Revista Sarau Subúrbio - ano 2 #13

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Ano 02 - #13

Subúrbio é isso!

Mozerart Edições


EXPEDIENTE Edição: Ano 02 - Nº 13 - Abril de 2019 Periodicidade da publicação: mensal Idioma: Português (Brasil) Editores desta presente edição: Marcelo Bizar, Marco Trindade e Raphael Mozer Conselho editorial: Marcelo Bizar, Marco Trindade, Kátia Botelho, Silvio Silva Secretária-geral: Sônia Elã Revisão: a revisão dos textos é feita pelo próprio autor, não sofrendo alteração pela revista (a não ser tão-somente quanto à correção de erros materiais). Diagramação desta edição: Marcelo Bizar e Raphael Mozer Capa: Concepção: Marcelo Bizar e Marco Trindade; Foto: Gabriela Fittipaldi Imagens: todas as imagens não creditadas foram retiradas da Internet, tendo optado o Conselho Editorial da revista por não identificar seus autores quando desconhecidos. Contato: sarausuburbio@gmail.com, https://sarausuburbio.wixsite.com/revista. Distribuição: A distribuição da Revista Sarau Subúrbio é online. Encontra-se em diversas plataformas da Internet. Em seu sítio: https://sarausuburbio.wixsite.com/revista E também: ISSUU, Calaméo e alguns blogs: Sapoblogs, Recanto das Letras e Bloger. Notas importantes: A Revista Sarau Subúrbio é uma publicação totalmente gratuita, sem fins lucrativos. Não contamos com patrocínio de qualquer natureza. Nosso objetivo, em linhas gerais, é servir de instrumento para que os artistas que não possuem espaço de divulgação nas mídias tradicionais possam apresentar seus trabalhos, nas mais variadas formas, seja na literatura, na música, no cinema, no teatro ou quaisquer outras vertentes artísticas, sempre de forma livre e independente. Todos os direitos autorais estão reservados aos respectivos escritores que cederam seus textos apenas para divulgação através da Revista Sarau Subúrbio de forma gratuita, bem como a responsabilidade pelo conteúdo de cada texto é exclusiva de seus autores e tal conteúdo não reflete necessariamente a opinião da revista.


AGRADECIMENTOS Esta edição de aniversário, no formato impresso, só foi possível acontecer graças à contribuição financeira dos seguintes colaboradores: Ana Cristina da Silva de Paula, Cristiane dos Santos Netto Rocha, Graziela Nery, Rodolfo Soares Caruso, Leonardo Bruno, Luis Carlos da Silva Dias, Amarildo Silva, Demostenes Mendes Braga, Marcelo Bizar, Marco Trindade, Luis Henrique Ferreira Trindade, Orlando Oliveira, Silvio Silva, Leonan Fernandes, Maurício Pereira, Alex Brasil, Kátia Botelho de Moraes, Júlio Botelho de Moraes, Lucaco e Aglaise (Rádio Viva o Samba), Elaine Morgado, Douglas Renato Adade e Rafael Mattoso. A Revista Sarau Subúrbio agradece bastante a todos e a todas que nos ajudaram a materializar este sonho!


EDITORIAL No começo do ano de 2018, o compositor Marcelo Bizar, e o poeta Marco Trindade, amigos e parceiros de música, iniciaram uma série de conversas que gravitavam em torno dos subúrbios. Temas como a produção artística, a desvalorização dos artistas, a visão dos subúrbios como lugares-dormitórios, a visão estereotipada dos subúrbios e dos suburbanos, a pouca informação sobre a História dos subúrbios, a falta da promoção de políticas que incentivassem a produção artística e científica, dentre outros temas de acordo com tal paradigma. Pensou-se então, em como seria possível ajudar na mudança da situação negativa observada, foi quando surgiu a ideia de se criar a Revista Sarau Subúrbio, que nasceu para ser um espaço destinado a artistas independentes, sem mídia. A ideia foi amadurecendo, a Revista foi criada no formato eletrônico, ampliada, e além dos artistas escrevendo contos, crônicas, poemas, letras de música, temos professores, historiadores, trabalhadores em geral, publicando artigos, memórias, “causos” e outros gêneros. Hoje, nesta edição comemorativa, completamos um ano de existência, e com muito ânimo e grande disposição, damos mais um passo importante, depois de uma belíssima campanha − no mês de nascimento de nosso Santo Guerreiro, o mais suburbano dos santos, sob a inspiração de outra entidade suburbana também festejada no mês de abril, Alfredo da Rocha Vianna Filho, o nosso São Pixinguinha – com ajuda dos amigos da Revista, de anônimos e abnegados incentivadores da cultura popular, disponibilizamos ao público esta edição comemorativa em formato impresso. Agradecemos imensamente a todos e a todas que de alguma maneira colaboraram para que chegássemos até aqui! Boa leitura!


SOM DE PRATA (Moacyr Luz e Paulo César Pinheiro)

Nasceu no Rio de Janeiro Dia do Santo Guerreiro Naquele Tempo que passou Foi o maior mestre do choro Tinha um coração de ouro E que bom compositor! Foi Carinhoso e foi Ingênuo E na roda dos boêmios Sua flauta era a rainha E em samba, choro e serenata Como era doce o som de prata, dotô Que a flauta tinha O embaixador dessa cidade Meu Deus do céu, mas que saudade que dá Do velho Pixinguinha Veio da Terra de Zambi, sangue de malê De uma falange do Rei Nagô Filho de Ogum, de São Jorge no Batuquejê de Benguelê, de Iaô Rainha Ginga É que sua avó era africana A rezadeira de Aruanda, vovó Vovó Cambinda


Só quem morre dentro de uma igreja Vira Orixá, louvado seja o sinhô, Meu Santo Pixinguinha Ele é de Benguelê Ele é de Iaô É do batuquejê Ele é do Rei Nagô É sangue de malê É santo , sim “sinhô”


SUMÁRIO 02 - EXPEDIENTE 03 – AGRADECIMENTOS 04 - EDITORIAL 09 - “VAI SER NA TERÇA MESMO!” 12 - NOS DIAS DE HOJE COMO SE SER SOCIAL SEM O MUNDO VIRTUAL!? 15 - PIXINGUINHA 1X0 17- MEU TEMPO DE SAMBA 20 - CHURRASCOMEMORAÇÃO 23 - SUBÚRBIO TAMBÉM É DIVERTIMENTO 25 - UMA ALUCINATÓRIA VIAGEM LITERÁRIA 28 - FAVELA 30 - TEMPOSIÇÃO DAS ALMAS ÍNCUBAS – EM ACARIRAJÁ COM A REVISTA SARAU SUBÚRBIO 34 - SOMOS DA REVISTA SARAU SUBÚRBIO 35 - UM QUIXOTE NO SUBÚRBIO 39 - “SÓ O SAMBA” 40 - A REVISTA SARAU SUBÚRBIO PUBLICANDO 41 - SAUDADE SUBURBANA 43 - CAMBURÃO NO SUBÚRBIO 47 - RAMAL DEODORO 48 - CAMINHANDO... 49 - É PRECISO SEGUIR RESISTINDO SEM NUNCA ESQUECER DE SUBURBANIZAR!


52 - MICROCONTOS DOS MACROCOSMOS, ANIVERSÁRIO, RESISTÊNCIA COM O TEMPO 54 - PASSARINHO SÓ, QUIETINHO, QUIETINHO 56 - O CRIME DE VISTA ALEGRE 2 59 - PIPAS NO AR NUMA TARDE SUBURBANA 62 - A CRIAÇÃO DE UM MUNDO EM 7 ANOS 66 - O PAPO É ESSE, MEU RAPAZ! 67 - O SAMBA TOMA CONTA DA CIDADE 68 – VITROLINHA SUBURBANA 69 - ESTANTE SUBURBANA 70 - FOI UM SAMBA QUE PASSOU EM MINHA VIDA 72 - UM LUGAR NO SUBÚRBIO 73 - SALVE O ENCONTRO DO CHORO COM O SAMBA, DE PIXINGUINHA COM LUIZ CARLOS DA VILA 76 - BLOG DO TIZIU


"VAI SER NA TERÇA MESMO!" Dia 23 de abril, dia de São Jorge. Na birosca da Dona Antônia a tradicional feijoada de São Jorge sempre é no dia do Santo Guerreiro. Ela é devota de São Jorge e ama toda a tradição em torno do Santo da Capadócia. Costuma dizer pros mais chegados: "Eu não escolhi nascer filha de Ogum, Ele me escolheu como filha." Diz isso sempre com ar de muito respeito e uma boa dose de vaidade e orgulho, nas medidas certas. Umbandista praticante, na semana de festas do Santo de sua devoção ela costuma caprichar na decoração do seu botequim. Seu "restaurante", como prefere, recebe então numa de suas paredes brancas dois tecidos imensos nas cores branca e vermelha. Dobrados e arrumados de um jeito que se cruzem num ponto em comum, formando uma bela imagem. O quadro decorativo termina com um vaso cheio de imensas es-

padas de São Jorge bem no cruzamento dos panos. Luz no ambiente é o que não falta, duas velas são acesas grossas de sete dias: uma branca e uma vermelha. Ficam na frente da estátua de São Jorge matando o dragão que é colocado no alto bem atrás do caixa do estabelecimento. Todo ano Dona Antônia segue seu ritual de comemoração ao dia do Santo Guerreiro: fecha seu boteco bem cedo no dia vinte e dois de abril, logo depois do almoço. "Começo os trabalhos pra São Jorge me preparando quietinha". Dorme o resto da tarde pra armazenar forças, pois pretende participar da alvorada na Paróquia de São Jorge em Quintino, subúrbio do Rio. Um taxista amigo é acionado todo ano, a leva para a igreja por volta das 23:30h. Como ela mora em Cascadura é fácil chegar no horário. Deve estar na frente da igreja à meia-noite: "É um grande momento! Sempre tem grupo de devotos orando, cantando pontos e hinos, chorando e alguns fogos já são soltos."

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Depois todos ficam por ali batendo papo esperando o grande momento: a alvorada de São Jorge. - Dona Antônia, a senhora por aqui? Disse aquilo só pra provocá-la. - Joninha, e poderia ser diferente, ora. Deixa de encrenca, seu moço! Eu rio muito toda vez. Ela é uma figura. Uma dessas pessoas únicas no jeito de ser espontâneo. Não se explica, só tendo a sorte e a felicidade de conviver com essa dona. - Já está muito cheio por aqui, Dona Antônia, e não são nem três horas ainda. - Cheio de gente e de almas. Muitas almas sofridas pedindo luz ao Santo Guerreiro, ao nosso Ogum brasileiro. Dona Antônia é médium e possui essa amplitude no olhar que lhe permite "vislumbrar o espiritual": "É um vislumbre, não ouço nada, mas vejo muita coisa." A mãe da Dona Antônia era do Candomblé e dizia que conforme aprendeu com sua avó: "Orixá é Orixá, Santo Católico é Santo Católico, não pode ter mistura, não pode ter esse tal de sincretismo. Isso é passado."

Em respeito à sua tataravó, e também à sua mãe, Dona Antônia se referia aos Orixás sempre com esse adjetivo "brasileiro", "brasileira". - Dona Antônia vai ter aquela feijoada na "Quitanda da Antônia"? - Menino, mas nem teve a Missa da Alvorada e você aí já pensando no feijão! O Santo pode entender isso como um desrespeito! - É que sua feijoada é imbatível, Toinha! Agora eu provoquei muitas gargalhadas na senhora. É que tem um bêbado do bairro, o Cosme, que sempre aparece na frente do seu restaurante. Não come a feijoada, nem mesmo aceita quando alguém se oferece pra pagar o prato. Mas, já virou tradição, fala bem alto de braços abertos olhando pra dentro do estabelecimento: "Toinha, sua feijoada é imbatível!", depois que ele fala isso umas três ou quatro vezes, e a Dona Antônia reclama da bagunça que ele tá fazendo, alguém sempre o carrega pra um canto e lhe paga uma pinga. Ele se acalma assim, sempre assim. - Veja só, Joninha. Me perguntaram se eu iria fazer minha feijoada no sábado por que esse 10


ano o Dia de São Jorge cai num dia de semana. - E qual o motivo que seria pra não fazer a feijoada no dia correto? - Foi um moço aí do turismo. Disse que traria até uns gringos pra conhecer e provar minha feijoada. Disse que ela está famosa e que eu poderia ter um bom lucro.

