capa pela objectiva de Tomás Martins), o Projecto Noctua, ou o Censo Nacional de Águia-pesqueira. Atendendo à sua ligação histórica à Reserva Ornitológica de Mindelo, mas também a toda a sua carreira em prol da conservação da natureza, é com enorme prazer que contamos nesta edição da saramela, com o testemunho do Dr. Nuno Gomes Oliveira, Director do Parque Biológico de Gaia. Fecha-se assim com chave de ouro um capítulo da história da nossa área protegida, contada em duas partes pelo Pedro Andrade. Doravante, inicia-se um novo capítulo para a nossa Paisagem Protegida, mas esse terá de ser escrito por todos nós. Pedro Martins Presidente da Assembleia Geral da APAP

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ÍNDICE

Mensagem da Direcção Pilrito-das-praias História da ROM - Parte II ROM - Um testemunho por Nuno Gomes Oliveira Pedestrianismo - Cividade de Bagunte Sapo-corredor Ciência Cidadã Referências Bibliográficas Contactos: saramela.apap@gmail.com apeantepe@gmail.com

saramela ­ Revista da Associação Pé Ante Pé

Edição digital quadrimestral, gratuita Número 2 - Abril de 201 6

Nesta edição: Foto de Capa: Calidris alba © Tomás Martins Textos: David Santos, Nuno Gomes Oliveira, Pedro Andrade, Pedro Martins, Raúl Costa e Sidónio Silva

Fotos: Acervo do Fundo do Professor J.R. dos Santos

Júnior (Centro de Memória de Torre de Moncorvo), Nuno Gomes Oliveira, Paulo Marta, Pedro Andrade, Pedro Martins, Raúl Costa, Rui Rodrigues, Sidónio Silva, Tomás Martins

Associem-se, participem, ajudem-nos a crescer! Com uma perspectiva conservacionista, a saramela escreve-se em português, não seguindo o novo acordo ortográfico. Os artigos representam a opinião dos seus autores e não necessáriamente a da APAP / saramela.

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No passado dia 2 de Abril, em Assembleia Geral, para além do Relatório e Contas de 2015, foi aprovado o Programa e Orçamento para 2016, que estabelece a estratégia da Associação, ao nível da sua gestão e funcionamento, que entre outras matérias, compreende uma preenchida agenda de actividades. No entanto parte deste programa, em continuidade com o trabalho já efectuado em 2015, iniciou-se logo em Janeiro de 2016, com a observação de Aves no Estuário do Rio Ave, ou na ROM, quando as condições de maré são desfavoráveis. Esta actividade, mensal e sempre para a manhã do primeiro Domingo, é já um fórum informal de convívio entre observadores de aves, dos mais experientes aos que agora se iniciam, com o apoio humano e material da APAP. O meu agradecimento aos assíduos participantes, a quem lanço o repto de trazerem mais curiosos sobre as aves. Sendo a Ciência do Cidadão outro dos grandes objectivos da Associação, participámos já este Inverno em vários projectos nacionais, como o Censo da Águia-pesqueira, o projecto NOCTUA Monitorização de Aves Nocturnas em Portugal, que decorrerá até ao final da Primavera, assim como no Projecto Arenaria e no 1º Censo Nacional do Pilrito-das-praias. O pedestrianismo é outra vertente da APAP, devidamente enquadrada no Planeamento de 2016, à qual as pessoas

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têm aderido de forma entusiástica. A APAP prevê realizar seis caminhadas, das quais uma fora do concelho, no que será um passeio anual da APAP, direccionado à visita de outras áreas naturais, ou a espaços enquadrados no nosso âmbito de actividade. Até à data, realizaram-se duas caminhadas, a primeira decorreu no final do mês de Janeiro com visita à Cividade de Bagunte, e a segunda deste ano, e já 4ª caminhada APAP, decorreu no Caminho do Litoral entre a freguesia de Vila chã e o extremo sul de Labruge, atravessando a ponte sobre o rio Onda. Na vertente da educação ambiental, efectuámos no presente mês, uma saída nocturna direccionada aos anfíbios, com um grupo de crianças de um ATL.


Mensagem da Direcção

Novos Associados - Um Sócio Traz Mais Sócios! Sendo o crescimento e reforço da APAP um dos objectivos traçados e integrante das opções estratégicas do referido Programa 2016, a Direcção propõe-se alcançar este ano um mínimo de 100 associados. Simultaneamente, pretende-se que todos os que à APAP se associaram em 2015 se mantenham em 2016, participando e desfrutando nas diferentes actividades, não esquecendo também o seu importante papel na divulgação da Associação. Desta forma resumida, discorremos um pouco sobre a linha traçada para o ano de 2016, através de um Programa e Orçamento ambicioso, mas também responsável e realista. Não obstante temos uma certeza, o crescimento da APAP depende de todos vós! Sidónio Silva Presidente da Direcção da APAP

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Pilrito­das­praias Calidris alba

Esta pequena ave limícola é o pilrito mais abundante das nossas costas e estuários, sobretudo no Inverno e nas passagens migratórias. Tal como o seu nome indica, o seu habitat preferencial é o litoral, desde a zona entre-marés, a rochas ou a áreas de vaza.

