Revista Sarau Subúrbio V. 2, n. 5 junho de 2019

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EXPEDIENTE Edição: V. 2, n. 5 - Junho de 2019

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Periodicidade: mensal

Revisão: a revisão dos textos é feita pelo próprio autor, não sofrendo alteração pela revista (a não ser tão-somente quanto à correção de erros materiais). Diagramação: Marcelo Bizar Capa: Concepção: Marcelo Bizar e Marco Trindade; Arte e Grafismo: Marcelo Bizar Foto capa: "Fogueira celebra João Batista" (Arquivo Correio - CORREIO 24HORAS) Imagens: as imagens não creditadas são da Internet. Distribuição: A distribuição da Revista Sarau Subúrbio é online e gratuita. Plataformas: ISSUU e Calamèo Notas importantes: A Revista Sarau Subúrbio é uma publicação totalmente gratuita, sem fins lucrativos. Não contamos com patrocínio de qualquer natureza. Nosso objetivo, em linhas gerais, é servir de instrumento para que os artistas que não possuem espaço de divulgação nas mídias tradicionais possam apresentar seus trabalhos, nas mais variadas formas, seja na literatura, na música, no cinema, no teatro ou quaisquer outras vertentes artísticas, sempre de forma livre e independente. Todos os direitos autorais estão reservados aos respectivos escritores que cederam seus textos apenas para divulgação através da Revista Sarau Subúrbio de forma gratuita, bem como a responsabilidade pelo conteúdo de cada texto é exclusiva de seus autores e tal conteúdo não reflete necessariamente a opinião da revista. Editores Responsáv: Marcelo Bizar e Marco Trindade Conselho editorial: Marco Trindade, Marcelo Bizar, Silvio Marcelo, Kátia Botelho Contato: sarausuburbio@gmail.com


EDITORIAL Já estávamos com bastante saudade dos nossos leitores, mas a nossa pequena pausa no mês de maio foi importante para que recarregássemos as baterias. O mês de abril foi marcado pelo aniversário de 1 ano da Revista Sarau Subúrbio, comemorado com o lançamento de nossa primeira edição impressa, numa festa maravilhosa que aconteceu no dia 27 de abril no Bar do Mozoca, no Méier. Cantamos, dançamos, bebemos, comemos, comemoramos bastante a nossa Revista, no melhor estilo suburbano de ser! Sem falar que nesse mesmo dia 27, ganhamos um presentão que foi a capa do Caderno Zona Norte, com uma belíssima matéria do jornalista Maurício Peixoto. Retornamos nesse mês de junho com os corações aquecidos pelas fogueiras de São João, sonhando com as festas juninas de novo ocupando as ruas dos nossos subúrbios. No ano do centenário de nascimento do grande mestre Jackson do Pandeiro, oferecemos a vocês o clássico “SÃO JOÃO NA ROÇA”.

SÃO JOÃO NA ROÇA (Antônio Barros/Jackson do Pandeiro) Como é bom São João na roça Vamos brincar! Como é bom São João na roça Vamos festejar! Como é bom São João na roça Num arrasta-pé Como é bom São João na roça Quando tem muita mulher (2x) Quero tocar fogo na fogueira Quero ver balão subir Se formou a brincadeira, vou entrar Não vou sair (2x) Piririn Piririn Piririn toca sanfona num tom só Piririn Piririn Piririn São João na roça é bem melhor (2x)


SUMÁRIO

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EXPEDIENTE EDITORIAL SUMÁRIO BAIRRO PROLETÁRIO BAR PAPO DE ESQUINA: REDUTO CULTURAL DO SUBÚRBIO DA VILA DA PENHA 1ª PARTE: DO MOVIMENTO DOS SEM MÍDIA À RÁDIO COMUNITÁRIA BICUDA ATRÁS DO CAJUEIRO DUPLA FANTÁSTICA O SAMBA E A POESIA O CRIME DO BALOEIRO CONVERSA DE BRECHT COM DRUMMOND FESTA JUNINA GRATIDÃO EVENTO DE LANÇAMENTO DA REVISTA SARAU SUBÚRBIO IMPRESSA CANTIGA A PROEZA DO BALÃOZINHO AZUL FESTA JUNINA: PAIXÃO SUBURBANA RADINHO DE PILHA FUTEBOL CLUBE ESTANTE SUBURBANA VITROLINHA SUBURBANA TEMPOSIÇÃO DAS ALMAS ÍNCUBAS - UZUZAP ACORDEM! NASCEU SÃO JOÃO! PARABÉNS AO CINEMA BRASILEIRO SÃO JOÃO É COISA SÉRIA NO SUBÚRBIO A HISTÓRIA DO CHORO - PARTE II: CHORO E FESTAS CATÓLICAS SEGUNDO PINTO E TINHORÃO


BAIRRO PROLETÁRIO

O sol se pondo, a tarde morna, os operários e suas mochilas. Ladeiras, ruas, vilelas, mulheres de curtos vestidos, decotes protuberantes. Crianças brincando em calçadas, poema quente ao crepúsculo. Os homens, mulheres chegando e entrando em casas pequenas, despindo as vestes suadas. Vai caindo a noite, quase festiva. Os homens apertam as mulheres, e estas se dão, sequiosas. Suor, o sêmen, os fluidos, verão acendendo os desejos: quão linda é a magia do sexo! Conversas, os risos, as mesas, a dança dos copos nos bares. Tevês, novelas, notícias, queixumes, atrito nas casas. Existe a tensão n'alguns becos onde homens suspeitos conversam e quase nunca sorriem, e o bairro lhes é como um servo. A Lua, redonda, bonita, reluz sobre as casas e bares, prateia os telhados e muros, atiça a alegria da gente e é um canto lotado de vida.

Ba r ã o d a M a t a


BAR PAPO DE ESQUINA: REDUTO CULTURAL DO SUBÚRBIO DA VILA DA PENHA 1ª PARTE: DO MOVIMENTO DOS SEM MÍDIA À RÁDIO COMUNITÁRIA BICUDA A morte de Raí, um dos últimos donos do Bar Papo de Esquina no dia 23 de abril, nos trouxe à memória uma época. O simpático botequim, na esquina da rua Antônio Storino com rua Marco Pólo, tem muitas histórias, apesar de andar há muito tempo com as portas cerradas. Da efervescência cultural suburbana que agitou o espaço na década retrasada e passada, só sobrou o Bloco do Rabugento, que, em fevereiro, do local fez o seu ponto de partida e chegada. Raí ainda era vivo, apesar de ter já amputado um pé, e dizem que foi a última vez que o botequim abriu. Raí não era uma personalidade cultural como o Alfredinho do Bar Bip Bip, em Copacabana, que faleceu em março último. Mas, ao seu jeito, Raí cativava: se não dava pitaco nas atividades culturais, dava a sua força, divulgando o evento, bancando a comida e a bebida dos músicos. E, principalmente, não procurando tirar proveito próprio. O fato do Papo de Esquina ficar cheio já estava de bom tamanho para ele. Raí pegou o botequim, quando o mesmo já não estava na sua fase áurea. E, mesmo assim, deu bem o seu recado. Aliás, Papo de Esquina é nome fantasia. Em cartório o boteco se chama Encontreiros da Vila e teve vários donos. O primeiro foi uma dupla: Luís e Nogueira. O bar ficava na mesma esquina, mas em outro lugar, um pequeno espaço ao lado da corretora do Seu Vicente. Não ficava na avenida Meriti com Antônio Storino, melhor ponto, onde Gil, comerciante implacável e hoje também simpatizante da seita de ultra direita dirigida pelo astrólogo Olavo de Carvalho, não dava vez para ninguém. O Papo de Esquina tinha tudo para não dar certo, mas deu. No boteco, começou a frequentar, no início dos anos noventa, um público diferente do usual. Quem era? O carioca "mineiro" recém-casado Chico Pereira mudou de rua na Vila da Penha e veio morar ali perto, em 1990 com a sua esposa, Renata, esta mineira mesmo, na rua Gilberto Goularte de Andrade, bem próximo ao bar. Assim, se fazia a primeira ponta do triângulo. No caminho para a segunda ponta, do outro lado do bar, na própria rua Antonio Storino, se instalou também em 1990 uma família, oriunda da Estrada Vicente de Carvalho, Antônio Schittino, seus irmão Luiz Carlos (depois apelidado de Patropi), Graça e seu futuro cunhado, Sérgio do Carmo. A segunda ponta do triângulo era em frente ao bar do Gil, a casa de Luiz Carlos Máximo, na avenida Meriti. E a terceira ponta só poderia ser o botequim. O que essa turma tinha em comum? Todos eram, em 1990, da célula trotskista da Convergência Socialista, na antiga 22ª Zona Eleitoral (Vila da Penha, Irajá, Brás de Pina, Vigário Geral, Parada de Lucas, Vila Kosmos, Vista Alegre etc), com direito à sede na Rua Galeno, nº 4, em Irajá. Com os ventos neoliberais soprando sobre o país nos anos noventa, largaram a militância organizada, mas a amizade acabou ficando. O bar mudou de dono: saíram Luís e Nogueira e entrou Verdeal. Ele ficou como dono por um dia: a mulher de Verdeal descobriu o negócio e