- E aí Dona Antônia, o que a senhora disse pra esse empreendedor do turismo? - Disse vagarosamente pra ele não ter nenhuma dúvida. Sabe o quê? - O que, minha Tonha? - Vai ser na terça mesmo! É, como dizem por aí: “Essa preta, tal de Dona Antônia, é fogo!”

Jonas Hébrio

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NOS DIAS DE HOJE COMO SE SER SOCIAL SEM O MUNDO VIRTUAL!? Capítulo um A Carta Assim era o Otávio! Um jovem dinâmico, viciado em informática e louco por Internet 24 horas plugado Whatsapp, e'mail, Instagram, face, Twitter sem limites. Nada era feito sem a consulta ao Google e apesar de estar quase sempre desacompanhado, nunca se sentia só. O fone de ouvidos e o celular lhe faziam companhia e a sala de bate-papos não o deixava ver o tempo passar e desta forma ele se sentia bem. Um certo dia quando caminhava pela praça, Otávio pode ver que algo havia caído da bolsa de uma moça que também por ali caminhava. Ele então pegou o envelope que havia caído e correu para alcançar a moça e entregar a ela. Ao entregar, a moça agradeceu e disse ser apenas uma carta, porém, muito importante para ela.

Otávio então, se espantou ao saber que se tratava de uma carta! - Como, uma carta? Perguntou. - Sim! Respondeu a moça!! - Por que o espanto? Indagou. - É que não se usa mais mandar cartas deste tipo, hoje em dia existe a internet e fica tudo bem mais fácil e rápido. Disse Otávio sorrindo. - Mais fácil, rápido porém, frio e sem o calor humano. Retrucou a moça. Otávio encantado com a firmeza da moça ao responder, perguntou: - Por gentileza qual é o nome da moça? - Marta! Respondeu a moça ainda indignada. - Prazer, eu me chamo Otávio! Disse sorrindo. Naquele momento nascia uma amizade gentil e promissora. E de vez em quando se encontravam ao caminharem pela praça. Criando em todos os encontros um relacionamento amoroso onde fizeram um pacto, firmando 12


que entre eles não se usaria o virtual, e apenas o social e o real eram usados então... A amizade e o amor cresceram juntos entre eles. Passaram-se dias, semanas, meses e nada de virtual. Para ela estava tudo tranqüilo, pois estava acostumada a viver a moda antiga, apesar de ainda muito jovem.

E Otávio apesar de ser viciado em informática se comportava bem com a situação, eram cartas, bilhetes, telegramas, telefonemas e recados pessoais. E estavam quase sempre juntos, festas, reuniões de família, encontros amorosos e etc.

Capítulo dois O Inevitável A convivência os tornavam a cada dia mais dependentes um do outro. Os sorrisos e a felicidade eram visíveis e constantes. Marta uma moça dedicada que, além de trabalhar cuidava dos pais já idosos que, com a ajuda da irmã um pouco mais velha dividia as tarefas. Sua irmã Marcela, ficava com os pais quase sempre nos finais de semana para que ela pudesse ter uma vida social mais regular. Otávio que era amigo e namorado, também a ajudava sempre que podia apenas para poder ficar um pouco mais que um final de semana com a amada...

Até que um dia uma notícia chegou de repente, e mudaria tudo entre os dois. Não era uma notícia ruim, Otávio havia feito uma inscrição em uma Multinacional sediada em Los Angeles e já nem contava em ser contratado, achando ter sido reprovado por se tratar de um cargo de alto nível na Empresa. A notícia o pegou de surpresa e não tinha como recusar, mas tinha que fazer um estágio de dois anos ininterruptos na sede da Empresa em Los Angeles. Tendo ele que ficar por muito tempo longe de sua amada Marta, que por não poder ir junto ficou em parte muito triste mas, tendo que se conformar. Os dias, semanas, meses foram se passando e a ausência e 13


demora nas comunicações que eram como o combinado por cartas, e alguns telefonemas foram ficando insuportáveis para ela. Otávio apesar de estar sempre plugado, respeitava o pacto e a vontade de Marta. Um dia ao se queixar com sua irmã Marcela, que já estava cansada com o seu jeito antiquado Marta ouviu tudo o que precisava: - Marta pare de viver no passado e venha para a realidade!! Disse sua irmã com um jeito repreensivo!

- Presta atenção, você pode ver e ouvir seu namorado em tempo real. Basta usar um computador, um tablet ou até um celular! Afirmou Marcela. E ao se render ao inevitável, Marta constatou que, nos dias de hoje é quase impossível se ser social sem o mundo virtual... E após dois anos com a volta de Otávio eles se casaram e hoje vivem plugados, conectados e muito felizes!!! Ah!! De vez em quando rola uma cartinha entre eles…

Júnior da Prata Poeta e Compositor

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PIXINGUINHA 1X0 “Ao ver-te saltar para um torneio atlético Sereno, forte, audaz como um vulto da Ilíada, Todo o meu ser vibrou num ímpeto frenético Como diante de um grego, herói de uma Olimpíada (...) Por entre aclamações de massa entusiástica, Como um Deus a baixar do Olimpo, airoso e lépido, Tocaste o solo, enfim, ardente, intrépido, Belo na perfeição da grega e antiga plástica (“O goleiro”, poema de Anna Amélia Carneiro de Mendonça) A primeira conquista brasileira no futebol foi a Copa Roca de 1914, celebrada pelos jogadores ao som de Caboca de Caxangá, de Catulo da Paixão Cearense (18631946), também autor de sucessos marcantes, como Luar do Sertão e Flor Amorosa, trovador inigualável, maranhense radicado no Rio, apesar do sobrenome. O primeiro título de expressão, no entanto, viria cinco anos mais tarde, no Estádio das Laranjeiras, local que inspirou a expressão torcida, motivado pelas mulheres que torciam seus lenços na aflição da batalha da bola. No campo do Fluminense, inaugurado em 1919 para sediar o campeonato sul-americano de seleções, o Brasil conquistou o tor-

neio, ao vencer o Uruguai por 1x0, numa final dramática, decidida na segunda prorrogação com um gol de Friedenreich. Antes disso, o goleiro canarinho, Marcos Carneiro de Mendonça, jogador tricolor e mais tarde presidente do clube, fez grande defesa, inspirando sua esposa Anna Amélia a fazer o belo poema em sua homenagem. Um verdadeiro carnaval carioca ocorreu naquele mês de maio e o chorinho Um a zero, de Pixinguinha celebrou a façanha. Drama fatal viveu o goleiro uruguaio Cherry. Ao mergulhar para uma defesa, numa partida anterior, acabou estirado no chão, com dores horríveis. Depois de 13 dias de internação, faleceu logo 15


após o triunfo brasileiro. Como se fosse uma premonição, escreveu na porta da cabine do navio em que viajou para o Rio a seguinte frase: aqui jazem os restos de El Poeta. Mesmo assim os uruguaios aplaudiram e apelidaram Friedenreich de El Tigre. Filho de alemão com mulata, o craque do extinto Paulis-

tano tornou-se o primeiro grande ídolo brasileiro, embora não tenha conseguido disputar a Copa do Mundo de 1930, pois os paulistas não cederam jogadores ao selecionado brasileiro. Fried faleceu em 1969, ano em que Pelé marcou seu milésimo gol.

Orlando Oliveira Jornalista

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MEU TEMPO DE SAMBA Sou do tempo em que as escolas de samba desfilavam somente aos domingos. Estreei em 1956 ainda em criança. Avenida Rio Branco, ainda tinha a corda para separar os sambistas do publico, para que esse não invadisse o desfile. Sou do tempo em que a polícia montada jogava seus cavalos em cima da população. Antes dos empurradores de carros alegóricos, em cada escola havia os que seguravam a corda de proteção. Sou do tempo em que os tamborins eram esquentados em folhas de jornal. Eles eram de couro de gato ou de cabrito, depois de um determinado tempo o couro afrouxava. Tempo em que as baianas das escolas de samba ainda não tinham uniformidade em suas fantasias. Que tempo bom. Quando o Salgueiro em 1960 surgiu com o primeiro enre-

do de temática afro-brasileira, trazendo o primeiro herói negro para a historia: “Zumbi dos Palmares”. Eu vi o desfile das escolas de samba ser transferido da Avenida Rio Branco para Avenida Presidente Vargas, com este mesmo Salgueiro sendo campeão com outro tema afro-brasileiro, “Chica da Silva” em 1963. Tempo esse em que a Portela tinha Natal e Nelson Andrade juntos, não dando chance a ninguém em 1964 e o Salgueiro que vinha com mais um tema enaltecendo um negro, não conseguiu o bi com “Chico Rei”. E quando o Rio de janeiro completava 400 anos de fundação, o Enredo de todas as escolas haveria que falar do Rio de Janeiro. Ano de 1965, Salgueiro novamente campeão com Historia do Carnaval Carioca, mas o brilho ficou por conta do Samba Enredo do Império Serrano, “Os Cinco Bailes da Historia do Rio”, de Silas de Oliveira, Bacalhau e Dona Ivone Lara, primeira compositora a ganhar um Samba Enredo. Que lindo a Mangueira de 1967 campeã com o tema sobre 17


Monteiro Lobato, trazendo lindos personagens infantis da literatura. Visconde de Sabugosa, Emília, Saci Pererê e outros. Nessa época os verdadeiros sambistas eram estrelas, passistas eram valorizados, desfilavam em grupos pequenos entre uma ala e outra, desde o começo até o final do desfile. Hoje eles vêm tudo juntos como alas. E a década de 1970? Que maravilha o Império Serrano de 1972. Tinha que ser campeão mesmo, “Taí Carmem Miranda”. A década danada, saída dos desfiles da Avenida Presidente Vargas para a construção do metrô, indo parar na Avenida presidente Antônio Carlos. A ascensão da Beija-Flor desfilando com as grandes neste ano de 1974 e se classificando em sétimo lugar. O Salgueiro sendo campeão nos dois desfiles da Presidente Antônio Carlos e a Beija-Flor na mesma classificação de sétimo lugar. Nessa mesma década eu vi uma escola pequena furar o bloqueio das quatro grandes, Mangueira, Portela, Império Serrano e Salgueiro.

Desta vez na Presidente Vargas, mais para o lado da Central do Brasil. Sim a Beija-Flor que havia levado Joãozinho Trinta e sua equipe que era do Salgueiro, foi campeã. No ano seguinte ainda na Presidente Vargas, mas para o lado dos correios, ela repetiu o feito. Como as escolas viviam trocando de pista de desfile constantemente, no ano de 1978 elas foram parar na Rua Marques de Sapucaí e não é que o tri veio para essa escola? Consagração deixou de ser pequena e ainda abriu caminho para que outras escolas menores fossem campeãs pela primeira vez, como foi o caso da Mocidade Independente de Padre Miguel em 1979 e a Imperatriz Leopoldinense em 1980, juntamente com Portela e Beija-Flor. O Império Serrano ainda brilha em 1982 com Bum-bum paticumbum, Campeão. Enfim chegou o Sambódromo, na mesma Marques de Sapucaí, que luxo. Um ano depois surge a Liesa, as escolas deixam a Associação das escolas de Samba do Rio de Janeiro. Que luxo, carros alegóricos foram verticalizados, chegaram as 18


rainhas de bateria, as passistas ficaram em segundo plano, a bateria acelerou, o desfile virou marcha, não dá pra sambar. Samba enredo deixou de ser privilegio dos compositores da própria escola. As alas de compositores passaram a aceitar sambas de compositores de outras escolas perdendo assim sua identidade.

Surgiram os sambas de escritórios e o pior ainda estava por vir, o samba encomendado. Então pra que ala de compositores? Sambeiros chegando e comandando as escolas, não respeitando seu passado, suas tradições, sua história. Escolas de samba que se classificam nos últimos lugares e não descem para o grupo de acesso. Virou bagunça.

