saramela revista quadrimestral da APAP
Curiosidades da Genética Pardal-comum Três anos a registar aves Estuário do Ave Uma nova área protegida Paisagem Protegida Local das Pateiras do Ave Pedestrianismo Ilha das Flores - Açores NÚMERO 9 | FEVEREIRO 2019
Editorial
Fruto da forte ocupação humana e industrial das suas margens, o Rio Ave foi acumulando ao longo de décadas um grande passivo ambiental. A perda de tecido produtivo regional, fruto das recentes crises económicas, com consequente diminuição da poluição, a par e com alguns avanços a nível da gestão ambiental, têm vindo a permitir que o rio inicie gradualmente o seu processo de regeneração. Nesta edição da saramela viajamos ao longo de duas áreas húmidas do Baixo Ave, que importa estudar, valorizar e conservar. Refiro-me ao Estuário do Ave, limite Norte da Paisagem Protegida Regional do Litoral de Vila do Conde e Reserva Ornitológica de Mindelo e às Pateiras do Ave, em curso de classificação como Paisagem Protegida Local. Na rubrica do pedestrianismo viajaremos novamente aos Açores. Desta feita a Conceição Pedro deixa-nos um conjunto de recomendações para visitarmos a bela Ilha das Flores. Também na já habitual rubrica sobre ciência desvendamos um pouco mais a análise genética e como esta nos tem fornecido relevantes dados sobre a evolução das espécies. Boas leituras! 2 | saramela
Pedro Martins Presidente da Assembleia Geral da APAP
Contactos: saramela.apap@gmail.com apeantepe@gmail.com
Reserva Ornitológica de Mindelo | Foto: Sidónio Silva
ÍNDICE 4 Mensagem da Direcção 6 Curiosidades da Genética 1 0 201 8 em Fotos 22 Três anos a registar aves no Estuário do Ave 24 Paisagem Protegida Local das Pateiras do Ave 34 Pedestrianismo - Ilha das Flores 42 Referências Bibliográficas
saramela Revista da Associação Pé Ante Pé
Edição digital quadrimestral, gratuita Número 9 - Fevereiro de 201 9
Nesta edição: Foto de Capa: Verdilhão Chloris chloris © Pedro Martins Textos: Conceição Pedro, Pedro Andrade, Pedro Martins, Sidónio Silva e Vasco Flores Cruz
Fotos: APAP, Conceição Pedro, Patrícia Martins, Patrícia
Pacheco, Pedro Andrade, Pedro Martins, Sidónio Silva e Vasco Flores Cruz
Associem-se, participem, ajudem-nos a crescer! Com uma perspectiva conservacionista, a saramela escreve-se em bom português, não seguindo o novo acordo ortográfico. Os artigos representam a opinião dos seus autores e não necessariamente a da APAP / saramela.
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Garça-branca-pequena Egretta garzetta | Foto: Sidónio Silva
Mensagem da Direcção
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Caros Associados e Amigos, O ano de 201 8 manteve as habituais as actividades da APAP, de observação de aves e anfíbios, de educação, sensibilização e divulgação ambiental. A Ciência do Cidadão e a participação da APAP nos vários censos nacionais, tais como o Arenaria, o Censo da Garça-branca-grande e o censo das rapinas nocturnas (Noctua), foram igualmente etapas concluídas. Desenvolvemos ainda acções de limpeza na Paisagem Protegida, participado no Word Cleanup Day, efectuando a 1 ª limpeza no Estuário do Ave, do qual foram retiradas várias toneladas de resíduos. A Fotografia de Natureza esteve em destaque no final do ano, tendo decorrido nos dias 1 7 e 1 8 de Novembro, o 1 º workshop de fotografia de natureza – APAP, pelo fotógrafo Daniel Santos, com formação teórica na casa Antero de Quental, em Vila do Conde, e formação prática na Paisagem Protegida. O Pedestrianismo da APAP, levaram os associados e simpatizantes desta modalidade a percorrerem novos percursos dentro e fora do Concelho. Um dos momentos mais importantes do ano foi a primeira erradicação de exóticas seguida de plantação de autóctones provenientes do Viveiro APAP/MADI na Paisagem Protegida. A este projecto associou-se com valioso contributo a AAMDA - Associação dos Amigos de Mindelo para a Defesa do Ambiente. Já em Janeiro do corrente ano a acção foi repetida no trecho final da Ribeira da Granja/Estuário do Ave, onde foram plantadas 1 50 árvores (salgueiros e pinheiro-manso). Ao todo neste Inverno foram já plantadas cerca de 220 árvores, prevendo-se chegar ao final da época com 300 árvores plantadas no seu local definitivo!