mandou ele desfazer o negócio. Dito e feito. O bar acabou parando nas mãos de um ex-metalúrgico da Standard Eletric (a fábrica ficava na Praça Aquidauana, há algumas quadras do boteco, onde é o shopping Carioca) de nome Luiz Carlos também, apelido Luisinho. De primeira, a turma se reunia para falar de futebol como em todo o botequim, o chamado "Gelobol". A eles se incorporava Horácio, também da célula da CS, e membro como Chico, da verdadeira Força Independente do Vasco. Esta era uma torcida ecumênica organizada e presidida por Érico Rodrigues (outro da célula), que tinha as faixas pintadas por um rubro-negro, o Marcos Ratão, e como um dos seus membros, o botafoguense Abel, que recomendava que a torcida tinha que agir como um "homem só, como a Convergência Socialista", pelo fato de ter sido simpatizante da última. Foi nessa época que apareceu no bar para comemorar a sua reeleição, o vereador Guilherme Haeser da Convergência Socialista, em 1992. Ah, também foi fazer campanha lá (e provocações com torcedores adversários), o discutível candidato a deputado, Eurico Miranda, então vicepresidente do Vasco. Mas, do futebol foi passando para música. Começou a aparecer no bar, um amigo de viagem para Visconde de Mauá da família Schittino: Johnny Maestro com o seu violão. Depois, Johnny trouxe outro músico de estrada, Jonas Ribbas. Este trouxe não para o bar, mas para um evento na casa de Chico Pereira, o conceituado compositor paraibano Vital Farias, gravado por Geraldo Azevedo e Elba Ramalho. A partir daí, surgiu a idéia de se criar um movimento tomando como ponto de partida o bar. No dia 22 de março de 1997, Jonas trouxe o veterano sambista Zé Ketti, o compositor alagoano Ybis Maceioh e a filha de Vital Farias, Giovanna Farias para ter um som no Papo de Esquina. O evento era "Dia 22 vai rolar um som na 22". Eu trouxe o compositor mineiro Amarildo Silva. Com Johnny Maestro, se formou o movimento dos "Sem Mídia", apadrinhado por Zé Ketti. Em seguida, foram feitos dois shows, o primeiro na UFF (bem esvaziado) e o segundo na UERJ (com algumas dezenas de presentes) para recolher alimentos para os Sem Terra. O mote era: "Os Sem Mídia apoiam os sem-terra" e já envolvia outros artistas como a cantora Luíza Dionísio e o compositor Paulo Renato. O movimento dos Sem Mídia, por divergências de concepção entre Jonas e Luisinho, saiu do Papo de Esquina e, em 1998, ganhou três reportagens no jornal O Globo Bairros, agitadas por Jonas. Este também levou o movimento para Santa Tereza, envolvendo outros artistas, como a cantora Sandra Greco e Edinho Oliveira, do Buraco do Galo. Ali, o movimento cresceu muito, mas ficou sem direção e Jonas preferiu, com razão, tirar o seu time de campo. Para compensar esse hiato, com a chegada de dois programadores da Rádio Comunitária Bicuda, Ernâni Costa e Wilson "Biscuí" Norbert,o no botequim, foi criado, a partir da ideia de Luiz Carlos Patropi, um programa de rádio com MPB, samba de raiz e o som dos "Sem Mídia", chamado "Papo de Esquina", em homenagem ao bar. A abertura do programa era uma interessante composição de Johnny Maestro sobre o boteco e os seus personagens culturais também chamada "Papo de Esquina". A primeira escalação do programa fui eu, Amarildo Silva, Luiz Carlos Patropi e JR de Vigário Geral. Depois, entraram Osvaldo Luís Tatagiba


(o Osvaldão) e Luís Careca. O programa chegou a entrevistar Euclides Amaral, hoje responsável pelo Dicionário Ricardo Cravo Albin de Música Brasileira. A coisa era tão envolvente que, em 1998, aluguei um apartamento na rua Flamínia, na Vila da Penha, na subida para a rádio, no prédio onde tinha morado a família Schittino. Era um quitinete, eu não ia morar lá e propus a Amarildo Silva para dividirmos o aluguel e ele moraria e eu só cairia quando tivesse o programa, que terminava tarde da noite. Amarildo acabou não se adaptando e no seu lugar acabou entrando Osvaldão, que chamava a rua de Vasmínia, para exaltar o Vasco, em detrimento do Flamengo. Passei a usar o quitinete só para fazer reuniões políticas, enquanto o Osvaldo morava lá. Mas, o "aparelho" duraria somente até o final de 1998. Amarildo tentou retomar o Movimento dos Sem Mídia em um bar na rua Doutor Satamini na Tijuca. Conseguiu trazer alguns dos integrantes originais e mais Edinho Oliveira, Mário Macaíba e outro mineiro, João Francisco, em três apresentações. Como os "Sem Mídia" acabaram não vingando, Amarildo embarcou em uma nova viagem com João Francisco. Surgia a "Cambada Mineira". De quebra, Amarildo trazia para o leque de compositores do "Cambada", dois parceiros que conhecera no movimento cultural da Vila da Penha: Chico Pereira e seu amigo, Marcelo Pacheco. Paralelamente à crise dos Sem Mídia, chegava no botequim, em meados de 1998, trazido por Luiz Carlos Máximo, o grande sambista Luiz Carlos da Vila. Luiz morava ali pertinho na Travessa da Amizade, entre o Largo do Bicão e o bar. Já chegou cantando alguns sambas gravados e agradou a todos, desde a turma mais conservadora ao pessoal mais engajado. Luiz, entretanto, não gostou muito, no primeiro momento, do espaço. Dizia para Luiz Carlos Máximo que ele "não falava o seu dialeto". Não sei se não gostou da leitura que eu fiz do Manifesto dos Sem Mídia, cheio de palavras oriundas da militância política, ou do fato do Luisinho ter lembrado de que ele fora buzinado no Programa do Chacrinha. Dias depois, "Das Vilas" encontrou Luiz Carlos Máximo, na cidade e comentou: "Sabe aquele bar que você me apresentou? Não saio mais de lá". Na próxima parte deste artigo, contarei como não somente Luiz Carlos da Vila, mas outras personalidades do samba passaram a ter o bar como referência, do final dos anos noventa até meados da década seguinte.

Alex Brasil Historiador


ATRÁS DO CAJUEIRO

Lá atrás do cajueiro tem riacho E eu vou prá lá pescar. Levo isca, levo anzol e levo tacho Prá poder peixe guardar... Jogo o anzol, a emoção e a vontade De poder me alegrar e ficar bem Passa o tempo, sai o dia e vem a tarde O desanimo e a noite, peixe não vem. Olho em volta e na margem não há flores Sem perfume e sem cor vida não tem O luar sem poesia e sem amores Não se ouve nem o apito do trem... A saudade é o que ficou do belo tempo Em que apenas o amor era viver E o sabiá anunciava com seu canto O momento em que ia amanhecer... Do campo o aroma se sentia E o perfume das rosas no jardim E sempre de manhã você sorria De mãos dadas caminhando junto a mim... O jardim e o gramado, tudo virou pedra E hoje ao caminhar eu não me acho. E fico a meditar em meio a queda Atrás do cajueiro, ainda tem riacho!???

