EXPEDIENTE Edição: V. 3, n. 9 - setembro de 2020
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Periodicidade: mensal
Revisão: a revisão dos textos é feita pelo próprio autor, não sofrendo alteração pela revista (a não ser tão-somente quanto à correção de erros materiais). Diagramação: Marcelo Bizar Foto da capa: Rebeca Morais (as crianças, Pamela Morais e Miguel Ângelo Morais). A Foto foi tirada pela própria mãe, que autorizou a publicação da foto na capa) Arte e Grafismo: Marcelo Bizar Fotos da capa: Feira de Ricardo de Albuquerque - Marcelo Bizar Imagens: as imagens não creditadas são da Internet. Distribuição: A distribuição da Revista Sarau Subúrbio é online e gratuita. A leitura da revista pode ser feita em seu sítio: https://revistasarausuburbio.com.br e nas plataformas online ISSUU e Calamèo. Notas importantes: A Revista Sarau Subúrbio é uma publicação totalmente gratuita, sem fins lucrativos. Não contamos com patrocínio de qualquer natureza. Nosso objetivo, em linhas gerais, é servir de instrumento para que os artistas que não possuem espaço de divulgação nas mídias tradicionais possam apresentar seus trabalhos, nas mais variadas formas, seja na literatura, na música, no cinema, no teatro ou quaisquer outras vertentes artísticas, sempre de forma livre e independente. Todos os direitos autorais estão reservados aos respectivos escritores que cederam seus textos apenas para divulgação através da Revista Sarau Subúrbio de forma gratuita, bem como a responsabilidade pelo conteúdo de cada texto é exclusiva de seus autores e tal conteúdo não reflete necessariamente a opinião da revista. Editores Responsáveis: Marcelo Bizar, Marco Trindade e Silvio Silva Conselho editorial: Marco Trindade, Marcelo Bizar, Silvio Silva, Ana Cristina e Leonardo Bruno Contato: sarausuburbio@gmail.com
EDITORIAL BRASIL - BRASEIRO O Brasil do Centro Oeste ao Norte arde num braseiro só. Nunca pensamos que a origem do nome do nosso país fosse tão verossímil. Biomas inteiros sendo devastados pela ganância e insensatez humanas. O que nos apavora a centenas, talvez milhares de quilômetros país adentro, também nos ameaça aqui no nosso estado, bem mais próximo que imaginamos. Desmatamentos e queimadas com requintes de crueldade sobre espaços naturais ao alcance dos nossos olhos. Estamos falando das reservas florestais urbanas do Rio de Janeiro, que são ameaçadas por empreendimentos imobiliários, tentativa de construção de autódromo (Floresta do Camboatá), ocupações ilegais no Maciço da Pedra Branca e áreas da Floresta da Tijuca. Como se não bastasse isso, áreas com potencial turístico ecológico sustentável vivem sujeitas à ação predatória de visitantes como a Serra do Mendanha, trilhas e pontos turísticos da mesma Floresta da Tijuca. Em graus variados, mas com a mesma falta de consciência individual e coletiva, o que constatamos na Amazônia, no Pantanal, no Serrado e em APAS e reservas florestais é que a natureza agoniza numa escala sem precedentes. O que o planeta levou milhares de anos para integrar o homem e a natureza de forma sustentável, bastou uma caneta aliada à negligência e ao desprezo pelo meio ambiente para exterminar em pouquíssimo tempo. Como dizem os versos da música “Passaredo” de Chico Buarque: “... Voa, bicudo Voa, sanhaço Vai, juriti Bico calado Muito cuidado Que o homem vem aí O homem vem aí O homem vem aí...” Diante desse caos, esperando que a mudança venha, ainda que tardia, deixamos como libelo os versos dessa belíssima e triste canção de Vital Farias. S a g a d a Am a z ô n i a (Vital Farias) Era uma vez na Amazônia a mais bonita floresta Mata verde, céu azul, a mais imensa floresta No fundo d'água as Iaras, caboclo lendas e mágoas E os rios puxando as águas Papagaios, periquitos, cuidavam de suas cores
Os peixes singrando os rios, curumins cheios de amores Sorria o jurupari, uirapuru, seu porvir Era: Fauna, flora, frutos e flores Toda mata tem caipora para a mata vigiar Veio caipora de fora para a mata definhar E trouxe dragão-de-ferro, prá comer muita madeira E trouxe em estilo gigante, prá acabar com a capoeira Fizeram logo o projeto sem ninguém testemunhar Prá o dragão cortar madeira e toda mata derrubar Se a floresta meu amigo, tivesse pé prá andar Eu garanto, meu amigo, com o perigo não tinha ficado lá O que se corta em segundos gasta tempo prá vingar E o fruto que dá no cacho prá gente se alimentar? Depois tem o passarinho, tem o ninho, tem o ar Igarapé, rio abaixo, tem riacho e esse rio que é um mar Mas o dragão continua a floresta devorar E quem habita essa mata, prá onde vai se mudar??? Corre índio, seringueiro, preguiça, tamanduá Tartaruga: Pé ligeiro, corre-corre tribo dos Kamaiura No lugar que havia mata, hoje há perseguição Grileiro mata posseiro só prá lhe roubar seu chão Castanheiro, seringueiro já viraram até peão Afora os que já morreram como ave-de-arribação Zé de Nana tá de prova, naquele lugar tem cova Gente enterrada no chão Pois mataram índio que matou grileiro que matou posseiro Disse um castanheiro para um seringueiro que um estrangeiro Roubou seu lugar Foi então que um violeiro chegando na região Ficou tão penalizado que escreveu essa canção E talvez, desesperado com tanta devastação Pegou a primeira estrada, sem rumo, sem direção Com os olhos cheios de água, sumiu levando essa mágoa Dentro do seu coração Aqui termina essa história para gente de valor Prá gente que tem memória, muita crença, muito amor Prá defender o que ainda resta, sem rodeio, sem aresta Era uma vez uma floresta na Linha do Equador Assista ao vídeo desta música neste endereço: link: https://youtu.be/ereR8tnVIk4?list=RDereR8tnVIk4
SUMÁRIO 02 03 05 06 08 09 10 12 13 14 15 17 18 20 21 22 23 24 26 27 30 32 33 34 35 36 38 44 42 43