Simultaneamente, novas sementeiras de Carvalho, Sobreiro, Pilriteiro, Castanheiro, Salgueiro, Azevinho e outras, foram feitas no viveiro com
vista a suportar as plantações de 201 9/20. Por fim, uma palavra de apreço para os Associados que nos têm acompanhado ao longo do ano, quer nas actividades quer nos incentivos, apelando ao associativismo dedicada para que a APAP, continue o seu caminho de crescimento sólido e objectivo. Sidónio Silva (Presidente da Direcção da APAP) saramela | 5
Curiosidades da Genética Pardalcomum A história dos pardais que saltam pelos nossos jardins, começou há pouco mais de dez mil anos, e está intimamente ligada a um dos períodos mais importantes da história da humanidade, a revolução agrícola do Neolítico no crescente fértil. A sedentarização das populações humanas e a criação das primeiras paisagens agrícolas teve, como qualquer alteração ecológica, efeitos positivos e negativos nos seres vivos que habitavam no local. Para muitos animais a criação de campos agrícolas significou a perda de habitat natural, de florestas, pastagens ou matagais essenciais à sua sobrevivência. Para outros a abundância de nova comida associada aos humanos sedentários representou uma oportunidade, tendo estes animais tornado-se 6 | saramela
comensais dos humanos: um comensal é um ser vivo que tira proveito de outro sem o prejudicar ou beneficiar, ao contrário por exemplo de um parasita (que tira proveito prejudicando) ou de um mutualista (que tira proveito e dá algo em troca). Um dos animais que aproveitou as oportunidades criadas pelos novos agricultores humanos do Médio Oriente foi assim o pardal. Nos dias de hoje ainda existem nas estepes da Ásia Central populações de pardais que se parecem com os antepassados não adaptados à convivência com os humanos.
atribuímos ao pardal-comum: são tímidos, têm crânios relativamente pouco robustos, são migradores e não se associam a povoações humanas. A relação entre estas populações asiáticas mais “selvagens” e as comensais tem sido evidenciada nos últimos anos por alguns trabalhos de genética focados nas várias espécies de pardais europeus.
Pardal-comum (Passer domesticus) | Foto: Pedro Martins
Estes pardais são normalmente incluídos na subespécie Passer domesticus bactrianus (o nome refere-se à Báctria, uma região na Ásia Central), e possuem características que normalmente não
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Com recurso a tecnologias mais recentes, que permitem olhar em simultâneo para toda a informação genética dos indivíduos analisados, foi possível estimar que o antepassado comum entre o pardalcomum e os P. d. bactrianus viveu há cerca de 11 .000 anos, provavelmente no Médio Oriente, precisamente durante o início da revolução agrícola. Como já foi referido, este caminho peculiar das populações comensais de pardal-comum levou a uma série de modificações na sua biologia, e isto também está preservado no seu legado genético. Em particular, foram detectadas na linhagem comensal fortes sinais de selecção positiva (sinais de favorecimento de umas variantes genéticas em detrimento de outras) em variantes de dois genes, designados COL11A e AMY2A . O primeiro é um gene que na espécie humana se sabe estar envolvido no desenvolvimento crâniofacial, e que por isso no 8 | saramela
Pardal-comum poderá ter estado envolvido no desenvolvimento de bicos mais robustos para lidar com as sementes das plantas domesticadas. O gene AMY2A , por sua vez, está relacionado com o metabolismo do amido, e sabe-se que este e outros genes com funções semelhantes foram também alvo de selecção positiva desde o Neolítico em humanos e cães – mais uma evidência para o forte efeito que a agricultura teve na dieta dos humanos e dos seres vivos que os acompanharam nesta importante etapa da civilização. Apesar da forte influência que o desenvolvimento da civilização humana teve na evolução recente desta espécie mais familiar de pardal, em muitas áreas da sua distribuição esta espécie encontrase agora em regressão. Os factores não se encontram devidamente esclarecidos (provavelmente será uma combinação de várias causas), mas ironicamente deverão estar
Pardal-comum (Passer domesticus) | Foto: Pedro Martins
relacionados com os efeitos de actividades humanas, como alterações nas práticas agrícolas e aumento de poluição.