Junior da Prata


DUPLA FANTÁSTICA

Elas aparecem sorrateiras e silenciosas Elas controlam sua mente sem ao menos você perceber Sem ao menos você ver elas controlam você Prazer dona deprê e senhorita ansiê Com medo você vive e com tristeza você convive Sem ao menos ter dó de você elas te jogam no fundo do pocê Depressão te encurrala e a ansiedade te esmaga E assim você tem que aprender a viver Com elas sem ter dó de você Com medo disso você tenta combater Mas elas sempre voltam para dizer "Eu estou aqui, não esqueci de você." E assim você vive firme e forte Pois se você deixar Elas levam sua sorte Uma se alimenta do medo E a outra se alimenta da dor Com essa dupla pode ter certeza Elas te derrubam sem esforço algum

Sarah Ramos


O S A M B A E A PO E S I A Você vai além Vai além de qualquer diagnóstico Pode ser uma realidade Mas quem é você em relação a todas essas novidades Não depende de uma familia, amigos homem que te ame. Depende de você Da sua mente, corpo, sensações A imagem corporal modificada Transforma sua visão de Mundo Pois, és o mundo Não crie expectativa Construa histórias Seu gozo é mais intenso Pois sua beleza irradia As potencialidades Inteligência, percepção, intuição Exarcebam e escrevem o Roteiro Da sua caminhada Sobreviver nesta jornada não é fácil De mulher, independente, Displicente, irrevente, sambista, preta Volumosa e peituda Constroem sua Anatomia Mas sorria, pois a "Mastectomia" É somente um dado de uma Anamnese fria, O prognóstico é você quem cria Pois retirar uma Mama é prolongar Uma existência, dar a chance de sobrevivência Nasce o Samba e a poesia...

Márcia Lopes


O CRIME DO BALOEIRO

O problema deles, filho, é que a gente volte a olhar o céu. É por isso que soltar balão é proibido: porque atrai o olho pra cima. E olhar pra cima é grátis. Me ajuda a colar a seda, filhote. Já percebeu que as cidades ditas mais civilizadas são as mais iluminadas? E que nelas quase ninguém olha o céu? Nos bárbaros sertões, onde o céu é companhia, só se vê o mundo pelo candeeiro. (à luz baixa vê se muito melhor, você sabe, os faróis altos cegam.) Um dia vou te levar pra estar com o grupo. Deixa crescer mais. Quando eu me junto com eles pra soltar balão, noite alta, o céu é incrível, cheio de estrelas. O balão sobe tanto que se torna uma delas. (Soltar balão é brincar de construir estrelas, é completar constelações.) Me ajuda aqui com o arame, filho. Enquanto a gente resgata um balão, antes de amanhecer, as estrelas preenchem quase o céu todo. Mas, por incrível que pareça, são os espaços vazios e negros que me chamam atenção. Vazios? Pretensão! Até no escuro do céu há estrelas. Só que estão muitos distantes. E se distanciam rápido demais. De modo que nossos olhos não alcançam. Prontinho, filho. O que acha? Só falta a bucha. Não me importo que a lei proíba. Meu grupo nunca derrubou um avião sequer. Nem causou acidentes florestais. Eles, que ficam furiosos quando a gente olha o céu, são os que moram em áreas de proteção ambiental. Curioso, né? Balão que causa estragos é coisa de amadores. Nós temos nossos cálculos e material de primeira. Além do mais, por que, em vez de proibir, eles não fiscalizam? Não promovem festivais? Tem muita ciência nisso aqui. Mas essa ciência popular não interessa a eles. É porque nos querem olhando telas e anúncios. Já eu prefiro o céu. Acompanhar o voo da que projetamos e construímos por meses. De quebra, olho os espaços vazios e escuros do firmamento e imagino corpos celestes que não conseguimos ver. Corpos que se afastam rápido demais. São astros, estrelas, planetas. (E esposas mortas em acidentes por causa de faróis altos.) Eles querem proibir balões? Deviam proibir a morte estúpida. Vem, filho. Vamos soltar nossa estrela. Vamos cometer nosso crime de olhar o céu. Que a saudade da sua mãe é uma pena perpétua.

J o n a ta n M a g e l l a


CONVERSA DE BRECHT COM DRUMMOND

E o amanhã? Não vem. E o hoje? É sem. E o passado? Este convém. E o pão, o arroz, o feijão, a carne e o leite? Estes, não têm. E o teto, a roupa, o sapato e o sorriso? Sumiram sem deixar pistas. E a escola, o quadro e o pensamento? Distorceram-lhes o sentido. E o trabalho, a altivez e os passos apressados? Migraram para outro continente. E a brisa, que soprava ingênua os rostos primaveris? Virou tempestade e destruiu sorrisos. E a liberdade que marchava altaneira? Tornou-se farrapo de bandeira. E as vozes que cantavam a alegria? Sucumbiram aos nós da garganta. E o homem, a mulher, a criança e o velho? Desbotam na parede. E os sonhos que andavam de mãos dadas com a esperança? Agora dormem em frias calçadas. E os porquês? Foram sequestrados e não exigiram resgate.

Silvio Silva


FESTA JUNINA São João está dormindo não acorda não Acordai, acordai, acordai João... Mas quem acordou mesmo fui eu depois de um sonho revivendo uns momentos da minha infância/adolescência. Eu era menino de uns 12 e ou 13 anos e morava na pobreza do Morro de Mangueira em década de 1960. Pobreza sim, com muitos barracos de estuque com chão de terra batida e telhado de zinco. Mas nem por isso ali, não éramos felizes. Um morro formado em sua grande maioria por famílias oriundas da Região do Vale do Paraíba, Minas Gerais. Mas também tinham muitas famílias vindas do Nordeste.. Pernambucanos, cearenses, paraibanos e maranhenses tinha muitos. Baianos em menores quantidades. Esta mistura, naquele local efervescente da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, tinha em consequência um lugar muito rico em cultura. Calangueiros, Repentistas e Partideiros faziam suas artes nas diversas tendinhas do local. Uma cachacinha aqui, outra ali eles iam versando dentro das suas especialidades. O forte mesmo eram os ensaios da escola de samba até o carnaval, mas quando este terminava a diversão maior era curtir os rimadores. Isso até chegar o mês de Junho, quando a cultura trazida para o morro através dos nordestinos predominava. As festas juninas, Santo Antônio, São João e São Pedro. Com a filha de João Antônio ia se casar. Mas Pedro fugiu com a noiva Na hora de ir pro altar.... Muitas emissoras de rádio tinham programas específicos de músicas de festa junina que eram cantadas nas festas do local. Em Mangueira, tinha festa no Olaria, tinha festa no Chalé, tinha festa no Buraco Quente, tinha festa nos Telégrafos e tinha festa na Candelária. O balão japonês, o balão japonês subindo e descendo logo ali e as crianças correndo na disputa de quem ia pega-lo. Mais um balão subindo, desta vez um pião. Muita gente em volta ajudando ou observando a subida do balão. Subiu, encontrou-se com outros que enfeitavam o céu já estrelado.


Uma fogueira acesa feita com pequenos troncos de árvores e madeiras sem utilidades. Gente em volta da fogueira se esquentando do frio e esperando sair o aipim ou a batata doce assada. No quintal da festa, uma animação sem fim tocando realmente as músicas de festa junina e as pessoas dançando animadamente com seus pares. No fundo um balcão improvisado onde era servido o quentão gratuitamente. Barraquinhas de pescarias, gincanas e o casamento na roça? O casamento na roça, cômico e engraçado, provocando risos e alegria entre os presentes. E a cadeia improvisada, onde tinha um delegado e seus policiais que prendiam os presentes e só os soltavam quando eles pagavam uma taxa e então recebiam uma fita como prova que “estavam em dia com as autoridades”. Depois do casamento a dança da quadrilha. Anavan, anarrie o ponto alto da festa. E assim era o Morro de Mangueira do meu tempo. Pobre, mas feliz.