Onésio Meirelles

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CHURRASCOMEMORAÇÃO No subúrbio é assim qualquer motivo é motivo Pra se juntar os amigos Dotados de muito carinho Acham logo um cantinho Pra fazer um churrasquinho Pra qualquer coisa comemorar Assim foi com as Marias Que se encheram de alegria Ao saber que no mesmo dia As duas aniversariam Marcaram logo um churrasco Para o mesmo dia e local Logo entraram em ação Ficou marcado então a... Churrascomemoração Faltando apenas dois dias Estava tudo acertado Eram os mesmos convidados Só que o inesperado Resolver aparecer Conrado o namorado de uma Sem consideração nenhuma Lá pras bandas de Inhaúma... Maria pra ele só uma Não era o suficiente E num abraço caliente o clima ficou mais quente Com ele e a outra Maria O que ele não sabia E jamais esperaria nem mesmo acreditaria 20


É que a sua Maria mais magra Lhe pegaria no flagra E além de rogar-lhe uma praga Pra que nem mesmo o Viagra O fosse eficiente Ainda quebrou-lhe um dente Pra que a carne gostosa e quente Não pudesse mastigar Mesmo com o acontecido O churrasco foi mantido suburbano é atrevido Nunca foi de desistir Uma churrasqueira aqui A outra do outro lado Confundindo os convidados Que pouco a pouco integrados Foram então se divertir E assim começou a festa mais convidados chegando Um professor de história que também era poeta Era o único penetra ali ninguém o conhecia Com uma caneta escrevia o que ninguém percebia Era um estudioso num trabalho precioso De uma tese pessoal estudando o ser humano E o churrasquinho suburbano No auge da bebedeira ao som de qualquer besteira Poderia a chapa esquentar As Marias se evitando mas o sangue esquentando E elas se aguentando pro caldo não entornar E aí num dado momento ponto alto do evento Maria pede silencio pra que pudesse brindar A outra Maria sedenta já com três limões na venta Na picanha pôs pimenta e deu pra outra provar 21


E aí não teve jeito achando estar no direito Maria bateu no peito e partiu pra confusão Mas o professor poeta surgiu numa linha reta Interferência direta usou a palavra certa Pra conter a emoção Todos ficaram surpresos como um moço indefeso Surgiria assim sem medo e fosse apontar o dedo Em riste e se meter...... Pra desvendar o segredo e acabar com o “caô” Com uma mão pegou o papel a outra ergueu ao céu Declamou o seu poema acabou com o dilema E todo o grande problema preste a acontecer Os pagodeiros chegaram a confusão teve fim O poema virou samba o poeta e os bambas Cantaram felizes assim: “ERA CARNE ASSANDO PRA CÁ LINGÜIÇA QUEIMANDO PRA LÁ PEIXE VIU QUE TINHA ESCAMA NESSA TRAMA ALIMENTAR ERA CARNE ASSANDO PRA CÁ LINGÜIÇA QUEIMANDO PRA LÁ QUANDO O FRANGO CRIOU ASA A BRASA NÃO QUIS MAIS QUEIMAR”

Haroldo César

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SUBÚRBIO TAMBÉM É DIVERTIMENTO Em fins do século XIX e início do XX, os subúrbios cariocas estavam em plena expansão. O número de residências e de lojas comerciais aumentava, a despeito dos pouquíssimos investimentos do poder público nessa região. Porém, como sabemos, apesar dos pesares, o povo suburbano desde sempre foi um povo festeiro. Mas como os suburbanos de tempos atrás se divertiam? Alguns jornais da época e o grande escritor Lima Barreto podem nos ajudar a responder essa pergunta. Um dos divertimentos mais frequentes eram os bailes. Os antigos moradores do centro da cidade que se mudaram para os subúrbios, trouxeram consigo costumes já antes praticados, dentre estes os bailes e festas ao ar livres ou residenciais. Numa crônica escrita para a Gazeta de Notícias em 1922 e publicada posteriormente no volume Marginália, Lima Barreto descreve um baile doméstico que ocorrera perto de sua casa em

Todos os Santos, observando de longe os preparativos para a festa. O baile, que começara antes das nove horas, durou até as quatro da madrugada, tendo como estilo musical principal “polcas adoidadas e violentamente sincopadas”. Segundo o escritor, o baile era um costume profundamente carioca, e especialmente suburbano. Ele lembra dos bailes de vinte anos passados, ainda no início do século XX. Todas as noites havia bailes pelos subúrbios afora, tendo famílias que promoviam um por mês. Esta era a ocasião para a aproximação entre moças e rapazes. Em 1902, justamente duas décadas antes desta crônica de Lima Barreto, o periódico Commercio Suburbano, contava como transcorria um baile, considerado um costume tradicional: ao crepúsculo vão chegando os primeiros convidados, come-se, depois vem os brindes; enquanto uns dançam (principalmente os mais jovens que dirigem-se ao piano) os mais velhos reúnem-se para fumar, falar de política, finanças, etc. O baile é ainda o espaço para galanteios de moços para as moças com “frases

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doces e carinhosas” em seus ouvidos. Na década de 1920 os bailes domésticos estavam quase extintos, principalmente porque as casas construídas naquela época por serem pequenas demais, já não comportavam mais um baile à moda antiga. Nas residências de famílias pobres, que eram menores ainda, a distração era reduzida a um concerto de violão. Entretanto, o povo suburbano encontrou outra alternativa para continuar a se divertir: eram os clubes dançantes com vastos salões, onde ainda se conservava um pouco dos antigos bailes. Ainda em 1883, A Gazeta Suburbana noticiava que, ao longo de todo o subúrbio, havia sociedades musicais, dramáticas, carnavalescas e de dança. Em 1884, anuncia-se a posse da nova diretoria da “Sociedade Dramática Musical de Engenho de Dentro”. Dentro desses bailes, faziam sucesso também o violão e a modinha. Catulo da Paixão Cearense, que já foi objeto de um outro artigo meu (RSS, Ano 1

nº5), foi uma das figuras mais atuantes desse cenário cultural. Não podemos esquecer do carnaval. Assim como no restante da cidade, nos subúrbios havia cordões, blocos, grupos, que desfilavam pelas ruas e também faziam grandes festas em salões. O jornal O Subúrbio sempre noticiava as atividades de diversos clubs carnavalescos como os Pingas, os Pepinos, os Irmãos da Opa do Engenho de Dentro, os Destemidos do Meyer, os Democráticos de Cascadura e os famosos Fenianos do Meyer. Esses grupos eram bem organizados, contando com presidentes, vice-presidentes, secretários e tesoureiros. Um episódio interessante ocorreu no carnaval de 1884. Segundo A Gazeta Suburbana, o club Mephistophelis do Engenho de Dentro “cortou” do seu cortejo algumas ruas do Engenho Novo, devido à sua péssima conservação. Essa situação ilustra bem o caráter do nosso povo suburbano que, apesar das dificuldades, nunca deixou de ter bom humor, afinal subúrbio também é divertimento!

Fontes: A Gazeta Suburbana, 15/12/1883 e 24/02/1884. BARRETO, A. H. de Lima. Bailes e divertimentos suburbanos. In: Marginália. São Paulo: Brasiliense, 1956, p. 61. Commercio suburbano, 15/05/1902.

Ana Cristina de Paula Historiadora 24


UMA ALUCINATÓRIA VIAGEM LITERÁRIA Peço compreensão e paciência, amiga ou amigo! Você que destinará seu precioso tempo a esta leitura, Por favor, tente não se exasperar comigo! Acredite: nunca foi da minha feitura Descrever cenários por demais deselegantes. Tenho um enorme cuidado com o que produzo E sou avesso ao que possa me fazer beligerante. São por essas sendas que me conduzo. Mas, infelizmente, não estou noutras cabeças Para, das retóricas que teço, fazê-las ou não conscientes. Há quem se alegre, há quem se aborreça, Quem me tache de filósofo ou mesmo de incipiente, E claro! Não poderia ser de outra forma, eu respeito!... Muito embora algumas críticas me deixem contrafeito, Com pesar e latente desconforto no peito E uma inquietante sensação de que fiz algo malfeito. Não estou aqui para agradar aos bêbados e abstêmios, Nem, tão pouco, para recriminar aos pacatos e boêmios E me aborrecer com a ótica de seus entendimentos. Meu comprometimento maior é com a palavra. Gosto de fazê-la discorrer, com ou sem comedimento, Em conluio com os pensamentos da minha lavra. Servir impressões armazenadas nos recônditos da alma, Com sentenças que aguçam paladares apurados, É um prazer que muito me excita e acalma E, por conseguinte: me deixa bem-humorado. São palavras que seleciono e examino com cerimônia, Muitas vezes recorrendo ao dicionário e a gramática, Somente para, daí então, traduzir, sem parcimônia, As comédias e tragédias de uma forma melodramática. O tema exposto, sem censura ou o que o delimite, Não segue rígida estrutura ou regra de elaboração, 25


Nasce livre e costuma ultrapassar, longe, o limite No qual a razão já não mais me presta colaboração. Tempos de insanas buscas pelas rimas, que me fascinam E me conduzem por inúmeros labirintos prosaicos, Onde os constantes ruídos das sibilações me alucinam E produzem visões de expressões em vistosos mosaicos. Daí, perdido neste universo, entre vogais e consoantes, Eu me encontro, e, despido de todos os preconceitos E de tudo o mais que me possa tolher, fico radiante. Nestas minhas viagens se originam até conceitos Que ferem suscetibilidades, mas não a ética; Do meu melhor viver e conviver, conselheira. A quem jamais escuto de maneira cética, E de quem obedeço aos ditames, à cavalheira. Segui-la não me torna mais fácil à existência, Mas me faz agir com mais cuidado e paciência Pois todos estamos sujeitos as suas normas, Sem distinção ou qualquer outro privilégio. Eu, sem querer fazer farol, de certa forma, Acho-me um sujeito mais egrégio Só pelo fato de a ela sempre fazer reverência. É comum me deparar com muitos escroques Que pensam que se dar bem é excelência, E não se preocupam com o que venha a reboque. Seres inescrupulosos que gravitam em torno de mamatas E entre rapinas de todas as espécies vão se locupletando, Desde pequenos arranjos até grandes negociatas, E com o acúmulo de bens e cifrão se refestelando. Uma cambada de expertos maniqueístas Que manipula os conceitos do bem e do mal De uma forma extremamente egoísta Em conformidade com o interesse pessoal. E trafega por aí iludindo aos pobres incautos, Servindo-se de interesseiros úteis, aduladores, 26


Que se tornam: de suas proezas, os arautos E de suas baixezas, verdadeiros dissimuladores. E assim caminha a humanidade, Marchando solenemente para a direção oposta, Diante de um falaz e mentiroso modelo de equidades, Em meios a sistemas, partidos e falsas propostas, Distando-se do que o Pai Maior fez aposta.