Na plumagem de Inverno o bico e patas pretas contrastam de forma inconfundível com o branco que cobre grande parte do corpo, com excepção do padrão acinzentado da cabeça, dorso e partes superiores das asas. Durante a passagem primaveril, podem ser observados alguns indivíduos já com o tom alaranjado da plumagem nupcial. Apesar de ser uma ave vulgar, o Pilrito-das-praias está longe de ser banal uma vez que se trata de uma das poucas espécies de distribuição global, podendo ser encontrados nas praias de todos os continentes. Este facto torna ainda mais surpreendente que a sua zona de reprodução seja altamente localizada e que algumas aves efectuem das maiores migrações mundiais. Esta espécie apenas se reproduz a altas latitudes, na tundra árctica, onde pares isolados criam um ninho composto de uma pequena depressão na terra, rodeada por pequenas pedras, entre Junho e Julho.

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A sua dieta compreende pequenos moluscos e crustáceos, anelídeos e larvas de insectos. No período reprodutor, aquando da chegada à tundra, a dieta é por vezes complementada com diferente matéria vegetal, enquanto as temperaturas não permitem ainda o desenvolvimento das suas habituais presas. Atendendo às alterações climáticas e ao efeito que estas originam sobre o árctico, que tal como referido representa a zona de reprodução da espécie, importa perceber e acompanhar as suas tendências populacionais. Nesse sentido foi efectuado no Inverno 2015/16 um Censo Nacional, para o qual a APAP contribuiu com contagens em toda a costa do concelho de Vila do Conde e parte da Póvoa de Varzim.

Texto e Fotos - Pedro Martins

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História da ROM (Reserva Ornitológica de Mindelo) ­ Parte II A criação da Reserva Ornitológica de Mindelo (ROM), na década de 1950, foi um marco para a conservação da natureza em Portugal, em particular para o estudo das aves, ligada à figura do professor Joaquim Santos Júnior. Nos primeiros anos de trabalho o entusiasmo foi muito e havia grandes planos para o desenvolvimento de uma estação ornitológica que servisse de base para muitos anos de trabalho nesta área protegida. No entanto, como é do conhecimento geral, ao longo das décadas a população de Vila do Conde assistiu a uma degradação progressiva da ROM, sendo comuns os atentados contra a paisagem e a sua biodiversidade. Durante as primeiras duas décadas de existência da ROM o litoral do concelho tinha um carácter marcadamente rural, situação que se começou a inverter na década de 1970 com o acentuar do desenvolvimento turístico e urbanístico – quem é que não gostaria de ter uma casa junto à praia? O maior problema surge naturalmente quando a casa se transforma numa série de prédios construídos em cima dos terrenos da reserva, sem respeito pelo estatuto de área protegida da mesma. Apesar de o decreto-lei no qual a ROM foi instituída nunca ter sido revogado, quando

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foi criada a rede de áreas protegidas do país em 1976 a ROM foi deixada de parte, e desde então mergulhou num estatuto de incerteza do qual ainda hoje não se livrou completamente. Ao longo dos anos, muitos alertaram para a indefinição vivida por esta área protegida, à medida que os interesses imobiliários “comiam” parcela atrás de parcela da ROM, surgindo vários planos para a redefinição do seu estatuto legal, mas com os resultados a demorar a aparecer… Enquanto decorria tudo isto Santos Júnior não pôde fazer mais do que continuar os seus projectos de estudo das aves e protestar contra a deterioração da reserva. O passar dos anos não terá ajudado, faltando a Santos Júnior uma forte rede que ajudasse na sucessão na gestão da reserva e na condução dos trabalhos de ornitologia. Até na Sociedade Portuguesa de Ornitologia (SPO), sociedade criada por Santos Júnior e seus colaboradores e que bebia muito dos trabalhos que decorriam na ROM, surgiam problemas, com a sociedade a perder o seu cariz científico à medida que era “invadida” por “passarinheiros”. Na década de 1980, já com um Santos Júnior octogenário, terminaram os projectos de anilhagem de aves na ROM.


Desde então a reserva manteve-se esquecida pelas autoridades competentes, mas não pela população local, que mantém na memória colectiva os anos em que Mindelo e as freguesias circundantes tiveram uma actividade invulgar por parte de gente que queria proteger a natureza para o benefício de todos. Esta chama que se manteve acesa ao longo dos anos permitiu a defesa constante do que resta da reserva, impedindo que se transformasse, como a grande maior parte do litoral Norte português, numa sucessão de apartamentos e estradas. Várias associações como os Amigos do Mindelo (Associação dos Amigos de Mindelo para a Defesa do Ambiente) e movimentos como o Movimento Cívico PROMindelo (incluindo várias associações nacionais como a Quercus, a LPN e o FAPAS, e os próprios Amigos do Mindelo) bateram-se pela defesa da ROM. Paralelamente,

realizaram-se periodicamente trabalhos da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Os vários problemas que têm afligido a ROM nas décadas mais recentes, não só o crescimento urbanístico descontrolado mas também o pisoteio das dunas (não só por pés, mas frequentemente por carros e motas), a deposição de lixo, a proliferação de espécies exóticas invasoras (como o chorão-das-dunas, acácias ou a erva-daspampas) e a captura ilegal de aves selvagens para o comércio clandestino continuaram a pedir a atenção das entidades gestoras. Muitos dos planos que foram surgindo ao longo dos anos tinham como objectivo a criação de uma área de paisagem protegida, mas tornou-se habitual assistir a avanços e recuos nas negociações sem que nada em concreto surgisse.