Onesio Meirelles


GRATIDÃO O ano é 2019, numa linda manhã ensolarada de abril desci a ladeira da rua maria amália saindo de casa as 10:30, segui até a rua barão de mesquita entrei no busão 606 ( trajeto rodoviária – engenho de dentro ) com destino ao Méier , precisamente para o bar do Mozoca, local emblemático e bucólico em meio ao asfalto recrudescente da cidade. já na parada do ônibus fiz uma foto e enviei para o nosso grupo do whatsapp; aliás, o motivo do meu movimento era chegar na festa de comemoração pela passagem de um ano da revista digital sarau suburbio. cheguei as 11:30 na rua dias da cruz e logo de cara procurei um jornaleiro para comprar uns exemplares do jornal “o globo” que ora trazia estampada na capa do jornal de bairros uma foto com parte do nosso coletivo de vinte e seis autores da revista, para minha sorte e do Trindade, que encontrei na caminhada ; a banca tinha um bom estoque de exemplares. Eu, Trindade e agora o Bizar formávamos um bonde que seguiu a pé até o boteco do Moacir; entre muitas gargalhadas loucas esse trio chega na esquina do mozoca onde observo um churrasco iniciando na lateral do estabelecimento ( o que estariam comemorando ) e enquanto isso percebo também a presença de quatro cavaleiros relaxadamente sentados bem na frente do bar como que nos saudando com boas vindas fraternas de subúrbio; dessas dadas por quem já estava nesse planeta a mais de oitenta anos. Bizar e Trindade colocaram suas “bagagens” na simpática área destinada aos nossos livros, revistas e afins culturais; eles tiveram que sair rápidamente para buscar outras coisas pertinentes ao evento . fiquei tomando conta das coisas todas e iniciei minha exploração encantada em direção ao balcão convidativo que insinuadamente disponibilizava opções variadas de gêlo, quentes e destilados, logo decidi minha pedida diretamente ao proprietário: uma batida de limão da casa com cachaça na moda suburbana. e olha, qual não foi a minha satisfação ao perceber durante o acompanhamento da preparação que o então “barmen” sabia fazer muito bem meu drink preferido; peguei aquele copo e comecei a sorver cada gole da minha “limonada” . Quem na verdade já estava lá quietinho com seu suco de cevada era o Orlando e assim começamos os trabalhos em nossa humilde mesa para oito lugares; eis que chega o Douglas ( com sede de gelol ); peço uma segunda batidinha nessa hora ( 12:30h ) meu apetite começa a dar sinais de vivacidade explicita num ronco abdominal disruptor para acalma-lo curto um copo de cerveja e busco informações da cozinha a respeito das possibilidades gastronominais das comidas que ora flanavam em cheiros delicados pelo ar.


Após consumir o generoso segundo limão comecei a ser tomado por uma felicidade gigante associada ao prazer de pedir um mocotó na tigela conectado a uma terceira batida de lemon; lembro que estavam chegando Prata, Dorina, Leo, Ana, Elaine, Magella... eram 13:30h acordes e batuques suaves começavam a ecoar em poesia inspiradora pós mocotó e três batidas de limão. A malta estava formada com Lucaco, Mattoso, Silvio , Kaju , Marcia, Ivan ( o livreiro errante ) e cia...pensei que estava no céu quando terminei minha quarta dose ( 14:30 ) e uma melodia fugaz acertou em cheio meu coração levando-me ao êxtase (a última vez que tinha entrado em estado de êxtase tinha sido em 1991 num show do Carlos Santana no maracanã ) , era como se eu estivesse flutuando no colo de notas musicais irresistiveis, acabei refratando um choro de alegria sem contenção o que foi percebido ( acho ) por Marcia e Elaine; ainda tentei cantar um samba e só obtive um razoável sucesso de adesões por ser bem conhecido ( saco cheio – dona Fia e Marco Antônio ); minha voz tinha sumido rsrsrs, lágrimas de felicidade desciam frenéticamente pelo meu rosto tomado por uma força divina alucinante e poderosa: gratidão. Atmosfera boa, gente boa, musica boa e chegava meu quinto limão, o Batidão da saideira, tinha ainda que seguir para o Samba do Doutor especial na Tijuca; que horas são, pensei...não sei.

COBERTURA ETILOGRÁFICA DO EVENTO


Rodolfo Caruso Poeta todo dia


EVENTO DE LANÇAMENTO DA REVISTA SARAU SUBÚRBIO IMPRESSA Confiram mais algumas fotos do evento de lançamento da primeira edição impressa da Revista Sarau Subúrbio, no Bar do Mozoca, no Méier. O dia 27 de abril foi marcado por muito Samba, cerveja gelada e muita descontração, um ano de Revista comemorado da melhor forma possível!



C A NT I G A

Obstáculos que surgem Isto não me intriga De punhos cerrados Não fujo de briga Mas também estendo A mão amiga Às vezes rezo Outras eu faço figa Algumas histórias tenho Também alguma barriga A esperança alimenta O amor dá liga E vou seguindo Sendo cigarra e formiga Sempre poeta Fazendo cantiga

Douglas Adade


A PROEZA DO BALÃOZINHO AZUL “Cai, cai, balão. Cai, cai, balão. Aqui na minha mão. Não vou lá. Não vou lá. Não vou lá. Tenho medo de apanhar”. Uma das nossas mais românticas e alegres festas populares é, sem dúvida, as juninas. Mas aqui eu quero recordar aquelas dos meus tempos de menino, quando alguns terrenos baldios, ou até mesmo os campinhos das nossas peladas nos bairros suburbanos se transformaram em arraiás, enfeitados de bandeirinhas, cercados de bambus, com fogueira, doces típicos, quentão, capelinha, casamento e quadrilha improvisada. Apesar de todos os anos o mesmo evento acontecer, a chegada de tais festas deixavam as crianças tão empolgadas a ponto de, na noite anterior à festa, ficarem praticamente sem dormir, alguns até vigiando o nascer do dia. E logo que o galo cantava no quintal, pulavam da cama, tomavam o café apressado e se soltavam na rua para aguardar os adultos chegarem e participarem da organização do arraial. Sábado frio de frágil sol. As donas de casa se vão às compras das iguarias para o festejo. Os homens, seguidos por animados garotos, vão tratar dos serviços mais pesados, como cortar bambus para cercar o arraial e galhos de árvore para armar a fogueira. Nesse dia eu, igual às demais crianças, dava uma trabalheira danada para tomar banho e me alimentar. Essa teimosia acabava sempre com um chinelo na mão e correria para o banheiro. Na hora do almoço, tinha que empurrar a comida goela abaixo, porque se eu não comesse tudo, ficaria o dia inteiro de castigo e, pior, nem participaria da festança tão esperada. À tardinha, o movimento na rua já era intenso. Pelo ar se espalhavam os cheirinhos deliciosos dos doces típicos da roça: bolos de aipim e de fubá, cocada, pé de moleque, quebra queixo, batata doce, paçoca, milho cozido, amendoim, melado com farinha, pamonha, canjica, arroz doce, cuscuz, pipoca, dentre outras muitas guloseimas de dar água na boca só de olhar. As moças eram responsáveis por outras prendas, como arrematar vestidos de chita, enfeitar os chapéus de palha, prender retalhos coloridos nas calças dos rapazes, como também cortar, colar num longo barbante as coloridas bandeirinhas. Os rapazes tinham como tarefas cercar o arraial, arrumar a fogueira, preparar os balões de diversos tamanhos. Mas eu, atento, ligadíssimo, sempre por perto dos baloeiros, atento a todos os detalhes, desde a bucha, lanterninhas e até a colagem das folhas de papel fino. Noitinha caindo e friozinho aumentando. Lindo o arraial todo cercado de bambus verdinhos e coberto de bandeirinhas e lanternas de papel colorido. Linda a capelinha de melão. Aos poucos chegam os moradores carregando panelas, bandejas, jarras, garrafas, pratos, copos, talheres e demais apetrechos. Os “caipiras” e as “caipiras” passeiam alegres. O padre conversa animadamente com o delegado. No quintal do Seu Quincas, o açougueiro, os rapazes dão os últimos toques nos seus balões. E eu por perto, inquieto, pedindo constantemente material para fazer o meu balão e os adultos sequer dão bola. Pedem que eu aguarde. Prometem que depois me ajudarão. Aguarde. Aguarde.


