EXPEDIENTE Edição: V. 3, n. 02 - fevereiro de 2020 Periodicidade: mensal
Revisão: a revisão dos textos é feita pelo próprio autor, não sofrendo alteração pela revista (a não ser tão-somente quanto à correção de erros materiais). Diagramação: Marcelo Bizar Capa: concepção de Marcelo Bizar e Marco Trindade; Foto: A r t e e G r a fi s m o : Distribuição: A distribuição da Revista Sarau Subúrbio é online e totalmente gratuita. Plataformas de leitura: https://revistasarausuburbio.com.br, ISSUU e Calamèo. Notas importantes: A Revista Sarau Subúrbio é uma publicação totalmente gratuita, sem fins lucrativos. Não contamos com patrocínio de qualquer natureza. Nosso objetivo, em linhas gerais, é servir de instrumento para que os artistas que não possuem espaço de divulgação nas mídias tradicionais possam apresentar seus trabalhos, nas mais variadas formas, seja na literatura, na música, no cinema, no teatro ou quaisquer outras vertentes artísticas, sempre de forma livre e independente. Todos os direitos autorais estão reservados aos respectivos escritores que cederam seus textos apenas para divulgação através da Revista Sarau Subúrbio de forma gratuita, bem como a responsabilidade pelo conteúdo de cada texto é exclusiva de seus autores e tal conteúdo não reflete necessariamente a opinião da revista. Editores Responsáveis: Marcelo Bizar e Marco Trindade Conselho editorial: Ana Cristina da Silva, Leonardo Bruno, Marcelo Bizar, Marco Trindade e Silvio Marcelo. Contato: sarausuburbio@gmail.com
EDITORIAL Carnaval é sonho, mas é também realidade, carnaval é folia, mas é momento de reflexão também. A Revista Sarau Subúrbio, incentivadora que é da cultura popular, propõe aos seus leitores-foliões, que além de brincarem muito durante estes quatro dias de festa, que reflitam e se deixem tomar pelos versos e melodia do mestre Candeia. Sem mais delongas, fiquem com “DIA DE GRAÇA”. Bom carnaval!
DIA DE GRAÇA (C a n d e i a ) Hoje é manhã de carnaval (ao esplendor) As escolas vão desfilar (garbosamente) Aquela gente de cor com a imponência de um rei, vai pisar na passarela (salve a Portela) Vamos esquecer os desenganos (que passamos) Viver alegria que sonhamos (durante o ano) Da m o s o n o s s o c o r a ç ã o , a l e g r i a e a m o r a t o d o s s e m d i s t i n ç ã o d e c o r M a s d e p o i s d a i l u s ã o , c o i ta d o Negro volta ao humilde barracão Negro acorda é hora de acordar Não negue a raça Torne toda manhã dia de graça Negro não humilhe nem se humilhe a ninguém Todas as raças já foram escravas também E deixa de ser rei só na folia e faça da sua Maria uma rainha todos os dias E cante o samba na universidade E verás que seu filho será príncipe de verdade Aí então jamais tu voltarás ao barracão.
SUMÁRIO 02 03 04 05 06 08 09 10 11 12 14 15 16 17 18 19 21 23 25 27 28 29 30 31 32 33
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EXPEDIENTE EDITORIAL SUMÁRIO OLHO DA RUA SATÍRICOS ESCAMBO AFETIVO OS BATUTAS E OS BANDOLINS LIVRE OS SÚDITOS DA FOLIA OS HAICAIS UM LUGAR NO SUBÚRBIO ESTANTE SUBURBANA VITROLINHA SUBURBANA ENERGIA IMUTÁVEL LAPA ASSASSINATO PELA MATEMÁTICA CLEMENTINA DE JESUS DESFILES A RAINHA DE BATERIA: CONCEITUAÇÃO ESTÉTICA NA SOCIEDADE BRASILEIRA ESCOLAS ACONTECEU NO CARNAVAL NO TERREIRO DE TIA MARIA DOIS POEMAS DE CARNAVAL A MORTE DO GUERREIRO O AMIGO DA MADRUGADA A TEMPOSIÇÃO DAS ALMAS ÍNCUBAS - SUBURBILÊNIA E O BANHOCOSMICOENERGÉTICO 35 - UMA PÁGINA DE CARNAVAL DO MEU DIÁRIO 36 - BLOG DO TIZIU
O LHO D A R U A A igualdade exposta pra fora Deflagra a nossa história A praça, as luzes, os canteiros Dominemos os ventos e as árvores Nos calçadões, nas calçadas, entre os postes A utopia descarada e sem vergonha Sonha com a arte de ser todo mundo E não ser ninguém De ser o aterro e a estrada De ser esses e aqueles De ser nós e eles De ser uns e outros Ser o povo As casas, as sombras, os sustos Nada pode nos roubar isto Nem o mito da dona Ciência, Da dona Violência ou do senhor Rebuliço Pois o pai Sol e a mãe Lua Nos querem sob seus olhos Na pele do continente, Na memória do país, No coração da cidade, No sexo do bairro, No olho da rua.