Kaju Filho

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FAVELA É uma tarde plácida. A fogueira acesa E o valão imenso onde atirar pedras São prá meninada uma grande festa. Vai a mulher preta, caixa na cabeça, Passos cuidadosos, neném na barriga. O sol de outono pinta de amarelo Os casebres pobres, ruços de poeira. O homem encurvado de cabeça branca Traz bolsa pesada, muita ferramenta. A moça bonita chega da janela E tão bela imagem nos enche de sonhos. É uma tarde mansa, toda colorida, E um homem tristonho fala pros amigos Que até mesmo os santos os abandonaram. 1981 II Não é um vilarejo inocente, Mas sugere algum romantismo. É um lugar bem modesto, De uma pobreza flagrante, De uma beleza singela. Mas naquela beleza simples, Não há nos dias da gente 28


A mais vaga e menor poesia. As crianças brincam, inocentes, Mas não sonham qual sonham crianças. Adolescentes não mostram quimeras, Mas eterna vigília nos olhos. Não têm esperança os adultos, Mas rezam o quanto conseguem, Pedindo que não cheguem tragédias Soldados sem farda e camisa Empunham armas possantes, Seguindo ordens expressas De oficiais sem divisas. O sol reflete nas casas, Mas não há olhar que se encante. Alguns jardins bem se avistam, Mas as flores parecem sem vida. Nos bares, homens conversam, E as ruas, repletas de gente, Não são de viva poesia. Soa bem alto um batuque, Mas não há no batuque alegria. 2010 Barão da Mata

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TEMPOSIÇÃO DAS ALMAS ÍNCUBAS EM ACARIRAJÁ COM A REVISTA SARAU SUBÚRBIO

Hombre Tonto acorda numa floresta. Muito verde, mata fechada, diferentes e belos cantos de pássaros, flores de matizes intensos. Agora ele tem uma percepção de seu próprio ser muito diferente do que jamais teve. Era como se agora tivesse a consciência expandida a ponto de reconhecer, conectar-se e cooperar com cada milímetro de seus tecidos externos e internos. Escancararam-se as janelas de suas percepções. Seus sentidos funcionavam como computadores quânticos otimizados e trabalhan-

do em potência máximintensamente. Um cheiro o abstrai do transe quasemediúnico em que quasesencontrava.. "Parece o cheiro de melaço, um cheiro de poyo, o vinho de palma africanindiano. Vou até o cheiro!" Ele chega num casebre feito de pedaços de madeira, palha, folhas de palmeira: é o que o nosso Herói-das-gentes, nosso Elherói, encontra. Vai chegando devagarinho como quem já a pedir permissão pra chegar, como bailando no es30


paço-temporal-quântico e eis que na porta surge uma senhora preta de olhos azuis bem clarinhos. “Estava à sua espera, pequeno! Se achegue em vis!” Eltonto repete para si: "Mas, de novo esse tal de "vis"!, ouvindo a senhora dar boas gargalhadas sozinha. O cheiro é tão intenso e penetrante que o deixa semiquase-tonto. “Pequeno, tome uma xícara do meu vinho de palma com melaço de cana! Talvez seja uma das melhoras bebidas já inventadas pelo homem. Os deuses a invejam, com certeza! A receita me foi passada por um mandê de Serra Leoa, o nome dele... Ah! Já não lembro! Daqui a pouco quem sabe eu me lembra… Beba!” Disse a senhora de forma doce lhe oferecendo a xícara (na verdade uma cumbuca de casca de coco). “Então a senhora é uma mandê?” “Não, meu jovem! Eu conheci um mandê que me passou a receita. Minha família foi do Império do Congo. Eu sou brasileira

mesmo. Nascida e criada nas matas do que chamarão Irajá no futuro... Mas, vamos ao que interessa. Você procura as Almas Íncubas, certo!?” Tonto quase deixou a xícara cair das mãos com o susto que levou. Como aquela senhora sabia da sua missão. Eles nunca tinham se encontrado antes! “Não fique surpreso. Sou amiga de algumas delas. As Almas Íncubas sempre vinham no outono beber comigo o vinho de palma com melaço. Sumiram, mas me disseram que um pequeno viria procurá-las. Trouxe a revista contigo?” Logicamente que ela se referia à Revista Sarau Subúrbio, que Hombre trazia nas mãos. “Sim, ela está aqui.” “Bem, vejamos! Sua história está na revista. Interessante! Ela lhe mostrará o caminho em conjunto com o que telho pra lhe mostrar e dizer. Espere que eu já volto.” O Heróidelasgentes aproveita para beber mais uma xícara

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do vinho-de-palma-com-melaçode-cana-de-açúcar! Não pensou duas vezes e encheu a xícara enquanto a senhora foi para o aposento mais ao fundo e fechou-se batendo a porta, trancando-a atrás de si. Depois de algum tempo ela retornou e entregou a Tonto um mapa astrológico da Revista Sarau Subúrbio. Impresso numa impressora a laser. “Estranhou a impressora ‘de laser’? A de jato de tinta danifica muito as palavras com a umidade carioca! É por isso que uso a ‘de laser’!” De repente a senhora revira os olhos e começa a dizer: “A Revista Sarau Subúrbio é do dia 25 de abril. Bem, os nascidos no dia 25 são mais sonhadores, imaginativos, artísticos, caprichosos e filosóficos que todas as outras pessoas nascidas sob a égide do número 7. No caso da revista,

o sete se apresenta pois é a soma de 2 com 5. Os nativos deste dia criam seus próprios método e são pessoas que possuem muitas falhas, mas, é graças a elas, que conseguem mais experiência e compreensão no caminhar difícil. Seu caminhar é lento, mas com a firmeza e os pés no chão do pesado e forte touro. Isso por conta de ser vinte e cindo do mês de abril. Nascer em dia vinte e cinco te dá pontos de vista filosóficos bem interessantes.” “A senhora é astróloga?” “Não, sou iorubana!” A senhora respondeu assim, sem se fazer entender, soltando uma gargalhada gostosa depois. E continuou: “Mas... tem os pontos negativos. Os números 2 e 5 não formam uma boa combinação. São Lua e Mercúrio, uma relação estranha, na verdade. Veja agora os números da revista:

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Repare que somando-os obtemos o número 9, que significa inspiração, mel, ar, ferro, o final de um ciclo e o começo de outro. Este número está associado ao altruísmo, à fraternidade e à espiritualidade. A sua palavra-chave é Realização. Já ná Cabala... “Na Cabala?” Espantou-se. “Sim, na Cabala... Não me interrompa! O nome da Revista

Sarau Subúrbio na Cabala é regido pelo número 5. Este é o número dos que gostam de liberdade. O número das almas ativas, inquietas. “Eu vim aqui para uma consulta esotérica? É isso mesmo!?” “Já disse para não me interromper! E finalmente, no Odun de nascimento teríamos: segura o papel e veja você mesmo:

… se não estiver entendendo nada eu explico. Temos que os Orixás que regem o destino da Revista Sarau Subúrbio são Oxum (na cabeça), Oxaguian (nos pés), Nanã (o cuidado que ela deve ter pra prosperar) e Obaluaiê/Ogun (o futuro da revista). E posso lhe dizer que ,resumindo tudo o que os oráculos informaram e eu disse até agora, que a sua missão a cumprir é: Ter em mente que a finalidade do ser

humano é desenvolver o amor universal, a compreensão e a compaixão. E o nome do mandê é Uzuzap. O nome cai como um mantra no ouvido de Tonto. Ele começa a se sentir mal. Tenta levantar-se e sair do casebre enquanto as palavras daquele nome reverberamuito na sua mente-de-então. Desmaio novamente na história. Heróidelasgentes quedou-se.

Pazuzu Silva

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SOMOS DA REVISTA SARAU SUBÚRBIO Um ano de subúrbio em revista Com muita paixão em cada folha Fizeram até sarau anti-facista Pois aqui ninguém fica na bolha Falo daqui: subúrbio na minha veia Lugar de bamba o samba abençoa Onde à noite a lua nos pajeia Brilha e o vento melodia soa Um ano de revista é conquista E precisamos hoje celebrar Fazer ouvir a voz em toda pista Pois o nosso subúrbio é o avatar O mundo, antes grande, é aldeia Interligada em redes sociais Nosso subúrbio lança sua teia Contando histórias sempre com ideais Aqui não tem essa de dito cujo Todo mundo celebra a união Na Festa de comida de pé-sujo Todo desconhecido, vira irmão A nossa luz respira na candeia Não nos abala qualquer distúrbio A taça levantamos bem cheia Somos da Revista Sarau Subúrbio

Malkia Usiku

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UM QUIXOTE NO SUBÚRBIO As reuniões eram sempre embaixo da jaqueira do terreno do seu Joaquim, não sei por que, visto o perigo constante que corríamos. Lá estávamos eu, Aroldo, Tião, Bené e Quinzinho (na verdade Antônio) chamado assim por ser a “rapa do tacho” entre os filhos do seu Joaquim. A sombra da jaqueira era o quartel general de um exército de cinco moleques que, em tempos de vadiagem explícita, montavam estratégias que pudessem preencher o dia. Nesse grupo de intrépidos “brancaleones”, cada um tinha a sua habilidade, que era colocada à prova em momentos decisivos. Os dias duravam muito, esticados por nossa vontade de transformar cada brincadeira na maior aventura do mundo ou ao menos do bairro quem sabe, das redondezas. E lá íamos nós, numa manhã de sexta feira de uma semana qualquer do mês de janeiro. Todos descalços com os seus instrumentos de combate: carrinho de roli-

mã, atiradeira no pescoço, os bolsos cheios de pedras e uma incrível disposição. Planejávamos a sequência das atividades ao gosto da maioria. Começávamos mirando os passarinhos nas árvores com as atiradeiras que, para o bem da natureza e das nossas consciências, quase nunca acertávamos. Logo em seguida, tentávamos derrubar latas e quebrar garrafas de vidro colocadas em cima de moirões da cerca de arame farpado do terreno baldio no final da rua. Quem acertasse mais latas e garrafas era reverenciado pelos demais. A propósito, deixa eu me apresentar: sou o Dom, assim chamado por pura preguiça dos amigos, que não queriam falar meu nome completo, Domingos. Particularmente, eu gostava da abreviação, soava especial, pelo menos para mim. Vagando pelas calçadas rachadas e espaços de terra batida, íamos para a padaria do seu José, um português que torcia os bigodes e fazia cara de poucos amigos quando nos via, já imaginando alguma traquinagem. Não tínhamos dinheiro suficiente para comprar os doces que os olhos desejavam, 35


eram sempre os mais caros. Porém, somando todas as moedas davam para três bananadas. −Então o que vai ser? Perguntava o portuga. O de sempre, respondia: bananada! Tu queres dizer mariola? Não, retrucava. Para, em seguida, ratificar com ares científicos: ora, se é feito de banana, como pode se chamar mariola? Ora, pois, não vamos discutir. Tome cá as mariolas e chispam daqui, o pá! Assim, íamos dividindo meio a meio o melhor doce que as nossas moedas podiam comprar. Estômago forrado, metade da manhã, Sol infernal e uma brincadeira com o vendedor de picolé que pregoava de longe: − olha aí o picolé! Ao que respondíamos em um coro de vozes “ainda na muda”: − água pura ninguém quer! Para, em seguida, sairmos correndo, antes de sermos reconhecidos pelo pobre homem que, suando em bicas, continuava com a mesma frase, seguida dos sabores oferecidos. Atravessando de um lado a outro das ruas e becos, chegávamos ao local da nossa maior aventura, a ladeira recém asfaltada que, devido a sua inclinação e aos cerca de quatrocentos metros de extensão, terminando em frente ao muro da linha do trem, foi batizada por nós de “montanha-russa”.

O maior desafio imposto aos membros do nosso grupo era descer a “montanha- russa” do seu ponto mais alto até o muro da linha do trem, batizado por nós de “a muralha”. Lancei a proposta e quem perdesse no palitinho, ou seja, tirasse o palito menor era quem desceria. Se o eleito se recusasse, teria que alimentar nossas lombrigas por uma semana pagando bananadas. Proposta aceita, fomos ao sorteio, mas aquele não era o dia de sorte deste narrador. Assim, lá fui eu com o carrinho de rolimã em direção ao sopé da ladeira, sentindo um frio na barriga apesar do Sol escaldante. No topo da montanharussa este insólito herói de pés descalços, ainda com o carrinho debaixo do braço, pensava ofegante: não seria mais fácil um pique bandeira, colocar lata com cacos de vidro no trilho do trem para moer e fazer cerol ou quem sabe roubar manga no terreno da dona Flora e sair correndo dos cachorros? Era tarde, o desafio estava ali e eu não tinha dinheiro para tantas bananadas. Parecia que tinha esquecido a última surra que levei com vara de goiabeira, quando cheguei todo ralado e sangrando em casa. 36