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EXPEDIENTE EDITORIAL SUMÁRIO ROMPANTE REFUTADO POR UMA FERRENHA REALIDADE QUAL? BEETHOVEN NO SERTÃO A ILHA DOS SUSSURROS O SAMBA NA AVENIDA DA VIDA SETEMBRINO A DECISÃO REFLEXÕES PANDÊMICAS DESFILE 2021 QUANTOS ESTÃO REFLETIDOS QUANDO ME OLHO NO ESPELHO? POESIA ÀS CRIANÇAS VERSOS DE UM POEMA PERDIDO NA BEIRA DA ESTRADA ESTANTE SUBURBANA VITROLINHA SUBURBANA UM LUGAR NO SUBÚRBIO LENTES SUBURBANAS SER MULHER - PRIMEIRO CAÍTULO SETEMBRO 2020 - O SAMBA PEDE PASSAGEM... HIPERMERCADO INDEPENDÊNCIA LTDA O SAMBA NA BIBLIOTECA PARQUE DE MANGUINHOS O APOCALIPSE MOMENTO DE FÚRIA POR BREONNA TAYLOR CINE SUBÚRBIO HOMO TIRANIS DUAS TÉCNICAS INFALÍVEIS PARA AGUENTAR MAIS UM POUCO APENAS CINZAS BLOG DO TIZIU
ROMPANTE REFUTADO POR UMA FERRENHA REALIDADE Escrever poemas sem me valer da rima não é algo que ao meu espírito anima. Entretanto, após algumas sugestões, resolvi reavaliar este meu preconceito e realizar, neste contexto, algumas incursões sem me ater unicamente a tal preceito: escrever sem o apelo da rima. Não questionei os motivos dos pedidos, absorvi-os, dos detalhes passei por cima, e acatei, com reservas, o que me foi aludido ainda que a oferecer uma tênue resistência. A pulsação da rima, na sua essência, sempre foi o lume da minha inspiração, embora a escrita perca um pouco a fluência incitada por desgastante transpiração. Não que o discurso poético fique bisonho! - Às críticas, a este aspecto, jamais fizeram alusão -, mas, às vezes, o texto se apresenta enfadonho e um tanto difuso na sua evolução. No entanto, acredito que isso seja irrelevante pois, dentro das normas, há diversos estilos. Quebrarei a casca do ovo e me farei cantante sem receio de atravessar ou desafinar no pipilo. Ave Poeta, abrirei minhas asas e voarei alto a despeito das oscilações da intempérie. Num voo pássaro, tomarei o espaço de assalto e gorjearei entusiasmado nesta desafiante série. Até tentei, porém, no auge da inspiração, com o mote ideal para desenvolver fluindo crescente na imaginação, pela abstração, me deixei envolver. Enquanto aguardava, da escrita à ação, vi-me à sombra de um impasse acabrunhado por uma soturna sensação que emperrou, do texto, o seu desenlace. Senti-me um tanto estranho, como jamais estivera antes,
diante de apelos sem tamanho e de ensejos que me soaram atemorizantes. Lívido e aflito, inspirei e expirei, mas, as palavras na berlinda se rebelavam e contestavam a forma que cogitei dar aos temas que, em ebulição, pipocavam. Reclamavam, do rascunhado, a falta de rimas, ação a que me propus desde o início com a disposição de vencer um suplício que a minha escrita não legitima. Teimoso e indiferente, redigi à revelia de um lado para outro, reticente. Contemplei o efeito rítmico com agonia e, nada satisfeito com o teor, apaguei pudente. Repensei e retifiquei o seu conteúdo. Acrescentei rimas à sua anterior forma e experimentei um sentimento casto e agudo, orgulhoso de não infringir minha norma. Tudo que, na escrita, me é novidadeiro, analiso com rigor sua repercussão na rotina, pois o seu teor tem que me soar verdadeiro e, de certa forma, acarinhar-me a retina. Encaro com desconforto as mudanças, mesmo as que se anunciam alvissareiras, vejo-as com resquícios de desconfianças, pois tenho que reorganizar as prateleiras. Uma tarefa por demais árida e aborrecida para um tipo um tanto preguiçoso e de disposição mental arrefecida ao encarar o que acha que é tedioso. Sem titubear, segui em frente, mantive o estilo que me é característico na elaboração de poesia atinente ao meu comprometimento linguístico. Acatei o que à minha verve anima: fixei nos eflúvios da inspiração os aromas das essências das rimas e obtive perfumosa transpiração.
Kaju Filho
QU AL ? Qual dessas ilhas da Ilha Será meu derradeiro ficar? Quem sabe é a de Jorge Grego Que veio no seu corsário para cá E num momento de fúria Depois de a filha matar, Subiu em um penhasco E se jogou no mar, Desaparecendo para sempre Dando nome ao lugar. Ou talvez a dos Meros Onde há o Cristo submerso Uma estatueta linda Que nada deixa a desejar À principal estátua Que no Morro do Corcovado está A de Meros não fica em cima, Fica embaixo, no mar. Talvez na dos Morcegos Em frente à Enseada do Abraão Onde os seus belos corais São apreciados por multidões. Com certeza a de Pau a Pino Rochosa de formação Situada no canal que separa A Ilha Grande da massa continental. Porém não tenho dúvidas Que para mim está reservado O nascer e o morrer Na minha Ilha do Abraão amada.
E d n a C o i mb ra
O BEETHOVEN DO SERTÃO “Pode-se tratar claramente uma linha evolutiva que começa com a unificação timbrística da Renascença, passa pelo surgimento do violino, seguindo pela paleta sonora, da orquestra sinfônica, até chegarmos ao extremo do desenvolvimento da tecnologia sonora que permite hoje a unificação total em um simples teclado sintetizado. Destaca-se aqui justamente a questão fundamental em relação à rabeca: ela é uma sobrevivente de um mundo em extinção.” 1 Esgotado desde seu lançamento em 1988 o livro Artesão de sons – vida e obra do Mestre Zé Coco do Riachão, de José Edward, retrata a vida do multiinstrumentista José dos Reis Barbosa (1912-1998), mineiro de Montes Claros, consegrado aos reis da folia folclórica pelo sobrenome. Sem saber ler ou escrever, aprendeu a tocar viola aos 12 anos e aos 20 a fabricar os instrumentos, combinando artesanato e marcenaria da pequena fábrica do pai, a quem acompanhava nas Folias das Reis desde menino, com a destreza na viola e rabeca. Reunido no LP de 1980 Brasil Puro e também no Vôo das Garças (alusão a São Pedro das Garças, onde residiu) sua obra foi bem recebida pela crítica musical e foi no exterior que recebeu sua maior honraria: um documentário, com Theo Azevedo, baseado em cantigas de vaqueiro, produzido na Alemanha. Em 2003 o CD Violeiros do Brasil incluiu duas composições de sua autoria Amanhecendo no Sertão e Folia de Reis do Alto da Baeta.