Marcio Rufino
SATÍRICOS Tão folião quanto cidadão Nos quero desmascarados Romper com a moralista perfeição Dar lugar aos sorrisos largos Te incomoda a multidão? Nunca pegou um trem lotado? Vidas de refrigeração Talvez sem contato Vitrines de proteção Olhos gradeados Promova a libertação Dos conceitos empoeirados Há sim um mundo cão Que nos faz intimidados Mas é da inconformação Que fazemos da alegria o nosso brado Balbúrdia pela elitização Cultura pelos antenados Corpo de captação De todos os sons e heranças que guardo Meu baú tá na mão Se quiser, tá convidado Veja o que te serve então E saímos lado a lado Tanto bloco e canção Que não sei pra onde parto Não dê bobeira, meu irmão Já temos na vida muito atraso Anda pra frente, sabichão Só sabe viver empoleirado? Do alto, passe a pisar no chão Permita-se a um corpo suado
Essa é a nossa reunião Nu, quase nu ou engravatado Nosso povo é um cordão Onde todo mundo é bem chegado Viver é manifestação Tempo carnavalizado Nos embriaguemos de aproximação Sem essa de deus ou do diabo Satanização? Festa do pecado? E o que religa a religião Com os grandes impérios encastelados? Eu falo de humanização Com o riso frouxo e escancarado Não me venha com julgamentos de prontidão Tudo isso não passa de papo furado Regras e normas sob inversão Zombar é verbo autorizado Afinal fazem isso há um tempão Usando a nossa fé e força de trabalho Bendita cada satirização A quem está em berço esplêndido deitado Que fale com força a nossa nação Não sejamos ignorantes, embora ignorados
Wallace Araujo de Oliveira
ESCAMBO AFETIVO Num dos quartos coletivos do hospital, cheio de doentes terminais, avó e neto não lembram como iniciou o costume de trocar beijo por dinheiro. Mas enquanto aguardam o médico, puxando na memória – o que lhe causa dor na cabeça – a avó consegue chegar a um cenário invertido: o neto num leito hospitalar, e ela, bem mais jovem, para animar o menino, disse que trocava um beijo por 1 real. Mas tem que ser com barulho, hein? O neto não sabia, em 1995, que aquele beijo estava em paridade com o dólar. Na verdade, ele mal se lembra disso: em sua memória atribulada de adulto, sempre existiu o hábito de trocar beijos por dinheiro. E mais: ele se recorda que, com o tempo, o escambo afetivo evoluiu para um Reebok novo em troca de companhia vespertina; a grana do fim de semana por um jantar na sexta; até que os pequenos favores e agradados acumularam ao ponto da avó lhe dar sua esperada Honda Bis. O neto sai do quarto e não ouve a avó dizer, serena como só os velhos são: eu não quero ser um zumbi sobrevivente. No corredor, cheio de macas e gemidos,ele pensa que venderá a empresa (que fundou contando moedas e negociando a Honda Bis) para cuidar da avó com dignidade. Todavia lá vem o médico - e os médicos introduzem assuntos pelo semblante. Às lágrimas, o neto retorna ao quarto, sentindo o cheiro da morte (algo como a fumaça de cobre queimando), e beija a testa da avó. Pela primeira vez na vida, sem receber nenhum real em troca. Foi com barulho, como ela gostava, e como aqueles tantos outros zumbis abandonados nas camas ao redor gostariam de receber. J o n a ta n M a g e l l a
OS BATUTAS E OS BANDOLINS
L IV R E ! Eu pulei a cerca e corri E pisei na terra e senti Toda a frescura desse chão Toda a liberdade na emoção... O barro da rua que segui As árvores do caminho O sol à minha frente E a certeza de não estar sozinho... Pois com Deus no coração A companhia é segura E em qualquer direção que eu vá Serei livre de amargura... A escolha que eu fizer Será minha a decisão E os erros e acertos Terão a minha opinião... Vou sorrir, correr, brincar E lembrar que não sou o tal Sem me esquecer de amar E ficar atento ao ponto final... Segurança, justiça e atitude Fundamentos de quem vive Procurando a plenitude Do prazer e alegria de ser livre...
Junior da Prata
OS SÚDITOS DA FOLIA Faça-nos rir, ó Arlequim nos intervalos da nossa dor os impostos batem à porta e já não nos atende o credor. Vista-se com os teus losangos coloridos para suavizar nossa emoção, pois cada dia necessitamos de discernimento e decisão. Faça-nos rir, ó Colombina precisamos de alegria e beleza, porque as inundações tomam nossa cidade e o caos é uma certeza. Seduza-nos com a tua saia de seda com tuas pernas de dançarina leva-nos pelo caminho volúvel do teu amor e ajuda-nos a sairmos dessa rotina. Faça-nos rir, ó Pierrô com teus pompons e gola franzida mesmo que o teu coração sofra tu és o palhaço que nos representa. És ingênuo, és bobo confias no teu semelhante e por teres um coração puro tuas lágrimas para os outros são insignificantes. Permita-nos rir, ó Momo pois és o rei da graciosidade estenda-nos o teu cetro e nos iluda com a tua aceitabilidade. Teu pai Sono não nos deixará dormir e tua mãe Noite abrilhantará as "estrelas" para que nos dias de folia esqueçamos o que nos espera. E d n a d e Ol i v e i ra C o i mb ra
O S H A IC A IS O haicai é um poema conciso, objetivo e curto, com origem no Japão, que tem como característica sua imensa carga poética expressa em poucos versos. Alguns preferem chamá-lo de "Haiku" ou escrevê-lo assim: "Haikai". Dois termos formam a palavra: "hai", que quer dizer gracejo, brincadeira e "kai", que significa harmonia, realização. O haicai é uma forma poética que foi criada no século XVI e nos dias atuais é bastante popular em todo o mundo. Muitos são os haicaístas pelo mundo. A estrutura rígida do poema haicai tradicional japonês é de três versos (terceto) formado por 17 (dezessete) sílabas poéticas, da forma seguinte: 1º verso - cinco sílabas 2º verso - sete sílabas 3º verso - cinco sílabas Matsuo Bashô, que também era um samurai, é considerado por muitos o maior poeta japonês haicaísta. Viveu no Japão durante o período Edo, um período da História do Japão que se deu entre os anos de 1603 a 1868, é foi marcado pela paz no país após séculos de guerras e conflitos internos. São de Matsuo Bashô os haikais: O sol de inverno: a cavalo congela a minha sombra. Borboletas e aves agitam voo: nuvem de flores. Chuva de verão perna de garça então se torna curta. Com o tempo alguns haicaístas mudaram essa forma rígida, não seguindo esse padrão de sílabas. Tais modificações foram feitas na forma tão-somente, assegurando o compromisso inicial do haicai com a objetividade, com a simplicidade na linguagem. Os haicais podem ou não ter rimas e títulos, e os temas que mais são explorados nos haicais são a natureza e a vida cotidiana. Atualmente isso mudou um pouco e vemos haicaístas escreverem sobre o amor, problemas sociais, dentre outras temáticas.
