Revista Sarau Subúrbio #28 - Agosto de 2020

Page 1


EXPEDIENTE Edição: V. 3, n. 8 - agosto de 2020

-

Periodicidade: mensal

Revisão: a revisão dos textos é feita pelo próprio autor, não sofrendo alteração pela revista (a não ser tão-somente quanto à correção de erros materiais). Diagramação: Marcelo Bizar Capa: Marcelo Bizar, Marco Trindade e Silvio Silva Arte e Grafismo: Marcelo Bizar Fotos da capa: Feira de Ricardo de Albuquerque - Marcelo Bizar Imagens: as imagens não creditadas são da Internet. Distribuição: A distribuição da Revista Sarau Subúrbio é online e gratuita. A leitura da revista pode ser feita em seu sítio: https://revistasarausuburbio.com.br e nas plataformas online ISSUU e Calamèo. Notas importantes: A Revista Sarau Subúrbio é uma publicação totalmente gratuita, sem fins lucrativos. Não contamos com patrocínio de qualquer natureza. Nosso objetivo, em linhas gerais, é servir de instrumento para que os artistas que não possuem espaço de divulgação nas mídias tradicionais possam apresentar seus trabalhos, nas mais variadas formas, seja na literatura, na música, no cinema, no teatro ou quaisquer outras vertentes artísticas, sempre de forma livre e independente. Todos os direitos autorais estão reservados aos respectivos escritores que cederam seus textos apenas para divulgação através da Revista Sarau Subúrbio de forma gratuita, bem como a responsabilidade pelo conteúdo de cada texto é exclusiva de seus autores e tal conteúdo não reflete necessariamente a opinião da revista. Editores Responsáveis: Marcelo Bizar, Marco Trindade e Silvio Silva Conselho editorial: Marco Trindade, Marcelo Bizar, Silvio Silva, Ana Cristina e Leonardo Bruno Contato: sarausuburbio@gmail.com


EDITORIAL Tudo que nós sonhamos neste momento é com a volta das aglomerações. Que saudade daquela gelada em nosso boteco preferido, quanto tempo sem curtir aquela roda de Samba maneira, sem falar naquela praiazinha bacana, no teatro, no cinema, no centro cultural, enfim, em todos aqueles espaços que alimentam a nossa alma e nos dão força para seguirmos nosso caminho, irmanados com os nossos afins. Enquanto não chega o remédio, pra curar o nosso tédio, comemoramos nesta edição o dia do feirante, 25 de agosto. A feira é um espaço sagrado do subúrbio, amplamente cantado em verso e prosa, lugar de troca de afeto, de gente trabalhadora, de riqueza cultural, quantos sambistas foram também feirantes?! Um montão. Parabéns a todas e todos que se dedicam a tão importante profissão, um salve para os feirantes da nossa cidade! Fiquem com o nosso cancioneiro popular, onde é possível sentir um pouquinho o clima das feiras livres. Boa leitura! O P E DI DO (Elomar) Já que tu vai lá pra feira Traga de lá para mim Água da fulô que cheira, Um novelo e um carrim Traz um pacote de miss Meu amigo Ah! Se tu visse Aquele cego cantador Um dia ele me disse Jogando um mote de amor Que eu havera de viver Por este mundo e morrer Ainda em flor Passa naquela barraca Daquela mulé resera Onde almoçamo paca, Panelada e frigideira Inté você disse uma loa Gabando a bóia boa Das casas da cidade Aquela era a primeira Traz pra mim umas brevidades Que eu quero matar a saudade Faz tempo que eu fui na feira Ai saudade...

Ah! Pois sim, vê se não esquece D'inda nessa lua cheia Nós vai brincar na quermesse Lá no riacho d'areia Na casa daquele homem, Feiticeiro curador O dia inteiro é homem Filho de Nosso Senhor Mas dispois da meia noite É lobisomem comedor Dos pagão que as mãe esqueceu Do Batismo salvador E tem mais dois garrafão Com dois canguim responsador Ah! Pois sim vê se não esquece De trazê ruge e carmim Ah! Se o dinheiro desse Eu queria um trancelim E mais três metros de chita Que é pra eu fazê um vestido E ficar bem mais bonita Que Madô de Juca Dido, Zefa de Nhô Joaquim Já que tu vai lá pra feira Meu amigo, tras essas coisinhas Para mim


SUMÁRIO 02 03 04 05 06 09 10 11 12 13 14 16 17 18 21 22 23 25 26 27 29 31 32 34

-

37 39 40 41 43 44 45

-

EXPEDIENTE EDITORIAL SUMÁRIO ESCREVA CARTAS! O LOBISOMEM DO ANDARAÍ E O LOBISOMEM DE VILA ROSALI VASSOURINHA: A MAIS CURTA CARREIRA DE UM CANTOR À DEUSA DE NILÓPOLIS O RACISMO II PASSADO, PRAÇA E PAI ESSA MOÇA NÃO É BOBEIRA NÃO LEVA NA FÉ ROSANE O VOO POIS É, CANDEIA! SEU SAMBA: MEU PRAZER ESTANTE SUBURBANA VITROLINHA SUBURBANA UM LUGAR NO SUBÚRBIO LENTES SUBURBANAS TEXTO SEM TÍTULO ENCONTRO COM OS AMIGOS (ANTES DA PANDEMIA DE 2020) PARABÉNS AOS FEIRANTES PELO SEU DIA OS GIGANTES DO SUBÚRBIO CONFISSÕES PANDÊMICAS PLUMITIVOS, POETAS E PENSADORES DOS ARRABALDES - PERSONA 1: GUIATADIM ABU FATE OMAR IBNE IBRAIM KHAYYAM DE NIXAPUR QUEREMOS OS NOSSOS CINEMAS DE VOLTA RICARDO DE ALBUQUERQUE BLUES DA SÉRIE: "JUSTIÇA É PARA TODOS" POUCAS VELAS PARA MUITOS DARIOS ARTISTA POR NATUREZA NA HORA DA XEPA BLOG DO TIZIU


ESCREVA CARTAS! Escreva cartas! Cartas de amor fraterno. Amor à vida. Amor a Deus. Escreva cartas! Cartas de incentivo ao projeto do outro. Aos sonhos do outro. Às escolhas e estilos do outro. Escreva cartas! Cartas que falem de compreensão e de perdão. De experiências vividas e assistidas. Escreva cartas! Para que o outro não se sinta rejeitado, solitário, desprezado. Escreva cartas! Porque em algum lugar alguém a receberá e se identificará e saberá que é importante, porque é ser humano como você. Com erros e acertos. Escreva cartas!