Angustiado e com o coração quase à boca (que já não tinha mais saliva), decidi tornar o meu ato Kamikaze um feito grandioso, digno de entrar no rol das lendas da adolescência. Olhando para o lado vi um velho cabo de vassoura. Peguei-o e sentando no carrinho, posicionei o cabo como uma lança. Com as pernas trêmulas, testei o eixo dianteiro para saber se obedeceria às manobras. Foi quando meus desafiantes, já apostando nas minhas múltiplas fraturas e dezenas de raladas, começaram a dizer frases de “incentivo”: − Vai, desce! Não tem coragem? É fácil! Assim, movido pelo vivo apoio dos meus amigos, coloquei o meu bólido de madeira para deslizar, tomei impulso com as mãos e posicionei o velho cabo de vassoura como uma lança. Aqueles foram os trinta segundos mais fantásticos da minha adolescência. As rodas de bilha riscavam o asfalto produzindo faíscas, me fazendo sentir um herói galopante a combater inimigos imaginários. Quem é o herói da montanha russa? Gritei a plenos pulmões. Quinzinho então respondeu serrilhando os dentes de nervoso: − é o Dom! Tamanha excitação não me permitiu perceber um buraco no asfalto em frente à borracharia e,

ao tentar desviar do mesmo, percebi o muro da linha do trem crescer na minha frente. Sem ter tempo de virar à esquerda ou à direita, lá foi o herói de pés descalços, o grande cavaleiro da “montanharussa” com carrinho, cabo de vassoura, cabeça e o resto do corpo de encontro ao muro. Desfaleci por horas, na minha impressão. Mas, segundo os cálculos dos meus amigos, não mais do que dois minutos. Quando abri os olhos vi o meu exército de quatro soldados e mais ou menos vinte pessoas ao meu redor, num misto de preocupação e ira por tamanha irresponsabilidade. Todo ralado, esfolado e sangrando, vejo o cabo de vassoura partido ao meio e o meu “cavalo de madeira” sem o eixo dianteiro e sem uma das rodas traseiras. Apoiando-me nos amigos levantei e comecei a andar, enquanto eles se dividiam entre chamar-me de maluco e gritar efusivamente o meu nome: Dom, Dom, Dom! Enfim, a ladeira continua lá, assim como a padaria do seu José, agora administrada pelo seu filho. Também continuam a velha jaqueira, porém a dona Flora se foi e a sua mangueira virou um tronco velho e seco. A cerca onde treiná37


vamos a nossa mira foi substituída por um muro que protege uma casa. Quinzinho, Tião, Bené e Aroldo cresceram e ganharam o mundo. Quanto a mim, continuei morando nas mesmas rua e casa e comprando de vez em quando ba-

nanadas (mariolas). Assim como eu, o velho muro da linha do trem, que ataquei heroicamente com “cavalo e lança” também continua lá, guardando a estação, os trilhos, os trens e a nossa memória.

Silvio Silva

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“SÓ O SAMBA” Só o samba me convém o seu compasso me faz bem, sou mais Cartola e Nélson Cavaquinho com o samba eu nunca tô sozinho. Só o samba me dá vivência seu 2/4 me dá cadência, se eu nasci pra sambar a Dona Ivone me faz cantar. Eu sou o samba! / sou mais Zé Kétti! sou a dança do miudinho, sou o partido-alto, é o samba que traça o meu caminho. Eu sei o que vim fazer vim do tronco do ipê, é o samba que me reluz, a sua batida me conduz. O samba é o meu coité a minha cuia, a minha água-de-cheiro, a minha Estrela-Guia, o samba é o meu tempero. É o que une o sacro ao profano do meu ser... o samba é o meu alvorecer.

Euclides Amaral Poeta-Letrista e pesquisador de MPB. Autor, entre outros, do livro de ensaios “Alguns aspectos da MPB” 39


A REVISTA SARAU SUBÚRBIO PUBLICANDO Cada capa da revista uma memória As da Sarau Subúrbio são do povo Que luta combativo a sua História E refaz a paisagem: tudo novo! Subúrbio é movimento que não para E subúrbio é noite de São João Subúrbio é alegria que repara A tristeza que pintar no coração Subúrbio é liberdade de criança Subúrbio é música, samba e chorinho A vida renovando a esperança Quando o sol lá se põe bem de mansinho Subúrbio: renascendo todos os dias Subúrbio é afeto, luz, inspiração O abraço que aquece em noites frias A ajuda que sempre lhe estende a mão Subúrbio é consciência negra também Que se posiciona contra o opressor Sabe não dever nada pra ninguém Pelo contrário tem saldo credor Subúrbio é samba no pé da gente Subúrbio é pandeiro na mão vibrando A poesia que nos faz seguir em frente Com a Revista Sarau Subúrbio publicando

Marcelo Bizar Escritor e Músico 40


SAUDADE SUBURBANA Para entender o importantíssimo papel que o subúrbio representa em minha vida, costumo lembrarme do passado não muito remoto da juventude de quem lhes fala: “Ah! quantas lágrimas eu tenho derramado só em saber que não posso mais reviver o meu passado. Eu vivia cheio de esperança e de alegria, eu cantava, eu sorria.” O subúrbio já se abria de manhãzinha. Aquele ruído da antiga e insubstituível Avenida Suburbana, com seus carros e ônibus a devorando, chegava à janela do meu quarto, anunciando que o dia estava apenas a começar no bairro da inesquecível Pilares. Suburbano autêntico é assim: acorda com onomatopeias automobilísticas ou do trem que vai

em direção à Central, partindo de bairros-cidades já tão partidos – Deodoro, Campo Grande, Santa Cruz, Belford Roxo, Japeri, Gramacho e Saracuruna. O que acontece é que, acordado, café da manhã consumado, partia para a escola que ficava na Abolição, bem próxima ao saudoso morro do Urubu cujo topo montanhístico havia uma cruz fincada, virada não sei verdadeiramente para onde e sem proteger ninguém. O subúrbio era meu pastor, e nada me faltava. Saindo do colégio, singrando a Avenida Suburbana, deparava-me com uma banca de jornal que expunha e vendia um periódico roseado: Jornal dos Sports. Eita saudade que machuca! Comprava-o e devorava-o. Sabia de tudo – ou talvez pensava que sabia. Principalmente do meu Vasco da Gama.

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Na subida da Travessa Coari, dobrava à esquerda e finalmente encontrava-me em casa! Geografia mentalizada dentro de mim. Minha Djalma Dutra! Na década de 90, jogávamos bola na rua porque não havia tantos carros. Aliás, havia mais rua que carro. E os que passavam eram normalmente para se livrar do congestionamento ou alagamento da Avenida Suburbana. Jogo de botão acontecia lá em casa! Reunião de amigos que faziam parte do sonho suburbano. Quimera que se vivia diariamente. E neste papel em que me esvazio, descristalizo minhas metáforas de vida. Quantas memórias conservo dentro de mim? Talvez muitas, creio. Memorizo-as tal qual gotas

de chuva que batem na janela de um trem qualquer. O trem desliza pelos trilhos; corta suavemente o subúrbio. O subúrbio não se esgota. Aqui, em Vila Isabel, procuro resgatar meus pequenos pedaços que outrora me compuseram. Adentro em meu inconsciente à deriva porque chove. Chove em Vila, em São Francisco Xavier, no Maracanã, em Mangueira, em São Cristóvão, na Tijuca, no Salgueiro, no Estácio e em São Carlos. Molha tudo. Tiremos a roupa da corda, fechamos a janela e recolhamos a pipa do céu. Tudo é charco e lembrança. Vasculho os retratos na parede a fim de me recompor, reparando que o subúrbio habita em mim. Chega o trem na estação como um aceno de despedida.

Leonardo Bruno 42


CAMBURÃO NO SUBÚRBIO

(Para o Mestre João Monteiro – em memória) No dia 22 de Outubro de 1978 assisti ao vivo pela primeira vez uma partida de Futebol; o jogo foi do Botafogo enfrentando a Portuguesa carioca no Estádio do Glorioso em Marechal Hermes, o Lendário “Mané Garrincha”, éramos vinte mil pessoas a bordo e outras seis mil barradas do lado de fora, uma tarde inesquecível para um menino sonhador, que um dia inclusive sonhou em ser jogador de futebol. Nesses tempos eu tinha 14 anos de idade e no ano anterior o Botafogo (Glorioso) tinha chegado em nosso Bairro trazendo um time de Estrelas Solitárias; o famoso time Camburão , para sempre o inesquecível Botafogo de Marechal, um time que conheci , um clube que frequentei e amei por três seguidos anos. Junto com a garotada local curtíamos os treinos coletivos realizados nas vésperas dos jogos e interagíamos com jo-

gadores e comissões técnicas; assim como aparecíamos no Globo Esporte constantemente, uma vez que durante as entrevistas dos jogadores para a televisão passávamos andando de propósito atrás dos jogadores, indo e voltando, depois corríamos para casa felizes e contando a todos que iríamos “passar” na TV... Nessa época eu já era apaixonado pelo Vasco da Gama; bem verdade minha maior Paixão no Futebol desde 1974; inclusive nosso Roberto Dinamite é um fã antigo do alvinegro. A verdade é que adoro Futebol; sou filho e neto de americanos e uso com orgulho a camisa rubra 10 do craque Edu de vez em quando; para, para, para, vamos focar no Fogão agora: O chamado time Camburão era basicamente conduzido por Paulo Cezar Caju, Carbone, Rodrigues Neto, Osmar, Renê, Mario Sergio, Zé Carlos, Búfalo Gil, Nilson Dias , Dé , Ademir Vicente, Mendonça , Luisinho Lemos, Ademir Lobo, Cremilson, Manfrini e mais uma galera do barulho; jogadores que pude ver cotidianamente e dos quais guardo 43


memórias maravilhosas e histórias inesquecíveis daqueles tempos. De propósito deixei o Perivaldo fora da Lista, sim ele o Peri da Pituba que chegava no clube com sandálias Melissa roxas, meias brancas, calça amarela e camisa lilás; além das pulseiras, se hoje Peri atuasse como jogador de futebol seria com certeza um ícone da cultura Pop; atleta aguerrido , Guerreiro em Campo , ídolo nato sem maquiagens ele fazia a alegria de todos que ali estavam para curtir mais um treino. Lembro de uma tarde de sexta feira em que o então técnico Zagalo (ele substituiu um técnico que ficou na função por aproximados vinte minutos – perguntem ao Dé e ao Paulo Cezar Caju essa história) pediu que Perivaldo e o Goleiro reserva, o querido Borrachinha ficassem para um treinamento técnico de cruzamentos e finalizações. Peri pela ponta direita da Grande área era orientado por Zagalo a Cruzar a bola na marca do pênalti onde o técnico esperava para finalizar de primeira em direção ao arqueiro Borrachinha; a cada dez cruzamentos uma bola chegava na canhota do Mestre que finalizava com perfeição, as outras cruzavam a extensão da grande área em direção a ponta esquerda para o desespero de todos

nós que ali torcíamos fielmente pelo sucesso do nosso astro da lateral direita; Zagalo Berrava enlouquecido, Borrachinha sorria e olhava pra molecada abrindo os braços. Tarde de sábado treino coletivo pegado, véspera de clássico estadual, torcida assistindo animada, coberturas jornalísticas a todo vapor em andamento; tudo em função do time camburão ( assim batizado ao vivo numa transmissão de rádio pelo trepidante Deni Menezes ) que era composto de jogadores que adoravam jogar futebol, amavam a Vida de forma simples aproveitando as coisas boas que aquele Mundo da bola lhes oferecia; ali eu percebia felicidade no convívio diário de uma grande equipe que ora batizo de Botafogo de Marechal. Voltando a essa tarde que citei acima, eis que chega um Volkswagen Passat apressado, estaciona e logo surge descendo do volante o craque “Gil” (Cabeção), de sunga, sem camisa e de chinelos totalmente atrasado para a atividade, cena que não sai desse meu filme alvinegro (imaginem a cara do Zagalo). Búfalo Gil fez parte desse elenco que deixou o Fogão por 52 partidas de Futebol Invicto, contando também 42 partidas invictas no campeonato bra44


sileiro (recorde até os dias de hoje). Numa quarta feira entro no Botafogo e logo de cara quem estava ali conversando mansamente com todos os presentes, era ele o Mané Garrincha, dono das pernas super tortas; craque que só pude ver na televisão, sem acreditar acreditando sentei no chão e fiquei seguindo com os olhos de criança extasiada cada passo da história que desfilava atrevida bem na minha frente; o camisa sete da arte e da magia de todas as torcidas também conviveu no Glorioso de Marechal, estádio feito de tubulações e tábuas, carinhosamente chamado de Mané Garrincha alegria do povo. O Gramado de Marechal Hermes até então utilizado pelo time de Futebol do tradicional União (fundado em 1915) teve então o Glorioso como ator principal e junto com ele um dos maiores craques da História do futebol mundial, o cara que foi reserva do Pelé na seleção Brasileira; o gênio assertivo e indomável chamado Paulo Cezar Caju; nossa Mãe!!! Quanto carinho com a bola, visão

de jogo, ocupação de espaços, lançamentos precisos, finalizações perfeitas. Ao lado dele surgia um camisa 8 que iria marcar sua presença de forma brilhante entre as estrelas solitárias da época: o craque Mendonça, o cara dos chutes e finalizações perfeitos, do drible fácil nas tardes ensolaradas e de treinos duros em cobranças de faltas; bem ali no ex-campo do União jogava-se futebol em alto nível graças a essa constelação de jogadores. Como um adolescente muito feliz que fui, nunca imaginei que essas Estrelas daquele meu dia a dia (1977 a 1979) pudessem um dia fazer parte da minha memória afetiva e de felicidades suburbanas. Justo os caras considerados como sendo bandidos por alguns e já por sorte, competência e qualificação eram também naquele momento homens fortes e respeitados por todos os boleiros e torcedores no Brasil. Saudades do Futebol de vocês ! Salve o Fascinante time do Botafogo que um dia foi Suburbano de Raiz em Marechal Hermes!