Aguarde. Tenha paciência, ora! O tempo passa e eu cada vez mais inquieto se preocupado. Os homens, a essa altura, já nem se dão com a minha presença. O sino da matriz soa as seis badalas. Os rapazes dão por encerrados os trabalhos. São oito balões, cada um mais bonito, mais caprichado que o outro. - Seu Serafim, tem papel para o meu balão? - Xi, garoto, acabou tudo. - Puxa vida. Vocês falaram que iam deixar para mim. E agora, o que fazer? Resta pensar e agir rápido. Corri pra casa. Tenho algumas moedas no cofrinho de barro com cara de porquinho. Que pena, tive que quebrar o bichinho para poder comprar papel fino. Para meu azar, não encontrei mais loja aberta àquela essa hora. Lembrei-me do armarinho que ficava nos fundos da igreja. Desta vez dei sorte. Dona Carminha já ia fechar quando cheguei esbaforido. - Dona Carminha, tem papel fino, tem? - Acho que sim... Olha, só tem azul claro e cor de rosa. - Vai levar, ou não? Anda, menino, se decida que eu vou fechar a loja. - Já que só tem essas, me dá só azul. Cor de rosa eu não quero. Descambo veloz volta. Nem sequer abri o portão da casa do açougueiro onde fizeram os balões. Pulei o muro e na varanda encontrei ainda o material usado pelos rapazes. Com jeito, cortei os papéis, colei e montei o meu pequenino balão, quase do meu próprio tamanho. E agora, cadê a bucha? Miguel! Ô Miguel, faz uma bucha pro meu balão, faz! - Não me leva a mal, moleque. Agora eu vou tomar meu banho e me vestir para a festa. Pega aí o que servir e faça você mesmo. Droga! Droga! Droga! Não vou me entregar fácil, não. Pego arame, estopa, vela e querosene, monto uma buchazinha furreca e, enfim, apronto o balãozinho azul. Tão bonitinho que dá até pena ter que soltar. Com cuidado posiciono minha obra timidamente junto aos grandes e caprichados balões dos adultos que riem e debocham da audácia e pretensão deste pequerrucho. “Chegou a hora da fogueira. É noite de São João. O céu fica todo estrelado, fica todo enfeitado, pintadinho de balão...”. Enfim, a festa começou! Arraial iluminado. Anarriê! Balancê! Olha a cobra. Uhhh! É mentira! Ahhh! Olha a chuva. Uhhhh! É mentira! Ahhh! A quadrilha improvisada fez sucesso e divertiu muito o povo que soltou gargalhadas a cada trapalhada da turma. “E o sanfoneiro só tocava isso.” - Atenção, minha gente, chegou a hora de soltar os balões! - Êêêê!... Todos correm para os fundos do quintal onde os rapazes já estão acendendo um dos balões sem atinarem para a garotada suspeita espreitando em cima do muro. - Segura direito aí, Tião. Não deixa o balão subir logo, não. - Vai lá, Serafim. Dá o último toque. Serafim se posiciona. Será o último a tocar no balão. O último, não. Quando passa rente ao muro, surge um dos meninos, empurra o balão e grita:


- O último toque é meu! A rapaziada fica fula da vida. Cambada de moleques safados! Ah, seu eu pego um deles, encho de cascudos! “O balão vai subindo. Vem caindo a garoa. O céu é tão lindo e a noite é tão boa...” - Olha lá! Olha lá! Nãããooo!!! Ao pegar altura, o balão não aguenta a corrente de ar. Bambeia pra lá, bambeia pra cá e... - Aaah! Pegou fogo. Essa fatalidade, além do último toque dos peraltas, acontece com os oito balões. - Pera aí gente, falta soltar um! Gritei cheio de prosa. - Vai lá, moleque atrevido. Chegou a sua vez. A vizinhança olhou para e mim caiu na gargalhada ao me viu chegar com um balãzinho pobrinho. - Que coisa é essa, garoto? - Aposto que também vai pegar fogo. - Vira essa boca pra lá, peste! De súbito, parece que todo o arraial me rodeou para o balãozinho azul. E eu ali, com ar de importante, desafiador, ajeitando com carinho a minha obra de arte. Calmamente acendi a bucha. Aguardei o bicho se encher de fumaça. E o balãozinho foi inflando, inflando, balançando, doido para se soltar. Um vizinho marrento começa a cantar em deboche: “Cai, cai, balão! Você não deve subir. Quem sobe muito, cai depressa sem sentir. A ventania, de sua queda vai zombar...” - Solta! Solta logo esse troço, garoto! Meio trêmulo, solto o balão e ele vai subindo devagar. Vai subindo, subindo. Subindo! A expectativa é geral. E lá vai o balãozinho azul. Subindo mais, mais, mais. Ao passar pela corrente de ar, um soluço me engasga. O balão balança pra lá, bambeia pra cá, gira, se apruma, bambeia de novo, ultrapassa a corrente de vento e se alça cada vez mais acima, para espanto geral do público presente. - Olha lá. O balão do moleque passou! O balão do moleque passou! Os coleguinhas me abraçam. As menininhas me beijam. Os adultos me colocam no colo, me atiram pro alto várias vezes, deixando-me cair feliz em seus braços seguros. Aqueles que se recusaram a me ajudar dão-me cumprimentos e elogios de reconhecimento, perplexos com a proeza. E eu lá, absorto, com os olhos fixos lá no alto, acompanhando o balãozinho azul que vai se apequenando paulatinamente em meio a outros balões distantes que colorem o céu todo estrelado, pintadinho de balão. Aos pouco os ânimos arrefecem no arraial que se esvazia. A madrugada chegando. Fim de festa. A fogueira quase em cinzas. O vento agita as bandeirinhas que a neblina da madrugada aos poucos vai descolorindo.


Voltando pra casa. Paro à porta e dou a última olhada no arraial silencioso. Onde estará agora o meu balãozinho azul? Onde terá caído? Será que tascaram ele? Mamãe passa a mão na minha cabeça, orgulhosa da proeza do seu menino levado. - Vamos, meu filho, entra que eu vou fechar a porta. Boa noite, filho. Durma em paz. - Boa noite, mãinha. O sono vem chegando. Acho que terei um sonho bom com o meu balão. Mas o que eu queria mesmo é que o meu heroico balãozinho azul viesse devagar, entrasse pela janela e caísse bem aqui na minha mão.

Lula Dias


FESTAS JUNINAS: PAIXÃO SUBURBANA O mês de junho chegou e com ele as tradicionais festas de São João. É bem verdade que Santo Antonio e São Pedro também têm os seus dias, mas sabe-se lá porque São João acabou levando mais fama. Essa é uma época que desperta sentimentos nostálgicos em muita gente. Na gente suburbana então, é motivo de muitas saudades e lembranças de várias histórias. O coração de muitos bate mais forte ao relembrar os arraiais que aconteciam nas paróquias, nas escolas ou na própria rua. Algumas quadrilhas eram bem organizadas, começavam a ensaiar meses antes das festas, costuravam-se belas roupas, tudo para fazer bonito no dia da apresentação. Nas escolas, por exemplo, deixava-se a merenda de lado e se aproveitava a hora do recreio para ensaiar. Nas ruas os vizinhos se juntavam para fazer a festa, que geralmente contava com o patrocínio dos comerciantes do bairro, e às vezes de políticos (querendo ganhar votos, é claro). Confusão e bate boca em algum momento teriam de acontecer, afinal é muita gente junta, cada um com diferentes ideias. Mas no final tudo dava certo. As bandeirinhas eram colocadas, as barraquinhas eram montadas, as quadrilhas dançavam com afinco. A diversão era garantida. E assim se passaram os anos, as crianças e adolescentes cresceram, mas a paixão pelas festas juninas continua. Eu escrevi usando o passado, como forma de reavivar a memória de quem lê esse pequeno artigo. Mas as festas juninas estão vivas, presentes e continuando a despertar paixões e alegrias em corações das mais diversas idades. Talvez não seja mais algo tão recorrente, talvez algumas estejam glamourizadas excessivamente, porém o que vale é festejar, é comer as guloseimas fabulosas dessa época, é voltar a ser criança para quem é adulto, e viver um dos momentos mais deliciosos quando se é criança. Aliais, festa junina é tão bom que se estende para os meses seguintes: tem festa julina, agostina, até setembrina eu já vi (antes tarde do que nunca!). O importante é aproveitar e ser feliz. Eu vou encerrando por aqui cantando: “São João, São João, Acende a fogueira do meu coração!”