Orl a n d o Ol i v e i ra
1- “Revista Palavra”, janeiro de 2000, pg. 26, Luiz Henrique Fiaminchi
LENDAS SUBURBANAS
A I L H A DO S S U S S U R R O S Toda ilha tem seus mistérios. Uma ilha, por si só, é um lugar que nos faz pensar em várias coisas. Praia, férias, descanso, sol, mar, água de coco, pé na areia. Quando você terminar essa coluna, talvez eu te faça pensar em outras coisas. Hoje vamos falar um pouco sobre uma ilha que faz parte do arquipélago de Paquetá. Podemos pensar em Paquetá “como um subúrbio bastante peculiar do Rio” (PRADO, 2013). A ilha, distante uns 15 quilômetros da Praça XV, é a principal do arquipélago que tem o seu nome. Carros não são permitidos, então os moradores se deslocam a pé, de bicicletas e carrinhos elétricos, que substituíram as charretes. Nas vezes em que estive lá, especialmente na FLIPA (Feira Literária de Paquetá) e na FEBRE (Feira de Bruxaria e Esoterismo) vi pessoas sentadas em cadeiras nas calçadas, crianças brincando nas ruas e até passei por um simpático churrasco acontecendo em um quintal na frente de uma casa e com convidados comendo e conversando na porta. Além dessas características que nos aproximam tanto, a bela ilha de Paquetá, assim como o subúrbio e as regiões periféricas do Rio de Janeiro, também sofre com o descaso e o abandono do poder público. Mas, claro, isso aqui é um lugar onde falamos de coisas estranhas. Então, vamos a elas. Mas antes, uma breve aula de história, geografia e política. Paquetá tem suas lendas e segredos, mas hoje vou me concentrar em uma ilha que fica colada em Paquetá. É a ilha de Brocoió. Atualmente, a ilha ainda pertence ao Governo do Estado do Rio de Janeiro e talvez não mude de dono tão cedo. Em 2016, quando o Estado passava pelo auge da crise econômica, a ilha foi posta a venda. Até onde eu sei, nenhum comprador se interessou em pagar a bagatela de 5 milhões de reais, preço estimado de mercado em 2018. Enquanto não aparece alguém com alguns trocados a mais no bolso, o lugar se torna mais e mais em uma ilha de filme de terror: deserta e cheia de construções deterioradas. O acesso, infelizmente é restrito. Antes disso, lá pela década de 1930, o lugar pertenceu ao milionário Octávio Guile, que foi o responsável pelo aterramento da área. Esse aterramento transformou uma ilhota dupla em uma ilha de aproximadamente 200.000m². O descobrimento é atribuído ao cosmógrafo francês Andre Thevet (15021590), integrante da expedição de Villegagnon realizada no ano de 1955, época da fundação da França Antártica. Os Tamoios, ou Tupinambás, habitavam, entre outros pontos do que viria a ser conhecido como Brasil, o litoral norte de São Paulo e o litoral sul de onde hoje fica o Rio de Janeiro. O termo Tupinambá, inlcusive, faz referência a diversas tribos que possuíam uma língua em comum. Apesar disso, essas tribos não mantinham uma
unidade. Guerras entre esses grupos não eram incomuns. Outra característica dos Tamoios era a prática do canibalismo ritual. Essa prática, segundo historiadores e arqueólogos, era comum em várias comunidades primitivas ao redor do mundo. Além deles, outros grupos eram canibais (os Potiguares, os Caetés, os Aimorés, os Goitacás). Quando o canibalismo ritual era praticado, os participantes acreditavam que absorviam as qualidades dos inimigos. E, falando nos Tamoios, eles tinham uma utilização curiosa e arrepiante para a ilha de Brocoió. Ela era uma prisão para índios rebeldes. Quando um índio se rebelava, cometia alguma falta grave ou ia contra a autoridade de um chefe tribal era levado para a ilha de Brocoió. Antes do aterramento, Brocoió era uma ilhota dupla ligada por uma faixa de areia. Ou seja, um lugar não muito acolhedor. Não era o tipo de exílio com tempo para terminar. O índio rebelde, que era conduzido lá em uma canoa longa através da Baía de Guanabara, permaneceria no local até morrer. O nome da ilha é a cereja do bolo dessa história toda. Brocoió é uma corruptela de borocoió ou, segundo o Dicionário Etimológico de Antenor Nascentes, boré-coya. A palavra significa “sussurros, sussurrante”. A lenda conta que, durante a noite, os espíritos dos que morreram na ilha voltavam do além para vagar pela ilha, soluçando, chorando, gritando por socorro. Uma outra variante da lenda conta que doentes ou pessoas com deficiência também eram levados para lá para morrer. Entretanto, essa ultima vertente fica muito mais no campo da “lenda urbana”. Se é verdade ou não, eu não sei. Mas já ouvi histórias de pessoas que passeavam pela Praia Grande durante a noite que afirmaram ter escutado, ou pensado escutar, um som estranho trazido pelo vento. A Praia Grande, inclusive, fica bem de frente para o antigo presídio cercado por água dos Tamoios. Então, da próxima vez em que você estiver em Paquetá depois que o Sol tiver se posto, procure um lugar aconchegante na Praia Grande e apure bem os ouvidos. E, se você estiver sozinho, talvez consiga se convencer de que aquilo que você está escutando é apenas o vento e nada mais.
H ed j a n C. S .
R E F E R Ê NC I A S PRADO, Luís Alberto. Ilha de Paquetá, um paraíso na baía de Guanabara. MultiRio. Disponível em http://multirio.rj.gov.br/index.php/leia/reportagens-artigos/reportagens/437-paqueta-umparaiso-na-baia-de-guanadara acessado em 10/09/2020
O SAMBA NA AVENIDA DA VIDA Hoje quero desfilar na avenida da vida. Com um enredo que transborde felicidade Ao som de um samba de terreiro Onde trema o mundo inteiro Com a batucada do amor de verdade Quero mãos sinceras de Janeiro à Dezembro E numa só voz ecoar um canto de igualdade E com braços fortes levantar bandeira Na escola de samba sem fronteiras O samba salva vidas na comunidade O samba é essência, resgata dignidade E com resistência faz seu lamento Na cadência do tempo, o juramento De ressurgir com arte e liberdade.
Elaine Morgado
S E T E M BR I N O Dia setembrino de sol Um lindo brilho amarelo As pÊtalas do girassol Um novo livro no prelo Um gol no futebol Um abraço sincero Logo depois o gelol Um pouco de lero-lero Peixe fisgado no anzol Esse que agora tempero Longe canta o pintagol Beijo a mulher que venero Da janela vejo o farol O mar azul que eu quero Abaixo meu cortisol O ritmo desacelero Contemplando o arrebol Tenho a paz que espero
Douglas Adade
A DECISÃO Apenas um telefonema. Não havia dúvidas. Era o fim. Despediram-se. Dois icebergs no verão carioca: “Até sábado”. Seu genitor, que aprovara o noivado, tinha o direito de saber do seu término. Ruth, que auxiliava o pai na empresa, comunicou-lhe a decisão do noivo de um encontro para tratarem de assunto seriíssimo, sem, no entanto, revelar-lhe o conteúdo. Quando Moacir chegou, já se encontravam na sala de jantar – além dos dois cachorros vira-latas – os pais e irmãos da ex-noiva. Todos, sem conseguir disfarçar o contentamento, o aguardavam com um sorriso estampado no rosto. O chefe da casa, antecipando-se à fala do nervoso rapaz, pedira à esposa que trouxesse aquele vinho italiano, guardado para ocasiões especiais como aquela. Propôs um brinde aos noivos. Agora, sim, passava a palavra ao noivo. Ruth, visivelmente constrangida, arrependera-se de não ter antecipado o teor do assunto para o pai. Nunca o vira tão feliz em toda a sua vida. Não se perdoaria jamais pela frustração que lhe causaria. – Fale, meu filho – insistiu o orgulhoso pai, abraçado à filha. Moacir, percebendo a gravidade do momento – sem coragem – acovardou-se: – Senhor Turíbio e senhora Nanci, marquei esse encontro com a intenção de lhes pedir a mão de sua filha em casamento. Os pais, emocionados, abraçaram-se longamente. Os filhos cumprimentaram a irmã e o noivo. Os vira-latas – aprovando a entrada do novo membro na família – limitaram-se a latir. A moça continuava boquiaberta. Não conseguia falar. Parecia que vivia um sonho. Ou pesadelo. Fora uma decisão inesperada de Moacir. E agora? Casaram-se. Foram infelizes para sempre.