A construção desordenada, a proliferação de espécies exóticas invasoras e a circulação de carros e motociclos na zona dunar são exemplos das muitas ameaças que a reserva enfrenta ao longo das últimas décadas | Foto: Pedro Andrade

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Rola-brava (Streptopelia turtur) | © Diana Sousa

Já nos primeiros anos do novo milénio foi celebrado um protocolo de colaboração entre a Câmara Municipal de Vila do Conde e o CIBIO (Centro de investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto, sediado em Vairão) com vista à elaboração de um plano de ordenamento do território para a reserva. Do trabalho de caracterização e avaliação dos valores naturais saiu uma proposta de redefinição dos limites da área protegida, que em 2009 foi aprovada pela Junta Metropolitana do Porto criando a Paisagem Protegida Regional do Litoral de Vila do Conde e Reserva Ornitológica de Mindelo (PPRLVCROM). Finalmente a reserva voltava a ter um enquadramento legal actual e fronteiras definidas! A nova paisagem protegida inclui todo o litoral Sul do concelho, desde a margem Sul do estuário do Ave (em Azurara) até à

margem Norte da foz do rio Onda (em Labruge), preservando também a área nuclear florestal e dunar da antiga ROM, nas freguesias de Árvore e Mindelo, assim como a zona envolvente ao Castro de S. Paio. No total inclui 365 hectares de área protegida. A definição da PPRLVCROM poderia ter sido um novo começo para a “nossa” reserva, mas muitos dos problemas referidos anteriormente continuam a verificar-se e o arrancar de novos projectos para a dinamização e valorização do espaço tem sido algo periclitante. Numa visita à paisagem protegida nos dias de hoje continuamos a deparar-nos com o lixo, as plantas exóticas, os “passarinheiros” e os carros estacionados nas dunas. No entanto alguns sinais de que a maré poderá vir a mudar têm surgido.

Dois chapins-de-crista (Lophophanes cristatus) capturados numa sessão de anilhagem organizada pelo CIBIO na PPRLVCROM.

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Nos últimos anos vários projectos científicos e acções de divulgação ambiental tiveram a PPRLVCROM como palco. O trabalho de levantamento que serviu de base à elaboração da proposta da paisagem protegida foi um ponto de situação há muito necessário do estado da reserva. A grande diversidade de anfíbios que pode ser encontrada na paisagem protegida tem sido alvo de grande atenção, funcionando provavelmente como o novo grande ponto de interesse biológico da área. As aulas de campo de Biologia da Universidade do Porto têm também passado por Mindelo, retomando uma das tradições dos tempos de Santos Júnior, com sessões de captura de micromamíferos e aves. Quanto a estas, nos últimos dois anos voltaram a decorrer projectos com vista ao seu estudo científico, quer com a realização de censos com recurso à observação quer sessões de anilhagem regulares, projectos coordenados pelo CIBIO. Frequentemente são organizadas sessões de divulgação científica e educação ambiental por entidades como o Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental (CMIA) ou a Associação Portuguesa de Herpetologia.

A Associação Pé Ante Pé tem como objectivo contribuir para ressuscitar a reserva, através da sensibilização e educação ambiental e outras acções de conservação.

Nenhuma revolução se faz num dia, ou por decreto. As verdadeiras mudanças são feitas por todos nós no dia-a-dia, na nossa relação com os outros e com os espaços que nos rodeiam e pelos quais nutrimos especial apreço. A defesa da PPRLVCROM será um bom exemplo disso: todos nós, não só a autarquia e a universidade, mas também todos os cidadãos interessados na defesa da paisagem protegida, poderão dar o seu contributo para que ela se transforme finalmente num local de referência não só para os estudos científicos mas, acima de tudo, para a qualidade de vida dos vilacondenses.

A Associação Pé Ante Pé (APAP) poderá ser mais uma peça importante nesta engrenagem. Texto e Fotos - Pedro Andrade

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ROM, um testemunho por Nuno Gomes Oliveira A Reserva Ornitológica de Mindelo é um lugar mítico e de referência da ornitologia e da conservação da natureza em Portugal e na Europa e o seu estado de abandono é, a todos os títulos, altamente reprovável. Há 59 anos, por decreto de 02/09/57, o Governo Português de então submeteu ao “Regime Florestal” uma área de 411 ha, entre Mindelo e o Rio Ave, criando a Reserva Ornitológica do Mindelo, em resposta a uma solicitação do Professor Doutor Santos Júnior, então Director do Instituto de Zoologia Dr. Augusto Nobre, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Meses depois, novo decreto-lei de 16/05/58, ampliava a área da Reserva Ornitológica até à Foz do Ave, consagrando 594 hectares à protecção da Natureza.

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Em Setembro de 1971 cheguei, pela primeira vez, à Reserva de Mindelo, onde ficaria acampado com o Prof. Santos Júnior, para mais uma campanha anual de anilhagem de aves. Encontrei um território amplo, mas já com sinais de degradação provocados pelo despejo de alguns “entulhos” industriais e de construção civil, pela forte poluição da Ribeira de Silvares e pelo avanço, especialmente a Norte, das casas de praia.

