EXPEDIENTE Edição: V. 3, n. 5 - maio de 2020
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Periodicidade: mensal
Revisão: a revisão dos textos é feita pelo próprio autor, não sofrendo alteração pela revista (a não ser tão-somente quanto à correção de erros materiais). Diagramação: Marcelo Bizar Capa: Marco Trindade e Marcelo Bizar Arte e Grafismo: Marcelo Bizar e Marco Trindade Imagens: as imagens não creditadas são da Internet. Distribuição: A distribuição da Revista Sarau Subúrbio é online e gratuita. A leitura da revista pode ser feita em seu sítio: https://revistasarausuburbio.com.br e nas plataformas online ISSUU e Calamèo. Notas importantes: A Revista Sarau Subúrbio é uma publicação totalmente gratuita, sem fins lucrativos. Não contamos com patrocínio de qualquer natureza. Nosso objetivo, em linhas gerais, é servir de instrumento para que os artistas que não possuem espaço de divulgação nas mídias tradicionais possam apresentar seus trabalhos, nas mais variadas formas, seja na literatura, na música, no cinema, no teatro ou quaisquer outras vertentes artísticas, sempre de forma livre e independente. Todos os direitos autorais estão reservados aos respectivos escritores que cederam seus textos apenas para divulgação através da Revista Sarau Subúrbio de forma gratuita, bem como a responsabilidade pelo conteúdo de cada texto é exclusiva de seus autores e tal conteúdo não reflete necessariamente a opinião da revista. Editores Responsáveis: Marcelo Bizar e Marco Trindade Conselho editorial: Marco Trindade, Marcelo Bizar, Silvio Marcelo, Ana Cristina e Leonardo Bruno Contato: sarausuburbio@gmail.com
EDITORIAL Queridos Suburbanos e Suburbanas estamos enfrentando tempos sombrios, além do já habitual boicote pelo qual vem passando a nossa Cultura Popular, nas três esferas da federação, fomos abruptamente surpreendidos por uma das maiores crises sanitárias da História. Tristeza, sofrimento, angústia, isolamento social, muitas mortes, já são milhares de vidas perdidas, entes queridos partindo, nossos artistas dizendo adeus, não está nada fácil. No meio de toda essa comoção social, nossa Revista completou 2 anos de existência no dia 25 do mês passado, contudo por motivos óbvios, as nossas comemorações foram suspensas, até que tudo se normalize. Assim que for possível faremos o lançamento da respectiva edição comemorativa (edição de abril impressa). Desejamos muita saúde, paz e harmonia a todos os nossos leitores e leitoras! Tradicionalmente, encerramos os editoriais citando a letra de um Samba, na esperança de estarmos contribuindo com a difusão da nossa música. Nesta edição, em especial, gostaríamos que os nossos leitores sentissem o silêncio, para então, dividindo um só pensamento, possamos dizer todos juntos, do fundo de nossa alma, em nome da nossa cultura popular tão maltratada, tão esquecida:
Dona Neném, presente! Aldir Blanc, presente! David Corrêa, Presente! Tantinho da Mangueira, presente!
SUMÁRIO 02 03 04 05 08 09 10 12 14 15 17 18 19 20 21 22 25 26 27 28 29 30 32 33 35 36 39 40
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EXPEDIENTE EDITORIAL SUMÁRIO O CASO DO BURACO EU, AUTISTA COMO SERÁ O CARNAVAL DE 2021 UMA BOA PAUTA PARA ALÉM DAS ÁGUAS QUE FINDAM O VERÃO VAI COMO PODE CARTA AOS CONFINADOS IRENE - DORINA GUIMARÃES O ADEUS DA REVISTA SARAU SUBÚURBIO - UMA PEQUENA HOMENAGEM ESTANTE SUBURBANA VITROLINHA SUBURBANA UM LUGAR NO SUBÚRBIO - MUSEU DO SAMBA DAS DESCONFIANÇAS DE UMA MOÇA UM CARA BACANA A ESTRELA DE MADUREIRA NENÉM DANDARA DOS PALMARES A CIRANDA VELHA ROUPA DE SAIR VIDA PÓS-PANDEMIA REFLEXÃO SOBRE COMEMORAÇÃO: MEUS 12 E 13 DE MAIO DE 2020 TERREIRO DE AMOR E-MAIL, UMA DOSE DE FILOSOFIA GREGA, REALIDADE VIRTUAL E ROBÔS SAUDADES SUBURBANAS BLOG DO TIZIU
O CASO DO BURACO
Era a primeira vez que visitava a cidade mineira de Fervedouro, e caminhava tranquilamente por uma estreita rua calçada por irregulares e redondos blocos de cimento, quando de repente uma criança me parou e olhando em meus olhos disse: - Moço, ali em baixo tem um buraco, e o senhor não põe o pé lá não, tá! Sem entender direito o que significava aquilo que a criança havia me falado, respondi que sim, e, querendo fazer um agrado a ela, enviei a mão no bolso da calça e tirei algumas balas que lá estavam, e entreguei para criança, que pegando as balas de minha mão foi embora, sem mais nada dizer. Permaneci parado alguns instantes esperando ouvir qualquer agradecimento da criança, mas, como ela cada vez se distanciava mais e não demonstrava que iria parar de andar para me dedicar qualquer gesto de gratidão, resolvi prosseguir o meu caminho. Depois de alguns passos ouvi a voz da criança, que certamente gritava. - O moço! O moço! Voltei bruscamente para trás e vi um pequeno ponto distante, que imaginei ser a criança agitando as mãos enquanto dizia: - Obrigadoooooo! E lembre–se, toma cuidado com o buracooooo...! E ao dizer isso saiu correndo imediatamente. Novamente fiquei parado, até que a criança sumiu de minha visão. Sem dar muita atenção ao aviso, pois não havia entendido o que ele significava, voltei a fazer o meu trajeto. Estava indo para a casa de uma tia que há muito tempo não via e desejando causar uma boa aparência, trajava-me elegantemente e seguia claramente contente, pois, as poucas horas em que estava na cidade, já havia experimentado a tão falada hospitalidade mineira, já tendo provado, por muita insistência de meus anfitriões, algumas doses da famosa “cachaça mineira”, que havia me deixado um pouco embriagado, mas ainda mantinha o domínio sobre meus atos. Continuava a descer a rua distraído em apreciar a bela paisagem mineira, onde volta e meia me deparava com algumas galinhas e pintinhos a ciscarem o chão, vendo isto, não pude deixar de pensar em Barra Mansa, de onde vinha, pois se por acaso deixassem estes animais a solto por lá, estes já teriam virado o jantar de alguém. Refletindo sobre isso dei uma gostosa e sonora gargalhada e continuei o
Continuava a descer a rua distraído em apreciar a bela paisagem mineira, onde volta e meia me deparava com algumas galinhas e pintinhos a ciscarem o chão, vendo isto, não pude deixar de pensar em Barra Mansa, de onde vinha, pois se por acaso deixassem estes animais a solto por lá, estes já teriam virado o jantar de alguém. Refletindo sobre isso dei uma gostosa e sonora gargalhada e continuei o meu percurso quando a alguns metros à minha frente avistei um buraco. Imaginei ser este o buraco que a criança a pouco havia me dito e tomado por uma imensa curiosidade, me aproximei do mesmo e fui analisá-lo. - O que será que é isto? – Pensava. – Deve ser um tanto interessante, caso contrário, a criança não haveria de ter me alertado. Abaixei e tentei olhar em seu interior, mas como já estava anoitecendo não consegui ver nada. Sendo assim, me levantei e olhei ao redor, na expectativa de avistar uma vara ou qualquer outro pedaço de pau para colocar dentro do buraco, mas, não conseguia ver nada, apenas uma velha árvore que parecia persistir a morte, haja vista que a mesma estava completamente seca e sem folhas. Indo até a árvore, segurei um de seus galhos e forcei para quebrá-lo, mas tive que fazer bem mais força do que imaginara, pois apesar de estar seca, sem folhas e os galhos aparentando estar podre, a árvore permanecia bem forte, exigindo de mim uma força nunca antes empregada, mas aos poucos, o galho foi cedendo e rompeu num estalo rachando para depois quebrar. Mais aliviado, pois houve momentos em que pensei não conseguir quebra–lo, peguei o mesmo e me encaminhei para o buraco, quando avistei um homem que parado ao lado do buraco observava–me. Envergonhado por haver arrebentado a árvore, procurei dizer alguma coisa na intenção de quebrar o gelo. - Tarde! – Disse amigavelmente. - Boa tarde. – Respondeu o homem sarcasticamente. - O buraco pode ser perigoso e alguém pode cair ou agarrar o pé nele, vou colocar este calho lá para sinalizar. – Justifiquei-me. Mas o homem não disse nada, tão pouco demonstrou interesse no assunto, e sem se despedir voltou a caminhar. Aguardei algum tempo esperando o homem se afastar por completo, e me encaminhei novamente ao buraco, onde coloquei o galho que estava em minhas mãos, o mesmo, entrou apenas alguns centímetros e depois parou no chão firme. Diante disso, a minha curiosidade aumentou ainda mais, pois, pelo tamanho do buraco ele não ofereceria perigo algum. E então, por que a criança havia me alertado do seu perigo? Abaixei novamente e observei o objeto de minha curiosidade. – O que deveria haver neste buraco? – Pensei. Quis enfiar a mão, mas me contive, deduzindo que era possível haver um bicho para me ferir.