Jorge dos Santos Nascimento
REFLEXÕES PANDÊMICAS No Ultimo final de semana os habitantes e turistas na Cidade do Rio de Janeiro viveram o feriado da Independência intensamente na praia e pontos turísticos; será verdade? Será que não (citando a banda Plebe Rude)? A Maravilhosa tem aproximadamente seis milhões e setecentos mil habitantes e particularmente duvido que mais do que dez por cento desse quantitativo estivesse na rua; ou seja menos de 670.000 pessoas estavam na praia e afins; entretanto as redes de televisão generalizam grosseiramente as tendências e movimentos populacionais pois nada é contabilizado corretamente, praia cheia não pode indicar de forma alguma que a população está toda na Praia, seria bom se repensar esse tipo de informação. Quando pensamos no ultimo Réveillon e mesmo no Carnaval lembro que sempre nos chega a notícia de que entre um milhão e meio a dois milhões de pessoas chegam aqui e se hospedam pela Zona Sul, Centro e Barra da Tijuca; somados aos cariocas que gostam da virada do ano na praia de Copacabana e do Carnaval temos então mais ou menos 8.700.000 pessoas circulando por aqui; imagine todas na rua ao mesmo tempo... O teu vizinho gosta de Carnaval? Você gosta de carnaval? Quem gosta de carnaval de verdade? As redes de televisão indicam que durante os desfiles das Escolas de Samba na Avenida Marques de Sapucaí o quantitativo é de sessenta mil pessoas por dia (total de 240.000 em quatro dias). O maior bloco de carnaval carioca é o cordão da bola preta que desfila no Sábado de Carnaval com 1.000.000 de pessoas em procissão no centro da Cidade. Os blocos na Zona Sul também arrastam multidões, entretanto ouso afirmar que a maioria dos cariocas não saem de casa para ir curtir o réveillon na praia ou mesmo assistir ou participar do Carnaval. Os números podem esclarecer de forma factual as tendências de movimentação dos habitantes de uma cidade e a partir dessa percepção podemos compreender e projetar o que é verdade nas ações e reações de um povo trabalhador que ora encara transportes públicos lotados e ineficientes todos os dias; assim dizendo qual seria então o quantitativo de trabalhadores que hoje circulam e dependem dos transportes públicos nos dias úteis e finais de semana aqui na Cidade; me parece que a prefeitura não está interessada nessa pauta já que vemos diariamente o desaparecimento de várias linhas de ônibus tradicionais com a justificativa de que não existem mais passageiros que justifiquem a operação dos ônibus; assim como temos uma redução na oferta de Trens dentro do ramal Municipal.
A pandemia segue contaminando e mudando muita coisa; são perdas de vidas, postos de trabalho, empresas fechando, comercio acabando, idosos sofrendo e crianças reprimidas. Nossa saúde mental segue abalada em maior ou menor proporção em função de tantas incertezas afloradas nesse período que ora está longe de se encerrar. Vale a pena pensar em como iremos vacinar seis milhões e setecentas mil pessoas de forma rápida e eficaz no ano que vem talvez. Volto a refletir: quando esquenta o tempo e o Sol está a pino temos toda a população carioca (seis milhões e setecentas mil pessoas ) na praia? Essa pauta precisa de ajustes.
Rodolfo Caruso Poeta todo dia
DE S F I L E 2 0 2 1 Muitas escolas de samba já escolheram seus temas para o carnaval do ano de 2021 e estão em processo de escolha de samba-enredo. Apesar das incertezas se vai haver carnaval ou não, é um risco. Definido o samba e aí? Qual outro passo a tomar? Confecção dos carros alegóricos? Como, sem dinheiro? Sim porque pelo que se sabe a TV Globo responsável pela transmissão do desfile das escolas de samba na passarela do Sambódromo, não adiantou o dinheiro como faz anualmente entre os meses de julho e agosto de cada ano, deixando as escolas de samba do Grupo Especial e do Grupo A sem condições de cumprirem seus cronogramas de carnaval. Os barracões estão praticamente fechados, a maioria de seus funcionários foi dispensada. Ninguém faz nada sem aporte financeiro e as vacinas ainda estão em teste. O Coronavírus aqui no Brasil continua matando e muito. É claro, muito claro que os jovens não estão nem aí pra nada, pois pensam ser invulnerável a doença, mesmo tomando conhecimento de perdas de jovens próximos a eles. Com essas aglomerações os efeitos da pandemia vão ressurgindo com o número maior de mortes. Jovens assintomáticos que passam o vírus para seus pais, avós e a outros mais vulneráveis. E assim como pode haver carnaval em meio a tantas mortes? Vamos ter paciência e deixar as coisas voltarem ao equilíbrio com segurança, com vacinas.
Onesio Meirelles
QUANTOS ESTÃO REFLETIDOS QUANDO ME OLHO NO ESPELHO? Há muito tempo eu ouvia falar sobre racismo, mas não encarava como um problema propriamente meu, sabe? Até acontecer o caso de George Floyd. Com tanta repercussão nas mídias, acabei conhecendo a organização Black LivesMatter, antirracista, que luta pela valorização de vidas pretas. O movimento foi criado em 2013 por três ativistas norte-americanas: Alicia Garza, PatrisseCullors e OpalTometi. Esse episódio me levou a ler sobre muitos casos, nacionais e internacionais. Foi então que percebi, mesmo sendo muito jovem, uma estudante de escola pública no Rio de Janeiro, como falar sobre isso é necessário. Se você me perguntar, eu, preta, não sei muito bem o que falar sobre racismo, mas acho desumano maltratar alguém pela sua cor de pele, sem nem mesmo conhecer a pessoa! Sei que é um problema que está enraizado em nossa sociedade, e é por isso que já passou da hora de se conversar sobre isso com os amigos. Se não estamos indo à escola, então que seja através das mídias sociais, pois é urgente mudar anossa realidade. Hoje, ao acordar, enquanto me olhava no espelho e tentava arrumar os meus cachos, pensei em todas as situações que já passei e não consegui ajeitar com tanta destreza como quando faço fitagem no meu cabelo. Ser perseguida por seguranças enquanto estava em um shopping procurando um presente para o meu pai; escutar um grupo de colegas da escola me dando um valor, quantificando mesmo, e dizendo que eu não presto pra nada. Outro dia disseram que eu valho menos do que não sei quantas arrobas... Eu me lembrei de quando sofri bullying só porque comecei a aceitar meu cabelo e resolvi fazer a transição capilar. As pessoas me falavam coisas horríveis sobre mim e sobre o que pensavam a meu respeito, somente porque o meu cabelo não era do jeito que "deveria" ser. O meu nariz, então, não sou nem capaz de recuperar a quantidade de adjetivos que já recebeu. Outro fato que me despertou foi eu nunca ver pessoas iguais a mim protagonizando novelas e filmes, ocupando cargos importantes ou sendo bem-sucedidos financeiramente por consequência de um desempenho intelectual ético. Preto rico nas novelas, só se for o traficante, o músico de funk, hip hop e outros gêneros desprezados pela cultura chamada "erudita". Sempre somos retratados como um empregado pobre, morador de comunidade e pouco instruído.