No Brasil o haicai chegou somente no século XX, trazido por imigrantes japoneses. Afrânio Peixoto, teórico da literatura, foi pioneiro em relação ao haicai, comparando-o com outro tipo de poesia curta e concisa, a trova. Um clássico sobre o haicai é seu ensaio de 1919, intitulado "Trovas populares brasileiras". Temos muitos escritores haicaistas no Brasil, poderíamos citar: Fanny Luíza Dupré, Guilherme de Almeida, Paulo Leminski, Jorge Fonseca Jr., Olba Savary e o próprio Afrânio Peixoto. Afrânio Peixoto sobre os haicais já escreveu: “Os japoneses possuem uma forma elementar de arte, mais simples ainda que a nossa trova popular: é o haikai, palavra que nós ocidentais não sabemos traduzir senão com ênfase, é o epigrama lírico. São tercetos breves, versos de cinco, sete e cinco pés, ao todo dezessete sílabas. Nesses moldes vazam, entretanto, emoções, imagens, comparações, sugestões, suspiros, desejos, sonhos... de encanto intraduzível.” Alguns exemplos de haicais de escritores brasileiros: O Poeta “Caçador de estrelas. Chorou: seu olhar voltou com tantas! Vem vê-las!” Guilherme de Almeida O escritor Guilherme de Almeida escreve haicais em seu modelo, o "modelo Guilhermino": primeiro e terceiro versos rimam e o segundo verso possui uma rima interna entre a segunda e sétima sílabas. Calçadão do Méier Gentes formam ondas Marés de sonhos em vidas Marcelo Bizar
Tremendo de frio no asfalto negro da rua a criança chora. Fanny Luíza Dupré
Ah! estas flores de ouro, que caem do ipê, são brinquedos pr'as criancinhas pobres... Jorge Fonseca Jr
Madureira é samba Em todas suas esquinas Seu povo é de bamba
Viver é super difícil o mais fundo está sempre na superfície
Marcelo Bizar
Paulo Leminski
Marcelo Bizar
UM LUGAR NO SUBÚRBIO NA PORTA DE CASA
O endereço é conhecido de cor e salteado pelo mundo do Samba, rua Marinho Pessoa, nº 20, no bairro do Irajá. Segundo explica o cantor e compositor, Roberto José Fernandes Junior, mais conhecido como Juninho Thybau, nesse endereço fica a casa, que sempre foi uma espécie de “quartel general da família inteira”, onde comia-se, bebia-se e festejavase, tudo regado a muita música, tradição que foi sendo passada de geração em geração. Por lá, no final dos anos 50, residência do avô, Seu Thybau José Fernandes, nasceria um dos mais ilustres nomes do Samba, o cantor e compositor Zeca Pagodinho, que vem a ser tio de Juninho, e também parceiro musical e primo de seu pai, o compositor Beto Gago, até hoje morador da casa. A partir do ano de 2017, inicia-se a roda de Samba “Na porta de Casa”, evento gratuito, na rua, do jeito que o Povo gosta, sempre aos domingos, idealizado e comandado por Juninho Thybau. A roda é formada pelos músicos Isaias Costa (violão e direção musical), Daniel Oliveira (cavaco), Alex Primitude (banjo), Igor (pandeiro), Rodrigo Couto (tantã), Waltis Zacarias (percussão) e Nem dos Santos (baixo), e tem no repertório Sambas autorais e clássicos há muito consagrados. Viva a nossa cultura popular, viva os Sambistas, e viva o nosso Subúrbio, pois o “Samba agoniza, mas não morre”, pelo contrário, em suas raízes está mais vivo do que nunca.
ESTANTE SUBURBANA
A VELHA GUARDA DA PORTELA João Baptista M.Vargens e Carlos Monte
VITROLINHA SUBURBANA
JEITO MOLEQUE - Zeca Pagodinho LADO A 1 - JEITO MOLEQUE (Darcy do Nascimento - Dominguinhos do Estácio) 2 - MANERA MANÉ (Beto sem Braço - Serginho Meriti - Arlindo Cruz) 3 - CUIDADO COM A INVEJA (Martinho da Vila - Zé Katimba) 4 - O SOL E A BRISA (Mauro Diniz - Franco) 5 - FEIRA DO ACARI (Jorge Carioca) 6 - CHAMEGO DE PAI (Beto sem Braço - Zeca Pagodinho) LADO B 1 - SE TIVESSE DÓ (Zeca Pagodinho- Nelson Rufino) 2 - MELHOR SOLUÇÃO (Monarco - Ratinho) 3 - POR QUERER, SEM QUERER (serginho Meriti-Acyr Marques) 4 - PISA COMO EU PISEI (Beto sem Braço-Aluísio Machado-Zeca Pagodinho) 5 - PARTIDO DOCE (Mauro Diniz-Zeca Pagodinho) 6- O SAMBA (Argemiro da Portela) 7- MULHER PERVERSA ( Chico Santana-Monarco) 8- ABRA AS VISTAS RAPAZ (Alcides Lopes-Monarco)
ENERGIA IMUTÁVEL O que temos é energia. Intangível, intocável, imutável. Automático, no toque do olhar. De corpos distantes e mentes conectadas, é tão perto, é certo, é raro, impossível. Dois mundos. Duas vidas. Duas almas. Dois destinos. Dois que vagam, já se acaharam, já se perderam, à distância de outras vidas, à procura do acerto, do reencontro, o recomeço, o amor que ficou pra trás, pra depois, pra quando? Deixa a energia te alcançar, o meu amor te abraçar, aí aonde você está, eu estou também. Da n i C o i m b r a
LAPA Segurando em sua mão Viajei Fomos turistas Tudo que o desejo avista Coreia Afeganistão Percorremos Buenos Aires Outros ares Conhecemos a Rainha Pobrezinha! Lima Paris e Dakar Você falou em casar Paramos em Realengo Copacabana e Flamengo Aeroporto na Ilha Passeio de Galeão Toda nudez do Estácio A Bossa Vinicius Tom Guiado pelo desejo Venci a última etapa Escadaria da Lapa Azulejos Selarón. Mas s ilon Silva