E d n a C o i mb ra


LENDAS SUBURBANAS

O LOBISOMEM DO ANDARAÍ E O LOBISOMEM DE VILA ROSALI Você que ainda compra o jornal na banca ou na padaria, como é o meu caso, imagine abrir a edição de domingo e se deparar com a notícia de que um lobisomem anda rondando sua vizinhança, atacando pessoas e animais domésticos e que os seus vizinhos estão se organizando para caçar o bicho. Parece coisa de filme de terror, mas é mais ou menos o que aconteceu lá pelas décadas de 1950 e 1970. Durante a pesquisa para a coluna anterior, sobre os fantasmas que habitam o Túnel Rebouças, encontrei essas pérolas do jornalismo carioca e fluminense. Sem enrolar muito, vou contar para vocês o que andei lendo em jornais publicados na época. No dia 26 de março de 1957, uma terça-feira, o jornal Última Hora tinha em sua página 6 a seguinte notícia: Monstro misterioso ataca no Andaraí. Segundo a reportagem, o tal animal estranho teria matado vários porcos, patos, galinhas e carneiros. O bicho, segundo uma testemunha, era grande, peludo e uivava. Além disso, pegadas fundas, indicando um animal pesado, foram encontradas no local do ataque. A testemunha, segundo a reportagem um “rapazola” residente no Andaraí, teria escutado um barulho durante a madrugada no quintal do vizinho, na Rua Leopoldo, e foi checar. Viu o bicho, voltou para a cama e ficou com a cabeça coberta até o dia raiar. Levantou e foi contar aos vizinhos o que tinha visto de madrugada. A reportagem também descreve os animais mortos, encontrados com marcas de presas e sem sangue. Como a polícia não tinha tomado nenhuma providência, os próprios moradores resolveram se organizar. Montaram uma “Polícia de Vigilância”, o que significa que se armaram com paus, pedras, peixeiras e revólveres e planejaram uma emboscada na madrugada seguinte. Um cabrito seria amarrado em uma árvore como isca e, assim que o bicho atacasse, a “Polícia” entraria em cena, para “deitar-lhe sova até matar”. Vasculhei as edições posteriores, doido para saber o final dessa história, mas não achei nada. Provavelmente os homens descobriram que o responsável pelos ataques não era nenhum ser sobrenatural. A própria reportagem menciona que os animais podiam ter sido atacados por uma onça. Caso bem diferente aconteceu em São João de Meriti, mais especificamente em Vila Rosali. O lobisomem noticiado virou figurinha fácil. A primeira menção foi encontrada na edição de 30 de setembro de 1971 do jornal Luta Democrática, de Tenório Cavalcante. Ao contrário do jornal anterior, essa estava em destaque na primeira página com o título “Lobisomem ataca e mata”.


O animal, descrito como parecido com um cachorro e do tamanho de um bezerro, estaria atacando animais de pequeno porte, como cachorros e cabritos, encontrados sem sangue nas imediações do cemitério. Outra diferença nesse caso é a quantidade de testemunhas. Uma dona de casa disse ter visto o bicho na sua porta. Outras duas pessoas, um motorista e seu irmão, contaram ter dado vários tiros no bicho, que correu para dentro do cemitério e sumiu. De um jeito ou de outro, o final dessa reportagem é parecido com a anterior: um grupo de moradores armados combinou uma ronda pelas madrugadas de sexta-feira. O lobisomem apareceria mais vezes nas páginas do jornal. E, quanto mais aparecia, mais a história ia ficando interessante. Na edição de 1º de outubro de 1971, moradores do Bicão, área onde o bicho apareceu, disseram que o local sempre foi assombrado. Contaram a história de um tropel misterioso de cavalos que assustava os moradores sem que nenhum cavalo fosse visto. Segundo moradores mais velhos, o lugar tinha sido uma fazenda onde um padre se enforcou no passado. O lobisomem, para alguns, era o fantasma sem cabeça do falecido padre. Em dois de outubro, a notícia era a de que um mudo tinha falado depois de ver o lobisomem. A polícia já tinha destacado um grupo para acompanhar os ataques do lobisomem A edição que cobria os dias 3 e 4 trazia na primeira página o que parecia ser o clímax da história: “Lobisomem acuado no cemitério”. Mas era só pra fazer o povo comprar o jornal. A reportagem fala pouco da ação do grupo que saiu para caçar o lobisomem. Quase metade da reportagem foi usada para relembrar as notícias das reportagens anteriores. Em cinco de outubro, o jornal fala da primeira vítima. Um homem foi baleado na “Toca do Lobisomem”. O baleado em questão, morador bem quisto pela vizinhança, se aventurou pelo caminho próximo ao cemitério em plena madrugada e levou um tiro. Na edição dos dias 10/11 de outubro, uma nota mostrava bem o que é o Brasil. A pedido de um vereador, a Câmara Municipal de Meriti designou uma comissão para investigar o caso. Em 14 de outubro, um homem é apontado como O Lobisomem de Vila Rosali. A foto do coitado, um ex-administrador de cemitério e agora coveiro do campo santo, até foi publicada na primeira página do jornal. O homem morava em uma casa nos fundos do cemitério e chegou a ser interrogado pela tal comissão de inquérito criada pela prefeitura. No fim da reportagem ficamos sabendo que, o local onde o acusado morava seria demolido pela Rede Ferroviária Federal, pois em breve um ramal de trens elétricos passaria pelo local. No dia seguinte, o coveiro comparece ao distrito, explicando que costumava andar pelo cemitério de noite e de madrugada, mas que estava apenas cuidando do lugar. Dois policiais, sendo um deles o próprio delegado, chegaram a fugir da delegacia quando avisaram que o “Lobisomem” estava no local.


Em 16 de outubro o jornal publica uma entrevista com o coveiro que jura inocência e se diz perseguido pelos políticos de São João de Meriti. A capa do jornal mostra a foto do acusado de ser o lobisomem e, logo acima, a manchete “Monstro Fugiu”. Segundo essa reportagem, o lobisomem teria sido visto em Itaguaí por populares, inocentando o pobre coveiro. Houve mais uma reportagem sobre o lobisomem de Itaguaí, basicamente repetindo as informações da anterior. E em sete de fevereiro de 1975, uma reportagem mencionava um lobisomem que estaria atacando animais de pequeno porte no K-11, em Nova Iguaçu. Mas essa foi a última desse tipo. É possível que os leitores tenham perdido o interesse no ser sobrenatural ou estivessem mais preocupados com os bandidos de carne e osso, já que as manchetes e as notícias começaram a falar mais e mais nos crimes violentos da época, relatados com riqueza de detalhes nas páginas do jornal.

H ed j a n C. S


VASSOURINHA: A MAIS CURTA CARREIRA DE UM CANTOR Em 1935 o cinema carioca assistiu Fazendo fita do diretor italiano Vittorio Capellaro, com a participação da famosa dupla Alvarenga e Ranchinho. Foi também o ano da inauguração da Rádio Tupi, a PRG-3, emissora que funcionava na Rua Santo Cristo, 148. No filme de Capellaro, um menino paulista de 12 anos, chamado Mario Ramos de Oliveira também participou do elenco e logo acabou contratado como contínuo pela Rádio Record. Mas com sua bela voz foi aos poucos iniciando a carreira de cantor, curiosamente usando o nome de um de seus futuros sucessos: Juracy. Como havia certa semelhança entre o menino negro e um motorista de táxi conhecido como Vassoura, passou a ser chamado Vassourinha. A morte de Luís Barbosa, pioneiro do samba de breque, vítima de tuberculose em 1938, abriu um espaço para o jovem cantor, e dois anos depois, ao gravar seu único disco, teve uma canção famosa na voz de Barbosa, Seu Libório, como grande sucesso, ao lado de Juracy, de Antonio Almeida, que ajudou na gravação do LP, em parceria com Ciro de Souza, além de Emília, de Wilson Batista e Haroldo Lobo. Vassourinha tinha admiradores como Carmen Miranda e Isaurinha Garcia em seus shows. Em 1942, após gravar E o juiz apitou, outra de Wilson e Volta pra casa, de Antonio Almeida, começa a se queixar de dores no corpo e, após uma vinda para o Rio, vai com Ciro de Souza a um médico na Rua São José. Depois de minucioso exame, o terrível diagnóstico: uma doença rara combinando tuberculose e reumatismo. Informado que o cantor residia em São Paulo, é aconselhado o imediato embarque de volta para a capital paulista. Ciro de Souza tinha compromisso, não podia viajar com o amigo e pede ao condutor do trem cuidados especiais no trajeto. Como não recebeu telefonema em uma semana, resolve ir na casa de Vassourinha. Já em estado terminal, o cantor pouco falava, enquanto a mãe tentava a cura com ervas e rezas. Isaurinha Garcia também foi visitá-lo em seus últimos dias. Infelizmente o diagnóstico era correto, pois Vassourinha morreu no dia 31 de julho de 1942. Tinha apenas 19 anos de idade.