Novos ventos trazem novas possibilidades. E eu conto essas coisas não por vitimismos, mas para ter ainda mais consciência do tamanho da nossa luta, para poder contemplar, com todo o merecimento, cada nova vitória. Ver minha cor e meus traços em capas de revistas, em concursos, em livros, no Jornal Hoje, em um escritório renomado, só me dá mais esperança nos meus sonhos. Porque, vendo essas pessoas em lugares de destaque, lembro-me de tudo o que tiveram de passar (e ainda passam) para estarem ali e me darem a oportunidade de também estar, se eu quiser. Hoje, enquanto me olhava no espelho, percebi o quanto mudei. Mas essa mudança não é perceptível por esse mesmo espelho, porque meus traços continuam iguais. Eu mudei porque eu me olho e me vejo diferente.
Dé b o r a C o s t a , G i u l i a A r a u j o e E s t e r I o c h e b e d *
* Essa crônica foi planejada e redigida por Débora Costa, em coautoria com duas alunas de oitavo ano de uma escola municipal do Rio de Janeiro: Giulia Araujo e Ester Iochebed.
PO E S I A À S C R I A N Ç A S Bate na palma, na palma Eu fiz uma promessa às Crianças Para que me ajudassem na caminhada Mas elas não iriam me dar nada Enquanto eu não evoluisse minha Alma Hoje tem doce, bolo e guaraná, hoje tem Ibeijada, Vem saudar Papai Oxalá, vem pra cá, Criançada Não esquece a bênção da Vovó, hoje a festa é procês, Vem que hoje tem festa, vem que tudo isso é docês. Bate na palma, na palma Eu fiz uma promessa às Crianças Para que me ajudassem na caminhada É dia Vinte e Sete de Setembro, é dia dos meus Erês Vem que hoje é tempo de celebrar e cantar com vocês Mariazinha entrou na roda e começou a brincadeira E lá vem Rosinha com Pedrinho da Cachoeira É Hora de partir, é Hora de subir, Mas não esquece dos preceitos cumprir. Respeitar principalmente os anciãos Ajudar os irmãos, eis a maior missão.
Arthur Gabriel e Taí Crivel
VERSOS DE UM POEMA PERDIDO NA BEIRA DA ESTRADA
É porque não é só de flores que se vive, Os fracassos que carrego em meus ombros servem apenas para enaltecer ainda mais os meus dias de glória Os amores que um dia rasgaram o meu coração, hoje não passam de lembraças de um tempo que ficou para trás. Alguns caíram até em esquecimento. Das vezes que humilhada fui, Superação renasci e logo me percebi brincando de correr pelas ruas da felicidade em meu peito. Nem todos os céus são azuis e cobertos de nuvens brancas, mas a vida é sobre brincar de ciranda até mesmo nos dias mais escuros e tristes.
Taí Crível
ESTANTE SUBURBANA
ALMA - Projeto Identidade Organização: Priscila Mina
V I T R O L I N H A S U BU R BA N A
CD LUIZ GRANDE Gravadora: Independente Catálogo: 75032 Ano: 2005 010203040506070809101112-
Sambando Com Os Braços (Luiz Grande) Se Sua Nega For Embora (Luiz Grande) Maria Rita (Luiz Grande) Minha Alegria (Luiz Grande) Pimba na Pitomba (Luiz Grande) A Força do Samba (Luiz Grande) Amor Virtual (Luiz Grande) Na Boca do Mato (Luiz Grande) Sonhador (Luiz Grande) Suburbano Feliz (Luiz Grande) Talento E Sacrifício (Luiz Grande/ Barbeirinho do Jacarezinho/Marquinhos Diniz) Amor De Dois Anos (Luiz Grande)
UM LUGAR NO SUBÚRBIO
Próxima Parada: Estação de Oswaldo Cruz Este mês a Coluna “Um Lugar no Subúrbio’ homenageia a Estação Ferroviária de Oswaldo Cruz. Esta estação foi inaugurada em 1898 e teve a denominação inicial de Rio das Pedras. Mas, em 1917, após a morte do famoso médico sanitarista e cientista Oswaldo Cruz, ela foi rebatizada com o nome deste e é, até hoje, conhecida assim. A Estação de Oswaldo Cruz não é só uma plataforma de “chegadas e partidas”¹ ou de “encontros e despedidas”², como dizem os versos da famosa canção. Ela é muito mais do que isso. É um espaço cotidiano de interação, onde o ir e vir dos trens e dos passageiros é cercado de um sem número de acontecimentos sociais. Mas, certamente, a lembrança mais recorrente relacionada ao nome do bairro e da estação é o fato de lá ser o berço do Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela (fundada em 1923). Por fim, mas não menos importante, a Estação de Oswaldo Cruz, todos os anos, nas duas últimas décadas, se transformou em destino e palco de um dos maiores eventos de cultura popular do Rio de Janeiro e, sem falsa modéstia, talvez do país. Estamos falando do Dia Nacional do Samba. Todo o dia 02/12 partindo da Estação Central do Brasil, o famoso Trem do Samba, transbordando de bambas, faz sua parada triunfal justamente na Estação de Oswaldo Cruz, dando sequência a uma das mais belas festas comemorativas que a cidade abriga.
Referências: 1-Música: “Encontros e Despedidas”. Compositores Fernando Brant e Milton Nascimento.2- Idem. Imagens: Internet. Google Imagens. 1ª foto: onbus.com.br ; 2ª foto: esporte.band.uol.com.br
L E N T E S S U BU R BA N A S
Foto sem título Lugar: Praça Nazaré em Anchieta Autora: Emily Del - Vecchio de Oliveira Serra Chaves
SER MULHER - PRIMEIRO CAÍTULO SETEMBRO 2020 O SAMBA PEDE PASSAGEM...