Texto - Pedro Andrade
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2018 em Fotos Uma retrospectiva
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2018 em Fotos Workshop de fotografia de natureza
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2018 em Fotos Educação Ambiental
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2018 em Fotos Limpeza do Estuรกrio do Ave
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2018 em Fotos Sementeiras e Manutenção do Viveiro APAP/MADI
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2018 em Fotos Remoção de exóticas e plantação de autóctones
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Três anos a registar aves no Estuário do Ave Os estuários são zonas de alimentação importantíssimas para as aves, essencialmente para as espécies limícolas. No entanto é comum vermos outras espécies nestas zonas, de granívoras e insectívoras, a rapinas como a Águia-pesqueira ou o Falcãoperegrino. Com alguma sorte podemos ver o seu voo picado, com intensa perseguição sobre um Pilrito, ou uma Rola-do-mar que se alimentam na maré-baixa, acabando muitas vezes como presa nas suas garras. Os Estuários têm vida, muita... e o Estuário do Ave não foge à regra, apesar de relativamente pequeno não deixa de ter muita importância como área de alimentação, de repouso e abrigo para dezenas de espécies. A APAP - Associação Pé Ante Pé, promove mensalmente uma 22 | saramela
actividade de observação de aves no Estuário, permitindo a qualquer curioso observar e ficar a conhecer um pouco mais acerca das aves que o frequentam. Simultaneamente ao longo deste período e complementarmente a outros estudos e censos em que participamos (e.g. Projecto Arenaria e Noctua), esta actividade permitenos criar um histórico de dados para o local. Ao longo dos últimos três anos nas 34 sessões mensais realizadas, foram registadas de forma inequívoca 88 espécies de aves. Nos gráficos seguintes apresentamse os registos para as várias sessões de observação. Apresentam-se os dados sob a forma de presença / ausência ao longo das sessões, em detrimento de contagens totais. Apresenta-se igualmente um Top 20.
Junte-se a nós nas próximas sessões de observação, regra geral na manhã do primeiro Domingo do mês. Texto e Gráficos - Sidónio Silva
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O nascimento de uma importante รกrea protegida no Ave
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“Nas noites de primavera ouvem-se muitas! Mesmo da nossa casa conseguem-se ouvir ao longe as rãs que cantam nas charcas. Agora, nunca imaginava a importância e singularidade deste sítio!” Conta a professora
Judite docente na escola primária de Valdossos, que sem saber faz coincidir as suas caminhadas de fim de tarde com alguns habitats cuja conservação é considerada prioritária a nível europeu.
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A charca das Eiras e a charca do Grou são um complexo de bosques palustres, entre o centro da freguesia de Fradelos e o lugar da Povoação, que foram o mote para que o município de Vila Nova de Famalicão iniciasse o processo de criação da Paisagem Protegida Local das Pateiras do Ave. saramela | 27
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A paisagem em mosaico na envolvência das charcas, típica do Baixo Ave, é composta por bosques nas zonas mais declivosas e campos agrícolas nas mais chãs, onde os povoamentos são dispersos e se destacam as casas de lavoura tradicionais, as eiras e espigueiros, as azenhas e os moinhos. É neste contexto que encontramos mais de 1 50 espécies de vertebrados, várias das quais ameaçadas, incluindo uma grande diversidade de aves que ali habitam ou transitam através dos corredores ecológicos que se cruzam neste lugar.
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A ambição é desenvolver esta região e alavancar a economia local com base na preservação deste património, e se possível, criar soluções que possam ser replicadas noutros locais. Para isso o envolvimento da população é fundamental. Durante o próximo ano será dinamizado um conjunto de actividades e sessões de esclarecimento, em que se visa conhecer melhor o território e harmonizar anseios e vontades. Estão todos convidados a fazer parte deste projecto!