Orl a n d o Ol i v e i ra


À DEUSA DE NILÓPOLIS “Sou Beija Flor, na alegria ou na dor, a deusa da Passarela. É ela! Primeira na História do Marquês, que na Sapucaí é Soberana de fato Nilopolitana.” Saúdo a escola de Nilópolis, erguida pela única mulher na Reunião, a mais linda flor da Baixada, do menino bonito que se faz num sonho pavão a pequena ave já viajou até Amazonas e se sagrou 14 vezes campeã Aprendeu a voar alto com a Majestade do Samba, de fato já nasceu bamba. Suas cores azul e branco enfeitam Céu da Baixada. “Em Nome do Pai e do Filho, a Beija Flor é Guarani” Sua História carrega a Estrela de David, a marca da Vitória e no Terreiro a Deusa é consagrada Vem pra Avenida passar, vem pra Rua que é teu lugar. De fato é Nilopolitana e Brasileira Neguinho vem pra exaltar a sua madrinha, sua primeira É Natal! Vem saudar quem te abençoou. Aquela… … a Águia que te deu suas cores, a Águia da Portela. Castor vem com a Mocidade Natal vem com a Portela Mas Anísio vem com a Deusa da Passarela Venha, Nilópolis sambar na cara da sociedade! Por que a Beija Flor é o Bicho!

Ar th u r G a b r i e l


O RACISMO II O Racismo no Brasil saiu do armário. Ele sempre existi, mas de forma velada. Lembro quando jovem na década de 1960, e procurava vaga de emprego nos classificados dos jornais em determinados cargos além da experiência, pediam boa aparência. Raramente um homem ou uma mulher negra eram contratados, a vaga ficava sempre com pessoas de cor branca ( boa aparência). Proibir o negro de entrar ou freqüentar determinados locais era humilhante. Conseguir estudar em uma Universidade nos anos de chumbo era raro. Com a reforma da constituição em 1988 foi incluído o artigo V, Dos direitos e garantias individuais que em seu item três assegura que ninguém será submetido a tratamento degradante. O artigo XLII que prevê o Racismo como crime. Baseado neste artigo surgiu a LEI 7716/89 que pune o crime de racismo. Com o governo atual totalmente conservador os racistas a todo o momento praticam esta violência contra negros. Vários artistas consagrados já sofreram preconceito racial através das redes sociais, mas como eles tem mídia deram à resposta a altura, com muitos desses agressores sendo identificados e processados de acordo com a lei. Este mês de agosto de 2020, voltaram com toda força, apesar da Pandemia do Coronavírus que não discrimina ninguém, sejam negros, brancos, pobres ou ricos, eles continuam se achando melhores que os outros. Um exemplo negativo, assim como tantos outros é o caso do rapaz que foi ao Shopping Ilha Plaza na intenção de adquirir um relógio para dar de presente ao seu pai pela data alusiva ao dia. Dentro da loja onde comprou o relógio e com nota fiscal que comprovava a compra, foi abordado pelos seguranças que o levaram para um local reservado do shopping onde o agrediram e colocaram o revolver em sua cabeça, só sendo dispensado porque viram a cena e começaram a se manifestar fazendo com que os seguranças desistissem de continuar a tortura. Os agressores responderão pelo crime de racismo e abuso de autoridade, pois foram identificados como policiais militares em serviço extra.. Mas a pior ação foi de uma juíza que julgava uma quadrilha de malfeitores. Na Sentença dos condenados, um réu primário, teve a sua pena majorada em função da sua raça. É negro.. Ela também vai responder pelo crime de racismo, pode até não dar em nada, mas sua história como juíza, fica marcada para sempre.

Onesio Meirelles


PASSADO, PRAÇA E PAI Te encontro aqui, onde um dia brinquei Bolas, bicicletas, quedas das quais levantei Pique-pegas em que ninguém peguei Mas sorrisos valeram mais do que perdi ou ganhei Tanta coisa lembrei Do que, ao crescer, eu deixei Momentos que não mais verei E apenas em sonhos visitarei Remela, suor e meleca escorriam que nem sei Os abraços mais sinceros foram aqueles que te dei Por cada gol e campeonato que contigo vibrei Tua camisa que eu guardava e agarrava tanto que rasguei Forças de afeto com que me deparei Reconhecimentos do tempo de rei O que te escrevi contigo lerei Decretos do amor que sempre terei Lembra, pai, a que fui comparado? E no que me tornei? Tudo está tão distante do que um dia desejei Crescer às vezes parece uma ficha em que nunca apostei Sou um adulto que se atreve a menino, disso eu sei Em ser grande nunca me importei Contudo, o tempo tem sua lei Dentro desse carro, sinais avancei Mas é aqui nesse teu abraço que ao tempo voltei

Wallace Araujo de Oliveira


ESSA MOÇA NÃO É BOBEIRA NÃO


LEVA NA FÉ A vida se leva na fé No poder da oração Na força que vem do Axé No ritmo da boa canção Se há pedras nos caminhos Também há ondas no mar Se nas rosas há espinhos Há perfume pra enlevar A vida se leva na fé No poder da oração Na força que vem do Axé No ritmo da boa canção Nas fotos boas lembranças Se o presente não está bom Continuamos nossas andanças Procurando o melhor tom A vida se leva na fé No poder da oração Na força que vem do Axé No ritmo da boa canção Eu sei que errei e perdi Não me sinto derrubado Ganhei mais que mereci Grato, pois sou abençoado


A vida se leva na fé No poder da oração Na força que vem do Axé No ritmo da boa canção Um carro sem retrovisor Que começa a derrapar Com o poder do amor Logo volto a controlar A vida se leva na fé No poder da oração Na força que vem do Axé No ritmo da boa canção Se pareço estar sem rumo Como um barco a derivar Em Deus eu me aprumo Vou de novo navegar A vida se leva na fé No poder da oração Na força que vem do Axé No ritmo da boa canção

Douglas Adade


R O S A NE Rosane acordava cedinho, De café, pão, queijo , manteiga Às vezes se regalava. Rosane acordava cedinho, Às vezes não tinha nada. Rosane, a mãe, duas filhas, Três anos e cinco de idade, Viviam numa casa pequena, No meio de uma favela. Agarrava alguns dias as filhas, Ouvia o estampido dos tiros Quase a vazar as janelas. Rosane descia o morro, Se dava a fazer seus biscates: Lavava, passava e limpava, Subia levando sacolas Com carne, cereais, goiabada. Finais de semana bebia, Brincava, sorria e dançava, Gostava de um homem, se dava. Quando raiava o dia, Subia o morro, apressada. Domingo ela ia à igreja, Orava ardentemente, cantava, Nem sabia por que é que orava, Nem sabia por que cantava. Rosane brincava na noite, Nem sabia por que brincava. Rosane sorria na noite, Nem sabia por que sorria. Rosane dançava na noite, Nem sabia por que dançava.