Minha narrativa hoje vem na primeira e na segunda pessoa, pois falando das mulheres falo também de mim, fiz uma especialização em saúde da mulher o que aprendi transportei para o samba e uso a Teoria do Auto-cuidado na minha prática diária com as mulheres e com os homens que encontro no meu caminho. É aplicar o conceito atual de sororidade, pois esta teoria olha para o ser humano de maneira holística e trabalha todas as suas potencialidades. É aí que eu entro tecendo histórias, realizando uma escuta apropriada do outro e dando asas minha sensibilidade feminina para construir relações, aonde se estabeleça o fortalecimento dos objetivos e metas de cada ser. Neste caso o Ser Mulher, compositora, cantora, ritmista, no exercício da sua sexualidade, mãe, tia, avó, lutando por seus ideais e lugar no mundo e por que não dizer seu lugar de fala como define tão bem Djamila Ribeiro. Então hoje vou falar pela primeira vez nesta série Ser Mulher, da Compositora e cantora Bianca Miranda, artista, pesquisadora, cresceu no Bairro de Brás de Pina, de onde vem sua referência e experiência musical, como diz na casa de “voinho”se respirava música. Dedica sua voz ao Samba abastecendo sua veia musical na ancestralidade da história “As Diásporas de Oxum”(informações de Bianca). Esta mulher é vida, intensidade, alegria e diga-se de passagem tem uma escrita potente. Conheci no samba e logo nos aproximamos e começamos a dialogar, este ano durante o isolamento social participou no Tecendo histórias no canal @marcialopez (Um encontro que faço com as mulheres no Instragam), o que estreitou mais as nossas relações. O samba tem isso, como diz Arlindo Cruz e Sombrinha, no “Samba se faz amigos, no samba a gente namora, deixa de lado a tristeza se esquece os tormentos da vida lá fora”. É assim que me sinto quando conversamos,
transformamos a vida em alegria. Ainda não somos parceira musical, nem sei se seremos ,mas já somos parceiras da vida, da luta que temos que ter à cada dia por nossos anseios e “correr gira” para concretizar nossos objetivos. Ufa!!!! É trabalhoso, mas é tanto prazer que no final tudo vale à pena. Registros que tenho de sua carreira, a partir do ano 2000 vou ressaltar algumas coisas sua participação na abertura do samba de Marquinhos PQD no Clube Guanabara, suas participações nas rodas Casa de Jorge em Marechal que fortalece sua veia suburbana. Um Projeto sobre Clementina de Jesus em 2010, aonde dialoga com a ancestralidade da grande dama do samba e a sua própria, 2014 da Roda dos Jambeiros na Penha, aonde pode estar com vários expoentes do nosso samba que nem dá para citar aqui. E em várias outras rodas de Samba como o Renascença Clube entre outros. O que me mostra que como eu, Bianca é uma artista que tem as rodas de samba como essência e realização. Faz parte como eu do movimento das Mulheres nas Rodas de Samba, coordenado pela Cantora Dorina Barros e também do Movimento das Mulheres Sambistas que tem como produtora Patrícia Rodrigues, nos dá a oportunidade de fazer contatos, divulgar o samba e impulsionar umas as outras. São dois movimentos diferentes, mas que empoderam. É afilhada da compositora e cantora Elaine Machado nossa grande lembrança de Raça Brasileira, sucesso de 1985, Elaine continua aí na luta contribuindo e dando sua proteção para os que chegam. Ter uma madrinha como esta é digno de nota.Surgiram vários trabalhos com a sua benção, em uma contribuição de muito carinho entre as duas, acompanhei de longe com admiração. Bianca segue seu trabalho como compositora e intérprete pesquisando o nosso cancioneiro popular, contribuindo assim para a música brasileira, e para o Samba enquanto Cultura. E através da dança potencializa toda a sua ligação ancestral e Oxum agradece. Agora no ano de 2020 nos apresenta um novo trabalho, vai lançar no dia 27 de setembro um clipe com sua parceira compositora e cantora Dora Rosa (cuiabana da melhor qualidade), com vários projetos no Rio de Janeiro. O samba se chama “Conlicençaê”, e também estará nas plataformas digitais. Bianca diz que “exaltar a mulher no samba é sua missão”, acredito nisto, por isto estou aqui escrevendo sobre alguém que tem muita coisa pra contar como todas as mulheres que estão aí na labuta e estas histórias como diz Conceição Evaristo, tem que ser escritas a partir de nós mesmas, é assim que movimentamos o mundo e fazemos a Esperança florir. Mulheres comprometidas se comprometem com as outras, por isto estou aqui falando desse lindo trabalho, Conlicençaê.
Co n l i c en ç a ê
(Bianca Miranda / Dora Rosa) Conlicençaê (4x) Com licença
Com licença nessa vida Humilde quer passar Vida de já bem vivida Com licença quero dá Conlicençaê (4x) Com licença Venha com temperança Pise nesse lugar A modéstia dessa vida Ainda vai te ensinar Conlicençaê (4x) Com licença Eu quero dar licença Pra quem quer chegar Sou Raiz mais já fui fruto Com licença eu quero dar Conlicençaê (4x) Com licença Quando eu era pequenina Uma linda portuguesa Colocava em cima do Altar Doum Colocava no Altar Doum Meu São Cosme e Damião Me dê sua companhia Eu quero sua proteção (2 x) Dia e noite, noite e dia Conlicençaê Com licença
Márcia Lopes
* Autorizado pelas compositoras a publicar o texto e a música.