ASSASINATO PELA MATEMÁTICA Os estudiosos não são unânimes quanto ao assassinato de Hipaso de Metaponto. Uns dizem que ele foi jogado ao mar numa certa manhã, lá nos idos do século VI antes da Era Cristã, outros dizem que teria se suicidado como espécie de autocastigo, dizem ainda que talvez um grupo de pitagóricos enfurecidos o teriam matado afogado e mesmo que o próprio Pitágoras o teria condenado à morte. O fato é que o filósofo pré-socrático Hipaso de Metaponto, que estudava música e matemática dentre outras coisas foi condenado por querer divulgar um conhecimento importantíssimo sobre os números. Afirmam seus estudiosos que Hipaso foi a primeira pessoa na História a provar a existência dos números irracionais, ele só não contava que com sua descoberta chegaria também a sua sentença de morte. Os números irracionais não cabiam no mesmo momento em que os seguidores de Pitágoras, os pitagóricos, defendiam a tese de que os números podiam descrever o mundo e suas leis. Ora, para os pitagóricos "todas as coisas são números", assim, a essência de todas as coisas eram harmonizadas pelos números e o conhecimento através da Matemática conseguiria descrever e expressar tudo na Natureza. As relações numéricas perfeitas estariam em tudo. A Escola Pitagórica, que mais se assemelhava a uma seita religiosa, entendia que a harmonia da Natureza, que poderia ser descrita por relações numéricas perfeitas, estava por toda parte: nas harmonias dos instrumentos musicais, no movimento dos corpos celestes, nas formas geométricas. Entretanto, a constatação de uma "desarmonia" surgiu justamente do estudo do triângulo retângulo, a estrela do famoso Teorema de Pitágoras. E os pitagóricos resolveram se calar para o mundo. Aquele fato não poderia vir à tona, pois demonstraria que na Natureza existia algo que não era descrito por uma relação numérica. Ninguém poderia divulgar aquele segredo. Foi justamente o que Hipaso de Metaponto fez. Mas, que segredo era esse? Hipaso era um dos membros de maior prestígio da Escola Pitagórica e se esforçou pra conseguir um feito: encontrar o comprimento da diagonal de um triângulo retângulo com dois lados que medissem uma unidade. Ou, em outras palavras, ele queria calcular quanto media a diagonal de um quadrado. O chamado Teorema de Pitágoras, que também já era conhecido de forma intuitiva pelos chineses e babilônios, muito antes dos gregos, tão famoso e difundido nas escolas, pela sua imensa importância, é exatamente a relação que se pode utilizar para medirmos a diagonal, afinal de contas, em todos os triângulos retângulos do Universo: o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos!
Assim, a hipotenusa (que é a diagonal do triângulo retângulo) tem como comprimento o número que multiplicado por ele mesmo totaliza o número 2 (dois) Mas, qual é mesmo esse número? Ora, verificamos que a raiz quadrada de 2 não é 1 porque 1 x 1 é 1. E também não pode ser 2, porque 2 x 2 é 4. O comprimento é algum número entre 1 e 2. Mas, como isso seria possível!? Não temos como dizer qual é esse número? Hoje em dia sabemos que é um número chamado de irracional (notem que irracional não é que ele seja sem razão no sentido corriqueiro, vem de não ser possível exprimir sua raiz). E sabemos atualmente que os números irracionais ocorrem em maior número que os racionais. O número irracional mais famoso é o PI. Essa 'falta de número' não poderia ser revelada ao mundo. Hipaso deveria ficar quieto. Essa descoberta não poderia sair dos muros da Escola Pitagórica, afinal, seria a contra-prova de tal harmonia numérica da Natureza, nos termos antigos. Metaponto não poderia quebrar essa 'regra de silêncio' dos pitagóricos. Seu assassinato teve um motivo assombroso: a descoberta de um conhecimento matemático que deveria manter-se oculto para não desprestigiar uma escola filosófica importante. Se bem que os pitagóricos se assemelhavam mais a uma seita. Os alunos aprendiam matemática, filosofia mas também lições de comportamento, moral e exercícios físicos e eram geralmente das classes médias altas e detinham certo poder político. Uma verdadeira elite moral e intelectual. E os 'novos' números descobertos por Metaponto desafiavam a cosmovisão pitagórica, ameaçando desconstruir a base filosófica baseada nos números naturais, criada por Pitágoras. O grande ensinamento, verdadeiro dogma pitagórico de que tudo na natureza tinha uma medida havia ruído tornando os números um paradigma falso. Antes a essência do conhecimento era constituída pelos números naturais (os números que usamos pra contar: 1, 2, 3...) Dizem os estudiosos da antiguidade grega que Pitágoras teria feito seus alunos jurarem que não revelariam a nova descoberta. Mas Hipano de Metaponto queria revelar ao mundo a descoberta do imensurável na natureza. Assim, tiveram que silenciá-lo. Talvez nunca saibamos se realmente Hipaso foi assassinado, ele pode ter simplesmente fugido para bem longe, ninguém sabe, mas, com o passar dos anos os números irracionais acabaram por aparecer. Mas, essa é outra História. H e r a l d C o s ta
CLEMENTINA DE JESUS
A Comunidade do Carambita, periferia de Valença é um lugar onde vivem muitos jongueiros. A comunidade fica no sul do Rio de Janeiro e uma mulher incrível, guerreira, sambista, cantora, jongueira nasceu naquela região. Todos hoje a conhecemos e seu nome é Clementina de Jesus. Seu pai era violeiro e capoeirista, Seu Paulo Batista dos Santos, sua mãe, Dona Amélia de Jesus dos Santos era partideira. Dona Amélia ensinou para a pequena Clementina as rezas e cantos: as rezas em jejê nagô e os cantos em iorubá. A musicalidade de Clementina de Jesus ficou assim marcada por cantos tradicionais de ex-escravos e sambas rurais. Com oito anos de idade a inigualável Clementina de Jesus veio morar em Osvaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e frequentou as aulas do Orfanato Santo Antônio, em regime semi-interno. Desde cedo começou a frequentar as rodas de samba da região do subúrbio do Rio de Janeiro, tendo inclusive participado de perto do surgimento da Escola de Samba Portela. Casou-se no ano de 1940 e acabou se mudando para o bairro de Mangueira. Clementina de Jesus é considerada por muitos a rainha do partido alto. Seu timbre de voz é inconfundível, genuíno, ancestral. A cantora era devota da Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, tendo participado ativamente das festas das Igrejas da Penha e de São Jorge. A carreira de Clementina como cantora não começou cedo. Muitos afirmam que teria começado quando tinham completos 63 anos de idade.