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Foto ilustrativa de gloriosobfr.blogspot.com

Zé Carlos, Osmar Guarnelli, Perivaldo da Pituba, Odélio, Carbone e Rodrigues Neto; agachados; Búfalo Gil, Paulo César Lima, Dé, Nilson Dias e Mário Sérgio

Rodolfo Caruso

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RAMAL DEODORO

Douglas Adade 47


CAMINHANDO... Fui pro samba como é lindo Lindas rimas Muita conversa e risadas Era o banjo, o Tam Tam e o pandeiro Samba quente de se ver medo da madrugada não existia Pela estrada caminhando devagar

Em casa era uma romaria Muitos versos noite e dia Dando um tempo para amar. Lembranças reais De uma amizade Construída no saber e no olhar A Saudade é realidade Quanta falta sinto de você Quanta falta sinto de você Você falava que não sou Musa Pois abusava do meu poder Andando por Madureira Minha Lembrança é você.

Márcia Lopes 48


É PRECISO SEGUIR RESISTINDO SEM NUNCA ESQUECER DE SUBURBANIZAR! É inegável que os subúrbios cariocas emolduram grande parte da identidade dos moradores do Rio de Janeiro, fornecendo elementos culturais e socioafetivos que ajudam a compor sua história. Em meio a este território, tantas vezes celebrado por canções, retratado em filmes e protagonizado em clássicos literários, uma parte singular da nossa constituição foi sendo forjada com pouca precisão espacial e conceitual. Identificar o que entendemos por subúrbios hoje requer um exercício constante de espacialização e historicização. A ausência de tal reflexão faz com que esta definição frequentemente seja confundida com uma noção simplista de área periférica, sem compreender as particularidades e a polissemia que essa categoria produz. Um exemplo recorrente nos é dado pela forma com que a grande mídia costuma abordar os

subúrbios. Como exemplo, citamos uma matéria intitulada “Ao lado da linha férrea, caminhos de um subúrbio abandonado”, onde o jornal O Globo, de 13 abril de 2013, inicia seu texto nos seguintes termos: “Se o desenvolvimento da Zona Norte seguiu o caminho dos trilhos, hoje, às margens das linhas de trem e do metrô, algumas das ruas, avenidas e estradas mais degradadas e perigosas do Rio revelam um subúrbio abandonado.” Infelizmente, afirmações aterradoras como estas não são raras e com frequência seguem demostrando profundo desconhecimento de causa, além de um alto nível de preconceito. Parecem querer nos enquadrar, de forma muito reducionista, na tônica de um subúrbio naturalmente depreciado,como se fossemos apenas um lugar degradado e perigoso. Mesmo após quase duas décadas de pesquisa individual e dezenas de trabalhos apresentados e publicados, percebo que, embora sejam crescentes, ainda são com49


parativamente insuficientes as efetivas ações que buscam combater tal equívoco. No entanto, não há motivos para esmorecer, pelo contrário, neste processo de resistência cotidiana temos o direito de celebrar nossas vitórias. Tal como agora, temos a obrigação de comemorar o aniversário de um ano da Revista Sarau Subúrbio. Esta publicação que cada vez mais torna-se um importante instrumento no campo da luta em prol dos Subúrbios. Em nome do coletivo Subúrbios Cariocas, e de muitos outros que aqui se fazem representados, desejamos vida longa a esta iniciativa. Não só por combater efusivamente os mal intencionados, como por divulgar e potencializar tudo aquilo que os suburbanos tem de melhor, em suas manifestações artísticas e sociais, dando o devido protagonismo aqueles que aqui vivem e militam em meio as ruas, trilhos, bares, praças, favelas, vilas, casas e quintais. Através de suas páginas, fica notório a falta de argumentos dos que tentam apresentar os subúrbios cariocas como espaços sem beleza ou quase sempre sem importância cultural ou histórica.

Relendo muitos dos artigos, ao longo deste percurso, me arrisco a afirmar que o trabalho do professor Nelson da Nobrega Fernandes rendeu frutos interessastes. Pois, assim como Fernandes procura identificar o momento particular em que a palavra subúrbio sofreu sua principal reapropriação, denominada como “Rapto ideológico”, a revista nos mostra que seus moradores não querem acostumar-se a denominar de forma pejorativa uma parcela tão expressiva do tecido urbano desta cidade. Para avigorar nossa reflexão trago agora um trecho do texto de abertura da exposição Subúrbio: um jeito de ser carioca, organizada pela turma de museologia da UNIRIO, 2018. “Como resumir em imagem essas mil palavras? Porque não existe um subúrbio, mas vários. Cada bairro tem sua peculiaridade, sua fama, sua música seu prato mais pedido. Sendo assim, o seu conceito ultrapassa as delimitações simplesmente geográficas: para ser um lugar onde está o suburbano. Numa época em que existir é também resistir, as manifestações culturais e os modos de viver são formas de não se deixar calar. Evidenciar a força da memória pessoal e coletiva é trazer à tona sua voz, sempre tão abafada pelo discurso das grades mídias, que se apropriam do poder que as imagens têm e genera50


lizam uma caricatura dessa enorme região da cidade do Rio de Janeiro.”

Lembro igualmente das palavras do amigo Vitor Almeida e de seus exemplos caricatos e criativos, constantemente abordados em sua página do facebook Suburbano da Depressão, de onde afirma que hoje, talvez mais do que nunca precisamos suburbanizar para seguir resistindo. Também me recordo das conversas com o professor Luiz Antonio Simas endossando o quanto os subúrbios foram capazes de produzir, ao longo da nossa história, laços de sociabilidade e culturas associativas que são extremamente potentes até os dias de hoje. Por tudo, não nos restam dúvidas que devemos saudar a importância do cotidiano, da beleza contida na luta e vida das pessoas comuns. Afirmo que temos a obrigação de continuar contemplando toda aquela gente alegre e solidária que ajudou a construir a atmosfera familiar dos subúrbios, transformados involuntariamente em atores e figurantes, agentes horas ausentes de uma história oficial, mas constantemente presentificados de

forma inexorável na vida real do excludente processo de urbanização da cidade. Para finalizar, convoco a beleza da poesia de Ferreira Gullar, me apropriando de um fragmento do seu texto Corpo a corpo com a linguagem. “A história humana não se desenrola apenas nos campos de batalha e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas dos subúrbios, nas casas de jogo, nos prostíbulos, nos colégios, nas ruínas, nos namoros de esquina. Disso quis eu fazer a minha poesia, dessa matéria humilde e humilhada, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma traição à vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que não têm voz.”

Que possamos continuar homenageando de forma digna e competente, por muitos e muitos anos, esses herdeiros de uma tradição que merece ser valorizada. E que venham os desafios, pois sabemos que vamos seguir na luta, através de nossos poemas, textos, músicas e festas com a fé em nosso Jorge guerreiro vamos sempre em frente, resistindo e suburbanizando geral! Rafael Mattoso 51


MICROCONTOS DOS MACROCOSMOS ANIVERSÁRIO, RESISTÊNCIA COM O TEMPO

Foi difícil chegar até ali. Eles sabiam. Um ano de projeto independente. Uma revista que não se curva pra tendências. Que tenha construção coletiva. Que observe o mundo a partir do subúrbio e pelo subúrbio e que depois publica sua visão para o subúrbio e todo o mundo. Sem patrocínios, gratuita e firme em seus propósitos. Foi realmente difícil chegar ao primeiro ano de revista. É uma forma de resistência. E como toda verdadeira resistência encontrou pedras e espinhos pelo caminho. Naquela comemoração, muitos tinham suas histórias de superações e dificuldades pra contar. Todos conheciam um pouco da história cada um. Os escritores, editores, parceiros, amigos, artistas, cantores, sambistas, músi-

cos, poetas, conviviam como numa grande família: misturados. A revista tinha feito um ano no dia vinte e cinco de abril de 2019. Tenho minhas limitações de locomoção e já uma certa idade, talvez por isso não tenha convivido tanto com todos os que ali estavam. Uma das convidadas chorava num canto da festa. Isolou-se e parecia triste em seu choro. - Mas por que tanto choro, moça? Hoje é dia de comemoração! Dia pra ser feliz! Foram as exatas palavras que eu lhe disse, tentando puxar conversa e preocupado com o choro daquela mocinha. - Eu estou feliz! Eu realmente estou muito feliz! - Por que o choro então? - Em todo aniversário eu fico feliz... e também muito triste! Sempre choro muito! - Não entendi o motivo da tristeza! - É que sempre chega num momento em que eu me lembro 52


que todo aniversário é uma grande mudança. Todo ano chegamos numa impossibilidade de retorno. Toda festa de aniversário é o fim de um ciclo que não volta jamais. A moça tinha razão. Estamos todos muito felizes numa comemoração de aniversário. Mas,

também tristes por sabermos que o tempo vai nos tornando menos inocentes. Mas, quem sabe eu e a moça não estejamos enganados e toda festa de aniversário represente também uma forma de resistência: contra o tempo.

Antero Catan

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PASSARINHO SÓ, QUIETINHO, QUIETINHO Primeiras horas de uma tarde suburbana. Rua quase vazia. Casas modestas, porém graciosas, com jardim, quintal, varanda com andorinhas de louça na parede e um ladrilho na fachada anunciando um lar, doce lar. O quitandeiro, o sapateiro, o dono do armazém e do açougue cerram suas portas para a cesta. Uma senhora caminha vagarosa com criança no colo sob o guarda-sol. O tempo é preguiçoso, parece que não anda. Vento ausente. O ar quente impera, oprime, incomoda. Pelo meio da tarde, o quitandeiro, o sapateiro, o dono do armazém e o dono do açougue abrem suas portas, lançando lerdo olhar para a rua ainda quase vazia. Vez em quando um freguês adentra o recinto e aviva o ambiente puxando conversa fiada, lorota e fofoca. O sol ainda arde ao final da tarde. Esparsas nuvens vagarosas passeiam lentas no azulão do céu de verão. Ao longe sabiá gorjeia

numa laranjeira. Bem Te Vi se ouviu. Numa casinha branquinha no final da ruazinha, mora um canarinho triste numa gaiolinha de bambu, de olhinho semicerrado, sonolento, sonhando com o que já não tem mais. Envelhecido, o passarinho recorda o jovem pássaro cantador de outrora, feliz a voar, voar... Asas sob o azul infinito. Bico nas frutas tantas. Caju, melão, carambola, abiu, mamão, amora... Livre, feliz, saltitante e imprudente, o bichinho nem percebeu quando armaram armadilhas: alçapão, apito alpiste, bacia. Grudado no visgo de jaca se apruma, mas não voa. Presa fácil. Mora agora entre a parede de um muro e a paisagem que só pode ver, mas não pode viver. Dentro do espaço exíguo, olha sem ânimo as paisagens imutáveis. E o tempo passando fora e dentro da gaiola. Resta hoje só, sem o belo canto e com voo restrito. Aliás, nem voar pode mais. Ali dentro só consegue pular de um canto a outro. Bico de pena e saudade do mato. Inerte e mudo, definha. Dentro de sua cabecinha uma voz sussurra: acorda, acorda canarinho! Âh... Empertigado, rea54


ge. Lembra em tempo que é pássaro ainda! Tenta o voo, mas estanca e se aceita ineficaz. Já é nunca mais. Sem graça a vida não passa. Tristonho, jururu, desencantado, perdeu o canto, sem nem um pio. Calado, observa só, parado. Até que, cansado, decide ao menos libertar a alma, soltá-la no ar. Quer ao menos ter a alma a voar. O corpo lasso, suave se queda. Desapruma

num desmaio. Passaraio. Passaraio. Quem me dera voar... De novo uma voz sussurra: xô, passarinho! Voa! Canta! Voa... Canta... Xi! Não tem mais força nas asas. Tentou. Tentou. Caiu. Não levantou. Tanto tempo assim ficou no cantinho. Parado. Dormindo um sono profundo para além do fim do mundo. Passarinho só. Sozinho. Tadinho. Resta agora pra sempre quietinho, quietinho.