HIPERMERCADO INDEPENDÊNCIA LTDA Manhã de segunda feira, uma multidão se aglomerava em frente as portas do Hipermercado Independência, situado à Rua Sete de Setembro 1822, esquina com a Rua Ipiranga no Bairro Novo Brasil. Uma semana antes, o mercado anunciara a grande promoção do dia da independência, com 198 produtos a preço de custo e o sorteio de várias camisas da seleção brasileira de futebol, para a alegria dos seus fiéis e tradicionais consumidores, que nos últimos dois anos aproveitavam esse evento. Eram donas de casa, aposentados, militares da reserva, vendedores ambulantes e, além desses, os eternos caçadores de promoções de encartes anunciados na TV. Todos investidos de um consumismo verdadeiramente patriótico. Às 07h em ponto do grande dia, as portas foram abertas, porém antes que o gerente completasse a frase: _ “sejam bem-vindos”, uma onda humana avassaladora avançou sobre os carrinhos e, com a mesma velocidade, partiu para os corredores e gôndolas, acotovelando-se na disputa pelos produtos. Nesse frenesi, onde tinha uma placa escrita promoção, se formava um grande alvoroço, seguido das frases: _ “é meu”! “Eu peguei primeiro”! “O seu carrinho já está cheio”! Tais frases eram entrecortadas pelo som do sistema de alto-falante, onde o locutor, imitando um famoso apresentador octogenário de TV ainda em atividade, falava os bordões: “ma, ma, ma que, que é isso”! “Ai, ai, ai, ih, ih”! A saga consumista não parava e o movimento no interior do hipermercado tomava ares de catástrofe iminente. Filas gigantescas se formavam em frente aos sessenta guichês de pagamento. Os primeiros a colocarem os produtos nas esteiras dos caixas acompanhavam atentos nos monitores os valores contabilizados. De repente, um silêncio perturbador tomou conta do grande salão comercial. Os únicos sons ouvidos eram os das leitoras dos códigos de barras das mercadorias. Nos guichês, todos os clientes que passavam as compras foram acometidos de um estado catatônico, seguido de um frio na barriga e suor nas mãos. Ato contínuo passaram a arrancar as máscaras de proteção dos rostos em estranho sincronismo. Os demais clientes, com os seus carrinhos abarrotados de mercadorias, cada vez mais inquietos, aguardavam nas filas rangendo os dentes num bruxismo fora de hora, sem saber o que de fato acontecia. Nesse instante, todas as luzes dos caixas acenderam ao mesmo tempo, para desespero dos fiscais e subgerentes, que, de forma atabalhoada, corriam de um lado para o outro sem saber a quem atender primeiro. As operadoras de caixa, assimilando o pânico geral, igualmente sem máscaras, gesticulavam o tempo todo. Foi aí que entrou em cena o gerente geral que, sem autocontrole, gritava para todos os lados. Às 09: 45h no horário de Brasília, uma situação insólita aconteceu. A famosa mega promoção do dia da independência do hipermercado mais popular dos subúrbios cariocas estava
cancelada. O gerente anunciava a decisão com a voz embargada pelo sistema de som, o mesmo que na abertura da grande loja tocara o hino nacional. Disse ele: _ por motivo de “força maior”, os preços promocionais foram reajustados às 23: 59 h do dia anterior. Portanto, não houve tempo de trocar as placas! Em seguida, desolado, o gerente recomendou aos clientes que ficassem à vontade para devolverem os produtos que não iriam levar às prateleiras de origem. Porém, quando indagado se havia ainda algum produto em promoção, respondeu com ar de tristeza: _ no momento, só a água gelada do bebedouro, já que o famoso cafezinho também passava a ser cobrado ao valor de R$ 3, 00 sem açúcar, pois adoçado seria cobrado mais R$ 0, 50. Os repositores de mercadorias levaram três dias para arrumar o hipermercado, já que centenas de carrinhos estavam pelos corredores e dezenas deles tombados no piso. O produto que deu mais trabalho para voltar às prateleiras foi o arroz agulhinha parbolizado, pois descobriram que todos os sacos de 5kg tinham sido rasgados e parcialmente esvaziados. Ps. Essa história está registrada nos anais do Anedotário Oficial do Dia da Independência do Ano de 2020.
Silvio Silva
O S A M BA O samba começa O samba termina O samba no morro O samba na esquina O samba é lamento Para quem cantou O samba é alegria Pra quem escutou O samba se move O samba domina O samba de roda Samba das meninas O samba é lamento Para quem já sofreu O samba é alegria Para quem viveu O samba é dos mano O samba é das mina O samba é acaso O samba é sina O samba é lamento Pra quem se perdeu O samba é alegria Que ilumina o breu O samba é acaso O samba é sina O samba é do asfalto O samba é doutrina O samba é lamento Pra quem já perdeu O samba é alegria Para quem venceu
Marcelo Bizar
MICRO-CONTOS DO MACROCOSMOS
NA BIBLIOTECA PARQUE DE MANGUINHOS A seção de periódicos da biblioteca encontrava-se fechada. Soube quando fui ao bebedouro matar minha sede que as revistas estavam em outra sala: a de leitura. A sede morta, dirigi-me às novidades da semana. Mas, de repente, minha atenção novamente voltou-se para a sala em obras: fechada. É que uma risada veio lá de dentro e meus olhos fixaram o vidro da porta no exato instante em que surgiram lá dentro ainda uns passos corridos. Seria um casal brincando de amor no mesmo lugar onde um dia também corri?
Antero Catan
O A PO C A L I PS E
Pegue a sua cadeira E assista ao Apocalipse Com vinho amargo e pipoca Diante da fila de inúteis Você deve se sentar Na primeira fileira Porque a explosão Vai ser mais intensa Palmas pra todos atores O show é de censura livre Juntos formamos um coro De notáveis diante do abismo Você deve se enlevar Com esse cheiro de enxofre Porque caídos no fogo Viraremos sopa Os da direita reclamam “Os fogos duraram tão pouco!” Os da esquerda se inflamam “Os gritos nos deixaram roucos!” Você deve se acalmar Logo o anjo lhe chama Seu nome também se encontra No Livro da Morte Quando a sessão terminada E seu nome não foi chamado Nenhuma alma penada Lembrou-se de tê-lo aclamado Você terá que marchar Entre os umbrais perdidos Seguindo caminhos trocados Num tal Labirinto
J o n a s H é b ri o
MOMENTO DE FÚRIA POR BREONNA TAYLOR
Não esqueci de quebrar Todos os móveis Todos os pratos E antes disso Cuspi em todos eles Amargando cada ato De loucura em gritos A verdadeira fúria Apossou-se de mim Todos os quadros das paredes Repintados Somente vermelho e amarelo Meus sangues, meus escarros, minhas bílis
Malkia Usiku
C I N E S U BÚ R BI O O S u b ú rb i o n o C i n e ma Filme: “Rio, Zona Norte” Esse filme do cineasta Nelson Pereira dos Santos (1957) pode e deve ser considerado um ícone do cinema nacional. A história gira em torno das venturas e desventuras da personagem “Espírito”, interpretada brilhantemente pelo magnífico Grande Otelo. Morador de um morro da Zona Norte, Espírito vive a esperança de ser reconhecido como um grande compositor de samba. Toda a narrativa do enredo se dá em flashbacks, tendo como ponto de partida o acidente sofrido pelo protagonista numa viagem de trem. Enquanto agoniza a espera do socorro médico, Espírito relembra passagens recentes da sua vida. As vicissitudes de se morar no morro, a falta de dinheiro para o básico, a perda precoce do filho e as frustrações como músico. A direção de Nelson P. dos Santos passou, com maestria, uma atmosfera de realismo com nuances psicológicas do cotidiano suburbano sem a banalização desse universo, embora tenha sofrido algumas críticas de outros cineastas na época, pela narrativa adotada. Outro aspecto que chama atenção no filme, se levarmos em consideração o racismo enraizado na nossa sociedade, é o protagonismo de um ator negro e, além disso, a forte presença de atores e atrizes igualmente negros no elenco de apoio. Muito embora, na obra, tenha persistido a presença de alguns estereótipos tão característico desse racismo que, infelizmente, nos é peculiar. Por último, há que se destacar a bela fotografia e a trilha sonora. Esta, conduzida por Alexandre e Radamés Gnatalli é completada magistralmente por vários e belíssimos sambas, principalmente de Zé Ketti, que inclusive faz uma pequena participação no filme.