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Texto e Fotos - Vasco Flores Cruz
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DisponĂvel em apeantepe@gmail.com
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Ilha das Flores Açores
A ilha das Flores é pintada de diferentes tonalidades de verde e salpicada de uma grande variedade de cores de flores, com a predominância das hortências, características de todo o arquipélago açoriano. Foi precisamente esta faceta que em 1 475 levou à alteração da sua denominação de Ilha de São Tomás para Ilha das Flores. Para se apreciar a ilha florida em toda a sua plenitude, a melhor altura para ser visitada é na primavera ou verão. Neste período, o mês de Junho será o menos convidativo pelos característicos nevoeiros. As Flores permitem-nos disfrutar de excelentes paisagens e do contacto com maravilhas naturais sem grande intervenção humana, como ribeiras, inúmeras cascatas e admiráveis lagoas. Contudo, há que ter em conta tratar-se de uma ilha muito acidentada, com enormes falésias, e vales profundos, pelo que é fundamental percorrer determinadas zonas com um cuidado acrescido, fundamentalmente em dias húmidos. 34 | saramela
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O rochedo oceânico, designado por Ilhéu de Monchique, com cerca de 30 m de altura, é o ponto mais ocidental de Portugal e da Europa. Mas a beleza das Flores não se fica por aqui. Havendo possibilidade, será de explorar o mundo marinho, nem que seja apenas com óculos e tubo de snorkeling. O mar é rico em peixes das mais variadas espécies, tamanhos e cores e as rochas marinhas são igualmente variadas e magníficas. Fiquei rendida! A ilha das Flores tem quatro trilhos de Pequena Rota (PR) e uma Grande Rota (GR). O PR1 FLO vai da freguesia da Fajã Grande à freguesia de Ponta Delgada e pode ser feito nos dois sentidos, mas para quem começa na Fajã Grande o grau de dificuldade é maior. Trata-se de um percurso linear, com cerca de 11 ,7 km. As vistas são magníficas, passando pela Ponta da Fajã, Rocha do Risco, Casteletes, podendo-se apreciar o Ilhéu de Maria Vaz, o farol da Ponta
de Albernaz (farol mais ocidental do arquipélago e da Europa) e as vistas para a ilha do Corvo a norte. O PR2 FLO é uma rota linear com cerca de 1 3 km, que liga a pequena freguesia do Lajedo e a freguesia da Fajã Grande. Pelo caminho podem ser apreciados vários pontos de interesse: os ilhéus da freguesia do Mosteiro; a Rocha dos Bordões, formação geológica originada pela solidificação do basalto em altas colunas verticais, um dos ex-libris da ilha; a Fajãzinha, pequena freguesia onde pode ser apreciada a vida rural tradicional; o Poço da Ribeira do Ferreiro, também chamado de Alagoinha, local paradisíaco onde se podem observar lado a lado inúmeras cascatas; a Aldeia da Cuada, recuperada para unidade de turismo, com as suas típicas casas de pedra; e o Poço do Bacalhau, de visita obrigatória, com a sua magnífica cascata, já na freguesia da Fajã Grande. saramela | 37
O PR3 FLO é um trilho linear, de 7,3 Km de extensão, que vai desde o interior da ilha até à freguesia da Fajã Grande. O percurso inicia junto ao miradouro das lagoas Negra e Comprida, passando pela lagoa Seca e lagoa Branca. Permite disfrutar da vista para a freguesia da Fajã Grande e Fajãzinha. Termina com a descida da falésia em direcção ao oceano até ao Poço do Bacalhau. O PR4 FLO é um percurso linear de ida e volta, de 3,4 Km de extensão, que inicia junto ao miradouro da Fajã de Lopo Vaz. Pelo caminho encontra-se vegetação endémica como a urze e o pau-branco e
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pequenas nascentes de água. A fajã encontra-se desabitada. O seu microclima, referido como o mais quente, origina frutos como bananas, figos, uvas e araçás de maior dimensão. Na medida em que esta fajã não tem saída, o regresso tem que ser feito pelo mesmo caminho.
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A GR1 FLO, ou Grande Rota das Flores, é um percurso de 47 Km, que percorre grande parte da ilha. Inicia em Santa Cruz das Flores, percorre a costa norte até Ponta Delgada (primeira etapa) e termina na costa oeste, no Lajedo (segunda etapa). O PR1 e o PR2 coincidem com a GR das Flores. A ilha das Flores é uma das ilhas mais isoladas de Portugal. A SATA Air Açores é a única companhia aérea com voos para a ilha, com escalas no Faial/Horta, São Miguel/Ponta Delgada ou Terceira. Devido ao nevoeiro e ao vento, é regular os voos atrasarem ou serem cancelados. O meu voo de regresso foi cancelado devido ao vento, tendo chegado ao continente com dois dias de atraso, o que me permitiu, sem contar, explorar um pouco mais da ilha.
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Texto e Fotos - Conceição Pedro
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Referências Bibliográficas
- Mullarney, K., Svensson, L., Zetterström, D. & Grant, P. J. (2003). Guia de Aves. Assírio & Alvim, Lisboa. 400pp. - Portal Aves de Portugal. Disponível em avesdeportugal.info - Ravinet, M., Elgvin, T. O., Trier, C., Aliabadian, M., Gavrilov, A., & Sætre, G. P. (201 8). Signatures of human-commensalism in the house sparrow genome. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences. 285: 201 81 246.
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Observação de aves no Estuário ou na ROM sempre ao primeiro Domingo do mês!
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