Ba r ã o d a M a t a


O VOO O pai, todos os dias, à tarde, depois do trabalho, sempre atencioso, ensinava ao filho os segredos do bom empinador de pipas. Cola-de-madeira, vidro moído, rabiola, carretel de linha 10. No entanto, o menino não carregava nas veias o gosto por essa lúdica atividade. O velho percebia em alguns momentos que, ao invés de apreciar as novas manobras que inventara, o menino ficava absorto com as figuras formadas pelas nuvens. Isso o divertia. Percebendo, contudo, a decepção e tristeza com que seu genitor aceitava suas negativas, resolveu, pela primeira vez – para júbilo do “seu” Moacyr – empinar um papagaio. O escudo do seu time de coração sobressaía no final da linha do carretel. Talvez isso o motivasse. O garoto, por alguns minutos apenas, assumiria o controle do brinquedo, enquanto seu pai ia a casa beber um pouco d’água. Na volta, num misto de impotência e torpor, Moacyr ainda pôde assistir o primogênito e a pipa subirem, num estranho bailado, em direção às nuvens. Subindo... subindo... subindo... sumindo... A partir desse dia, o pai do menino passou a ter uma certeza: seu filho não era uma criança comum: tornara-se poesia.

Jorge dos Santos Nascimento


POIS É CANDEIA! SEU SAMBA: MEU PRAZER

A alma da Compositora é cheia de encantos e sonhos, durante a Pandemia refletindo e produzindo relativamente bem. Dezessete de agosto seria o dia da comemoração do aniversário de Antônio Candeia Filho, 85 anos, então resolvi fazer este diálogo, no qual promovo um encontro através da escrita com o Grande Mestre do Samba. Saiu a sinopse para discorrer sobre o Grêmio Recreativo Arte negra na Escola de Samba Império da Tijuca para o Carnaval de 2021, que ainda não se sabe o que vai acontecer, imediatamente me inscrevi na “fanpage” da Escola e em tudo que pudesse me dar informação sobre o processo, pretensão nenhuma de escrever para Escola de Samba, porém admiradora do Mestre Antônio Candeia e por seu projeto arrojado de Poder para trabalhar pela igualdade, contra a discriminação, o preconceito e o racismo e dar formação aos jovens, realmente criando uma Nova Escola. Muitos não tiveram condições de entendê-lo, era um articulador político no seu tempo, o olhar de quem observou do lado de fora e que na época não possuía um referencial para sustentar um pensamento, e também ninguém ia me escutar, mas fui uma feliz observadora daqueles compositores e com uma escuta atenta das pessoas na minha casa e nas reuniões em casas de família, eu sou a verdadeira cria das rodas, que tem sambas, comidas, afetos e até brigas e rompimentos etc. Mas alimentei dentro de mim, o sentimento de homenageá-lo, porém não aconteceu de fato, o samba caiu. Um compositor que frequenta o mesmo movimento de samba autoral que eu sugeriu para que eu convidasse outras compositoras para compor o samba, pensei , talvez não acreditasse no meu potencial para escrever ou simplesmente não quisesse ou tivesse uma parceria estabelecida, porém isto não importa, por que o que eu queria mesmo era fazer o Samba podia ser com o Papa se me oferecesse...Então fui lá chamei as mulheres, aceitaram com exceção de duas, ficamos em três, mas depois desapareceram. Continuei a pensar em Candeia, até achei um artigo de David Treece, um escritor que particularmente não conhecia, Candeia, o projeto Quilombo e a militância anti-racista nos anos de 1970 e já comecei a achar maravilhoso querer


conceber esta escrita, em um processo gestacional cheio de prazer, adoro desafios. Então fui lá e coloquei no papel minhas impressões sobre o enredo que li, no final tinha um samba que ficou enorme. E as compositoras surgem novamente, uma delas queria ser a intérprete do samba, mandei minhas idéias e a terceira compositora enviou as dela. Um belo dia a intérprete declina da parceria, então eu e a outra resolvemos não seguir. Eu não tinha a infraestrutura necessária, pois embora a inscrição fosse cômoda, uma cesta básica, tinha todo o resto para apresentação. Frustrada? Não, feliz, pois tive a oportunidade de experimentar o texto e encandear a minha mente com Candeia, compreendendo mais sobre sua estrutura enquanto sambista e homem do samba que tinha ideais. Quem tem ideais nem sempre alcança por inteiro seus objetivos. Este é o poder da criação, crescer na crise e sustentar idéias através do aprimoramento e aquisição de conhecimentos, reformulando conceitos e se preparando para o combate. Muitas coisas começaram a surgir, conversei longamente com Selma Candeia filha de Candeia quando fui acertar por telefone o nosso encontro online no Tecendo Histórias, um projeto idealizado e executado por mim a partir de uma escrita sobre esta vivência no Samba com as mulheres da Cultura. E no dia do encontro online cantei o Samba para ela, foi muito interessante. Contei toda esta história, porque vou apresentar ao leitor o samba que escrevi já modificado, pois diminui, um samba meio perneta, porque é a minha observação do enredo para uma construção coletiva e se tornou um exercício para alguém que nunca passou por esta experiência, mas gostei, o enredo é como uma monografia e ele leva os compositores quando tem interesse a estudar sobre o tema, aprofundando o que a Agremiação propõe. Achei fantástico esta tarefa solitária e Sonhei. Acordei na passarela com Candeia dizendo, “deixa de ser rei só na folia, faça da sua Maria uma rainha todos os dias, e cante um samba na Universidade e verá que seu filho será príncipe de verdade”. Comungo dos seus sonhos e faço a minha parte para atingir o objetivo, colocar a coroa no rei e na rainha. Fim por hoje. Grêmio Recreativo de Arte Negra: Samba de Quilombo: Resistência pela Raiz.... Introdução : De qualquer maneira meu amor Eu Canto De qualquer maneira meu encanto Eu vou cantar. Lá vem Tijuca Desce Formiga É Arte Negra, consciência quilombola Educação , filosofia. Projeto de luta, amor e poesia O samba virou quesito Tudo se modificou


Com Fé, respeito aos mitos e tradições O canto negro daquela gente de cor Ecoou na avenida. jongueiros, batuqueiros , quilombolas Compositores fundaram a Nova Escola. Cantando a uma só voz As baianas rodavam lindamente Em louvor a ancestralidade Sou Quilombo, Plantei semente Salve Dandara,Ganga Zumba, Felipa, Mahin e Manoel Congo Nossos heróis... Ora yê yê ô 2x

Márcia Lopes


ESTANTE SUBURBANA

Os sons dos negros no Brasil - Cantos, danças, folguedos:

o ri g e n s

De José Ramos Tinhorão - Editora 34


V I T R O L I N H A S U BU R BA N A

Pagodão da Jovelina Pérola Negra Gravadora:RGE - Ano: 1993 1 - Feirinha da Pavuna (Jovelina Pérola Negra) 2 - Menina Você Bebeu (Beto Sem Braço/Arlindo Cruz/Acyr Marques) 3 - É Isso Que Eu Mereço (Jovelina Pérola Negra/Zeca Sereno) 4 - Garota Zona Sul (Guará) 5 - Quem Foi (Marcinho/Marquinho PQD/Ratinho) 6 - Pagode no Serrado (Zeca Sereno/Marquinhos Pagodeiro) 7 - Luz do Repente (Arlindo Cruz/Franco/Marquinho PQD) 8 - Catatau (Guará) 9 - Sorriso Aberto (Guará) 10 - No Mesmo Manto (Beto Correia/Lúcio Curvello) 11 - Banho de Felicidade (Wilson Moreira/Adalto Magalha)