Lula Dias Escritor, Teatrólogo e Produtor cultural

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O CRIME DE VISTA ALEGRE 2

A lua de verão boiando no céu sobre o subúrbio via tudo. A noite quente levava a maioria das pessoas pro portão, tentando uma fresca. Uns tomando uma gelada, outras só papeando, e as crianças correndo, brincando. Quando de repente, um carro em alta velocidade corta a rua que dá para a pracinha, próxima a cantina do seu Chico. Um corpo de mulher é jogado fora do carro, que sai queimando pneu. Todos correm para ajudar a moça, ela estava bem machucada e desacordada. Chamamos a ambulância. Levamos. D. Zezé, enfermeira, lhe fez massagem cardíaca, a fim de a ambulância chegar a tempo. Logo o socorro chegou e ela foi levada pro hospital ali de Irajá mesmo, próximo à praça. O nome da moça, ninguém sabia. Não tinha documentos. Duas semanas antes uma grande conquista, estudar na Puc, mesmo sendo bolsista fará toda

diferença na minha vida, ela pensava. Seria a primeira na família a se formar. Tudo mudaria depois disso. O Hotel era até arrumadinho, cliente novo sempre me preocupava. Estou de frente pra porta do quarto dezessete. Me sinto temerosa, sem saber porque. Parada em frente ao quarto fiz menção de voltar. Hoje não. Quando me virei sobre os calcanhares, a porta se abriu, e um senhor com sorriso amarelo, disse: Boa noite, respondi é Seu Walter, sim sou eu, ele respondeu, fiquei parada a porta e ele me puxou e perguntou se queria uma bebida, sim, respondi, um Martini branco doce, só sabia beber aquilo. Conversamos banalidades, até que ele pediu que dançasse, e perguntou-me se poderia me chamar de Vitória, e eu respondi claro, serei o que você quer que eu seja. Dancei como ele pediu, bem sensual, tirando devagar toda roupa. Ele me pediu que vestisse uma lingerie que ele tinha comprado, queria brincar antes de ir pra cama. Aquela sensação de coisa ruim voltou a rondar meus sentidos. Sentidos de puta, não falham! 56


Após eu colocar a roupa, ele pediu que eu fechasse os olhos e de repente prendeu meus braços e colocou-me uma mordaça e começou a me mordiscar, deixandome cheia de manchas roxas e com dor. A essa altura já vi que ia ser ruim aquela noite. Ele me possuiu a força, me chamava de Vitória, a puta, vagabunda, piranha. Quando acabou comigo, chamou o seu motorista e mandou que me levasse em casa. Eu estava bem machucada e aceitei, e foi assim que ele ficou sabendo onde eu morava em Vista Alegre. E daí começou a perseguição. Ele mandava seus comparsas me rondar, me pegava e me levava pra ele, e eu era subjugada sempre. Liguei para agência, informei o acontecido, e eles ficaram de tomar as providências cabíveis, pedi um tempo, pelo menos de um mês. Na Emergência do Hospital – Mulher jovem aparentando 23 a 26 anos, com possibilidade de overdose, com escoriações em todo corpo, inclusive nas genitais, em coma induzido, para conter inchaço no crânio. Investigador – Alguma testemunha?

Médico – de acordo com os que a trouxeram, ela foi jogada de um carro ali na Pracinha. Os homi veio nos interrogar. - alguém anotou a placa do carro, marca, modelo, cor? - Dr. era um carro preto grande, vidro fumê escuro, só deu tempo de ver os últimos números da placa, Geni anotou. - Geni! Traz aí o número que anotamos. - 99. - Mais alguma coisa que vocês notaram? Os caras pareciam conhecer essa área? - Acho que não Doutor, senão não teria jogado o corpo aqui, tem lugares mais ermos por aqui. Jandira quando viu no jornal o rosto dela, mesmo com hematomas, a reconheceu. Foi direto pro hospital. Duas semanas depois quando estou saindo da última aula na Puc, um carro para na minha frente e o motorista me pede pra entrar e me recuso e sigo andando. O medo tomava conta de mim, era aquele cara que me surrou e estuprou. Ele gritava: Por favor, escute quero me desculpar, e eu correndo, com medo. Me escondi num Bar até vê que ele tinha ido embora. Peguei o 57


Vi Tomás puxar o cara do carro e dá-lhe uns tapas, saiu um outro do carro e ameaçou atirar no Tomás, Lucio que estava escondido, deulhe uma estocada por trás, antes que ele atirasse, quando o sujeito tentou fugir, Lucio pegou e o levou pra rua ao lado , só ouvi dois tiros e logo depois ele saiu correndo, entrou no carro do cara, o Tomás entrou no outro e foram embora. Após 30 minutos chamamos a policia. Expliquei que fiquei com medo, e vi aquele assalto e sai correndo não tinha visto nada. Fiquei em pânico, aquela vida não dava pra mim. Fui me a-

brir com uma professora de sociologia que eu adorava, a Maracy, que pediu a Reitoria o complemento para minha bolsa, pois eu estava em dificuldade e acabaria perdendo a oportunidade de me formar, e que eu era um a boa aluna e seria uma pena e tal. Graças a ela pude largar aquela vida. Lembro de suas palavras: Você não precisava ter passado por isto, foi opção sua, você realmente não precisava. Pois é Mãe, eu não precisava, pena que a senhora não está aqui na minha formatura.

Dorina Guimarães

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PIPAS NO AR NUMA TARDE SUBURBANA

Estava em casa, no subúrbio do Rio, pensando em qual seria o assunto pra tratar na edição impressa da Revista Sarau Subúrbio. Não me vinha uma ideia sobre o que escrever. Minha esposa então me pediu pra "descer" ao supermercado e comprar salsa pra colocar no tempero da carne pro almoço. Ao atravessar o portão notei que a rua estava cheia de jovens (alguns nem tão jovens) "uniformizados", todos do sexo masculino. Mesmo com certo esforço não consegui ver o que estava escrito nas camisas. Fui descendo e entendi do que se tratava: eles estavam na minha rua para soltar pipa. Tratava-se de um encontro de pipeiros. Pensei em como os grupos de zap ajudam a promover tais en-

contros e caiu a ficha: vou falar sobre a Matemática das Pipas. Tem algo mais suburbano do que marcar encontro de dezenas de pessoas pra soltar pipa? Acredito que não. E o assunto é muito interessante. Alguns poderiam dizer: "mas esse assunto não seria de Física?", sim e não. A Física estuda os fenômenos da natureza, mas, como todos sabem das famosas "fórmulas de Física", tem é muita Matemática envolvida. Na verdade, há um bom tempo, lá atrás, Física, Química, Matemática, Biologia era um conhecimento só. Era chamada por vezes de Filosofia Natural, mas este é outro assunto. Vamos tentar ao máximo não esbarrar em nada que não seja 59


Matemática (missão quase impossível) A Matemática das pipas poderia muito bem se enquadrar numa Matemática do Subúrbio, do ponto de vista da Etnomatemática. Quando se fala em soltar pipa há o desenvolvimento de um conhecimento envolvendo formas geométricas, medidas (de massa, de espaço, de áreas, dentre outros). Todo mundo que tentou ou que consegue pilotar uma pipa sabe que não é tão simples quanto parece. Tem que ter habilidade pra manter uma pipa no ar com mudanças constantes de padrões de vento e muitas forças físicas envolvidas. Fazer mergulhos, manobras e subidas rápidas então, nem se fala. Uma série de forças estão atuando constantemente em tudo o que pretende permanecer no ar. Elevação aerodinâmica, resistência ao arrasto, empuxo, a força da gravidade, todas devem ficar em equilíbrio para que o objeto permaneça no ar, independentemente do tamanho, um gigantesco avião ou uma pipa. Isso mesmo, assim como aviões e foguetes, há diferentes estágios no voo de uma pipa. Colocando de forma bem simplificada, os estágios seriam: a) lançamento;

b) subida e c) cruzeiro. Numa pipa não são tão claros como nos foguetes e aviões, mas estão presentes. Pra pipa ir pro ar primeiramente é preciso fornecer a sustentação necessária para compensar seu peso, ele tem que ser compensado para vencermos a força da gravidade. O ar, através dos ventos, ou melhor, da velocidade do vento, é o que mais atua nesta hora. O material leve e rígido também ajuda. A Matemática que envolve as pipas já entra também nessa hora. As pipas se erguem, mantêm-se no ar e voam por causa também de seu formato. As formas das pipas são aerodinâmicas. O canto proeminente, o pipeiro chama de bico, ajuda a dividir o ar que se aproxima pela frente da pipa. Se tiver vento é fácil erguer uma pipa do chão mesmo dando embicadas (como o pipeiro diz). Mas se a qualidade do vento não for boa, um amigo pode ter que segurar a pipa a uma certa distância e o pipeiro acaba por produzir, pela distância e a velocidade ao puxar a linha, o vento necessário para fazer a pipa decolar, envolvendo mais Matemática na brincadeira. 60


Em oportunidade anterior, aqui mesmo na Revista Sarau Subúrbio, pudemos compartilhar com os leitores bem pouquinho do que é o estudo chamado de Etnomatemática e vimos que as pesquisas nesta área abraçam diversos interesses: históricos, sociais, pedagógicos, étnicos e, claro, matemáticos também. E que a Etnomatemática pesquisa e estuda as Matemáticas que existem fora do ambiente acadêmico, debruçando-se em questões que antes eram relegadas a "coisas do senso comum", para as quais viravam a cabeça.

O povo tem muita sabedoria. No subúrbio tem muita sabedoria. As perspectivas do conhecimento mudam bastante. E no subúrbio tem muita coisa pra ser aprendida, como diria um amigo meu, pipeiro dos bons: “É só não ficar fazendo a cata, tentando embolar sua pipa na dos outros, senão pode ter cruza, corrupio ou mesmo estancar. Melhor é ficar de bicando ou aparando as avoadas, pois seu amigo pode estar “de menas”. Aí sim é maneiro gritar, “tá na minha” bem forte na rua pra todos os pipeiros te aplaudirem.”

Herald Costa

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A CRIAÇÃO DE UM MUNDO EM 7 ANOS

No princípio - que era também o fim de outra coisa – eu criei telhado e chão porém era um espaço vazio e sem forma e as trevas reinavam sobre meu barraco então eu disse que haja luz. e a Light respondeu que ali a luz não chegava. mandei o vizinho fazer um gato. e houve luz. então vi que era bom ter luz e não pagar luz essas foram as obras do primeiro ano. Então fiz a separação entre as águas: um cano no banheiro pra parar de tomar banho de balde a descarga para melhorar o cheiro e a torneira da pia que ninguém merece lavar louça em tanque. 62


e assim foram dois anos de economia como diarista. No terceiro ano, eu disse: produza a terra ervas e pequenas verduras fiz uma horta caseira nos fundos do terreno - o que aumentou minha economia e minha saúde.