Ana Cristina de Paula


RADINHO DE PILHA FUTEBOL CLUBE

Eu me recordo muito bem, foi na Rua Djalma Dutra, na Abolição, enquanto batíamos aquele papo furado, regado à cerveja e churrasco, sem calça comprida, paletó e relógio funcionando, por suposto, que o pai de um amigo nosso de infância iria incendiar a minha imaginação, e quem sabe postergar mais um pouco o meu interesse pelo mundo do futebol. Sim, muita gente pode não acreditar, mas eu já torci bastante pelo meu Fluminense, era um leitor voraz em busca de tudo que é notícia que envolvesse o clube, todo dia a mesma rotina, ir ao jornaleiro em busca de pelo menos dois jornais, “O lance” e “Jornal dos Esportes”, quanto ao “Ataque”, uma espécie de caderno de esportes do jornal “O DIA”, ficava por conta do meu pai, que me entregava diariamente, não sem antes me advertir “vocês só se interessam pela parte de esportes, de Economia não lêem nada”. O vocês referia-se ao meu irmão também. Além de notícias sobre o clube, passei a buscar fundamento para defender a minha escolha em torcer por aquela agremiação tão elitista, assim quando sofria ataques desta natureza, eu respondia com poesia, falava de Cartola, Mário Lago, citava um “Tricolor em Roma”, crônica do Chico Buarque, destacando sempre a frase “... o tricolor chora e ri sem ninguém por perto”, tirava sempre como um trunfo da manga, as pérolas do Nelson Rodrigues, além é claro de evocar as memórias do meu pai contando suas aventuras com meu avô no antigo e afetuoso Maracanã das gerais. Assim eu reagia... Para além do clube Fluminense, o meu fascínio pelo futebol estava diretamente ligado a uma atmosfera poética e popular que pulsava em torno daquela manifestação, o fato de ser um esporte era o de menos pra mim, já que o lado da competição me agradava em parte, simplesmente para tirar um sarro com a derrota dos times dos meus amigos. Sendo popular o futebol, tão vivo e tão forte, eu na minha visão infantojuvenil não enxergava ainda o processo que iria desaguar na tragédia em que se encontra hoje o pragmático esporte de resultados, tão cheio de regras, cifrões e jogadores espetaculosos, medíocres no campo e piores fora dele, além de cartolas gananciosos em busca de fortuna. Eu me alimentava do espírito que gravitava em torno das peladas, aquelas intermináveis partidas que eu e meus amigos jogávamos na rua de paralelepípedo, com o golzinho marcado com ramos de capim arrancados minutos antes do início do jogo, aquela algazarra, aquela euforia, a mesma sentida e praticada no campinho da escola em Quintino, tudo registrado pelas marcas no uniforme, sujo de suor e terra preta, felicidade que nem o sabão em pó da moda seria capaz de limpar.


A minha alma era preenchida por uma lufada de melancolia toda vez que eu vinha andando com a minha mãe pela Rua Teresa Cavalcante, em Piedade, aos domingos, fim de tarde, o sol se pondo, a rua com o cheiro ainda curtido da feira do dia anterior, e numa das casas o mesmo velhinho escutava em seu radinho de pilha a partida daquele dia, parecia sempre um FlaxFlu. Aquilo angustiava profundamente a minha mãe, e ao mesmo tempo me enchia de vida. Hoje lendo os jornais, prostrado e desesperançoso como bom brasileiro que se preze atualmente, descobri nas manchetes, em meio a todo aquele crime que vitimou os meninos no Centro de Treinamento do Clube de Regatas Flamengo, que existe no clube a figura do “CEO”, pra quem não sabe é a sigla inglesa para “Chief Executive Officer”, isso mesmo, no clube mais popular do Brasil, no Flamengo das massas, dos Geraldinos e Arquibaldos, do povão. Que punhalada no peito, eu senti! Imediatamente lembrei daquele papo do início da crônica, o pai do meu amigo me contando de um tal jogo, não me recordo se ocorrera na Capital ou em Pau Grande, mas eu me lembro bem que a história era sobre um Garrincha que logo após a vitória do seu time, largava tudo e saia para comemorar com a torcida.

Marco Trindade


ESTANTE SUBURBANA Nascido no bairro de Brás de Pina, subúrbio do Rio de Janeiro, o Pesquisador de MPB, Poeta e Letrista, Euclides Amaral, possui biografia profundamente marcada pela valorização da cultura popular, tendo participado ativamente do cenário artístico da nossa cidade, com vasta atuação nos subúrbios. O mais recente trabalho do artista é o livro “A Letra e a Poesia na MPB: Semelhanças e Diferenças”, fruto de décadas de estudo do Pesquisador. A Revista Sarau Subúrbio deseja muito sucesso ao Poeta, e convida a todos para o evento de lançamento!

Sinopse do livro “A LETRA & A POESIA NA MPB: Semelhanças & diferenças”, de Euclides Amaral – EAS Editora, 2019 O autor define o trabalho como “A influência da poesia provençal do século XI, e ibérica do século XVI, na formação de uma identidade líteromusical dos letristas brasileiros do século XIX ao XXI.” Seguem cinco opiniões de importantes balizadores na área de pesquisa acadêmica sobre o tema: Segundo Fred Góes (Letrista, ensaísta e Doutor em Teoria da Literatura) “Importante também ressaltar o fato de que o autor dirige sua atenção tanto para a música (melodia, harmonia e ritmo) quanto para o texto poético, para a letra da canção, contemplando assim os dois códigos fundadores da canção popular.


Outro dado que merece destaque é a utilização de um registro de linguagem leve, usual, sem, no entanto, cair nas armadilhas da vulgaridade.” De acordo com Júlio Diniz (Ensaísta e Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa) “A linguagem empregada oscila entre o tom jornalístico e o historiográfico, às vezes até poético, possibilitando ao leitor entrar em contato com as centenas de informações levantadas, as análises propostas e as conclusões de inúmeras pesquisas que Euclides Amaral realizou nos últimos anos, predominando a relação entre a poética da palavra cantada e a da palavra escrita. A leitura crítica dessa relação é muito bem realizada, potencializando a figura do letrista da poética popular como um poeta tão sofisticado e histórica e esteticamente importante quanto os artistas do campo erudito.” Sérgio Natureza (Poeta-letrista) vaticina quanto à pesquisa realizada: “A partir deles, Euclides Amaral enfoca, neste livro, seus legítimos herdeiros, sucessores do trabalho pioneiro/ essencial que eles, os patriarcas, nos legaram.” Sergio Fonseca (Letrista e professor de Português-Literatura) afirma “Agora vem este livro de Euclides Amaral e recoloca essa discussão na pauta. Sem nenhuma intenção de esgotar o assunto, ele aponta semelhanças e diferenças entre letra e poesia na MPB, discorrendo sobre canções e autores, citando fontes de estudo e nos obrigando a refletir sobre o tema.” Ricardo Cravo Albin (Musicólogo e escritor) ressalta sua importância na área da pesquisa acadêmica: “Amaral se incorporou ao nosso ‘Dicionário Cravo Albin da MPB’ em 1999, ou seja, é pioneiro na construção do hoje considerado pela UNESCO o mais extenso banco de dados do mundo em música popular.” O autor, pesquisador do Instituto Cultural Cravo Albin, publicou diversos livros sobre a MPB, entre os quais Alguns Aspectos da MPB, em 3ª edição, com os ensaios “O Samba”; “O Choro”; o “O Hip hop”; “O Funk”; “A MPB no Cinema Nacional de 1895 a 2014” e “A contribuição estrangeira na MPB do século XVI ao XXI”.


V I T R O L I N H A S U BU R BA N A

DISCO: CASA DE SINÉSIO TORQUATO - Sinésio Torquato, Independente, gravado no estúdio WM, Rio de Janeiro.