No entanto, a curiosidade era muita, e de qualquer modo se houvesse algo de perigoso no buraco era melhor que eu verificasse, antes que uma criança pudesse se machucar. O jeito foi eu mesmo fazer o teste, iria me sacrificar em benefício da cidade que tão bem me acolhia. Por alguns minutos refleti qual seria a melhor forma de averiguar o buraco. Se enfiasse as mãos, poderia haver um bicho, como já havia pensado, e ele ferir elas; mas se colocasse o pé nada iria acontecer, pois o mesmo estaria protegido pelo sapato, que, diga-se de passagem, são de couro legitimo. Decidido e não mais me aguentando de curiosidade, tirei o galho que ainda estava no buraco, me ajeitei, e quando ia colocar o pé, excitei por um momento, pois tive a ligeira impressão de ouvir uma voz. Olhei ao redor, e como não vi ninguém, ou ao menos voltei a ouvir qualquer outro barulho, levantei a barra da minha calça e coloquei lentamente o meu pé no buraco. Meu pé coube perfeitamente, parecia ter sido feito de acordo com o meu número. Ao contrário do que pensei, no buraco não havia nenhum bicho, aliás, não senti nada, absolutamente nada, o buraco estava vazio. Desapontado, pois havia perdido o meu precioso tempo, mas ao mesmo tempo aliviado por não ter um bicho ali, me preparei para retirar o pé quando vi duas crianças saírem de um beco escuro à minha frente. Reconheci uma das crianças, era a mesma que me alertara a respeito do buraco, mas a outra, não me lembrava de ter visto. A criança que havia reconhecido olhou para mim, depois para seu amigo e gargalhando disse–me. - O moço! Eu não falei para você ter cuidado com o buraco! Após falar isto, as duas crianças sentaram no chão dando sonoras gargalhadas. Não compreendendo o que estava acontecendo, retirei imediatamente o pé do buraco e vi o meu sapato coberto por uma substância escura que de início pensei ser lama, mas, ao tirá-lo e levá-lo perto do nariz, percebi que não era lama, mas sim cocô que as crianças haviam jogado ou feito dentro do buraco. De repente, a minha vista escureceu, e fui tomado por uma raiva jamais sentida, e sem controle sobre meus atos, saí correndo, igual a um desesperado, atrás das crianças, que percebendo o meu estado, saíram correndo e gritando por seus pais. Por algum tempo corri, sob os olhares horrorizados da vizinhança, atrás das duas crianças. Mas exausto, e sem ter conseguido ao menos chegar perto delas, desisti de persegui–las e voltei para casa onde estava hospedado, me esquecendo inclusive de pegar o meu sapato, que ficou jogado, perto do buraco.
Celso Ricardo de Almeida * Os desenhos são de Celso Ricardo de Almeida
EU, AUTISTA O outro não me enxerga. Um silêncio rompido num som sem sentido. Uma canção que me acalma, para os outros, só um gemido. Um balançar constante, num sonido tilintante, minha segurança, para os outros barulho irritante. Luzes ofuscam a visão, confundem meus sentidos, me causam dores, para os outros são cores. Palavras não fazem o menor sentido, incomodam meus ouvidos, a comunicação, pra mim são ruídos. Rio, choro, corro, salto, é um pouco aflitivo, só estou sendo livre. Neste mundo louco, de amores, divergências, dissabores, alegrias, tristezas, humanidade, gentilezas, maldade, escárnio, poesia, beleza, o louco sou eu, autista.
Da n i e l a C o i m b r a
COMO SERÁ O CARNAVAL DE 2021? Haverá desfile de escolas de samba? Tenho minhas dúvidas. Quando o Corona vírus chegou aqui no Brasil, doença transmitida por um vírus desconhecido e que surgiu na China, espalhando-se pelo mundo, aqui no Rio de Janeiro e em outros Estados do Brasil, começaram uma quarentena, especificamente no mês de março, para diminuir aglomeração de pessoas e com isso evitar que o vírus se espalhe de uma forma agressiva, contaminando muito mais pessoas. Providências foram tomadas pelo governo do estado e pela prefeitura para conter o avanço da doença. Foram fechadas áreas do comercio, áreas de serviços, e demais atividades não essenciais, além de redução de transporte, com trabalhadores interrompendo a rotina de trabalho para ficar em casa no isolamento social. O alto custo dos serviços de saúde que o tratamento de vítimas de Corona Vírus impõe vai ser motivo para o estado e a prefeitura se neguem a gastar com o carnaval. Com a economia parada, as empresas privadas não entrarão com dinheiro e provavelmente a emissora de TV que transmite e que gosta de retorno rápido em virtude da situação e da opinião pública, certamente vai colocar empecilho. As escolas de samba principalmente as do grupo principal, costumam retomar seus trabalhos para o próximo ano, um mês após o termino do carnaval do momento. Neste cronograma tem montagens de desmontagens dos carros, definição do tema, escolha do samba enredo, confecção de fantasias, dos carros alegóricos. Até a economia se normalizar, tudo vai ser uma incógnita, seja na área cultural, seja na área social. Será que haverá desfile? Vai ser muito difícil. Em consequencia os grupos de acesso, seja da Lierj, que desfilam no Sambódromo sejam os da Liesb que desfilam na Intendente Magalhães, também sofrerão com as medidas tomadas pelo governo, necessárias para minimizar a proliferação da doença. Já existem escolas de samba com enredos definidos e outras definindo, sem levar em conta a situação atual. Enquanto durar esta luta da Saúde contra o Corona Vírus é imprevisível o futuro do carnaval no Rio de Janeiro e em particular os desfiles das escolas de samba.