No quarto ano, chegou meu neto abandonado à própria sorte por filho e nora que resolveram que ele fora só o resultado de uma gozada boa demais pra parar e que valeria a pena a inconsequência afinal afinal afinal ahhhhhhhh as avós cuidam ahhhhhhh, depois vovó olha, ahhhhh.... elas estão aí pra isso... então eu pensei em toda a vida que deixaria pra lá cuidando de uma criança de tudo que perderia da existência também no quanto isso era comum muitas amigas que foram avós antes dos quarenta tinham que cuidar das proles de suas proles e por fim aceitei a missão de criar aquele neto com o suor de meu próprio t r a b a l h o. então eu disse: que haja um quarto pro garoto e houve um quarto pro garoto e o garoto viu que isso era bom e o garoto passou a me chamar de mãe. pois, desde pequeno, ao deglutir (mmm... mmm...) e gritar (ahhhh), 63


formando o fonema mmmmaaaaahhh (que de maneira alguma é mãe, é apenas fome) quem o saciava era eu portanto ele me chamou de mãe e me adorou e assim passou o quarto ano. No quinto ano, o garoto pediu que eu criasse uma alma vivente em forma de animal de estimação, um cachorro, mãe ao que respondi: não inventa idéia e cala a boca, muleque no sexto ano criei uma televisão nova embocei a casa coloquei piso e vi que isso era bom porque me alegrava ter uma casa decente. esses foram os puxadinhos de sexto ano e finalmente eu disse que haja cores e houve cores, muitas cores e a casa destoava de todas aquelas outras com paredes nuas. No sétimo ano, eu vi tudo quanto tinha feito e me alegrei 64


tanto que tive a impressão de que aquela tarde de descanso tomando café na porta de casa e olhando meu neto brincar em seu ingênuo e maravilhoso mundo seria e t e

r

n

a foi aí que ouvi um tiro. e descobri que mulheres que criam mundos não descansam nunca.

Jonatan Magella 65


O PAPO É ESSE, MEU RAPAZ! Tá tudo muderno, tá tudo mudado, o que vale como certo hoje em dia é a tal lei do mercado. Foi uma grande confusão, um trelelê que foi armado, um tremendo de um salseiro, no samba em que eu fui convidado. Ninguém vai acreditar, mas eu digo que não é caô, eu vi Malu Magalhães versando um Partido pensando que era o Xangô. No violão de Sete Cordas fingindo não estar atrapalhado, o velho Lobão dizia que o Dino já estava ultrapassado. No cavaquinho se sentindo o Waldir Azevedo, ninguém imaginava ver, o Roger ultrajando os presentes, solando um “parabéns pra você”. Pra mim já foi demais, com pandeiro na mão todo enrolado, Ed.Motta falando que João da Baiana não entendia do riscado. Pra esses sambinhas pós-mudernos não me convide nunca mais, vou ficar no meu subúrbio, o papo é esse meu rapaz.

Marco Trindade Poeta e Letrista 66


O SAMBA TOMA CONTA DA CIDADE O samba toma conta da cidade Invade ruas, vielas e bares Com seus tambores e poesia Faz a festa enriquecendo o Subúrbio Com cultura, amor e ousadia. Vem trilhando a sua história Com dores na estrada da vida Mas a esperança é a sua resistência E com persistência reconstrói sua alegria O samba chegou prá mostrar sua riqueza E sua beleza está no retrato de um povo feliz Que compartilha seu jeito diferente de viver E na avenida desfila numa apoteose de raiz No Carnaval, veste sua fantasia de sonhos Nas rodas de samba batuca sua leve magia de ser E nos palcos da cidade faz da sua realidade Um modo de crer e vencer.

Elaine Morgado

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VITROLINHA SUBURBANA Salve Moçada • Rodolfo Caruso • EP • (2018) • independente;

Na subida do Morro • Marcelo Bizar • EP • (2016) • Gravação independente;

Identidade, Didu Nogueira • (2018) • Gravadora Cedro Rosa • CD;

Sambas de Luiz • Dorina • (2013) • Gravadora Rob Digital • CD.

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ESTANTE SUBURBANA O RAPTO IDEOLÓGICO DA CATEGORIA SUBÚRBIO: RIO DE JANEIRO - 1858/1945, de Nelson da Nóbrega Fernandes, editora Apicuri, ano 2011;

ZÉ KETTI E SUAS ANDANÇAS POR AÍ, de Onésio Meirelles, Centro de Referência Carioca do Samba, Rio de Janeiro, ano 2018;

CANDEIA – LUZ DA INSPIRAÇÃO, de João Baptista M.Vargens, Martins Fontes/Funarte, ano 1987.

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FOI UM SAMBA QUE PASSOU EM MINHA VIDA

(Na vida de todos nós que amamos o Samba existe aquele em especial que nos marcou. Este é o espaço para os depoimentos apaixonados, compartilhe com os leitores aquele Samba inesquecível). “Salve salve, amigas e amigos da Revista Sarau Subúrbio, meu nome é Marco Trindade... Eu poderia citar uma infinidade de Sambas que passaram em minha vida, mas quero deixar registrado nesta edição de aniversário da Revista Sarau Subúrbio, dentre tantos, um Samba que pra mim tem a alma do Subúrbio, essa coisa do suburbano na feira, dos vendedores fazendo o pregão, da moça bonita, e claro, a crítica social aguda, sem deixar de lado uma

certa felicidade que a melodia sugere. Todas as vezes que eu passo próximo à quadra da Caprichosos é batata, o Samba vem todinho na minha cabeça, o título é “MOÇA BONITA NÃO PAGA”, samba-enredo que o GRES Caprichosos de Pilares levou para Avenida em 1982, de autoria do grande Compositor Alcino Correia Ferreira, popularmente conhecido como Ratinho.”

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MOÇA BONITA NÃO PAGA (1982) Compositor: Ratinho Intérprete: Trup Zupi Campeã do Grupo 1B (AESCRJ) com 183 pontos Vamos homenagear (Vamos homenagear) A feira livre e o mercado popular (E o dito popular) Quando vem o amanhecer Um pouco antes do sol nascer A feira livre está pronta E nela desponta a cabrocha Lili Fazendo o florista sorrir E o vendedor ambulante Dizer coisa interessante Quando passa por ali (Lá vai Lili) Vai seguindo seu caminho Mas seu semblante se modifica A flor se fere no espinho Da inflação que se agita O vendedor de laranja grita Moça bonita aqui não paga Pisa na casca de banana escorrega Aqui não paga mas também não leva Compra peixe Lili, compra peixe Lili Já é meio-dia de bolsa vazia não pode sair (BIS) Tem zoeira, tem zoeira Hora de xepa é final de feira (BIS) Ouça o depoimento de Marco Trindade para o “FOI UM SAMBA QUE PASSOU EM MINHA VIDA” no SoundCloud: https://soundcloud.com/sarau-suburbio/fspmvtrindade

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UM LUGAR NO SUBÚRBIO

Um dos traços mais significativos dos subúrbios, sem dúvida, é a comida de rua, tão presente nos bairros, atraindo desde a garotada aos mais velhos, com preço convidativo e ambiente descontraído. Quem costuma frequentar estes espaços, com certeza pelo menos já ouviu falar na famosa “BATATA DE MARECHAL”. Fruto do trabalho incansável do comerciante Ademar Moreira, que atua no ramo há várias décadas, o negócio está bombando mais do que nunca, e Seu Ademar, como é conhecido, chega a vender

por dia até uma tonelada de batata frita. É batata que não acaba mais, são porções generosas que são servidas com frango, calabresa ou bacon, além de diversos molhos aplicados na hora, um custobenefício show de bola! Coladinha na Estação de Trem de Marechal Hermes, a “Batata de Marechal” fica próximo ao Teatro Armando Gonzaga (edição de janeiro) e ao Hospital Estadual Carlos Chagas. Vale a pena conferir, moçada!

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SALVE O ENCONTRO DO CHORO COM O SAMBA, DE PIXINGUINHA COM LUIZ CARLOS DA VILA Todo mundo comemora, justamente, o dia 23 de abril como o dia de São Jorge. Porém, esquecem que nessa data, se completará 122 anos do nascimento de Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha. O maior nome do Choro Brasileiro, que, em sua homenagem, adotou a data para celebrar o dia deste rico gênero musical. Esse filho dileto dos subúrbios cariocas, nasceu na Piedade, morou em Olaria, Inhaúma e no bairro de Ramos, local que adorava e onde foi homenageado em vida, dando o nome de uma rua. Integrante do grupo os "Oito Batutas", parceiro inseparável de Donga e de João da Baiana, Pixinguinha fez com os amigos "Patrão, prenda o seu gado", que mais de quarenta anos depois, se tornaria sucesso na voz de Martinho da Vila, no disco "Canta Minha Gente". Outros sucessos do genial compositor foram "1 X 0" (celebrando a vitória e conquista do

Sul-americano, pela seleção brasileira sobre os uruguaios, no estádio das Laranjeiras, em 1919), "Chorei", "Cinco Companheiros", "Gavião Calçudo", "Benguelê", "Ingênuo", "Yaô" etc. Nássara, parceiro de Haroldo Lobo em "Alá-lá-ô", grande sucesso dos carnavais de 1941 até os dias atuais, atribuiu ao arranjo da música, feito por Pixinguinha, o bom desempenho da marchinha. Para se livrar de dívidas que ameaçavam a perder a sua casa, em Ramos, Pixinguinha constituiu polêmica parceria com Benedito Lacerda, que virou seu parceiro em composições feitas, antes dos dois se conhecerem, como "1 X 0". Somente assim, gravando vários discos com Benedito, que o grande compositor quitou a dívida referente à casa e superou o alcoolismo, que o atingia no final dos anos trinta e início dos anos quarenta. Pixinguinha faleceu em fevereiro de 1973. Eu era menino de sete anos não me dei conta. Só passei a tomar contato com a obra do grande chorão, no mesmo ano, quando a novela das sete da Rede 73


Globo "Carinhoso", trazia na abertura, a música de Pixinguinha feita em parceria com João de Barro, o Braguinha. A melodia que tinha sido composta nos anos dez do século passado, só ganharia letra anos depois. Foi um casamento perfeito. Difícil seria para Pixinguinha destacar a sua melodia se não houvesse a letra de João de Barro e vice-versa. No carnaval seguinte a sua morte, 1974, me vem à lembrança que a Portela veio com o enredo "O Mundo Melhor de Pixinguinha". O samba de Evaldo Gouveia, Jair Amorim e Velha sofreu preconceito na agremiação pelo fato dos primeiros autores não serem da ala de compositores da escola de Oswaldo Cruz e serem autores de boleros ("Sentimental demais", sucesso estrondoso na voz de Altemar Dutra). Mas era um senhor samba-enredo. O refrão "Pizindim, Pizindim, Pizindim, era assim que a vovó Pixinguinha chamava", cantado por Silvinho do Pandeiro, emplacou no carnaval daquele ano. Pizindim, em dialeto africano, significa menino bom. Apesar do bom desfile, pela primeira vez, a Portela ficou sem ganhar o título por mais de três anos. Me lembro das imagens televisivas da apuração que mostravam a indignação

de Natal. O "Homem de Um Braço Só", doente e velho, queria voar em cima dos jurados. Quase trinta anos depois, fui um dos fundadores do Centro Cultural Octávio Brandão, na Vila da Penha, nome dado em homenagem ao velho poeta e comunista, perseguido pelo Estado Novo, vereador duas vezes cassado por Vargas e Dutra, que tanto lutou pela cultura popular. Luiz Carlos da Vila, que frequentou o espaço, me perguntou por que o Centro Cultural não se chamava Pixinguinha, o maior nome cultural dos subúrbios da Leopoldina. Afinal, os "Oito Batutas", jurava Luiz Carlos, tocaram no casamento da sua avó, em Ramos. Ironia da história: dois anos depois, tendo que entregar as chaves da primeira sede para a cantora Luíza Dionizio que ia vender a sua casa, o Centro Cultural funcionou provisoriamente na casa de dois sócios, Nélson e Lúcia, na rua Carvalho Moutinho, em Ramos, pertinho de onde Pixinguinha morava. Pixinguinha foi enterrado no cemitério de Inhaúma, o cemitério dos sambistas. Tive oportunidade de estar, neste espaço, por ocasião do enterro do grande portelense Zé Kéti, em 1999, e do apaixonado mangueirense Ratinho, 74


em 2010. No entanto o que mais me chamou atenção foi o enterro de Luiz Carlos da Vila, em outubro de 2008. Um arco-íris descortinou o tempo fechado. Era como

se Pixinguinha abraçasse e recebesse o novo parceiro, na dimensão de onde se encontrava o velho chorão.

Alex Brasil Historiador

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