TEMPOSIÇÃO DAS ALMAS ÍNCUBAS - UZUZAP

Sree Muthappan O bruxo mandê, Uzuzap. O criador de garrafadas excepcionais. Dentre os Mandingas, os Soninquês, os Bafures, os Imraguen, os Malinquês, os Bissas, os Kpelle, os Bozos, os Bambaras ele era reconhecido como dos maiores ocultistas pisantes de nosso Universomaterial. Todospovos Mandês o respeitamreverenciam. Todos da bruxariocultismomagiasabedoriatradiçãoesotéricaexotérica tabém o respeitam. Uzuzap é um mandingo. Ele é do povo Mandinga. Eles são descendentes do Império Mali. Lembro-me de quando o conheci: em seu peito tinha um cordão pendurado com um pedaço de couro com frases do Alcorão. O patuá. "Salve nosso rei mandingo, o Ilustre Sundiata Keita!" Sundiata Keita foi um mansa e fundou o Império do Mali. Um mansa é um líder. Ele governou no períodotempodentre 1235 até 1255, após luta na Batalha de Kirina de 1235. Venceu pois uniu diversos clãs malinquês. A Carta de Kurukan Fuga foi o legado da Grande Assembleia. Uma Constituição escrita em 1235. Uma das primeiras constituições. Pelos cultores das Ciências Jurídicas a Constituição dos Estados Unidos é considerada a primeira escrita. Entretanto, sua data é de 1787 enquanto que a Constituição do Império Mali é datada de 1235.


Nela já tínhamos previstos: divisão dos poderes, liberdades cívicas, direitos humanos, reparações de danos e até proteções patrimoniais e trabalhistas. O mais importante: a escravidão era proibida. Um mansa não é só um líder. No Império do Mali designava o lído de todos, do país, dos povos. Um mansa personifica seus ancestrais. É um caçador. "Elherói de las Gentes, Keita não era um humano comum. Possuía poderes. Grandes poderes controladores dos homens e da natureza. Tudo advindo de conhecimentos ocultos." E eu sabia, como todos os outros ocultistas, que Uzuzap foi pupilo de Sundiata Keita. Merecia todo nosso respeito. Uzuzap sempre falava essa frase quando estava feliz: "Meu avô era diula, meu pai bozo e meus primos bambaras. Muita raiz mandê na família." Mas, por que Uzuzap teria encontrado aquela senhora na mata de FuturamenteIrajá e ensinou-lhe uma de suas garrafadas? Uma tão especial: vinho de palma com melaço de cana. Certamente que Uzuzap não lhe teria ensinado um vinho de palma comum. Chamam-no também de toddy sendo um vinho feito por palmeiras e coqueiros variados. É bebida alcoólica. Fermentações das seivas de várias espécies de palmeiras. Os Ezhava da Índia são alguns seringueiros Kerala que preparam o toddy. O toddy, tão apreciado que até divindades o bebem. Madurai Veeran (Deus Guardião) e Sree Muthappan (que é uma Divina Dualidade pois é um Deus que na verdade personifica dois: Vishnu (Sustentador do Universo), representado com uma coroa em forma de peixe e Shiva (O Destruidor e Regenerador), representado com uma coroa em forma de crescente). Tenho que continuar minha busca. Algo me diz que Uzuzap está querendo me dizer algo importante na minha busca pelas Almas Íncubas. A senhora de FuturamenteIrajá disse que conhecia algumas das Almas Íncubas e que elas a visitavam para beberem o vinho de palma com melaço de cana. Estou de volta a Acari. Atravessei o portal-de-muros-pichados-mento-abracadábrico, e agora o que fazer? Já seientão! Procurarei Hanan Negev, O Oitavo Alquimista. Ele morava em Acari e talvez ainda esteja no bairro. Vou tentar me comunicar com ele através da Alquimia. Farei um CAC - Círculo Alquímico de Conhecimento. Isto.

Pazuzu Silva


ACORDEM! NASCEU SÃO JOÃO! - Aaaaaaaaaaaiiii, mas que coisa! É só chegar junho que a criançada fica fazendo todo esse barulho com as bombinhas! Todos na rua já conheciam bem as reclamações da Dona Isaura por causa de qualquer barulho na rua. Ela gritava da janela o quanto desaprovava a festa junina do bairro ser feita na nossa rua. O Jhonceará, um dos mais animados na feitura das festas no mês de junho, resolveu provocá-la. - O Dona Isaura, a senhora falando uma coisa dessas é até uma heresia. - Sai pra lá, "Ceará"! Não vem pra cima de mim! Essas bombinhas perturbam o juízo até dos falecidos. - A senhora não é católica devotada da igreja!? Então, deveria era dar gritos de salve e aleluia quando as crianças jogassem suas bombinhas. Dona Isaura fingiu que não era com ela e nem respondeu. - Sabe os motivos dessas bombinhas!? - Sei sim: acabar com a minha paz! - São Zacarias não tinha filhos e estava muito tristinho, o santo. E um dia o Senhor lhe abençoou enviando um anjo com asas coloridas, embebido numa luz misteriosa pra lhe dizer que seria papai. - Quem? O anjo? - Claro que não, Dona Isaura e já alguém viu anjo ter filho. - Ah! Então conta essa história direito. - Pois, bem! Aconteceu que São Zacarias ficou tão feliz que perdeu a voz. No dia do nascimento da criança lhe perguntaram qual seria o nome do rebento? - Já sei! João. Era o nascimento de São João. - Dona Isaura, é mania da senhora interromper os outros, não!? Deixa contar até o final a história. Pois, bem! São Zacarias conseguiu balbuciar bem baixinho que o nome era João. Só que quando sussurrou o nome ele recuperou a voz. E todos gritaram, fizeram barulho, vivas e salves pra todos os lados. E os costumes das bombinhas nas festas juninas vem daí. A tradição diz que é pra "acordar o santo". - Sim, seu "Ceará"... - "Ceará", não. Jhonceará! - Amigo... tá bom!? As bombinhas e os fogos são no dia de São João. É um dia só no ano. Não é durante o mês inteiro! - Mulher de pouca fé! As crianças são sabidas... estouram as bombinhas durante todo o mês porque vai que o santo deu uma cochilada. É pra acordar o santo pra ele ouvir os pedidos que lhe são feitos.

Antero Catan


PARABÉNS AO CINEMA BRASILEIRO "Continuo fechado com minhas posições de um cinema terceiro-mundista. Um cinema independente do ponto-de-vista econômico e artístico, que não deixe a criatividadeestética desaparecer em nome de uma objetividade comercial e de um imediatismo político.“ Glauber Rocha https://citacoes.in/autores/glauber-rocha/

No último dia 19 de junho foi comemorado o Dia do Cinema Brasileiro. O cinema é uma das minhas grandes paixões. E aqui mesmo na Revista Sarau Subúrbio eu já tive a oportunidade de escrever sobre o Dogma Feijoada, um movimento contemporâneo do cinema brasileiro. Pra não deixar a data passar em branco, pedi ao amigo Bizar que enviasse aos escritores da revista uma pesquisa para sabermos seus filmes brasileiros preferidos. Então, vamos saber quais foram os filmes! Os primeiros mais citados: Tropa de Elite e Central do Brasil Segundos mais citados: O pagador de promessas e Cidade de Deus Terceiros mais citados: Rio 40º, O auto da Compadecida, Deus e o Diabo na Terra do Sol, Bye, bye Brasil Os outros filmes citados, sem ordenação quanto ao número de citações: Lavoura Arcaica, O cheiro do ralo, Amarelo manga, Glauber - O filme, labirinto do Brasil, Chuvas de verão, Eles não usam black tie, Babilônia 2000, Rio Zona Norte, Ganga Zumba, Xica da Silva, Orfeu do Carnaval, O cangaceiro, Lamarca - O capitão da guerrilha, Guerra de Canudos, Os fuzis, Kardec - O filme, Nise - O coração da loucura, Bezerra de Menezes, Aquarius, Carlota Joaquina, A Menina Índigo, Solteiro no Rio de Janeiro, Meu nome não é Johnny, Chico Xavier - O filme, Aladim e a lâmpada maravilhosa (Os Trapalhões), Meu pé de laranja lima, O pai da noiva (Mazzaropi), A teia (telefilme), Bicho de 7 cabeças, Pra frente Brasil,