Onesio Meirelles
UMA BOA PAUTA
Você é importante para quem? É fato que desempenhamos diversos papéis em nosso cotidiano e muitas das vezes não nos damos conta, vou apresentar uma pequena lista do que você assume ser consciente ou inconscientemente; veja: Pai, Mãe, Filho, Filha, neto, neta, avô, avó, namorado, namorada,esposa, marido, sobrinho, sobrinha, Tia, Tio, irmão, irmã, Professor, Professora, aluno, aluna, estudante, motorista, militar, radialista, médica, artista, sogro, sogra, genro, nora, enfermeiro intensivista, amigo, amiga, empregado, funcionária, empreendedor, empresária é enorme e não acaba essa lista, os papéis guiam nossa caminhada no planeta apesar de uma pandemia se instalar produzindo isolamento familiar e distanciamento social, ela cruzou a estrada derepente mesmo que filosoficamente sem existir, pois o vírus não faz parte do reino animal, ainda assim seguimos aprendendo sobre a Vida e com muita Fé vamos rumo a descoberta de uma vacina que proteja quase toda a humanidade que deseja ser protegida ( descobrimos que uma parcela dos seres humanos não se interessa por isso ). Aqui no Rio de Janeiro a partir da década de 70 tivemos difundida através de rodas de samba e gravações de LPs ( long Plays ) uma cultura que se espalhou pelo Brasil graças a ação de um agente importantíssimo em nossa sociedade; de um papel super decisivo nesse contexto; foram os jornalistas responsáveis diretos por mostrar ao povo Brasileiro uma constelação de compositores, compositoras, cantores, cantoras, percussionistas enfim músicos e artistas do samba chamado pelos cariocas de Raiz. Nessa época os Jornais impressos, revistas, rádios AM e redes de TV começaram a propagar uma cultura até então apenas difundida entre famílias e seus quintais pelo subúrbio e baixada fluminense. Se olharmos pelo retrovisor do tempo iremos encontrar uma origem bastante rural nas tradições e forja do que hoje é o democrático e urbano samba. Segundo o Mestre cantador Gilberto Gil existem duas grandes dinastias dentro do cenário musical brasileiro, uma delas é o Baião e a outra o Samba, tudo acontece baseado nessa dupla raiz. Aqui estamos em dois mil e vinte cercados por tecnologia e formas diversas de ouvir, ver e curtir musica e uma delas é frequentar as rodas de samba das mais diversas vertentes e gostos; pois o batuque é democrático e está bem vivo (hoje no formato live inclusive) na cena cultural carioca; e nesse contexto a minha duvida é a seguinte: qual é o quantitativo de pessoas que gostam e curtem rodas de samba aqui na cidade do Rio de Janeiro? Qual é o perfil de quem frequenta os sambas que acontecem de segunda a Domingo na capital fluminense?
Essas rodas de samba de raiz sĂŁo importantes para quem? Pode ser uma boa pauta.
(Fotografia do Mestre IerĂŞ Ferreira( Wilson Moreira e Tantinho da Mangueira )
Rodolfo Caruso Poeta todo dia
"PARA ALÉM DAS ÁGUAS QUE FINDAM O VERÃO...!" Uma folha de jornal baila entre a calçada e a rua ao sabor do vento. Num dos raros momentos em que ela deixa de vagar, um pedinte, afeito à leitura de letreiros de lojas e de panfletos colados em postes tenta sem sucesso ler a manchete estampada naquela fração do diário. De súbito, um redemoinho arrasta o impresso, que volta a dar rasantes sem destino pela grande avenida. Pouco distante dali, pessoas com rostos pálidos trocam olhares enquanto atravessam uma das faixas de pedestres, num vai e vem confuso. Todos de lábios cerrados incapazes de produzir o mais efêmero som. O sinal abre e os carros se movimentam em marcha lenta e os seus respectivos motoristas procuram os destinos por aplicativos. A paisagem celeste se torna cinza ao absorver a maciça produção de monóxido de carbono. Igualmente cinza, são os postes, as paredes, o meio-fio, as calçadas e os rostos comprimidos nas soleiras dos prédios. Nas ruas estreitas e perpendiculares às grandes avenidas, ambulantes esticam panos ao chão, tentando fisgar um freguês ou outro com a última novidade da China. Numa esquina, uma banca vende balas, chicletes, chips, bilhetes de loteria (eles ainda existem), revistas plastificadas, cigarros por unidade e até jornais. Seu dono, usando um espanador, tira a poeira e mais três pivetes que faziam merchandising de marca de água mineral com garrafas vazias na porta da banca. Anoitece na cidade. Buzinas frenéticas tocam uma sinfonia de duas notas musicais e revelam a pressa de se chegar ao próximo engarrafamento. As primeiras luzes acesas trazem consigo o ritual de portas arriando e cadeados sendo batidos. Incontinente, centenas de pés marcham em diferentes sentidos. Seus destinos, próximos ou distantes, eram suas casas. Nos pontos de ônibus, na estação ferroviária ou das barcas, filas se formavam e se desfaziam em segundos, num ir e vir de causar inveja a um enxame de abelhas operárias. Todos iguais em movimentos e expressões, mas diferentes em pensamentos. O cinza do céu se transformou numa chuva fina que incomodava. Nesse momento, um senhor dobra a esquina. Passos lentos, curvado pela idade, ele carregava o peso de décadas de labuta. Trajava um terno marrom surrado, sem gravata e com um chapéu de feltro desbotado da mesma cor do terno. Numa das mãos carregava uma pasta que não mais fechava e na outra, um guarda-chuva. Seguiu em direção ao ponto de ônibus arfando a cada dez passos, tornando-se o “último provisório” da fila.
Poucos minutos depois, os passageiros adentraram ao coletivo. O senhor percebeu que não havia mais lugar para sentar-se. Por outro lado, não percebeu o respeito à lei ou um lampejo de solidariedade. Ambos não entraram no ônibus. Os outros passageiros, autômatos, presos às telas dos seus celulares, ignoravam o que se passava ao redor. O senhor posicionou-se em pé no veículo, que seguiu o seu trajeto. Sem muita alternativa, o velho homem desviou o olhar para a paisagem externa, percebida através dos 75% de transparência dos vidros das janelas. A chuva aumentou e o mesmo aconteceu com a abstração daquele passageiro que, com o olhar cansado, tentava acompanhar os trajetos das gotas que escorriam pelos vidros laterais. De repente, se fixou numa gota em especial e acompanhou-a até se desfazer na calha. Assim o fez com outras tantas. Diante da falta de atenção dos que o cercavam, seria aquele o seu passatempo da viagem. Após uma hora e meia, a chuva parou providencialmente. O velho senhor chegara ao seu destino. Porém, antes de saltar, deu uma última olhada para o interior do ônibus, em vão, pois a cena continuava a mesma. Decepcionado, desceu os degraus e observou alguns pedaços de jornal grudados ao pára-choque traseiro. Num deles, leu trechos de uma manchete semi borrada, que dizia: “GOVERNO ANUNCIA ISOLAMENTO SOCIAL URGENTE”! E, enquanto o coletivo se afastava, produziu um sorriso, misto de ironia e desolação, e seguiu seu caminho para casa.
Silvio Silva
VAI COMO PODE Do Subúrbio lá vem ela É ela que vai passando na tua janela Do Subúrbio lá vem ela Eu t’espero a noite toda só te ver passar, minha Portela Eu vou como posso a Oswaldo Cruz Cantar a senhora Nunes que me seduz, Que, com sua voz Clara, me conduz a Madureira, minha terra de Luz. Vai Como Pode! Sim, eu vou Vou sambar com Dona Esther e seu Heitor E com todo amor vou esperar A noite toda só pra ver ela passar Se a vida me fez Suburbano, O Subúrbio me fez Portela Peço a Padroeira lá na Capela Pra abençoar mais este ano Nos Cordões encanta, Nos Trilhos do Trem se trilha a História Paulo Benjamin de Oliveira canta E a Portela nasce para a Glória. A Cartola eu saúdo a Estação Primeira, Ao Seu Silas, a Coroa Imperial Saúdo também a Vila e a Vizinha Faladeira. Saúdo todos os bambas juntos Mas amo mesmo de Oswaldo Cruz, o Conjunto Sim, entrou pra História, pois nasceu a Portela.