Ela antes trabalhou por mais de 20 anos como empregada doméstica, tendo sido apresentada ao mundo pelo compositor Hermínio Bello de Carvalho, que no ano de 1963, a levou para participar do show "Rosa de Ouro", tendo cantado em algumas capitais brasileiras. _ Clementina de Jesus gravou muitos gêneros musicais brasileiros importantes tais como os corimás (jongos, casambus), cantos de trabalho, sambas rurais, tendo ajudo a recuperar muito da memória da música afro-brasileira. No ano de 1968, juntamente com Pixinguinha e João da Baiana, com produção de Hermínio Bello de Carvalho, lançaram um trabalho antológico e historicamente muito importante, o LP "Gente da Antiga". Gravou outros importantes álbuns para a música brasileira: "Clementina de Jesus", "Clementina, Cadê Você?" e "Marinheiro Só" são alguns. Clementina de Jesus teve uma voz única. Possuía um timbre inigualável e a emoção do seu cantar vinha carregado de uma ancestralidade africana sem igual. Os cânticos que aprendeu com sua mãe, filha de escravos, tornaram Quelé (como era carinhosamente chamada) num verdadeiro elo entre a cultura da África com os negros brasileiros. Apesar de ter começado sua carreira profissional artística tardiamente, e mesmo tenso sido ela curta, ninguém duvida que tenha sido uma das mais importantes para a cultura brasileira. Quelé nos deixou no dia 19 de julho do ano de 1987, morava então no bairro suburbano de Inhaúma, no Rio de Janeiro. Malkia Usiku
D E S F IL E S Estamos em Fevereiro de 2020, carnaval chegando. Até aqui, muita confusão instalada. Primeiro a tentativa de se manter a Imperatriz Leopoldinense no Grupo Especial de onde foi rebaixada no carnaval do ano de 2019. Nesse cai não cai o presidente da Liesa resolveu renunciar por não concordar com a maioria de suas afiliadas. Um escândalo, já no ano anterior duas escolas deixaram de ser rebaixadas pela mesma proposta. Desta vez a mídia jornalística e as redes sociais deram o tom: insatisfação geral de sambistas, Liesa sendo massacrada e a Imperatriz também, além das Escolas de Samba que concordaram com a proposta. Prevaleceu o bom senso e em nova reunião resolveram propor outra votação, desta vez com todos os diretores além dos representantes das escolas de samba. Reafirmaram o rebaixamento da Imperatriz de acordo com o regulamento. Com as coisas em seu devido lugar o presidente da Liesa voltou atrás em sua decisão de renunciar. Na Lierj órgão responsável pelo desfile do Grupo A, a insatisfação quanto a condução do órgão, fez com que o presidente Tor renunciasse. Com um novo presidente, a paz foi reestabelecida na entidade. Na Liesb, instituição responsável pelos desfiles dos Grupos B, C e D da Intendente Magalhães, também foi atingida pela onda de insatisfação. Um grupo dissidente resolveu se desligar e criar outra Liga, a Livres. Oficialmente a Liesb, que é a responsável pelo desfile da Intendente Magalhães de domingo a terça feira de carnaval, extinguiu os grupos B,C e D e juntou as escolas dos grupos B e C, criando o Grupo Especial da Intendente Magalhães com desfile nas segundas e terças e o grupo de acesso aos domingos, inclusive já tendo publicado a ordem dos desfiles de suas afiliadas. A Livres diz que suas escolas de sambas também irão desfilar na Intendente Magalhães e disputarão o título entre si. Que confusão, vou pagar pra ver. Mas, como estamos no mês de carnaval, os ensaios de ruas estão bombando. Não há ensaio no Sambódromo, mas o público vai onde sua escola de coração está ensaiando. Quando há ensaio de rua da Portela e do Império Serrano, no mesmo dia, em pontos diferentes da Estrada do Portela, uma grande massa humana se desloca para Madureira/Oswaldo Cruz, um verdadeiro carnaval. Na Avenida Estação Primeira, próximo à Rua Visconde de Niterói, um público excelente se desloca para ver os ensaios de rua da Mangueira.
Na Vila Isabel, na Avenida 28 de setembro, um grande público se concentra para ver os ensaios da Unidos de Vila Isabel. Até no Parque Madureira houve um aumento de público no dia dos ensaios do G.R.E.S. Acadêmicos de Vigário Geral que estará estreando no Grupo A. Salgueiro, Unidos da Tijuca, Grande Rio, enfim todas as escolas com ensaios de rua em seus bairros. A lamentar mais uma vez a atitude do Prefeito Marcelo Crivella que prometeu uma subvenção de 3 milhões de reais a ser distribuída para as Escolas de Samba que desfilam na Intendente Magalhães, aos Blocos de Enredo e para as Escolas Mirins e até agora nada. Deu esperança e não cumpriu deixando os envolvidos como um barco à deriva. Muitas agremiações talvez não desfilem por falta de recursos. O prefeito herdou dos portugueses do Brasil Colônia o não cumprimento de promessas. Sem o dinheiro da subvenção essas escolas vão se arrebentar, mas através da criatividade hão de fazer um grande carnaval. Salve a Intendente Magalhães o carnaval do Povão.