Placa de sinalização da Reserva Ornitológica de Mindelo


Licenciado em Biologia, Mestre em Ecologia Humana e Doutor em Biologia, Nuno Gomes Oliveira é uma figura incontornável da Conservação da Natureza em Portugal. Autor de centenas de publicações, palestras, conferências, entre muitos outros projectos, esteve na génese de importantes áreas protegidas, como a Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto, ou a Reserva Natural Local do Estuário do Douro. É Director do Parque Biológico de Gaia, projecto que iniciou em 1 983. Os anos passaram, Mindelo foi vigiado pelo Guarda-florestal António Jesus Pereira, ali foram anilhadas aves aos milhares, a reserva foi estudada por vários ornitólogos e outros cientistas e, lentamente, invadida por construções, muitas de génese duvidosa.

da primeira reserva natural de Portugal e primeira reserva ornitológica da Europa. Sopram os ventos da História, chega o 25 de Abril de 1974, e com ele os novos responsáveis. Virado o ciclo, publica-se em 1976 uma primeira Lei-quadro das áreas protegidas, sem que a situação jurídica de Mindelo fosse contemplada. Em Maio de 1984, durante as 1ªs Jornadas da Vida Selvagem, promovidas pelo NPEPVS (Núcleo Português de Estudo e Proteção da Vida Selvagem) no Porto, é proposta a reformulação jurídica da Reserva de Mindelo, certos de que mantinha o seu interesse e importância.

O Prof. Santos Júnior (casaco aos quadrados), a anilhar Rolas na ROM com o Guarda-florestal António Jesus Pereira. Foto: Acervo do Fundo do Professor J.R. dos Santos Júnior (Centro de Memória de Torre de Moncorvo)

Em 11/07/73, por indicação do Prof. Santos Júnior, escrevi, em nome da Sociedade Portuguesa de Ornitologia, ao Diretor-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas denunciando a construção de um armazém nas dunas de Mindelo, uma primeira e tímida ameaça à área principal

Em 1987 o SNPRCN (Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza – hoje Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas), dependente da Secretaria de Estado do Ambiente, e a CCRN (Comissão de Coordenação da Região Norte), elaboraram um “Plano Preliminar da Paisagem Protegida do Mindelo”, plano esse que nunca seria implementado, pese embora ter ficado demonstrado o interesse da área protegida.

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Nesse ano de 1987, surge a edição conjunta CCRN/QUERCUS, denominada “Mindelo, para um Manual de Métodos e Procedimentos”, da autoria de Walter Gomes; mereceu esta publicação um texto de introdução do Prof. Luís Braga da Cruz, então Presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte, mas nem por isso mereceu Mindelo qualquer medida de protecção.

despachado, no mesmo dia, pelo Presidente da Câmara, sem comentários, para o Gabinete de Planeamento; fica a informação arquivada no Processo 28/16 da referida autarquia.

Santos Júnior continuou, até ao fim dos seus dias, a luta em defesa da Reserva do Mindelo e pela construção do desejado observatório ornitológico (Santos Júnior, 1979); em carta de Novembro de 1987, com 86 anos, dizia-me “Se tiver vagar talvez escreva ao Secretario de Estado” (por causa da construção do observatório ornitológico).

Em Janeiro de 2003 entreguei ao Secretário de Estado Adjunto e do Ordenamento do Território, Dr. José Mário Ferreira de Almeida, por solicitação sua, um estudo para um modelo de intervenção em Mindelo, que apontavam para a redução da antiga área protegida para os 150 hectares ainda disponíveis, dos quais 50 ha deveriam ser adquiridos pelo Estado. Isto implicaria, para o Estado, um investimento (passível de comparticipação por fundos europeus), de cerca de 6 milhões de Euros e um custo de manutenção anual de ordem dos 450 mil Euros/ano.

Em 1992 é criada a Associação dos Amigos do Mindelo que desenvolveu uma intensa actividade em favor da refundação da Reserva Ornitológica.

Em Junho de 1991 o Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza volta ao assunto, e elabora um parecer sobre Mindelo em que defende que a área “deverá ser classificada em diploma legal adequado” e que, entretanto “seja inequivocamente consagrada no Plano Director Municipal (de Vila do Conde) em fase de O Secretário de Estado referido “cairia” semanas depois (05/04/2003), e a mesma elaboração.” proposta foi entregue ao, então, Vereador Este parecer, subscrito pelo Dr. António da Câmara Municipal de Vila do Conde, Teixeira, é despachado dias depois pelo Dr. José Manuel Laranja, em Junho desse Secretário de Estado do Ambiente, Eng.º mesmo ano, por nela ter manifestado Macário Correia, e enviado à Câmara interesse. Municipal de Vila do Conde, onde dá entrada a 20 de Junho de 1991 e é

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O Prof. Santos Júnior com o autor, no 1 º Curso de Anilhagem de Aves na Bouça dos Cojinhos, na Reserva de Mindelo, em Agosto 1 973 | Foto: Rui Rodrigues

Entretanto, ainda em 2003, vários partidos políticos apresentaram na Assembleia da República projetos de lei para reclassificar a Reserva de Mindelo: o Bloco de Esquerda em Janeiro, e o PCP em Fevereiro. O PCP dá corpo de lei à nossa proposta de criar em Mindelo o “Museu da Ornitologia em Portugal” que seria um pólo de valorização local, e poderia reunir o espólio documental do Prof. Santos Júnior entretanto, e em boa hora, doado ao Município de Torre de Moncorvo, e depositado no “Centro de Memória” daquela vila transmontana.