UM LUGAR NO SUBÚRBIO

Nesta edição prestamos uma homenagem a um dos símbolos da cena suburbana, a feira de rua. Entre as dezenas de feiras que em diferentes dias da semana são montadas nos bairros, retratamos uma em especial, a Feira da Pavuna ou, como foi eternizada na voz icônica da cantora Jovelina Pérola Negra, a “Feirinha da Pavuna”! O tradicional ponto de comércio varejista aberto todos os dias, está situado à Avenida Nossa Senhora das graças, em frente a uma das saídas da estação ferroviária Pavuna / São João de Meriti, no Bairro da Pavuna. Pode-se chegar lá de trem, ônibus (várias linhas) e metrô. Esse atraente espaço comercial ao ar livre há pelo menos quarenta anos vem fazendo a alegria de comerciantes e consumidores. Lá, se encontra de tudo um pouco. Produtos típicos das feiras como frutas, legumes, verduras, temperos e peixes. Mas, também o pastel com caldo de cana e quitutes variados. Além desses produtos, outros tantos também são vendidos como roupas, bolsas, calçados, peças para eletrodomésticos, eletrônicos e muitas miudezas, que atraem uma freguesia do local e de diferentes bairros. Não podemos nos esquecer das pequenas lojas de prestação de serviços como barbearias e de consertos em geral. Tombada como Patrimônio Cultural e Imaterial da cidade do Rio de Janeiro, a Feirinha da Pavuna resiste ao tempo e às crises econômicas. A propósito, confusão naquele espaço de grande interação social só entre a “Dona cebola e o Seu pimentão”, como dizem os versos do pagode da Jovelina.

Na Feirinha da Pavuna (Jovelina Pérola Negra) Na feirinha da Pavuna Houve uma grande confusão Na feirinha da Pavuna Houve uma grande confusão A Dona cebola que estava invocada


Ela deu uma tapa no Seu pimentão A Dona cebola que estava invocada Ela deu uma tapa no Seu pimentão Seu tomate cheio de vergonha Ficou todinho vermelho E falou assim: - "Eu também faço parte do tempero" Seu pepino que estava no canto Deu uma pernada em Dona melancia Dona abóbora muito gorda Nem do canto ela saía Vou chamar Seu delegado que é o seu jiló de amargar E falou para todo mundo: - "Acho bom isso acabar"


L E N T E S S U BU R BA N A S

T í tu l o : M e u l u g a r Lugar: Travessa Marta da Rocha, Abolição(Ao fundo o morro do Urubu) Autor: Marco Trindade


1 Na minha rua tinha um velho que inventou um túnel de árvores quando uma das árvores adoeceu o velho transformou seu tronco num banco o velho era a luz dentro do túnel 2 eu fazia meus deveres de casa na rua sentado no resto de árvore meu objetivo era cortar raízes.

J o n a ta n M a g e l l a


ENCONTRO COM OS AMIGOS (ANTES DA PANDEMIA DE 2020) - Esse torresmo é de verdade, Jonas? - De verdade? Sim, trouxe da feira! - Daqui de Madureira? - Não, lá da feira de Ricardo de Albuquerque. - Ah, tá! A feira que conheço não vende torresmo! - Luana, na feira de Ricardo vende e é frito na hora. - Bom saber! Tenho que visitar essa feira. - Mas, isso é torresmo ou pururuca? - Bentinho, acho que tá mais pra torresmo à pururuca. Tem outro saco ali que tem a pele com um pouco de gordura. - Joninha, que feira boa! Tem os dois tipos do torresmo! - E são fritos na hora, camarada! - Acho que vou com a Luana, fazendo companhia! - Hoje ainda consigo comprar? - Não, Luana! A feira de Ricardo não passa das quatorze horas. Agora só no domingo que vem! - Me diz uma coisa, rapaz... o que vocês estava fazendo por aquelas bandas do subúrbio? Tá morando ali perto agora!? - Alcebíades, sempre atento! Não, amigo. Continuo morando no mesmo lugar de sempre. Aliás, faz um bom tempo que você não vai lá em casa! - Joninha, amigo velho. O tempo tá cada vez mais curto! Mas, assim que conseguir uma folga, vamos fazer aquela moda de violão! - Esse torresmo está formidável! Uma pena é que não tem aquela gelada pra acompanhar! - Danuza, minha filha, cerveja num curso aos domingos!? - Qual o problema, Luana!? Me diz! Não vejo problema algum! - Eu também não, mas... e o professor? - O professor!? Tá brincando comigo!? Já ouvi dizer que os manuscritos deles cheiram a cachaça! - Diná, você continua com a língua afiada! Cuidado pra não morder achando que é torresmo. Pode se envenenar! - Eu, Luana! Eu sou língua afiada!? Sou não! É costume de jornalista... apuro tudo o que me dizem por aí. - E depois revela, né não!? - Ah! Agora vocês me deixaram na vontade! Assim que acabar o segundo tempo do curso vamos beber umas geladas perto da estação! - Olha só! Deixamos o Alcebíades animadão! Mas... eu topo! - Se a Luana topa, tô dentro também!


- Vou esquentar um lugarzinho lá nesse bar também, moçada! - Não acredito! O Bentinho vai!? Não perco essa por nada! - Fazer o quê? Estou nessa também! - Olha só! Conseguimos reunir metade da turma do último ano do nosso curso de Sociologia, Joninha! Tudo por causa dos seus torresmos! - É verdade! Chamamos o professor? O que acham!? - NÃO! E, depois de todos os meus amigos serem unânimes na resposta, fomos para o boteco do Seu Guto, ali em Madureira, perto da estação de trem. Onde tem um dos melhores torresmos do subúrbio.

J o n a s H é b ri o


PARABÉNS AOS FEIRANTES PELO SEU DIA

No mês de agosto, pra ser mais exata no dia 25 de agosto, é comemorado o dia do feirante. Sim, o feirante! Aquele profissional que trabalha na feira, geralmente com produtos agrícolas, e que nos ajuda a trazer para as nossas mesas produtos saudáveis e fresquinhos. A feira é um símbolo do subúrbio, com toda a certeza. E os feirantes são quase parte da família nos subúrbios. Comemoramos o dia do feirante no dia 25 de agosto porque a primeira feira do nosso país, aconteceu neste dia, em São Paulo, no ano de 1914. Na época os que viriam a ser chamados de feirantes eram conhecidos como chacareiros. Grande parte dos chacareiros eram portugueses imigrantes. Num dado momento eles se viram no seguinte impasse: o que fazer com os produtos que sobraram depois de terem vendido pra seus clientes habituais: quitandas, lojas, mercadinhos e empórios? Tiveram então a grande ideia: vamos vender diretamente para os consumidores. E assim iniciaram a atividade da feira em São Paulo - ali no Largo General Osório - e de quebra começaram a prática no Brasil. Fotógrafos e pintores ficam muito felizes nas feiras semanais suburbanas. A variedade das verduras, frutas, legumes, pessoas, objetos, mercadorias, dentre outros, que passeiam pela feira é estimulante pra poesia do olhar. Aliás, as feiras suburbanas inspiram todos, artistas e até mesmo os que não se arriscam em composições artísticas.