Onesio Meirelles
A RAINHA DE BATERIA: CONCEITUAÇÃO ESTÉTICA NA SOCIEDADE B R A S IL E IR A
Folha PRESS 04.02.2020 - imagem enviada pela escritora
Uma conversa sobre as rainhas de escola de samba gerou uma discussão entre mulheres, uma delas acredita que no senso comum e nas Escolas de samba só mulheres magras podem ser selecionadas para serem rainhas. Eu discordei. Na concepção de quem lhe escreve a estética é magra, branca e loira e hoje em dia existem movimentos de mulheres, de mulheres negras, “plus size” que lutam contra estes conceitos e querem desbravar e mostrar seus corpos felizes pelas ruas da cidade. Estes preconceitos causaram muitos estragos na autoestima e hoje se tenta resgatar tudo isto em um momento que tudo se discute, ser gordo não é um defeito físico é um fenótipo na maioria das vezes familiar e que pode ter um caráter genético, muitas dessas pessoas são saudáveis, nem todos tem obesidade mórbida, quando o tratamento se faz urgente se a pessoa quiser, pois o direito sempre tem que ser respeitado. A BELEZA da rainha de bateria não esta somente na sua estética, reside na relação que faz com escola, sua comunidade e com a bateria. E principalmente se tem Samba no Pé ( isto deveria ser levado em conta) não é um concurso de miss Brasil.
Mas são pensamentos que deturpam a importância do Ser e sexualizam este corpo bonito. Se sua estética é outra vá cumprir outros papéis na agremiação. Isto é um motivo para diálogo. O que é a Escola, que papel cumpre na sociedade e as transformações que provoca, neste mundo além de tudo Gordofóbico. Aonde está a beleza do Ser? O texto continua no próximo volume da revista, vou entrevistar uma líder do movimento. Vou oferecer a ela mulher preta e plus a oportunidade de falar sobre seu lindo trabalho. Também faço parte dessa categoria, mas consegui desconstruir muita coisa e construir quem sou. Não tive oportunidades para dialogar com ninguém, vivi e passei por cima das dores e construí a alegria de ser. Boa sorte para mulheres e homens plus.
Márcia Lopes
E SC O LA S De Cavalcante a Turiaçu: Tudo o que se pinta são quadros fugidios. Da Serrinha ao Cajueiro: Tudo são passos compassados e ritmados. O que manda neste momento é o coração. De Turiaçu a Anchieta: Tudo o que se vê são trilhos sinuosos. Da estação a Vila Isabel: Tudo o que aparece são suspiros. O que manda neste momento é a visão. Do Maracanã ao Gramacho: Tudo o que se sente são conflitos. Do Gramacho a Belford Roxo: Tudo o que se observa são buracos. O que manda neste momento é o tato. De São Cristóvão a Nova Iguaçu: Tudo o que se constrói são analogias. De Cabuçu a Vila Isabel: Tudo o que se observa são alegrias. O que manda neste momento é a audição.
Leonardo Bruno
ACONTECEU NUM CARNAVAL Era domingo de carnaval do ano de 1884. Os endiabrados do club carnavalesco Mephistophelis irrompiam pelas ruas do subúrbio carioca. O comedido Anastácio vinha na banda de clarins que era seguida pela guarda de honra. Seu irmão Teixeirinha estava todo faceiro no grupo que era uma mistura de estudantes, padres, irmãs de caridade e diabos, uma verdadeira bagunça. Os pais dos dois irmãos estavam na representação da romaria da Penha num carro puxado por bois. Num carro a deusa Proserpina, ou melhor, Lurdinha empunhava com orgulho e um tanto de afetação o estandarte do club. A moça fazia o coração de muitos rapazes baterem mais forte, principalmente o de Anastácio. O cortejo ia animado passando pelas ruas do Engenho de Dentro e Todos os Santos. Mas ao chegarem ao bairro do Engenho Novo a folia foi interrompida por um lamaçal causado pela intensa chuva do dia anterior. Nenhuma novidade para os heróicos foliões suburbanos. A partir dali instaurou-se a dúvida de continuar ou não o cortejo. Era uma falação sem fim: - A rua está impossível, não dá para passar! - Que bobagem, dá sim! Não somos feitos de papel! - Mas os carros vão atolar. - Vão nada, é uma laminha à toa. Teixeirinha fazia coro com os que queriam continuar, mesmo que tivesse que se sujar todo. Afinal, era carnaval. Já Anastácio preferia a modificação do trajeto. Enquanto a polêmica questão não se resolvia, a pobre Lurdinha derretia parada debaixo do sol. Teixeirinha chegou perto do irmão: - Vai lá homem, oferece o lenço para ela. Aproveita! Anastácio não sabia o que fazer. Era apaixonado pela moça, mas também muito tímido. -Se você não for lá, eu mesmo conto tudo para ela. - Não faça isso, eu vou lá. Anastácio encheu-se de coragem, subiu no carro e ofereceu o lenço. Lurdinha de pronto aceitou, pois estava pingando de suor. Aquele foi o primeiro de muitos carnavais que Lurdinha e Anastácio passaram juntos. Mesmo depois que o marido se foi, Lurdinha continuou a festejar, pois isso sempre lhe trazia boas recordações. Finalmente resolveu-se modificar o itinerário. O caminho mudou, mas a alegria continuou a mesma, fervilhante e espontânea. O Mephistophelis abrilhantou por décadas o carnaval suburbano levando alegria e descontração às ruas do Rio. Ana Cristina de Paula