Ficha Técnica: Argumento e Roteiro: Nelson Pereira dos Santos Direção; Nelson Pereira dos Santos Fotografia: Hélio Silva Montagem: Rafael Valverde Edição: Mario Del Rio Trilha Sonora: Alexandre e Radamés Gnatalli Direção de Produção: Raymundo Higino Produtor Associado: Mário Marinho
HOMO TIRANIS Agora eu sou a lei! Só entram no jogo Calçados de rei. Para o meu conforto, Piso e ainda mais pisarei. Então ministros, eu os recriei. Não me interessa aquela Que dizem que eu executei: Projeto de mulher sendo lésbica, Tampouco me preocupei. Pão e Circo em festa! Nem mais um pio: vetei. Viram aquela repórter? De tão atrevida me exaltei. Não respeita nem faixa nem porte, Mas também não me calei. Ela que se toque! Pois barato não deixei. Nesta tal pandemia, Blá-blá-blá de que contra vidas atentei. Chamam de necropolítica, Só porque a alguns desconsiderei. Por uma gripezinha Jamais me intimidarei! Logo eu, em meu histórico de atleta! Sempre corri e assim continuarei. Dos debates às perguntas idiotas, Criando atalhos eu me desviei. Brinco com minhas regras e notas, Tanto que ao poder cheguei.
Daqui não saio, daqui ninguém me tira: Nem ao 01, ao 02 ou ao 03. Fui eleito em nome da família, Não à toa me candidatei. Por isso defendo a minha cria: Homens de bem que criei! Muitas declarações eu fiz E muitas outras farei. Não posso admitir no país Nenhum tipo de kit ou turismo gay. Azul para menino, rosa para menina, se diz: Uma nova era no Brasil armei. Cada força que se arma, Eu mesmo elaborei: Ideia bem pensada! Garanti a minha vez. Agora é o fim da mamata. Mas como bom político, mamei. Vereador, deputado e presidente: Longa carreira que galguei! Sou autoridade presente, Desde muito me endireitei. A esquerda que se contente! De tudo e de todos, acima me coloquei.
Wallace Araujo de Oliveira
DUAS TÉCNICAS INFALÍVEIS PARA AGUENTAR MAIS UM POUCO Eu trabalhava num escritório claustrofóbico havia dois anos. Estavanos últimos períodos da faculdade e pensava em coisas grandiosas – carreira acadêmica, escrever livros, ter relevância. Me dava asco pensar em ficar muito tempo naquela sala onde era proibido abrir as janelas devido ao ar-condicionado. Deus me livre permanecer ali dez, quinze anos, como a maioria dos que dividiam ambiente comigo. Um deles era o Wallace.Tinha oito anos de casa, embora fosse jovem como eu. Um bom amigo, que costumava me chamar de professor. Conversávamos boa parte do dia, na maioria do tempo falávamos bobagens - que é a melhor maneira de esquecer o tempo presente. Também jogávamos boliche no celular dele. Eu perdia sempre, porque eu não conseguia fazer um strike. Quando a alegria do tédio compartilhado passava, eu contava pra ele que as coisas não estavam fáceis pra mim: estudar tantos teóricos interessantes na universidade e depois chegar ao escritório para mexer com pastas! Ele me ouvia com paciência. Parecia admirar alguma coisa em seu silêncio. Parecia dizer: eu sinto o mesmo, professor. Mas houve uma manhã em que cheguei ao meu limite. Eu havia colado grauum mês antes e nada acontecera na minha carreira. A esperança de sumir daquele ambiente a curto prazo fracassara. Às vezes, eupensava na rotina e não via sentido. Precisava fugir dali. O que me segurava era imaginar quantos trabalhadores informais existiam e em que condições labutavam, com um sol pra cada um lá fora, depois comparava-os a mim – com ar-condicionado, roupinha social e cadeira giratória. Mas no fim daquela manhã faltou luz. E todo o meu otimismo temporário foi embora de vez. Fui para uma área de circulação e chorei. O Wallace veio até mim, e aí, professor, não fica triste, no verão costuma faltar energia mesmo. Tá faltando energia é em mim, eu disse a ele. Pura autopiedade:eu queria que ele me elogiasse, me desse um abraço e que eu chorasse em seu ombro, demonizando meus dias e dando vazão à raiva interna pelo meu fracasso.Mas, em vez de me consolar, Wallace fez uma coisa inédita – pra mim, pra ele e pro escritório: abriu uma janela. Foi a maior revolução já vista naquela empresa. No alto, uma brisa morna entrou. Não refrescava muito, mas era melhor que o abafamento. Em silêncio, apreciou a vista da cidade. Levantei e fiquei ao seu lado, notando prédios e montanhas que nunca tinha visto sob aquele ângulo. Abrindo a janela, Wallace me pediu calma, como quem dissesse, eu também sofro, professor, mas dá pra aguentar mais um pouco. Lembro-me que, quando superiores passavam por nós, com um olhar de estranhamento pelo gesto de deixar a luz natural entrar, a postura do Wallace era de puro orgulho. Engraçado, hoje penso, uma coisinha à toa, um erguer de trinco, um empurrão e pronto, deve ter feito ele ganhar o dia, a semana, o mês.
E eu pensando em coisas grandiosas. Abrir a janela era maior que qualquer doutorado. A luz voltou algum tempo depois – o mercado não pode parar.O arcondicionado gelou a sala e a janela foi novamente cerrada. Provavelmente para sempre. Almoçamos omelete de queijo e passamos a tarde toda falando bobagens enquanto mexíamos em pastas. Num momento de ócio, ele apareceu com o celular para jogarmos boliche. Na volta pra casa, mesmo em pé no ônibus, eu ia embora feliz.Nada tinha a ver com os teóricos cheios de palavras para mudar minha vida. A grande alegria da tarde havia sido meu strike no boliche virtual do celular do Wallace.
J o n a ta n M a g e l l a
A PE N A S C I N Z A S Eu sou o estandarte apagado do bloco dos infelizes, Eu tenho todos os matizes da solidão gravados no peito, Meu carnaval é o leito inglório dos finais de festa. Já não enxergo mais em preto e branco, Tudo é cinza, Meus dias são cinzas, Já não batalho com as serpentinas, Nem tenho mais os confetes que vestiam minh'alma. O velho gramofone, que tocava aquela marcha-rancho dentro de mim, Emudeceu!
Marco Trindade
S e l e ç ã o d e s a mb a s i n e s q u e c í v e i s . . . CANDIDATO CAÔ, CAÔ
(Pedro Butina / Walter Meninão)
"Aí, meu irmão, vocês não tão com vergonha Ainda não aprenderam a botar, só para na pose de malandro!" Ele subiu o morro sem gravata Dizendo que gostava da raça Foi lá na tendinha bebeu cachaça Até bagulho fumou Jantou no meu barracão e lá usou Lata de goiabada como prato Eu logo percebi é mais um candidato Para a próxima eleição, é... É, e ele fez questão De beber água da chuva Foi lá no terreiro pedir ajuda Bateu cabeça no gongá Mas ele não se deu bem porque O guia que estava incorporado Disse: esse político é safado Cuidado na hora de votar Também disse: meu irmão Se liga no que eu vou lhe dizer Hoje ele pede seu voto Amanhã manda a polícia lhe bater, podes crer