A beleza das feiras às vezes escondem o duro que é para sua realização. Os feirantes acordam muito cedo, de madrugada mesmo, para compra dos produtos frescos e mongatem das barracas. Além dos hortifrutigranjeiros, nos dias atuais encontramos de tudo na feira: pescados, doces, carnes, farinhas, linguiças defumadas, pastéis fritos na hora, acompanhado de caldo de cana, roupas, torresmo frito na hora, cerveja, CDs e DVDs e até rodas de samba, forró e até música ambiente em algumas feiras, dentre muitas outras coisas. A concorrência é grande também. Muitos produtos são vendidos em diferentes barracas e os feirantes usam de bons preços, fidelidade e bom humor para atrair seus clientes. Quem nunca ouviu as máximas dos feirantes: “Moça bonita não paga, mas também não leva!”, “Gostoso não é? Pode experimentar outra vez, é só levar pra casa!”, “Aqui é barato, o marido da barata!”, “Pega no melão que aqui ele tá bom!”. As frases engraçadas e as brincadeiras com os fregueses tornam o ambiente bastante descontraído. Aqui no meu bairro do subúrbio quase todos as barracas são formadas por membros de uma mesma família. Assim, a atividade de feirante vai sendo repassado de uma geração pra outra. O que mais dizer então: a feira suburbana é demais! É muito bom ir à feira aos domingos! E isso se deve muito aos feirantes! Parabéns aos feirantes pelo seu dia!

Malkia Usiku


MICRO-CONTOS DO MACROCOSMOS O S G I G A N T E S DO S U B Ú R B I O

Abri a janela de frente pra rua. Duas crianças brincavam com suas pipas. Pareceu-me completa a paisagem. Íntegra. Por uma instante aquele momento fez das crianças gigantes maiores que o mundo. E a tarde foi-se despedindo sem fogos, sem barulhos dispensáveis. Somente o silêncio acompanhava as cores que do arrebol se despediam da vida naquela rua de Inhaúma.

Antero Catan


CONFISSÕES PANDÊMICAS A pandemia pelo novo coronavírus deu entrada na cidade maravilhosa em Dezembro de 2019, via aeroportos cariocas, principalmente.Temos oito meses de perdas de vidas, constatações alucinantes, descobertas relevantes e muitas incertezas. Depois de passar o Carnaval aglomeradamente todo povo recebeu a notícia via canais de Tv e Internet que naquela quarta feira de cinzas, dia 26 de Fevereiro de 2020 o vírus iniciava de verdade sua trajetória na cidade, confesso que de início achei que o isolamento familiar e distanciamento social durariam de três a cinco meses ( terminaria tudo em Julho ) entretanto a realidade hoje se mostra bastante diferente; essa coisa que precisa de uma proteína para se desenvolver e que não faz parte do reino animal simplesmente veio para ficar entre nós. Muito me surpreendo ao lembrar das vezes em que fui ao médico nos anos dois mil para cá e logo era diagnosticado com uma virose inexplicável e que da qual meu corpo teria que solucionar o problema e mesmo que não tivesse solução, dificilmente me mataria, bons tempos prépower vírus.Éramos contaminados e sobrevivíamos todos, querendo ou não querendo. Ganhamos uma nova cultura de forma avassaladora ao praticar o uso das máscaras protetoras que objetivam proteger o outro e não a você mesmo (como eu pensava que seria antes de aprender sobre isso); ganhamos mais um novo tipo de lixo também e ora vejam que descobrimos muitas pessoas incapazes de ter empatia e amor pelo próximo, elas não conseguem dominar o ódio que é parte de nossa natureza, somos luz e sombras com certeza, por racionalidade buscamos dominar essa ira contida em nossas entranhas e colocamos as tais máscaras; entretanto alguns seres humanos vivem de forma irracional, infelizmente. Pude constatar pessoalmente também que na Vila Kennedy desde a semana passada a pandemia está hospedada e descansando, o tal coronavírus se aquietou pois lá ninguém utiliza mais a máscara; talvez a quase totalidade dos moradores tenham entrado em contato com as cepas virulentas e logo desenvolvido anticorpos poderosos bloqueando a ação passageira e as vezes letal que a covid-19 proporciona. Entre tantos heróis e super heróis desse evento impensável me sinto solidário aos que diariamente frequentam Trens, Ônibus e Metrô, uma vez que nesses meios de transporte o índice de contaminações pelo vírus é extremamente alto e constante, não devemos nos iludir e sair de casa para aglomerar; triste realidade para um cara como eu que adora uma roda de samba. Percebo também que boa parte da sociedade está com medo da contaminação e já não sai mais de casa para o shopping, áreas de lazer e Restaurantes; vejo as ruas vazias à noite e de verdade está tudo bem deserto em boa parte da cidade.


Acredito que em Agosto de 2021 teremos já o início da solução definitiva para o controle dessa disseminação virótica com a popularização da vacina específica; sei que você lê e se espanta com isso de verdade, penso que será preciso inventar, homologar, produzir, distribuir e aplicar; o que de fato não me parece simples nesse nosso caso que envolve toda a população mundial. Enquanto isso tá tocando a campainha aqui no apartamento, já vou colocar meu chinelo de rua, separar o álcool em gel e o borrifador de álcool para a volta, pegar a máscara sanitária e descer em direção ao portão pra buscar uma arnica homeopática para combater a dor na lombar causada pelas horas sentado na frente do computador; tá complicado no momento, tenho Fé que ano que vem vai melhorar.

Rodolfo Caruso Poeta todo dia


PLUMITIVOS, POETAS E PENSADORES DOS ARRABALDES PERSONA 1: GUIATADIM ABU FATE OMAR IBNE IBRAIM KHAYYAM DE NIXAPUR

Oma r K h a y y a m

Se a gente entrar na biblioteca do queridão Fernando Pessoa e procurar um pouquinho vamos nos deparar com uma edição surrada, já bem envelhecida do livro "Rubaiyat" do poeta persa/iraniano, poeta clássico, Omar Khayyam. Tem gente bonita e esforçada que diz que o Pessoa foi fortemente influenciado pelo poeta orienta. Dizem que o culpado foi o inglês Edward Fitzgerald, que fez uma tradução para o inglês. Se quiser conferir é só ir à Lisboa. O tal exemplar, que já tive nas mãos empoeirando-me (valha-me o pensamento!), continua lá, quase intacto pelos turistas, na biblioteca particular do nosso queridão Pessoa! Só pra você, caro leitor, ter uma ideia: nosso Pessoa fez diversas anotações a lápis, como se deve... bem... melhor deixar isso pra lá! -, bem como sublinhados e até tentativas de Khayyanizar-se! Isso mesmo, caro leitor... Pessoa brincou de ser Omar algumas vezes. Se você não acredita vá à Casa Fernando Pessoa: R. Coelho da Rocha 16, 1250-088 Lisboa, Portugal, e verás, o gajo, que eu não minto! Pessoa gostou tanto do livro "Rubaiyat" de Omar Khayyam que fez o seu próprio Rubaiyat. Bem, é o que dizem por aí. As "Canções de Beber", de Fernando Pessoa foram inspiradas num poema OmarKhayyamaniano, poema homônimo, ora vejam! E como as línguas falam em Portugal! E falam muito! Há o seguinte dizer: "Numa revista, dirigida por amigo de Fernando Pessoa, o José Pacheco, ele, o Pessoa, ainda em vida, publicou apenas três "rubai" (nome singelo atribuído aos poemas à la Omar Khayyam), com título: 'Rubaiyat'. Isso se deu no derradeiro exemplar da tal revista Contemporane, pelos idos de Julho de 1926.", digo mais nada!