NO TERREIRO DE TIA MARIA Hoje tem festa no terreiro de Tia Maria É tempo de se alegrar A festa tem muito axé e poesia é divina Contagia! É de abençoar... Bate na palma da mão prá firmar Toca o tambor prá marcar Esse pé no chão com passos de bem com a vida Vem provar o feijão, o segredo e o tempero da baiana Energia suprema que pulsa na roda de samba Vem jongar morena, bota essa saia de renda Roda esse corpo sagrado, descarrega a tristeza Vem encantar o moço e faz esse povo sambar Solta as amarras da vida, vem iluminar Hoje tem festa no terreiro de tia Maria ...É tempo de se alegrar A festa tem muito axé e poesia, é divina , contagia e é de abençoar. Reza com força e fé, pois Deus é quem dita E abre os caminhos das almas benditas O tempo só é amigo nesta estrada sofrida Prá quem tem amor e quem acredita. Hoje tem festa no terreiro ......abençoar. Elaine Morgado
DOIS POEMAS DE CARNAVAL Carnavale Séculos atrás foi Adeus a Carne Primeiro pagão depois cristão Virou festa profana, Carnaval! Liberdade de expressão, movimento Festa profana, encantamento Tudo ao mesmo tempo Fantasias em busca de um beijo Afeto ou qualquer coisa assim Vem com a Suburbana alegria de estar Sem pensar que vai ter um fim nele ferve um caldeirão cultural Com as bençãos de um tamborim nele existem dois tipos de musica: musica boa ou musica ruim
Gozada se se se se se se se se se se
queres queres queres queres queres queres queres queres queres queres
cultura, goze o carnaval férias, goze o carnaval trabalhar, goze o carnaval meditar, goze o carnaval namorar, goze o carnaval descasar, goze o carnaval provocar, goze o carnaval protestar, goze o carnaval fantasia, goze o carnaval entretenimento, goze o carnaval
Rodolfo Caruso Poeta todo dia
A MORTE DO GUERREIRO Na quadra de qualquer escola de samba, o último ensaio antes do desfile é cercado de tensão e ansiedade. O corre, corre do ano inteiro, os ensaios, as fantasias, alegoria e adereços, representam muito do esforço e dedicação da comunidade em querer fazer o melhor na avenida. Entretanto, no ano passado, a expectativa de alegria no ensaio decisivo da Unidos da Liberdade foi substituída por um sentimento antagônico, pois uma tristeza profunda e generalizada tomou conta da escola. Eram 17: 00h da quinta feira antevéspera do desfile, quando um grupo de ritmistas levando seus instrumentos, caminhava vagarosamente para a quadra da escola. Poucos minutos depois, ouve-se um repique soando de forma não cadenciada. Seguem-se batidas do tamborim e da caixa. Apesar do esforço em quererem produzir uma sequência harmônica, o resultado não era bom. Por uma razão qualquer, a ação das baquetas não era assimilada pelos instrumentos que, estranhamente, se tornaram dissonantes. Dona Adalgisa, a baiana mais antiga da escola, adentrou a quadra e girando lentamente com a sua saia rodada, entoou cantos religiosos. Passistas seguiram-na, mas sem bailar. A velha guarda, paramentada, caminhava perfilada com ar soturno. Não havia altivez nem brilho nos seus olhos. Nem parecia que estavam a menos de três dias do desfile. Todos, absolutamente todos, estavam numa tristeza comovente e num silêncio sepulcral. Seu Dodô, cuiqueiro das antigas, se aproximou dos outros ritmistas, que inutilmente tentavam produzir alguns sons com seus instrumentos. Faltava-lhes inspiração! Então, coube à cuíca de seu Dodô expressar sonoramente, o que todos demonstravam em atos de contrição. Assim, “ela chorou”! A velha cuíca “chorou copiosamente” em frente àquele que era o motivo do luto da escola de samba; o imponente surdo de primeira! Ele mesmo, que tantas vezes marcou e sustentou a bateria “nota dez”. Justo ele que, como um coração vigoroso, pulsava e irradiava grande energia nos ensaios de quadra e nos desfiles na avenida, sucumbiu ao tempo. Seu couro de milhares de batidas fendeu-se irreversivelmente quando mestre Janjão, após um ajuste no aro, lançou-lhe, com força, um golpe fatal com a maceta e ele retumbou pela última vez. Ali jazia no centro da quadra, o mais longevo e simbólico dos surdos. O único genuinamente de couro, fez “a sua passagem” e era reverenciado pelos seus companheiros. Mestre Janjão e os outros ritmistas vertiam-se em lágrimas, seguidos por todos que ali estavam. Naquele instante, seu Dodô e a sua indefectível e lamuriosa cuíca produziram um lúgubre e longo agudo, que ecoou por toda a quadra. Silvio Silva
O A M IG O D A M A D R U G A D A A vida é dura, Na madrugada é dura. Dura é a ilusão dos quatro Dias de festa. Negras vozes sufocadas, Peitos represados com tanta inspiração, Laureados Poetas da colina. Pardavascos, negroides, Cuja sina é ser o braço firme Dos que não trabalham... Nunca se esqueçam que Na madrugada dura Há um amigo, um microfone aberto, Um salvo-conduto, E um abraço de fé. Marco Trindade * Jornalista, Radialista, Produtor, com várias décadas de serviços prestados à Música Popular Brasileira, incomparável defensor do Samba, o octogenário Adelzon Alves foi sumariamente demitido e teve seu programa retirado da grade de programação da Rádio Nacional, no mês de fevereiro de 2020. No dia 10 do corrente, centenas de pessoas reuniram-se em solidariedade ao radialista, na porta da Empresa Brasil de Comunicação – EBC, Empresa Pública Federal, empregadora de Adelzon. Participe da campanha #somostodosadelzon nas redes sociais, procure manter-se informado sobre novas mobilizações, envie e-mail para a ouvidoria da Rádio Nacional (ouvidoria@ebc.com.br), existe um grupo de whatsapp tratando do assunto, não é só o emprego do mestre Adelzon que está em jogo, é a sobrevivência da Cultura Popular deste País!!!