Ar th u r G a b r i e l
CARTA AOS CONFINADOS Pra quem me lê do seu lugar de confinamento... Sou um educador e entendo o meu ofício como missão. O aprendizado é um processo inesgotável e sem domínio, mas com possíveis aproximações e reflexões. O medo do futuro, os recursos do presente e a avaliação de um passado construído em bases frágeis e impotentes nos leva a um mal-estar. A cada notícia, um transtorno, um dado alarmante e nenhuma convincente previsão. Nenhum de nós domina uma pandemia como a causada pelo coronavírus (COVID-19). Por enquanto não há pesquisador, médico, especialista, líder religioso ou mundial suficientemente preparado. Qualquer que seja a área de atuação, os limites se revelam maiores que os nossos saberes e, por isso, o momento pede calma para perceber... ... Perceber que é indispensável um filtro de informações, pois há quem perca tempo produzindo notícias falsas e sensacionalistas, sem a menor empatia por quem atravessa esse mar revolto de preocupações. ... Perceber que o olhar negativo parece maior se comparado a algo positivo, quando muito se agrava nas nuances psicológicas que atravessam nosso corpo. ... Perceber que um corpo não é só um corpo, mas também, e principalmente, um local de emoções que não se constrói com halteres e anilhas de academia. ... Perceber que, aspirando a um aprendizado positivo nessa difícil experiência, podemos estimular novos padrões de pensamento e atuação. ... Perceber a necessidade de se criar um novo cotidiano, que não teríamos em outra circunstância, fazendo desse momento uma realidade alternativa. ... Perceber que o tempo depende de nossa relação estabelecida com ele, atuando entre a angústia da pressa e o tédio da calma. ... Perceber que o nosso conhecimento é uma parcela pequena do muito que temos por conhecer, rever ou reconhecer. ... Perceber que nossa humanidade está convocada a tatear os equívocos do egoísmo que nos cega e ensurdece, para então reaprender a enxergar e ouvir o que se expressa como vida. ... Perceber que essa mesma vida é uma carona fora dos desejos de um carro próprio, a qual depende de sinais, acenos e solidárias paradas. ... Perceber que planejamentos são desviados e estratégias se fazem necessárias nessa estrada que parece ter apenas duas direções: prosseguir ou sucumbir. ... Perceber que as direções passam pelas escolhas, nas quais podemos nos perder, nos arrepender ou até mesmo recuar. ... Perceber a força de cada braço, a vibração de todo pensamento e, nesse parcial isolamento, a experiência da globalização.
Vivemos em uma era de conexões possíveis: virtuais, afetivas, espirituais, sensíveis, locais, mundiais... Em um tempo de remover as montanhas do desânimo com o filtro das inúmeras informações e sensações que nos chegam. Nós, de onde estamos, não deixamos de aprender ou viver. Recursos não nos faltam para isso. Livros, celulares, vídeos, computadores, aplicativos, YouTube, TV, Netflix, internet, canções, reportagens, Spotify, sonhos... Sonhos! Nesse momento lembro que Milton Nascimento canta que “sonhos não envelhecem”! No desconcerto dos dias que se vão e nos levam pela insegurança e pelo ruído das expectativas, crer nesse cenário como nuvem passageira ou mancha que se desbota não é uma ordem, notícia ou mensagem de autoajuda. É um exercício, um investimento fora do mercado de capitais, mas dentro da motivação e do fôlego de vida. É um atalho construído dentro de nossos espaços, mapeado e calculado, sim, dentro do tempo necessário de espera. No entanto, a espera não define a ausência de ações ou conexões. Ao contrário, ela pode ser preenchida por afeto, foco, aposta, fôlego, criatividade, fé e esperança – não de voltar, mas de avançar dentro e após a vitória nessa difícil experiência. Sigamos guerreiros e guerreiras, afinando corpos, mentes e corações nessa batalha diária. Aguardo vocês no tempo dos abraços e apertos de mão sem a necessidade de água, álcool em gel ou sabão.
Wallace Araujo de Oliveira Mestre e Doutorando em Psicologia Social (PPGPS-UERJ), Turismólogo (UFRRJ) e Artista-Bailarino (SPDRJ).
I R E NE Estava na praia tentando ler e uma menina me chamou atenção, ela rodopiava, como se tivesse querendo alcançar o vento, seus olhos brincavam de alegria. Quando entrei na água, seu olhar me seguiu, perguntei quer vir? Mas ela não respondeu e continuou a me olhar. O mar estava refrescante, a praia da tartaruga em búzios, era agradável, principalmente para as crianças. Louca para ver as tartarugas, não prestei atenção quando a menina dos olhos que brincavam pegou minha mão pra dançar, roda ela dizia. Por baixo me passava a perna para que eu deitasse, repetindo sempre : “ gostoso dançar na água” e ficamos ali, com certeza arrancando gargalhadas do vento. Como deve ser bom só querer dançar na água pra ser feliz. Veio meu filho me cobrar por que não vamos nisso?, porque não fazemos aquilo? e eu lhe respondi , to dançando não tá vendo? Cadê a música, mãe? Ele pergunta, e a menina dos olhos que brincam responde, você não tá escutando o vento, a musica dele balança a gente e a gente dança. Ela estava na excursão de um abrigo local. Uma das voluntárias, veio me falar o nome dela é Irene, tem 12 anos, vivi no abrigo há quatro anos. Depois da morte de sua avó nenhum dos irmãos quis ficar com ela, diziam que dava trabalho, que não tinham tempo, nem dinheiro pra cuidar de uma criança especial”. Contou que para acalmá-la durante as crises, tiveram a idéia de colocá-la na pequena piscina da casa e foi assim que descobriram como acalmá-la. Começaram a utilizar o método Irene nas outras crianças e viram, que também se acalmavam. Sensibilizada com a história, pedi o endereço e prometi visitá-los. E assim foi, toda vez que podia, dava uma passada lá e levava Irene pra passear. Tinha a mesma idade do meu filho, que depois dessa convivência, virou outra pessoa. Começou a prestar mais atenção nas pequenas coisas que podia fazer, sem precisar pegar o celular. Amanhecia já cantando e sem precisar mandar a seus afazeres, ele de pronto já os fazia. E foi assim que adotamos a Irene, fomos morar numa casa com piscina e uma vez por mês convidávamos as amiguinhas dela do abrigo para tomar banho de piscina e dançar com o vento. A nossa Irene dos olhos que brincavam, hoje ensina a dança às outras meninas e meninos que vão pro abrigo. Aos 14 anos ficou perturbada com sua nova condição de mocinha, achava que o vento não mais lhe concederia a dança, mas o medo se dissipou, com o entendimento da natureza da mulher. Obrigada vento, mar que me trouxe essa menina de olhos que brincavam para que eu entendesse que tudo isso aqui é passageiro, e cheio de boas armadilhas. É só se desarmar e amar. Dançar é essencial pra vida. Obrigada Irene.
Do r i n a G u i m a r ã e s
O ADEUS DA REVISTA SARAU SUBÚRBIO – UMA PEQUENA HOMENAGEM
Yolanda de Almeida Andrade, mais conhecida como Dona Neném (19/03/1925 – 04/05/2020), Suburbana ilustre, das mais antigas integrantes do GRES Portela, grande matriarca, importante referência do carnaval carioca, viúva do compositor Manacéa.
Aldir Blanc Mendes (02/09/1946 – 04/05/2020), Letrista, Compositor, Cronista, Médico, autor de grandes clássicos da Música Popular brasileira, dedicou boa parte de sua obra a retratar em alto nível, as paisagens e personagens Suburbanos.
David Antonio Corrêa (05/06/1937 – 10/05/2020), Cantor e Compositor, gravado por importantes artistas da música brasileira, se notabilizou pela composição de alguns dos maiores Sambas de enredo do carnaval.
Devani Ferreira (21/08/1947 – 12/04/2020), conhecido pelo público como Tantinho da Mangueira, foi Cantor e Compositor, cria do Morro de Mangueira, deixou seu nome gravado na História do Partido Alto.
ESTANTE SUBURBANA
M ú s i c a e Bo e m i a
A autobiografia perdida de Catulo da Paixão Cearense Catulo da Paixão Cearense
V I T R O L I N H A S U BU R BA N A
UM LUGAR NO SUBÚRBIO
M U S E U DO S A M B A Não tem como falar de Rio de Janeiro sem falar de samba! Além de curtir o melhor do ritmo no Carnaval e nas rodas que acontecem o ano todo na cidade, você também pode conhecer mais sobre a sua história no Museu do Samba. Aos pés do Morro da Mangueira, ele é considerado o maior centro de referência da memória do gênero no Brasil. A organização cultural sem fins lucrativos foi criada como Centro Cultural Cartola, em 2001, por netos do sambista. É um espaço de valorização do samba e da sua gente, com mais de 45 mil itens de acervo, entre pinturas, fotografias, indumentárias, estandartes, livros… Muitos doados pelos próprios bambas ou pelas famílias. Por lá, o público confere exposições de longa duração, entre elas “Ocupação 100 Anos do Samba”, que apresenta objetos raros como um terno de Zé Ketti, instrumentos musicais criados por sambistas e figurinos usados na Sapucaí. Já os espaços “Simplesmente Cartola” e “Dona Zica da Mangueira e do Brasil” homenageiam os dois ícones da nossa música com itens doados pela família: manuscritos de composições e demais textos de Cartola, fotografias, o convite do casamento, roupas e acessórios usados por Zica, e mais. Além de apreciar, qualquer um pode consultar todo esse acervo para pesquisa. A programação conta ainda com rodas de samba, palestras, encontros, capacitações, oficinas, entre outras atividades que fortalecem o processo de salvaguarda do samba enquanto Patrimônio Cultural do Brasil.