Destas iniciativas legislativas resultaria um debate na sessão de 23 de Outubro desse ano, da Assembleia da Republica, que aprovou da Resolução nº 80/2003 (PSD/CDS-PP) recomendando ao Governo a criação da área protegida. De nada valeu essa resolução, como de nada valeram os novos projectos de lei apresentados pelos mesmos partidos em 2004 e 2005. Mas Mindelo continua a ser área protegida, pois ninguém revogou o Decreto de 1957, facto reconhecido pelo recente Regime Jurídico de Conservação a Natureza e da Biodiversidade (Decreto-Lei nº 142/2008 de 24 de Julho).

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Reserva Ornitológica de Mindelo situação actual e perspectivas O Plano Director Municipal de Vila do Conde prevê, na U.O.P.G. 15 (Unidade Operacional de Planeamento e Gestão) uma área para a Reserva Ornitológica de Mindelo. Não sabemos se a Associação dos Amigos do Mindelo continua activa na defesa desta área natural, mas houve tempos em que foi muito ativa. Em 2007 o CIBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto) elaborou um novo estudo e proposta sobre esta área classificada, por solicitação da Área Metropolitana do Porto. Esse trabalho deu origem ao “Regulamento Metropolitano da Paisagem Protegida Regional do Litoral de Vila do Conde e Reserva Ornitológica de Mindelo”, que veio a ser publicado no Diário da República, II série, nº 197, de 12

de outubro de 2009. Só que este Regulamento de nada valeu, pois a área continua sem gestão; a única coisa que se vê são passadiços a devassar. Ainda recentemente foi reafirmado pela Junta de Freguesia de Mindelo o interesse no desenvolvimento desta área protegida. A gestão, repartida pela Câmara Municipal de Vila do Conde, CIBIO e associações locais poderia assegurar o pleno funcionamento da área protegida. É fundamental e urgente que, na Reserva de Mindelo, seja implantado um símbolo de homenagem ao seu fundador, que deveria ser o “Observatório Ornitológico Prof. Santos Júnior”, ou o já referido “Museu da Ornitologia” e é fundamental que esta área protegida passe a ter uma estrutura de gestão. Texto - Nuno Gomes Oliveira

Se quer conhecer mais sobre o passado da Reserva Ornitológica de Mindelo, encontrará um interessante documentário de 1964, no arquivo da RTP. Aceda no seguinte link: http://www.rtp.pt/arquivo/index.php?article=2863&tm=28&visual=4

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Ao longo dos próximos tempos, a APAP pretende recolher opiniões sobre a Paisagem Protegida Regional do Litoral de Vila do Conde e Reserva Ornitológica de Mindelo, que permitam estabelecer objectivos de actuação estratégicos. A sua opinião também conta! Através do nosso email ou Facebook, diga-nos qual a sua expectativa, qual a sua visão para a Paisagem Protegida.

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Garça-boieira (Bubulcus ibis) | Foto: Tomás Martins

Panorâmica actual da Reserva Orniológica de Mindelo| Foto: Raúl Costa


Pedestrianismo PR1 ­ Cividade de Bagunte Passaram quatro Meses desde a última edição e já muitos quilómetros foram percorridos pela APAP. Neste número vou falar sobre algum equipamento e conselhos para uma boa caminhada em segurança.

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A caminhada ou marcha deve ser praticada a uma velocidade média de 4 a 5 km/h, pois é uma boa prática para manter a forma física e ao mesmo tempo conseguir conversar sem nunca ficar ofegante, porque o convívio e a troca de opiniões fazem parte do Pedestrianismo. A posição do corpo deve ter sempre uma postura correcta, a cabeça direita e erguida, os ombros relaxados e ligeiramente inclinados para trás e os passos serem tal e qual o nome da nossa associação, pé ante pé. Aconselho também o uso de um ou dois bastões de caminhada, ou um simples apoio de mão para ajudar a manter o ritmo, ultrapassar obstáculos, manter o equilíbrio e também ajudar a distribuir o peso do corpo. Usar também um chapéu de abas largas e se necessário óculos de Sol para nos protegermos do mesmo, mas acima de tudo beber água com muita frequência para evitar a desidratação. Nunca esquecer protector solar, repelente de insectos, algum açúcar e se possível frutos secos (são bastantes energéticos).

Num Mundo dominado pelas tecnologias quase que nos esquecemos que existe a bússola, acessório imprescindível a qualquer pedestrianista (as baterias não duram para sempre!) e o GPS nem sempre funciona em todo o lado. A lanterna, outro acessório importante e de preferência que seja alimentada também a dínamo (manivela), o apito faz parte do mesmo “Kit” e que é muito útil na necessidade de querer chamar atenção de algo ou alguém. Em relação ao apito, existe um código internacional, que passo a explicar: Um Sinal = onde está? Relativamente ao vestuário, uma das Dois sinais = Venham ter comigo; primeiras “regras” é que este tem que ser o Três Sinais = Socorro. mais leve possível. Tem de ser confortável e de secagem rápida, a roupa interior Eu nunca abdico de um par de cordões preferencialmente sem costuras, e se caso suplentes para as botas, poncho para as temperaturas sejam baixas, deve-se usar proteger da chuva e luz frontal (lanterna de varias camadas de roupa sobrepostas. O cabeça), isto para além dos primeiros calçado deve ser impermeável, socorros. antiderrapante e nunca ser estreado numa primeira caminhada de alguns quilómetros. Na próxima edição irei falar de um tema curioso, como observar o céu para prever o estado do tempo. Fiquem atentos e boas caminhadas!