Os cantares do Rubaiyat (ou Ruba'iyat), são universais: ora o amor, ora o êxtase, ora a brevidade da vida, ora a existência humana Os mais animadinhos dizem: "Beleza pura! O grande Omar Khayyam desenvolveu sua poesia na concepção do homem transcedendo sua condição através do êxtase do vinho!". Que maravilha! Isso me lembra a adolescência quando lia muito o queridão Baudelaire! No século XIX o queridão inglês Edward Fitzgerald foi responsável pela divulgação do magnánimo "Rubaiyat", ao publicá-lo, traduzidamente para a língua da banda The Beatles, no ano tão importante de 1859. Foi tão popular que tiveram as reedições de 1868, 1872, 1879 e 1889... Outras línguas disseram (na verdade quem disse foi J. Nicolas, no ano de 1867) que o poeta Omar Khayyam seria um poeta sufi. Bem, poeticamente falando, isso não importaria tanto... mais ou menos! Quem afirma isso diz que deveríamos interpretar a poesia (os "rubi") como simbolismos: "Assim, na obra do poeta Omar Khayyam, deveríamos nos atentar que a taberna seria o templo; a divindade seria o vinho; a copeira seria a religião; o cálice, o universo; e a embriaguez o Êxtase Místico." Vai saber! O poeta nasceu na Pérsia, em 1048, tendo vivido até o ano de 1131. Foi poeta, astrônomo e matemático. E um rebelde! Seu modo de vida e sua concepção filosófica e artística era diferente dos dogmas oficias islâmicos. Ele concordava que Deus existia, mas divergia quanto à concepção de que cada acontecimento e fenômeno particular era o resultado da vontade de Deus. Concebia que leis naturais explicassem muitos fenômenos observados em vida. Escreveu um tratado sobre Álgera onde explicava formas de resolução de equações de segundo grau e de terceiro também. Era humilde, aconselhou a quem se interessasse em ler seu tratado, que antes deveriam ler o livro "Os Elementos", do matemático grego Euclides e também os primeiros livros das "Cônicas de Apolônio", pois ele próprio, antes de escrever seu tratado, precisou estudar tais obras. Pra quem quiser ler um pouco da obra do poeta Omar Khayyam: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/rubayat.pdf http://alfredo-braga.pro.br/poesia/rubaiyat.html http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/rubayat.pdf Ah! Vamos citar um pouco do grande poeta Omar Khayyam, nossa primeira persona da série "PLUMITIVOS, POETAS E PENSADORES DOS ARRABALDES"… Os Rubaiyat de Omar Khayyam 1 Nunca murmurei uma prece, nem escondi os meus pecados. Ignoro se existe uma Justiça, ou Misericórdia; mas não desespero: sou um homem sincero.

versão de Afredo Braga


2 O que vale mais? Meditar numa taverna, ou prosternado na mesquita implorar o Céu? Não sei se temos um Senhor, nem que destino me reservou.

3 Olha com indulgência aqueles que se embriagam; os teus defeitos não são menores. Se queres paz e serenidade, lembra-te da dor de tantos outros, e te julgarás feliz.

4 Que o teu saber não humilhe o teu próximo. Cuidado, não deixes que a ira te domine. Se esperas a paz, sorri ao destino que te fere; não firas ninguém.

5 Busca a felicidade agora, não sabes de amanhã. Apanha um grande copo cheio de vinho, senta-te ao luar, e pensa: Talvez amanhã a lua me procure em vão.

6 Não procures muitos amigos, nem busques prolongar a simpatia que alguém te inspirou; antes de apertares a mão que te estendem, considera se um dia ela não se erguerá contra ti. (....)

Pazuzu Silva


C I N E S U BÚ R BI O QUEREMOS OS NOSSOS CINEMAS DE VOLTA!

Outrora espaços de exibição da Sétima Arte, os cinemas de bairros foram desaparecendo do cenário suburbano. Há pelo menos vinte e cinco anos, as salas de cinema de bairro deixaram de servir a tal propósito e se transformaram em templos religiosos, espaços comerciais ou simplesmente fecharam. A Revista Sarau Subúrbio abre espaço para esta coluna que pretende falar sobre o cinema no subúrbio não com saudosismo de um tempo em que um dos mais importantes programas culturais dos suburbanos era assistir a um filme no cinema de bairro, mas, sobretudo, como isso impactou negativamente na vida cultural, na memória e na história do espaço suburbano. Ao contrário do que dizia o velho slogan da Produtora e Distribuidora de filmes Luiz Severiano Ribeiro: - “cinema é a maior diversão”, o cinema, enquanto forma de expressão artística, é muito mais do que isso. Cinema é arte e da melhor qualidade! A arte cinematográfica no subúrbio se prestava a muitas funções inclusive de diversão. As salas de exibição constituíam um espaço de sociabilidade, de confraternização, do encontro, de início e às vezes fim de relacionamentos, de espaço de reflexão etc. O espaço mágico da sala escura e da tela grande nos presenteava com dramas, comédias, aventuras, suspenses, terror, “filmes cabeça”, nonsense, documentários e tudo mais que a Sétima Arte pudesse produzir. A atmosfera no entorno das salas de exibição nos bairros em geral e, em particular no subúrbio, dependendo do filme em cartaz, era sempre de euforia. Filas gigantescas se formavam em frente às carrocinhas de pipocas, vendedores ambulantes se aglomeravam e cartazes na entrada do cinema já colocavam o público no clima do evento. Quando o filme exibido era um “campeão de bilheteria”, muitos frequentadores não se limitavam a assistir apenas uma seção e voltavam inúmeras vezes até o filme sair de cartaz. A difusão dos Shoppings Centers na última década do século XX nas grandes cidades como o Rio de Janeiro, a concentração de opções de diversão nos mesmos e a instalação de salas de cinema nesses centros comerciais, apresentando-se como


alternativa de conforto e segurança, foi a pá de cal no processo de fim dos cinemas de bairro. Salientando-se, que as salas de cinema, como dito acima, já vinham desaparecendo num ritmo cada vez mais intenso. O fechamento das salas de exibição de filmes foi especialmente danoso para os bairros do subúrbio, visto que tais espaços sempre foram carentes de opções culturais e de lazer e com o desaparecimento dos cinemas a situação que já era ruim, tornou-se catastrófica. A concentração das salas de exibição nos Shoppings afastou um público que frequentava os cinemas de bairro na medida em que o simples ato de assistir a um filme nesses espaços requer agregar elementos que fogem aos padrões monetários do suburbano comum. A ele são impostos formas de vestir, comportamentos, valor de ingressos e guloseimas absurdamente caros. Somam-se a isso, os olhares discriminatórios de uma fração da sociedade completamente alheia ao modus vivendi da gente do subúrbio. A nostalgia dos versos da música de Rita Lee “Flagra” (“No escurinho do cinema”...), não se enquadra no contexto dos módulos de cinema Multiplex e da ganância das distribuidoras multinacionais. Mas, para os suburbanos que gostam de cinema, como fazer frente a isso tudo? Será que há alternativas para essa elitização dos espaços de exibição ou teremos que nos curvar a irreversibilidade desse processo? Continuem acompanhando a coluna Cine Subúrbio na REVISTA SARAU SUBÚRBIO e veremos como o cinema pode ainda existir e resistir no subúrbio.