* Texto em: https://catracalivre.com.br/agenda/museu-do-samba-rio-de-janeiro/
DAS DESCONFIANÇAS DE UMA MOÇA IPTU. Eram essas as letras que se mostravam, altivas, na parede interna do prédio da prefeitura da cidade, onde aquela moça aguardava a abertura da sala da perícia. Os servidores municipais conhecem muito bem esse lugar e as sensações de nele aguardar pelo médico a medir aptidões. Saiu de lá mais aliviada do que feliz, como houvesse se livrado daqueles sermões e castigos que as crianças muitas vezes recebem sem motivo evidente. Elevador, escada, passarela, metrô, mais passarela, ônibus e caminhada para, enfim, chegar à morada. A moça não sabia (e quem poderia saber?) que a sua vida mudaria completamente em breves dias e que aquela teria sido a sua última experiência em passeio e transporte públicos nos moldes habituais. Uma doença havia na China, que ela até sabia, assim por alto, mas que, inesperadamente e num sobressalto, recebeu a alcunha de pandemia, ganhando com isso seu passaporte para viajar pelo mundo, sem restrição. E foi nessas andanças que a tal doença em terras verde-amarelas chegou. Pindorama assim se tornou epicentro de um pesadelo com nome e sobrenome, como salientou um tal então Ministro. COVID-19 e Coronavírus foram as duas palavras que a moça passou a ouvir em sua televisão a cada 10 segundos. Em tempos de covid-19, no combate ao covid-19, como evitar a contaminação pelo covid-19, o aumento do coronavírus, o número de mortos por coronavírus, os hospitais de referência para o tratamento de coronavírus. E foi assim que, entre um dormir e um acordar, todos os ambientes passaram a acomodar esse ar, em seus debates, em suas causas, em suas consequências e em sua realidade. A moça então buscou informar-se sobre essa doença, que sequestrou repentinamente as suas tardes de sol, as suas caminhadas e os encontros com os amigos. Não roubou muita coisa valiosa, pois essa moça pouco tinha, mas levou consigo seus pequenos tesouros, exigindo para o resgate valores que ninguém poderia pagar. Informando-se, a moça ouviu dizer que a tal covid-19 era muito democrática (democrática?) porque não escolhia classe social. Mas ela desconfiou de que essa democracia não era exatamente a que aprendeu na escola, porque no povo estão incluídos os velhos. Como assim democrática se não escolhe conta bancária, porém seleciona cuidadosamente os idosos? Como excluir do demo (que aqui não é o bicho-ruim) aquelas pessoas que continuam trabalhando e contribuindo com os tributos à nação, além de alimentar seus netos e oferecer-lhes teto? A moça recebeu uma ligação e, antes mesmo que pudesse compreender tudo o que se passava no mundo, no seu país e no seu interior, viu-se compelida a ajudar uma conhecida que, desesperada, lutava pela saúde dos seus. O marido, acometido por essa democracia, aguardava em uma cadeira hospitalar pela sorte de ser contemplado com um leito de UTI. Morreu. Faltou-lhe direito de se utilizar de direitos fundamentais...
A moça de nossa história não era muito esperta, mas podia perceber que a cada dia crescia o número de pessoas que recebiam um diagnóstico e um terço para rezar à fé. E quantos milagres acontecendo sem que ela estivesse vendo? Quantas notícias boas omitidas para se apoiar um genocida? Nossa moça tinha lá as suas desconfianças... De que importa essa omissão se o próprio presidente explicita a sua indiferença na televisão? E daí? Era essa uma pergunta para a qual ela não tinha resposta. De um lado, a população rasa de alimentos e cheia de boletos a vencer. Do outro, também a população, só que rasa de tarefas, cheia de tempo dentro de casa e de dicas e sugestões para fazer desse caos uma oportunidade para crescer. A moça, todavia, sabia que eram necessárias terra adubada e água para uma planta se desenvolver... E, em sua cabeça, mais uma vez essa democracia se desfez. De repente, nossa Vera Cruz era partícipe de uma guerra, com todos os seus elementos: militares, navios de carga, aviões da Força Aérea, embates diplomáticos, incontáveis feridos em hospitais de campanha e mais incontáveis hospitais feridos de insumos, de obras e de inauguração. Guerra. A moça ouvia muito nos noticiários as autoridades dizendo que essa guerra tinha um inimigo invisível, o famigerado vírus. Mas nossa moça, que desconfiava de muitas coisas, também desconfiava de que, embora também espectro, não seria bem um fenômeno biológico que se levantava indomável, furioso e democraticamente contra o planeta. Ela suspeitava que esse fantasma poderia ter origem no manuseio do capital e na força que ele assume nas quedas de braço com a fragilidade humana. O valor da vida... Compreender a capacidade das pessoas de tornar corriqueiro e factoide o número superior a 200, 300, 700 mortes por dia? Isso ela não conseguia... Ela não podia apostar na hipótese de uma higienização social porque não lhe apresentaram os projetos oficiais de branqueamento da população, muito bem empregados em terras de pau-brasil. A moça dessa história ainda sofria a perda de um amigo na cadeira da UTI quando ela tentava imaginar rosto e história e pessoa para 751 números! Isso ela não conseguia... E no fundo ainda sabia que não era coincidência que, de repente, tantas outras mortes de tantas outras doenças apareciam. Em Curicica, essa moça conhecia outra moça, chamada Dona Evaristo, que vendia doces para cobrir despesas de sua família. Além de viver esse pesadelo, Dona Evatisto agora pensava em como deixaria de morrer, à rebeldia, não só de doença, mas também de fome. Palavras estrangeiras que não funcionam como no estrangeiro. Lockdown em um país no qual mais da metade da população vive da informalidade, como a dela, significa morrer de fome trancado, sem o direito de agir instintivamente, trabalhando para sobreviver. Mas trabalhar significa o risco de ser contaminado, de adoecer e de transferir essa doença para outras pessoas. Risco de adoecer e de morrer... A moça então começou a desconfiar que lockdown era um sacrifício. Sacrificava Dona Evaristo a própria vida, seja por fome ou por doença, para que outras vidas mais importantes, e talvez mais frágeis, pudessem sobreviver. Eram aquelas mesmas vidas que se sentiam no exclusivo direito de vestir as imaculáveis camisas da seleção... A moça da nossa história e a Dona Evaristo ainda não sabem bem quando voltarão a andar pelo passeio público e a pegar os transportes modais com os velhos problemas habituais, pois os novos problemas fizeram aqueles
pequenininhos. Não sabem de quase nada, mas entenderam que as suas vidas estão na cota do sacrifício heroico em prol do desenvolvimento econômico da nação. Em suas casas, aqueles que mereceram a bem-aventurança aguardam impacientemente isso tudo passar, enquanto tantas moças como a nossa continuam com o coração angustiado, vulneráveis, seja pelo vírus biológico ou pelo econômico. Na televisão, ecoam as vozes que reiteram não haver o que fazer, que afirmam que o país não pode parar, que, apesar de messiânicos, não fazem milagres. Contudo, elas combinaram de não morrer.
Dé b o r a C o s t a
UM CARA BACANA Poeta, um cara bacana Da alma carioca um cronista Compositor, tremendo artista Sua poesia as palavras engalana Nos botequins mais vagabundos Equilibrista entre razão e emoção, Coitados, heróis, ruas e submundos Presentes no seu panteão Na porta da tinturaria estão Anti-heróis, fracassados, esfarrapados Comovidos por todos os lados Marias, Clarisses, Manés e o João Cai a tarde passando a sujo o Brasil Os Orixás presentes no gurufim O povo reunido, sentimentos a mil Sabemos que sua história não tem fim Sempre o coração de um menino Torcedor, um grande vascaíno Que nos faz chorar e sorrir Para sempre: salve, Aldir!