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Ficha Técnica Tipologia: Pequena Rota Linear Localização: Vila do Conde Início/Fim : Ponte D. Zameiro / Ponte de São Miguel de Arcos Distância: 10,3 Km Grau de Difilculdade: Médio

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A Pequena Rota da Cividade de Bagunte começa logo após atravessarmos a ponte medieval D. Zameiro que atravessa o Rio Ave. Esta PR é linear terminando precisamente depois de atravessarmos outra ponte medieval, desta vez a de Arcos. A distância a percorrer é pouco mais de 10,5 km com uma cota máxima de 150 m por entre arruamentos e caminhos florestais. Mal partimos e encontramos já a capela de Nossa Senhora da Ajuda que a seu lado tem um pequeno templete denominado de Sr. Do Padrão e data de 1622. Avançamos cerca de um quilómetro para chegarmos ao lugar de Vila Verde que terá sido uma “Villa” durante o período de Romanização e tinha ligação com a “Via Veteris”. Continuamos a nossa marcha e eis que avistamos um conjunto de moinhos e um magnífico forno a cal no lugar de Figueiró de Baixo. Já percorremos 5 Km quando passamos pelo largo de Santana, aqui sugiro que descanse um pouco pois até à Quinta dos Cavaleiros, um dos solares mais antigos de Portugal, são ainda mais 2.5 Km. Seguidamente passamos no túnel sob a A7, e estamos prestes a avistar o centro de interpretação da Cividade de Bagunte onde nos preparamos para começar a subir em direção á mesma. As marcações do PR1 mandam seguir em frente, mas para alcançar a Cividade têm de cortar á esquerda (existe uma placa informativa no local) e começar a subir. Depois de efectuar todo o perímetro da Cividade regressamos à PR1 e continuamos a descer

agora em direção à ponte de S. Miguel de Arcos onde este percurso termina. No entanto existe sempre a possibilidade de alterar este percurso de Linear para Circular, por isso sugiro o seguinte: O início passa a ser em frente à Igreja de Bagunte, segue sempre a sinalização já existente (PR1) até à Cividade de Bagunte, continua até à Ponte de S. Miguel de Arcos. Chegamos à ponte mas não a atravessamos, vamos sobre a esquerda na N306 e cerca de 400 m à frente viramos à esquerda por um caminho agrícola do qual vem o Caminho de Santiago. Continuamos e vamos passar por baixo da A7, para no cruzamento da rua casal Maria avançar em frente para a rua Camilo Castelo Branco que por sua vez vai terminar de novo na N306. Viramos à esquerda para a rua de São Mamede e voltamos a ter a N306 como companhia durante 50 m para tornar a virar à esquerda na avenida Lucinda Campos que nos vai conduzir até uma pequena rotunda, na qual também viramos à esquerda, agora já em direcção ao ponto de partida, a Igreja de Bagunte. É uma alternativa bem agradável na qual só existem três pontos que nos fazem caminhar na N306, mas nada de significativo, são duas formas diferentes de percorrer o PR1 em que o ponto principal é sem dúvida a Cividade de Bagunte. Até breve, pé ante pé, sempre no bom caminho. Texto e Fotos - Raúl Costa

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Sapo­corredor Bufo calamita

O primeiro número da Saramela, abordou o urodelo (ordem Urodela) que lhe deu nome, a Salamandra-de-pintasamarelas. Na presente edição, abordaremos um membro da outra ordem de anfíbios existente em Portugal, a ordem Anura, ou seja, os anfíbios que na fase adulta não apresentam cauda. Ao contrário da generalidade dos anuros, o Sapo-corredor desloca-se num movimento de marcha ou corrida, ao invés da típica locomoção por saltos, motivo que justifica o seu nome.Quando incomodado ergue-se sobre as patas, inchando para parecer maior, uma vez que o seu tamanho é relativamente pequeno – entre 6 a 7 cm, ainda que algumas fêmeas possam ultrapassar os 9 cm. A sua identificação é muito simples, sendo apenas aparentado com o Sapocomum, do qual se distingue pelo menor tamanho e robustez, mas sobretudo pela

íris amarela esverdeada (e não acobreada ou avermelhada) e por possuir uma linha vertebral amarelada. De destacar ainda os seus olhos grandes, com pupila elíptica, o ventre claro com algumas manchas escuras e inúmeras verrugas com coloração acastanhada, esverdeada ou avermelhada. O Sapo-corredor apresenta uma ampla distribuição na Europa Ocidental e do Norte, podendo ser encontrado do nível do mar até aos 2500 m (Serra Nevada). Em Portugal Continental pode ser encontrado em grande parte do território, sendo a sua distribuição contínua no interior. Ainda que seja uma espécie relativamente tolerante às condições de habitat, apresenta ao longo de toda a sua área de distribuição, uma clara preferência por zonas com solos arenosos ou soltos, que como tal podem ser facilmente escavados. Também ao longo da sua área de distribuição se verifica uma clara

Indivíduo de coloração esverdeada, parcialmente enterrado na areia.

Típico movimento de corrida do Bufo calamita.