Silvio Silva


RICARDO DE ALBUQUERQUE BLUES O sol chega forte Verรฃo carioca O churras no corte O dia estรก cheio de luz Nada mais importa Ricardo de Albuquerque Blues Gelada trincando Os copos nevados Mangueira no quintal molhando O jeito suburbano seduz Desce mais um copo Ricardo de Albuquerque Blues O trem tรก chegando Vem cheio de vida Os trilhos cantando Mas que melodia bonita Me lembra uma guitarra Andaluz Ricardo de Albuquerque Blues

Marcelo Bizar


DA SÉRIE: “JUSTIÇA É PARA TODOS” Caso nº 30.847.633/ 2020 “Condenado pela raça”! Meritíssima – Sempre tiveram de tudo, são séculos de boa vida! Acusado – Faço das suas palavras as minhas Meritíssima. Sim! São séculos e séculos que produzimos o seu bem-estar e o dos seus antepassados! Meritíssima – Sempre os tratamos com respeito e dignidade, senão vejamos: tens liberdade de respirar, caminhar pelas sarjetas e morar em barracos. Sempre lhes garantimos três anos de escolaridade, em média, porque às vezes chega a cinco, garantia de subemprego e querem mais? Acusado – de fato, poderia ainda acrescentar: cabo de enxada, pás e bolhas nas mãos. Olhares suspeitos, desconfiança, grito preso na garganta, a bala perdida, o auto de resistência, as lágrimas das mães. Meritíssima – são mal-agradecidos, isso sim! Vocês têm transporte coletivo, a pinga na tendinha, o futebol de várzea, a telha quebrada e o colchão velho para os corpos cansados. Sem falar na porta que não fecha, na janela com frestas, na vala para escoar o esgoto, no lixo na porta de casa. E, como se não bastasse, o Bolsa Família. No fim de semana surgem oportunidades sempre atraentes de aumentar a renda com o isopor vergastando os ombros, vendendo mate gelado na areia branca de Copacabana. Acusado – Creio que mais uma vez a Meritíssima foi módica. Esqueceste da banca de biscoito quebrada na esquina pelos prestativos guardas municipais, do currículo com foto e da frase “não atende ao perfil da empresa”. Esqueceu-se igualmente do elevador de serviço, do uniforme e do quarto de empregada com direito à televisão de 14 polegadas, somente para canais abertos. - Vale citar ainda a sirene ligada, a arma na cabeça e o tapa na cara, seguidos da frase “está fazendo o que na rua a essa hora”? Como se não bastasse, tem ainda a câmera exclusiva do shopping para nós, a companhia full time dos seguranças engravatados, o garçom que demora a servir, do Sol inclemente que torra a cabeça no alto da laje e esfola os pés descalços no asfalto. Meritíssima – Tantas oportunidades dadas, tantos direitos concedidos, tanta consideração nos revezes do cotidiano e ainda querem a presunção de inocência, até prova em contrário? Essa não. Não mesmo! Isso é um escárnio para com essa instituição, que sempre zelou pela imparcialidade. - Portanto, amparada pela convicção e no infalível “determinismo biológico”, que ora invoco, o sentencio: - “És culpado pela raça, sim senhor! Assim, devem ser julgados todos os outros que, como o senhor, degeneram a nossa sociedade, tripudiam sobre nossos valores cristãos, aterrorizam as pessoas de bem e desassossegam inocentes!” Ps. “Este é um texto de ficção! Portanto, qualquer semelhança com fatos da realidade é mera coincidência!”

Silvio Silva


POUCAS VELAS PARA MUITOS DARIOS Há muito tempo que a literatura me explica a vida. Não é raro encontrar nela reflexões e emoções que me ajudam a me compreender enquanto parte desse todo que é a existência humana. Hoje, recorro às minhas leituras para digerir um episódio que me impressionou demasiadamente. Era uma manchete de jornal que trazia uma imagem: três barracas de praia da cor verde-bandeira, entrecruzadas, ocupando o centro de uma demarcação feita por produtos de um mercado cujo nome, em sua tradução, se refere à encruzilhada. E lá estava aquela encruzilhada construída com bebidas e alimentos, garantindo a manutenção do tráfego de pessoas. Entre uma pessoa com carrinhos lotados de carne e outra com dois pacotes de café jazia o corpo de um trabalhador, partícipe da equipe de trabalho do Carrefour, que sofrera mal súbito, ali morrera e ali estava, à espera de uma dignidade cuja chegada teimava em atrasar. Um corpo de um homem que -felizmente- não atrapalhou o comércio daquele dia. Muitos talvez nem notassem sua presença, outros, prontamente trabalhavam esquecê-la, para facilitar aquela correria da vida. Afinal, faltava molho de tomate para o macarrão de um cliente e isso era muito importante. A literatura, minha amiga e companheira, rapidamente me fez reviver algumas leituras. Uma vela para Dario, de Dalton Trevisan, é um texto do qual nunca me esqueci. Pequeno em páginas e grande em expressão... Dario passara mal no passeio público, ali caiu, ali ficou... Entre o ir e vir das pessoas e o abrir e fechar de janelas curiosas, Dario fora socorrido por pessoas-de-bem as quais pensaram alternativas de socorro, chamaram taxi, olharam documentos e perceberam que, afinal, alguém arcaria com despesas, trabalhos e responsabilidades. In dúbia pro reu. Eu diria que, na dúvida, deixe como está. E assim Dario perdeu a vida, a casaca, a carteira, as abotoaduras e a aliança, até que um qualquer achou por bem acender uma vela ao seu lado. Ali ficou, sem chama na vela. Dario foi o primeiro a me ensinar que a morte pode ser um empecilho para as vidas que ficam. Afinal, não havia local e hora mais apropriado para se morrer? Ivan Ilitch chegou um pouco mais tarde. Quando comecei a ler os russos, um professor nos indicou a leitura de Tolstoi. E então experimentei esse livro que tem como temática principal a vida de um homem, doente, que estava prestes a morrer. Não consigo me esquecer das imagens que guardei da minha imaginação quando li que a sua família, feliz, antes de sair para festas, passava no quarto de Ivan, rosto pesado, sentindo muito por aquelas dores, passando por uma espécie de protocolo pré-diversão. Ivan me ensinou sobre a vida do doente que se torna empecilho para a plena felicidade dos outros. Afinal, como demonstrar alegria desmedida com um moribundo sob o mesmo teto?


Dessas memórias, a que me traduziu, cirurgicamente, as sensações e indagações que por mim passaram quando me deparei com a notícia das barracas de praia no Carrefour foi Chico Buarque, em sua obra Construção. Morreu na contramão atrapalhando o tráfego. É isso. Há lugares nos quais não se deve morrer. No mercado? Não, não é definitivamente apropriado. E pior, um mercado não pode, por assim dizer, expor um corpo estendido no chão. E uniformizado! Não pega bem. Afinal, como manter a tranquilidade dos funcionários e a paz de espírito dos seus consumidores? Felizmente eles vendiam barracas de praia.

Dé b o r a d a C o s t a


ARTISTA POR NATUREZA


NA HORA DA XEPA

Tem sempre uns pedacinhos do Brasil Órgãos, vísceras, pés Mãos, bocas e braços atados É a hora de vender É a hora de comprar Feira livre s/a Delírio, febre, ventre em exposição Quem vai de Brasil? Um pedacinho de Brasil, Um trocadinho de Brasil, Um miudozinho... Ah,Brasil, tu já és um peixe Apodrecido embrulhado Num jornal de absurdos! Brasil, é tarde demais, Até na hora da xepa Tu és enjeitado!

Marco Trindade


E OS PÁSSAROS...TAMBÉM QUEREM SABER:


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.