Douglas Adade
A ESTRELA DE MADUREIRA Nascida em 1924 em Niterói, Zaquia Jorge descendia de sírios e portugueses. Iniciou sua carreira de corista na companhia teatral dos pais do ator Daniel Filho, destacando-se ao lado de Dercy Gonçalves, entre outros. Em 1951 comprou uma casa na rua Carolina Machado, inaugurando no ano seguinte o Teatro Madureira, apesar de nenhum apoio do Serviço Nacional de Teatro e de tentativa de embargo judicial durante as obras. TREM DE LUXO, sátira sobre os trens suburbanos, de Freire Jr. e Walter Pinto, foi o espetáculo de estréia. Com o público pequeno, a maioria dos atores desistia da empreitada e Zaquia apostou em jovens artistas e funcionários, a quem dispensava tratamento respeitoso, inclusive providenciando transporte para casa e passeios em dias de folga. Aos poucos os suburbanos passaram a freqüentar mais o teatro. Até que num dos passeios com os colegas teatrais na Barra da Tijuca, ocorreu a tragédia: Zaquia Jorge morreu afogada aos 33 anos em 1957. Cerca de 4 mil pessoas foram ao enterro, comércio fechado, caixão com as bandeiras do Madureira, Portela e Império Serrano (que sempre recebiam ajuda financeira e empréstimo de costureiras de Zaquia). Já no ano seguinte veio a primeira homenagem musical: Madureira chorou, de Carvalhinho e Julio Monteiro, empresário da atriz. Em 1975, o Império Serrano se apresentou com o samba-enredo Estrela de Madureira, de Avarese, mas foi a composição de Cardoso e Acyr Pimentel, gravada por Roberto Ribeiro, que se tornou um verdadeiro hino da escola e do próprio bairro de Madureira, onde a estrela brilhou.
Orl a n d o Ol i v e i ra
NE NÉ M O céu acordara azulzinho. Como há muito tempo não esboçava. Depois que Sassá perdera o comando da favela para seu ex-aliado – Neném – o morro vivia em paz. O novo dono da comunidade era respeitoso com os moradores. Especialmente com as crianças e os idosos. Afinal, ele era nascido e criado ali. Finalmente, chegara o dia ansiado pela petizada: São Cosme e São Damião. No ano anterior, essa data passara em branco. Neném mandou a rapaziada do “movimento” distribuir doces e brinquedos para meninos e meninas. Essa prática fora suspensa por Sassá. Questão de religião. A mais recente tentativa de retomada do poder fora rechaçada violentamente pelo atual mandante há seis meses. Pipas, bolas de futebol, bonecas, carrinhos elétricos, velocípedes, livros. E doces. Muitos e variados doces. Pelos olhos de Neném, assistindo às crianças brincando, passava toda uma infância desassistida. Sem brinquedos. Sem escola. Sem saúde. Sem pai. Sem lar. Sem nada. Dir-se-ia que por alguns instantes, seus olhos azuis se iluminaram. De repente, deu-lhe vontade de participar de uma pelada disputada no alto da favela. Pediu a um menino que segurasse o seu AK-47, enquanto ele jogava. Quando mais jovem, era muito habilidoso. Jogava no meio-campo. Fora levado por “Seu” Toninho para tentar a sorte no Bangu. Naquela época, o clube de Moça Bonita gozava de prestígio. Classificara-se para a final do Brasileirão. No entanto, num treino, em que fizera dois gols, foi atingido no joelho esquerdo. Nunca mais de recuperou. O médico de plantão no hospital público a que fora levado depois de um rápido exame, enterrou, de vez, seu sonho de futuro craque. O céu, antes sem nuvens, repentinamente, acizentou-se. Prenúncio de temporal. No meio da pelada, seu joelho falseara. Caiu. Dor intensa. Nesse momento, ouviram-se muitos tiros. Tentou levantar-se. Cadê o moleque a quem entregara o fuzil? Olhou em volta. Em vão. Sua camisa branca, começou a avermelhar-se. Tiros de diversos calibres acertaram-lhe as costas.Seus grandes olhos fitaram, já sem vida, o céu. Sassá voltara.
Jorge dos Santos Nascimento
DANDARA DOS PALMARES Na Serra da Barriga se estabeleceu o Quilombo de Palmares, que lá pelos idos do século XVII, era a Capitania de Pernambuco, atualmente o Estado de Alagoas. O acesso ao quilombo era dificultado pela geografia do local, cuja vegetação era densa. Dandara, uma mulher negra, verdadeira heroína brasileira, é sempre descrita como uma grande guerreira, dominando a capoeira. No Quilombo de Palmares, lutava nas batalhas ao lado de homens e de outras mulheres e fazia outras atividades cotidianamente, tais como caça e agricultura. Juntou-se, ainda menina, ao grupo de negros que lutavam contra o sistema colonial escravista. Dandara foi muito importante para manutenção do Quilombo do Palmares. Os ataques ao quilombo eram frequentes. Com a invasão holandesa, os ataques a Palmares se intensificaram, isso se deu lá pelos idos de 1630. A narrativa que se conhece em torno de Dandara informa que ela foi fundamental para o rompimento entre Zumbi dos Palmares e Ganga-Zumba. É que Ganga-Zumba, tio de Zumbi, e que era o primeiro grande chefe de Palmares, teria feito um acordo, espécie de tratado de paz, com o governo de Pernambuco. O documento dizia que o governo libertaria todos aqueles feitos prisioneiros durante confrontos com o Quilombo de Palmares e que, a partir de sua assinatura, todos que nascessem em Palmares seriam livres. E na área econômica o tratado permitiria que o quilombo pudesse realizar livremente o comércio. Em troca, o tratado do governo previa, que o Quilombo dos Palmares entregaria às autoridades os escravos fugidos que buscassem o quilombo. Dandara, acompanhada de Zumbi, foi contrária ao pacto, pois o acordo não previa o fim da escravidão. Não se sabe se Dandara nasceu no Brasil ou na África. Sua História é cheia de lacunas e mistérios e não é contada nas escolas, um erro que se precisa corrigir devido à sua importância para nossa História. Finalmente no dia 24 de abril do ano de 2019, com a Lei n.º 13.816, o nome de Dandara dos Palmares foi inscrito no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, que fica depositado no Panteão da Pátria e Liberdade Tancredo Neves, em Brasília. Dandara teria morrido no dia seis de fevereiro do ano de 1694. Ela teria se suicidado jogando-se no abismo de uma pedreira para não se tornar novamente escrava. Eu acho pouco crível pois vejo Dandara todos os dias na comunidade onde moro.