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preferência pelos charcos temporários, como local de reprodução. Utilizam assim pequenas acumulações de água pouco profunda, resultante da precipitação, expostas ao sol e com pouca ou nenhuma vegetação. Esta estratégia reprodutiva prende-se com a existência de menos predadores neste tipo de charcos, aumentando as possibilidades de sucesso da sua prole. Simultaneamente, para poder aproveitar os charcos temporários, esta espécie desenvolveu um comportamento reprodutor extremamente rápido. Assim, quando as condições de precipitação são favoráveis, inicia-se uma forte concentração de indivíduos nos charcos temporários, o que dura apenas uma ou duas noites. Simultaneamente o Sapocorredor é o anfíbio que em Portugal

apresenta o mais rápido desenvolvimento larvar (cerca de 20 dias), numa tentativa de reduzir a mortalidade provocada por seca dos charcos temporários. A maturidade sexual é atingida aos 2 anos, sendo a longevidade média (em estado selvagem) de 5 anos. Como curiosidade, de referir que as populações costeiras, como a que ocorre na Paisagem Protegida, desenvolveram uma elevada tolerância à salinidade, usando como locais de reprodução os charcos formados nas dunas. Simultaneamente existe um curioso comportamento de utilização do mesmo charco ano após ano. Texto e Fotos - Pedro Martins

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Rosmaninho (Lavandula pedunculata) e Abelha (Apis melifera) | Foto: Pedro Martins

Ciência Cidadã ou Cidadania Científica

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A Ciência Cidadã é uma das áreas de actuação da APAP, que nesse âmbito tem participado em diversos projectos, como o 1º Censo Ibérico da Escrevedeirados-caniços, o Dia da Águia-pesqueira, o Projecto Arenaria - Monitorização da distribuição e abundância de aves nas praias e costas de Portugal, o Programa Noctua - Monitorização das aves nocturnas em Portugal, ou o Censo Nacional de Pilrito-das-praias. Mas o que é a Ciência Cidadã? A ciência cidadã ou cidadania científica (do inglês citizen science) não é um fenómeno novo, nem tão pouco uma moda passageira: existe há muitos anos, sendo difícil definir uma origem e um conceito único. A definição que agora é mais aceite surgiu nos anos noventa do século passado (séc. XX) por dois autores Rick Bonney e Alan Irwin. Em 2014 a Comissão Europeia publicou o Green Paper on Citizen Science e em Junho de 2014 o conceito passou a fazer parte do Dicionário de Inglês de Oxford. A definição do conceito propostas por estas referências é uma unificação dos pensamentos de Irwin e Bonney que passo a traduzir: “(…) refere-se ao envolvimento do público em actividades de investigação científica quando estes contribuem activamente para a ciência, seja com o seu esforço intelectual ou conhecimento relacionado ou com as suas ferramentas e recursos(...)”. Um cidadão-cientista será pois alguém que participa voluntariamente num processo de investigação científica, activamente ou cedendo recursos para a realização do processo. Muitas destas acções de cidadãos-cientistas estão enquadradas por investigadores profissionais. Ao longo do tempo, este cidadão estará mais consciente e alerta para

questões em que a opinião do público pode ter um peso decisivo, sejam elas técnicas ou políticas. Um processo antigo Muita investigação anterior ao século XX era feita por “cavalheiros-cientistas” que podiam ou não ter origem nobre. São vários os exemplos. Alguns destes “cavalheiros-cientistas” são conhecidos por terem sido capazes de propor algumas das teorias mais importantes, e ainda hoje permanentes, da ciência. Galeno de Pergamo, por exemplo, foi capaz de dar contributos que permaneceram durante mais de mil anos para alguns dos ramos da medicina como a anatomia, fisiologia, patologia, farmacêutica e neurologia. É também graças a ele que se difundiram até à actualidade conceitos que derivam da medicina da Grécia Antiga, em que se prevenia a doença controlando a nutrição e a higiene. Se se juntar à nutrição e à higiene a actividade física, temos a base da prevenção das doenças coronárias – coração e sistema circulatório.

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Heinrich Schliemann é um dos pioneiros da arqueologia que se reformou aos 36 anos, depois de se ter tornado um homem rico após 14 anos a trabalhar numa firma de despachantes e como negociante de ouro em 6 meses na Califórnia. O seu sonho era descobrir o sítio histórico de Tróia; acabou por realizar em Hirsalik, na actual Turquia. Outro exemplo notável é o de Augusto e Michaela Odone, que em conjunto com o neurocientista Hugo Moser, contribuíram para o desenvolvimento de um soro para combater a adrenomieloneurodistrofia. Este medicamento foi usado no filho de ambos, Lorenzo Odone (do qual provém o nome do soro – óleo de Lorenzo) que sofria desta doença debilitante, que pode provocar a morte num espaço de 2 anos. Com o soro Lorenzo viveu mais 24 anos. O contributo de Augusto Odone valeu-lhe um doutoramento honoris causa pela Universidade de Stirling. No advento da comunicação via rádio, o rádio amadorismo conseguiu criar e implementar avanços tecnológicos dos amadores nas estruturas industriais e comerciais. Os astrólogos amadores conseguem construir por si próprios telescópios potentes para observar corpos e fenómenos celestes. O domínio e acesso a processos de “Faça você mesmo”, desde a industrialização de peças e componentes, permite que seja possível criar pequenas soluções que poderão ter implementações diversas. Hoje em dia a utilização de impressoras 3-D por profissionais e amadores tem ajudado a resolver problemas em diversas áreas do conhecimento.