A TEMPOSIÇÃO DAS ALMAS ÍNCUBAS SUBURBILÊNIA E O BANHOCOSMICOENERGÉTICO
O ElHerói-de-las-gentes pensou melhor e entrou na Estação do Metrô de Acari, sentou-se pensativo num canto dos vazios corredores: "Os Motoresoláricosexpansíveis-de-uso-pessoal, invenção de Tomie Tokun, cientista e empresário, consistiu na maior revolução energeticosolar ocorrida na Terramultiversal de Suburbilênia. Um aparelho portátil, um pouco maior que uma caixa de sapatos, capaz de captar a energia solar de forma rápida e eficiente. A bateria desses mots, como o povo chama o aparelho, consiste numa pilha do tamanho de uma lata grande de cerveja, e cada recarga (feitas em exatos 43,485762435678243 segundos) duram por exatos 3,2476892567845 dias. Os mots duram de vinte a trinta anos e suas baterias são trocadas somente a cada oito ano. Assim então, é possível imaginar a verdadeira revolução que os mots proporcionaram quando Tomie lançou sua invenção. Com os mots, e a consequente independência energética que eles trouxeram, muitos povos saíram da miséria e da pobreza e seus povoados se transformaram em lugares prósperos. A grande questão é que Tomie Tokun além de cientista e empresário era também um sábio mago da categoria aquelequebuscasuaevoluçãoespiritual, e ele entendeu que seus mots deveriam ser levados a todos os povos na Terra. Tomie Tokun, no mesmo dia do lançamento mundial dos mots, que ocorreu no bairro da Pavuna, subúrbio do Rio de Janeiro, doou mais de quinhetos milhões de mots (com a bateria e mais três baterias de reserva) a famílias pobres do mundo inteiro.
Quem podia pagar pelos mots era informado de seu valor e o número de uma conta onde poderiam depositar o valor que pudessem ou quisessem, sem obrigatoriedade alguma. Suburbilênia aconteceu depois do banhocosmicoenergético ocorrido no dia 25 de abril do ano de 2020 da Era Cristã do Multiverso-999. O Multiverso-999 não se encontra ainda numa plenestabilidadexistencial, assim, diversas experiênciasdeETs são possíveis de ocorrerem em suas bilhões de galáxias. E Suburbilência surgiu como forma de proteção contra o banhocosmicoenergético, que pouca coisa sobre ele se sabe, mas que a teoria mais aceita é a do escritor Zuzupa Ilvas. O escritor Angolano Zuzupa Ilvas é também estudioso de Engenharia FísicoQuímica, Biologia Molecular e Tarôlogo. E numa de suas previsões do Tarot revelou ao mundo que uma nação-não-se-sabe-de-onde-no-universo estaria querendo fazer experimentos mutantoenergéticos com os habitantes da Terra-do-Multiverso-999. Muitos zombaram de Zuzupa, Tomie Tokun não o fez, antes, acreditou tanto nas previsões dos Tarots de Zuzupa que construiu Suburbilênia, uma cidade-domoprotegida-por-escudos-energéticos. As mutações ocorridas em Suburbilênia se deve ao fato de que durante algumas horas, para ser mais preciso 2,846572198452456 horas, o escudo-protetorenergético-de-cidade-domo não conseguiu ligar. Dizem que uma das tomadas, localizada num dos túneis subterrâneos do subúrbio carioca, talvez o que esteja localizado em Acari, pois está escrito que a fiação que ligava a tomada foi furtada por um Spokelse-tyv (espectro, fantasma ladrão), com o intuito de vender o cobre pra comprar giftig-urt (erva tóxica) e, enquanto Tomie realizava concerto da fiação desta tomada do domo, ocorreu o banhocosmicoenergético. Os escritores-lendários-nem-tão-lendários-assim informam em suas páginas que Tomie depois do ocorrido desapareceu e ninguém nunca mais ouviu falar no cientista. Quando tive aulas de Magia Arcaica IV com o Alquimista Ziluobrêvio Mustandórfiles - alquimista haitiano bastante respeitado, conhecido por "O QuaseVigésimo Alquimista", como ele gostava de ser chamado, pois concorrera por nove vezes à Cadeira Vigésima da Academia Universáica de Alquimistas, a AUA, perdendo todas as vezes, acabou por se auto-intitular de "O Quase-Vigésimo Alquimista" -, estudei sobre Zumbikiumbaindavivos, SANOS e os cumpadrecitoscabronesparças de Suburbilênia e sabia dos riscos que estava correndo. Estava no Metrô de Acari/Fazenda Botafogo e tinha que correr até o Rio Acari, a única saíde de Suburbilênia, que lembrava ficava dentro do rio em frente à Vila Olímpica Clara Nunes. Até que encontrar um cumpadrecitocabroneparça poderia me ajudar a chegar ao rio. Eles são pessoas maneiras, mas têm um probleminha que às vezes os tornam perigosos: levam tudo na 'zoeira', 'trolagem', 'gozação', 'disopilação do fígado', o que em Suburbilênia pode ser bastante perigoso para um forasteiro como eu." Pazuzu Silva
UMA PÁGINA DE CARNAVAL DO MEU DIÁRIO
2019. Dia 03 de março. Dia nublado! Domingo de carnaval! Achava que nunca mais veria uma cachoeira no subúrbio carioca, como aquelas da minha infância. Estou feliz pois estava enganado. Estou num bar do subúrbio carioca (não direi o bairro, nem o nome do bar... senão vem muita gente pra cá... e adeus sossego!) que tem uma cachoeira para nos refrescar do calor (e talvez também sirva pra despertar quem bebeu um pouco a mais). No rádio... aliás, rádio não, o som vinha da televisão... marchinhas de carnaval na voz de Beth Carvalho e sambas de enredo das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro, músicas perfeitas para o dia. A cerveja, mais do que gelada, salaminho pra tirar o gosto de uma aguardente popular: Ypioca, bebida com limão. De repente, como mágica de carnaval, apareceram alguns foliões que vinham de blocos e aqui ficaram bebendo, comendo, cantando... um deles gritou: "Que comecem os jogos!". Provavelmente ele estava "vestindo" o personagem de sua fantasia, só não saberia dizer qual...
Antero Catan