Malkia Usiku
A CIRANDA A ciranda, para alguns ciranda pernambucana, é um tipo de dança e música que têm origens na Ilha de Itamaracá, no Estado de Pernambuco. Enquanto esperavam a volta do mar de seus maridos pescadores, as mulheres cantavam e dançavam esperando-os. Era a ciranda. A dança se caracteriza por uma grande roda que é formada, dançando seus integrantes de forma bem marcada, de mãos dadas e movimentando-se circularmente, de forma bem compassada, ao som de uma música lenta e repetida, geralmente tocada só com auxílio de instrumentos de percussão e a voz do cantor. Destaca-se que um instrumento grave, geralmente zabumba ou bumbo, marca o primeiro tempo de um compasso com ciclo de quatro tempos (o chamado tempo forte do compasso quaternário). Quem entra pra roda de ciranda dança de forma bem típica também: de mãos dadas fazem um andamento circular, girando a roda de ciranda para a direita dando dois passo pra trás e dois pra frente, com uma característica, que é a mais singular: marcam o primeiro tempo do compasso, o tempo forte, com o pé esquerdo à frente. O que dissemos até agora faz parte da tradição da ciranda. Hoje em dia o ritmo já faz parte da nossa música brasileira com muitos compositores criando suas cirandas. A cantora, pesquisadora e compositora Lia de Itamaracá é um dos maiores expoentes da ciranda pernambucana. Eu mesmo sou um entusiasta do ritmo e características musicais da ciranda pernambucana e termino nosso encontro com uma de minhas cirandas. Até a próxima. O perfume da canela CIRANDA ENCANTADA está no colo da morena que olha pela janela As conchas nos meus sapatos transformando-se em açucena não me impedem de andar na lua cheia cantou aprumo mais forte meus passos atraindo o homem-boto correndo dentro do mar que a levou pro riacho dançando num baque-solto Cirandeiro abre a roda todo mundo quer brincar não pode ficar de fora quem chegou vindo de lá num pássaro de metal que rodopiou ligeiro brilhando qual platinelas dançando no seu pandeiro
Marcelo Bizar
VELHA ROUPA DE SAIR Primeiro tiro os braços de dentro das mangas. Deslizo sobre meu tórax o tecidode algodão, todo furado.Mas na gola, travo. Não quero tirar a camisa pela última vez. Não quero vê-la morrer.Eu odeio finais, não entendo por que tudo acaba.A camisa para no meu pescoço.Como uma corda. Como uma forca. Estou condenado a nunca mais usá-la. Foi minha avó que me deu, há muito tempo:me dá uma camisa de marca, vó. Espera chegar o início do mês. Não, vó, a festa é amanhã, não vou igual a um mulambo. Ela me pediu paciência.Minha vó era paciente: passava um tempão esperando seus girassóis abrirem. Ela dizia que o amarelo depois da espera ficava ainda mais vivo. Mas vai estar todo mundo com camisa de marca, vó, preciso estar bem vestido! Eu não fui paciente com ela.Pelo menos deu resultado: aí, se liga na minha camisa. É de marca! Se a rapaziada finalmente me aceitou no bonde, devo à camisa; se bebi de graça, devo à camisa; se beijei duas meninas naquela noite, devo à camisa de marca. Eu queria que aquela roupa fosse eterna! Os ratos. Se não fossem eles, a camisa duraria pra sempre. Mas há uma semana minha vó passou mal, não tínhamos carro, o Estado não tinha ambulância, o hospital não tinha leito e ela, a vó, não tinha ar nos pulmões. Agora ela está à espera de um respirador.E eu tirando forças sei lá de onde pra limpar a casa. E acabar com os ratos. Quando cheguei da festa, na melhor noite da minha vida,ela me perguntou se tinha sido bom, se a camisa vestira bem.Sim, eu respondi: pena que tudo acaba. E quer saber, vó? Eu odeio finais. Nesse momento o telefone toca. Atendo.Alô, sim, sou eu. Ainda estou com a forca no pescoço. Não teve leito? Não resistiu?Não pode abrir o caixão? As minhocas. Elas comerão minha avó sem uma testemunha. Invadirãoo caixão e dirão, hum, carne nova no pedaço.A carne nova no pedaço, no pedaço de mundo das minhocas, era uma carne velha no mundo dos homens.Uma carne velha, de um corpo velho, com doisvelhos pulmões. Na noite que eu disse a ela que odiava finais, ela me respondeu: nada acaba, meu neto: suafesta virou memória, os restos de comida viram adubo, os erros viram aprendizado. E você, vovó, virou comidinha de minhoca. A camisa de marca não serve mais pra camisa. Está cheia de furos.Morreu.Mas ainda bem que a vó me ensinou algo naquela noite.
Tiro a camisa do pescoço, anulando minha condenação à forca.Deixo-a cair e acontece o milagre:ela renasce. Se minha vó virou banquete de minhoca, se minha impaciência virou maturidade, se a irresponsabilidade virou pandemia, a camisa de marca virou um pano de chão. Novinho. Agora finalmente posso limpar a casa. Exterminar os ratos do quintal. Aproveitar o tempo, já que, com o isolamento, ninguém pode sair. Ou quase ninguém. Enquanto seco o chão com a camisa morta, reparoque as flores vestiram sua roupa de sair:com vestidos amarelos vivíssimos, costurados por minha avó, os girassóis furaram a quarentena.
J o n a ta n M a g e l l a
VIDA PÓS-PANDEMIA Acabada a quarentena Mil vozes de alegria Pintaram a nova cena Da vida pós-pandemia Todos foram para as ruas Numa mesma sintonia Isenta de amarguras Na vida pós-pandemia Alguns trocaram abraços Seguidos de assepsia Caminhavam novos passos Na vida pós-pandemia Pularam até carnaval Tão logo ao romper do dia Como um marco universal Da vida pós-pandemia
Antero Catan
REFLEXÃO SOBRE COMEMORAÇÃO: MEUS 12 E 13 DE MAIO DE 2020 Um dia a Filósofa e Antropóloga Lélia Gonzales, do Movimento Negro Unificado, professora Universitária, disse : “faço da minha sala de aula um espaço de resistência”, isto entre 1970 e 1980. Pensei, acredito que todos os lugares são espaço de resistência, e fiz isto na minha vida. Sou mulher, negra, Enfermeira, sambista, situações de fragilidade na sociedade. Fiz a carreira de Enfermagem por acreditar que Cuidar fosse minha missão e não me enganei. Na Universidade percebia as desigualdades, não me abalei. Fui procurar me qualificar na minha profissão, meu ideal sempre foi trabalhar com mulheres, fiz duas Especializações latto sensu, Enfermagem do trabalho e Enfermagem da mulher e obstetrícia social, que fui a segunda colocada perdendo para uma professora Universitária da Uerj. Esta especialização era minha paixão, estudei filosofia, antropologia, sociologia, além da parte técnico - cientifica , este conhecimento humano e social foi fundamental para a construção de uma mulher negra voltada para as questões das Políticas Públicas, pronta para lutar pelos direitos dos pacientes, família e comunidade que se identificavam com o meu fenótipo, a maior parte do meu exercício profissional fui Enfermeira do SUS. Será que quase 400 anos de escravidão no Brasil não foram suficientes para expressar a situação degradante e vil que a sociedade Brasileira foi submetida. Será que as pessoas que vivem no século XXI não visualizam a dor do seu antepassado? Só o fato de se ter conhecimentos científicos dá propriedade para saber do negro mais do que o próprio? O fato de ocorrer escravidão em outros povos minimiza a escravidão no Brasil? Muitas coisas se passaram na minha mente nestes dois dias. Mulheres negras na minha família que foram referência de vida, mas não conseguiram passar da alfabetização. Foi uma escolha? Fiz o que quis, pois fui influenciada por estas mulheres que embora inteligentes e muito capazes não conseguiram estudar, pois tinham na maioria das vezes que trabalhar para sustentar a família. Quando se deu a abolição em 13 de maio de 1888, assinada pela então Princesa Isabel, não existiu nenhuma política de inserção do negro ao mercado de trabalho, um negro que não tinha sobrenome, não tinha família e muita das vezes não tinha filhos, pois seus filhos eram vendidos ou mortos por trabalhos forçados e maus tratos. Tinha o maior orgulho das minhas avós, mas tenho consciência que se pudessem estariam em outra condição pela postura que tinham diante da vida. E se esforçaram para me mostrar isto, eu jamais desejei ser empregada doméstica pelo contrário tentava demover as mulheres desse destino, até os dias de hoje. O querido leitor não considera que é pra lá que a Casa Grande quer levar o negro ou
negra e torná-lo uma pessoa da família? O negro acredita nisto. Fiz uma profissão que serve as pessoas, mas decidi estudar pra isto, não fui levada pelas circunstâncias da vida. Aí vem alguém e diz que a pessoa pode ter uma formação sendo negra se quiser ter. Será que é assim tão fácil neste mundo capitalista e Racista? Não, racismo no Brasil não existe, as pessoas são iguais. Será? Eu até tenho um amigo negro. É a tal democracia racial...ela existe? Muitas vezes presenciei no ambiente Hospitalar a cena: mulher negra não precisa de episiotomia (corte dado próximo a vagina para facilitar a saída da criança). Quem disse isto? Quem disse isto ainda reforça que tem a musculatura forte e suporta a dor. E este conceito foi reproduzido pela sociedade durante muitos anos. E as mulheres brancas continuaram fazendo episiotomia.Já ouviu falar no Racismo Institucional? Nas instituições existe Racismo? Escrevi e reescrevi este texto muitas vezes, por que as vezes acho que com tantas coisas vividas eu também não existo.. Pois a minha indignação é tanta. Mas não faz mal, eu não vou desistir e vou seguir o conselho da Conceição Evaristo, mulher negra, Escritora, Poeta, Doutora em Literatura Comparada e um ser humano maravilhoso. Quando lhe fiz uma homenagem no dia 20 de julho de 2019 ela disse o seguinte “É maravilhoso quando uma mulher reproduz a minha escrita, principalmente quando é uma mulher negra”. A escrevivência de Conceição Evaristo levo muito a sério, ela faz o que diz e isto penetra na gente, e sua história de vida nos inspira, e ela é um incentivo para todos aqueles que ambicionam a igualdade. Feliz por dia 12 de maio comemorar o dia do Enfermeiro, a profissão a qual me dediquei respeitando sempre a ética e a dignidade humana, e no dia 13 de maio comemorar a existência dos meus ancestrais, porém não uma comemoração pela abolição, mais sim uma luta por direitos e pela igualdade que ainda não existe...e enquanto isto vamos continuar. As pessoas precisam trabalhar sua discriminação, seu preconceito e racismo individualmente e na sociedade. Espero que algum dia este cenário se modifique e menos homicídios de homens negros e mulheres negras não sejam estupradas traficadas e mortas. E também que o ser humano se conscientize que dar a mão ao outro, ter solidariedade, só fortalece uma sociedade. A oportunidade de ser uma pessoa na sociedade civil atuante e fazer parte do Comitê Técnico de Saúde da População Negra desde 2006 quando foi criado. Também ter o Samba como filosofia me dá material diário bastante importante para lutar pela minha sobrevivência e contra qualquer tipo de diferença e também observar várias formas de violência que precisam ser quantificadas e tratadas pelos pesquisadores. Não precisa ser Negro para lutar contra o racismo....... Precisa ser Negro para saber o significado da dor... E ter coragem de explicitar..