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Contagens no âmbito do Projecto Arenaria | Foto: Pedro Martins

Onde mais informação é sempre necessária Um estudo desenvolvido por Christopher Kullenberg e Dick Kasperowski em 2016 aponta para que as áreas onde a ciência cidadã estão a criar mais impacto são a biologia, conservação e ecologia, logo seguidas de geografia física (sistemas de informação geográfica). Não se deve no entanto supor que a lista fica por aqui: nas áreas da história e filosofia da ciência (epistemologia ou ética para a ciência), comunicação, informática e sistemas de informação são também fortes as participações de cidadãos-cientistas. Talvez aquela que durante anos dominou a participação de amadores - a astronomia, caiu em “popularidade” mas está perto da medicina em termos de contributos.


Projectos de Ciência Cidadã em Portugal Existem vários e com diversos alcances, no entanto deveriam existir muitos mais. Alguns deles são promovidos por Organizações Não-Governamentais ligadas ao ambiente ou em parceria com estas. Listam-se alguns exemplos: • BioDiversity4All - Biodiversidade para todos – O projecto, tem como objectivo criar uma base de dados online sobre a Biodiversidade em Portugal, fundamentada na participação activa da sociedade civil e da comunidade científica. (Está constituída como associação desde 2010). • Charcos com Vida – A campanha com o mesmo nome foi iniciada em 2010 e visa incentivar a inventariação, adopção, construção e manutenção de charcos e pequenas massas de água para o desenvolvimento de actividades de exploração científica e pedagógica e de observação da biodiversidade, bem como contribuir para a sensibilização sobre a importância destes habitats e da sua conservação. (Actualmente é responsabilidade do CIIMAR da Universidade do Porto). • MosquitoWEB – é um projecto do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa, no âmbito do qual se convidam os cidadãos a participar com a captura e envio de mosquitos, por correio. A razão para isto é por Portugal Continental se encontrar na rota dos mosquitos invasores. Estas espécies, além de muito agressivas e incómodas, são transmissoras de doenças como a dengue ou a febre-amarela.

• Invasoras – O objectivo é alertar para o problema das invasões biológicas, dar a conhecer as plantas invasoras a nível nacional e estimular a participação activa do público quer no mapeamento destas espécies quer em actividades de controlo e divulgação. Disponibilizam também materiais de apoio para actividades de educação ambiental, para professores e grupos informais de acção. (Escola Superior Agrária de Coimbra e Centro de Ecologia Funcional da FCT). • Atlas de Aves Nidificantes em Portugal – o primeiro destes Atlas apareceu em 1989 e já contava com apoio de cidadãos não especializados em ornitologia. Já aconteceu um segundo atlas entre 1999 e 2005. Estão a decorrer os trabalhos da segunda época do terceiro atlas. (ICNF / SPEA / Laboratório de Ornitologia da Universidade de Évora / Parque Natural da Madeira). • O FAPAS tem projectos de monitorização e avaliação do estado de conservação e as ameaças que incidem sobre os estuários e as lagunas costeiras, nomeadamente sobre a Barrinha de Esmoriz/Lagoa de Paramos, Lagoa da Sancha (Santiago do Cacém), Estuário do rio Mira e Ria Formosa. Dinamiza também um programa de educação ambiental sobre morcegos – Noite Europeia dos Morcegos activo desde pelo menos 2010, entre outros. De salientar que as ONG's de Ambiente têm sempre projectos de voluntariado que de muitas formas são ao mesmo tempo acções de educação ambiental e Ciência Cidadã. Texto - David Santos

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Referências Bibliográficas

- Almeida, N.F., Almeida, P.F., Gonçalves, H., Sequeira, F., Teixeira, J. & Almeida, F.F. (2001) Guia FAPAS Anfíbios e Répteis de Portugal. FAPAS. Porto. BirdLifeInternational (2016) Speciesfactsheet: Calidris alba. Downloadedfromhttp://www.birdlife.orgon 24/03/2016. - Honrado J., Gonçalves J.A., Figueiredo J., Caldas F.B., Lomba A., Alves P.C., Ferrand N., Múrias Loureiro, A., Ferrand de Almeida, N., Carretero, M.A. & Paulo, O.S. (eds), Atlas dos Anfíbios e Répteis de Portugal. Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, Lisboa. - T., Grosso J.M., Soares C., Gonçalves D., Loureiro A., Santos P., Ribeiro A., Oliveira R., Andresen T., Silva I., Silva V., Cunha M., Vasconcelos V., Vale M. e Granja H. (2005) Estudo Prévio para a Elaboração de um Plano Estratégico com vista ao Ordenamento e Gestão da Reserva Ornitológica do Mindelo e Área Envolvente do Concelho de Vila do Conde, Relatórios Sectoriais. - Mullarney, K., Svensson, L., Zetterström, D. & Grant, P. J. (2003). Guia de Aves. Assírio & Alvim, Lisboa. 400pp. - Oliveira N.G. (2006) Reserva Ornitológica. Parques e Vida Selvagem, 17: 30-31. - Pimenta M. (2006) Santos Júnior. Pardela, 25: 18-19. - Portal Aves de Portugal. Disponível em avesdeportugal.info Censo Nacional do pilrito-das-praias. Disponível em https://sites.google.com/site/projectoarenaria/censo-nacional-de-pilrito-das-praias

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Observação de aves no Estuário ou na ROM sempre ao primeiro Domingo do mês!

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