Márcia Lopes
TERREIRO DE AMOR Sou eu, sou eu quem chegou Sou eu, para transformar o mundo Sou eu, sou eu o amor Vim prá te tocar bem fundo Abra o seu coração, solte a voz do perdão E numa só oração vem abraçar o mundo Oxalá trouxe a lição e o momento é de união Reflexão a cada segundo Neste sonho de Deus e da vida Transforme a dor em sabedoria Pisa bem forte neste terreiro De Dezembro a Janeiro doe alegrias Vamos dividir o pão, sorrir ao irmão Somar forças a cada dia Viver no bem pelo nosso Brasil Terra abençoada de diversidade mil.
Elaine Morgado
“Olá, Joninha! Tudo bem, meu caríssimo amigo!? Espero que esteja tudo belezinha contigo aí no Brasil! As notícias que chegam... Não sei como não pirou de vez com o desgoverno! Essa pandemia nos pegou de vez! A Margot manda um "ósculo docinho", kkkkk... Mas, Joninha vamos ao que interessa! Estou te mandando essa mensagem porque vou começar a dar aulas de Filosofia e gostaria de saber sua opinião sobre a última ideia que tive! Está cada vez mais difícil fazer os alunos de Filosofia se interessarem por aquilo que falamos! Na época em que cursamos a UFRJ não era assim não! Bons tempos... achávamos que mudaríamos o mundo tornando-o mais humano. É muito difícil ver onde chegamos no Brasil. Mas, estou saindo do assunto, mil desculpas... kkkk... Pensei em mostrar como a Filosofia é atual! Estava vendo um documentário sobre a Internet e tive o estalo, e não foi de uma estalactite que poderia ter caído sobre a minha cabeça! Não, não foi! Assistia ao documentário e via as analogias! Pensei então como delinear tais analogias na minha primeira aula... AH!!! Esqueci de falar o livro que vou utilizar nessas primeiras aulas... o já clássico "Iniciação à História da Filosofia - Dos Pré-Socráticos a Wittgenstein.", do Danilo Marcondes. Excelente livro! Bem, a primeira aula de Filosofia será sobre As origens da Filosofia na Grécia, os Pré-Socráticos etc. Agora, você deve lembrar que pra mim Filosofia sem polêmica não tem graça!? Após toda a parte mais conhecida da Filosofia Grega e sua origem, falarei com os alunos sobre alguns trechos do livro "Stolen Legacy", do George James, que poderia ser traduzido como a "Legado Roubado". Polêmico, não
A Realidade virtual poderia ser entendida como uma volta à caverna de Platão? O que cham!? Querem usá-la na medicina. Traumas HUMANOS sendo tratados com simulações das próprias situações traumáticas, controladamente, o traumatizado vivenciando o trauma novamente, cura peloveneno. A realidade virtual são nossas mentes projetadas. Expandidas? Ou... Retraídas? Já ouviram falar das bonecas hiper-realistas!? Elas tem apelo sexual fortíssimo, certamente! Ah! Tem os bonecos também! Bem, o importante é que todos eles possuem computadores internos e programas de inteligência artificial. A intenção é que esses robôs sejam "personalidades autênticas". Pra mim a realidade virtual está mais para um exercício alienante, espécie de simulacro eterno, dentro da caverna de Platão. As imagens são a realidade? IMAGINA O QUADRO: Você, que já se encontra preso numa caverna, caminhará certamente ainda mais para dentro da caverna, criando mais ilusões a partir de ilusões criadas por meio de ALGORITMOS. [FALAR SOBRE O QUE SÃO ALGORITMOS] Joninha, depois vem a parte mais forte da ligação entre a Filosofia, sua origem, e nosso mundo contemporâneo... OBS... Bonecas-robôs, inteligência artificial e manipulação? Mensagens das redes sociais ensinam robôs a se comportarem como humanos. As interações, a forma de se comunicar e de organizar as ideias usadas nos diversos registros da Internet estão sendo utilizados como O MODELO DE SER HUMANO. Cada clique na Internet é uma etiquetagem, uma forma de indexação de informação. O que um algoritmo deve "ver", "entender", "classificar" ou até mesmo "sentir" SÃO ILUSTRAÇÕES CRIADAS PARA O SISTEMA ROBÓTICO por meio de informações que NÓS MESMOS criamos na Internet, principalmente pelas redes sociais. As QUESTÕES FILOSÓFICAS SÃO MUITAS: as tecnologias de realidade virtual e inteligência artificial nos ajudam?
Elas melhoram nossa realidade ou criam outra realidade inteiramente nova a partir desses algoritmos? Quem estará no comando da programação desses algoritmos? Como esses algoritmos funcionarão? Para quais objetivos serão criados tais algoritmos? Quais serão as linhas programadas destes algoritmos? Daí vem o verdadeiro BOOM da aula: Agora, façam o seguinte: troquem a palavra ALGORITMO no parágrafo anterior por PENSAMENTOS! BOOM! Apresento-lhes o PENSAMENTO FILOSÓFICO! A FILOSOFIA! Saibam que estamos criando essa nova realidade a partir das nossas interações nas redes sociais, que existe a partir do que pensamos. Nossos dados são doados para organizações, empresas e pessoas que trabalham classificando e indexando nossos pensamentos, nossas informações, o que há de mais humano em nós. Tudo para virar fortuna para poucos milionários! E infelizmente... NÓS ESTAMOS CONTRIBUINDO COM ISSO! Espero que neste momento eles briguem comigo, ameaças, xingamentos! Se isso tudo acontecer, ficarei feliz! Então, o que acha, caro amigo Joninha!?” Do amigo XXXXXXXXXX
J o n a s H é b ri o
SAUDADES SUBURBANAS Que saudade que eu tenho De ficar de bobeira, Daquele rolé no meio da feira, Casemiro, Galdino e ainda Tinha a Teresa. Nas festinhas de rua, Às vezes tinha porrada, Muita gente brincava E também namorava, Praça Manet, Sambola, e Praça avaí, Del Castilho, Abolição e o Cachambi. Que saudade que eu Tenho da rapaziada, Futebol de botão Era bem na calçada, E ainda tinha a pelada Fechando a rua. Na Marta da Rocha, Tanta pipa no alto, e marimba no fio de alta tensão... Entre beijos e abraços, As noites eram palcos De amores sem lei, Assim me criei, Assim eu cresci, Assim morrerei.
Marco Trindade
O POEMA E A IMAGEM
O Poema O p o e ma e s s a e s tr a n h a m รก s c a r a mais verdadeira do que a prรณpria face. M a r i o Qu i n ta n a