Ação entre amigos, Pequeno Dicionário Amoroso, Amores possíveis, A grande arte, Bufo & Spallanzani, Orfeu, Quilombo, O cortiço, Noel - O poeta da Vila, Gonzaguinha - De pai para filho, Besouro, Samba e Jazz, Noitada de samba - Foco de resistência, Narradores de Javé, Que horas ela volta?, Garapa, Era o Hotel Cambridge, Minha mãe é uma peça, Estômago O homem que virou suco Gaijin Vidas Secas Cinema, aspirinas e urubus O que isso, companheiro? Ilha das Flores Cabra marcado pra morrer A hora da estrela Partido Alto (curta) Nelson Cavaquinho (curta) O quatrilho Verônica Dona Flor e seus dois maridos Carandiru Madame Satã Orfeu Negro Jango Carandiru Brincando nos campos do Senhor Assalto ao Banco Central Macunaíma Macunaíma Se eu fosse você amanhã Bruna Surfistinha Tainara Terra em transe Trair e coçar é só começar Lampião o Rei do Cangaço Janela da alma Edifício Master Quase dois irmãos O homem que copiava

Malkia Usiku


SÃO JOÃO É COISA SÉRIA NO SUBÚRBIO Aqui no subúrbio, festa junina é coisa séria. - Quem não ensaiar durante três meses não dança na quadrilha. O Tuninho não perdoa. Só dança no dia da festa quem ensaiar muito antes. Ele gosta de fazer bonito. Afinal de contas também comparecerão os moradores de outras ruas e até de outros bairros. Não podemos fazer feio. - Só pode colocar barraca quem contribuir com a vaquinha antes da festa. E também participar da arrumação da festa. A Verinha é gente boa. Mas, quando o assunto é a organização das barracas da festa de São João ela não dá trégua. Quem quiser ter barraca no dia pra faturar algum tem que contribuir com a vaquinha pra comprar os enfeites e trabalhar pra deixar a rua bem bonita cheia de bandeiras, fogueira, balões e até pau-de-sebo. - É festa católica, Hébrio! E você, ateu fervoroso que só, gosta de Festa Junina? Explica-me! O Seu Bacamarte não pode me ver sossegado mesmo. Seu Bacamarte é português e católico praticante fervoroso. - Os festejos juninos são pra homenagear os santos católicos Antônio, João e Pedro. É isso mesmo, Seu Marte!? - Bem, primeiramente, Marte é o raio que lhe parta! Meu nome é Bacamarte. E como a tal espingarda: sou fogo na roupa! E sim, Hébrio. Os festejos são para santos católicos, sim senhor. - Estás enganado, meu amigo. Muitíssimo enganado. Mas, deixa pra lá. O que me interessa são aqueles bolinhos de bacalhau da Dona Maria... ela os fez? Se fizeste me traga uns oito, por favor. - Ô Jonas, explica isso direito, macho! As festas dos santos não são pros santos? Não entendi foi é nada. Entrou na conversa também o "Colombinho", um paraibano que trabalha no Bar dus Maneus, aqui de Cascadura e que nós apelidamos de "Colombinho". - Colombinho, é isso mesmo! As festas de junho se originaram muita antes da tão aclamada era cristã. Durante o solstício de verão, para celebrá-lo, existiam muitas festas no hemisfério norte. Festas pagãs. Celebravam o dia mais longo e a noite mais curta do ano, dias vinte e um e vinte e dois de junho, lá praquelas bandas do norte. - E quem? Que povos faziam isso? Diga? Quem? Seu Bacamarte perguntou com certo ar de desdém. - Seu Bacamarte, povos como os egípcios e os celtas realizavam os rituais pedindo aos deuses fartura nas plantações. Eram os cultos à fertilidade. Isso durou até o século dez mais ou menos. Depois vieram as caças às bruxas e destruiu tudo. Como a igreja não conseguia acabar de vez dom os rituais e festas pagãs, resolveu cristianizá-las. Aí entraram os seus santos.


- A fogueira foi Santa Isabel quem acendeu pra avisar a Virgem Maria do nascimento de João Batista, não foi!? Aprendi no catecismo. - Colombinho, as fogueiras já eram acesas muito antes da cristandade. Os pagãos e mesmo os nativos brasileiros pré-cabral já as acendiam. - Opá, que isso, gajo! Agora você colocou os nossos índios nesta história. Ora, pois, pois! Não me venha... - Por incrível que pareça. Por incrível que pareça! Os nativos brasileiros que aqui estavam antes dos portugueses invadirem essas terras faziam rituais no mês de junho. Curioso que entre nós marca o início do inverno. - Seu Bacamarte, eles acendiam a fogueira por causa do frio, devia ser! - Boa, Colombinho! Ótimo o que disse, mas não era por isso não... por incrível que possa parecer eles tinham rituais ligados à agricultura. Cantos, danças e muita fartura de comida. Por isso que temos tantos pratos feitos com milho, o principal ingrediente da dieta dos Guaranis. - Mas, a música e a dança é por nosso conta: a quadrilha e o forró. E viva São João, São Pedro e Santo Antônio! E os índios que nos deram o milho e tantas outras coisas! - Eita! Não é que o Colombinho se inspirou! Vai trabalhar! Já tem mesa reclamando que não chega a cervejinha. A festa é do povo e nos subúrbios cariocas ela continua séria, bonita e rendendo lindas histórias. Daqui a pouco começa a dançar a quadrilha do Tuninho. Muito famosa e da qual eu participei dançando durante dez anos, ainda criança e da qual eu era um dos puxadores. Salve todas as Festas Juninas! Salve!

J o n a s H é b ri o


A HISTÓRIA DO CHORO - PARTE II CHORO E FESTAS CATÓLICAS SEGUNDO PINTO E TINHORÃO Os primeiros chorões tocavam diversos gêneros musicais europeus. Dentre eles um que tem tudo a ver com as festas juninas: a Quadrilha. Inspirando-se na Quadrilha francesa (cuja origem é inglesa na verdade) os chorões executavam suas quadrilhas também. Quer ouvir a qadrilha no choro? Tem um programa especial sobre a quadrilha na Rário Câmara, neste endereço: <https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/RODA-DECHORO/450159-O-GENERO-QUADRILHA-EM-DESTAQUE-BLOCO-3.html> Mas, falando do choro nas festas católicas temos que fazer referência a um livro. Um grande livro, "O choro: reminiscências dos chorões antigos", (autor: Alexandre Gonçalves Pinto - 1935), analisado por um mestre, José Ramos Tinhorão, no texto intitulado "Música popular um tema em debate", quando o assunto é História da nossa música. Dando continuidade a uma série de textos na Revista Sarau Subúrbio sobre a História do Choro. Vamos a eles. Como são dois textos muito importantes, vou citá-los, e muito. A intenção é que os leitores os conheçam bem. Então, vamos lá. O livro "O choro: riminiscências dos chorões antigos, tem uma importância inestimável para a história do choro. Ele "Possui mais de 300 pequenas biografias e notícias sobre velhos compositores e componentes de choros, profissionais e amadores, é todo um canto de saudade, e a própria forma pela qual o autor começa as suas memórias revela-o desde logo: "Os Choros - quem não conhece este nome? Só mesmo quem nunca deu naqueles tempos uma festa em casa. Hoje ainda este nome não perdeu de todo o seu prestígio, apesar de os choros de hoje não serem como os de antigamente, pois os verdadeiros choros eram constituídos de flauta, violões e cavaquinhos, entrando muitas vezes o sempre lembrado oficlide e trombone, o que constituía o verdadeiro choro dos antigos chorões". Importante ressaltar que neste período inicial o choro era mais um jeito de tocar do que um gênero musical. O nome choro acabou também sendo o nome que davam às fetas em que se reuniam os conjuntos de violão, flauta e cavaquinho pra tocar. No livro, falando sobre Juca Flauta, podemos ler: "Juca Flauta, como era conhecido, morava em uma avenida na Rua Dona Feliciana, já naquele tempo bem velho, não era também um grande flautista naquele tempo, porém, tocava os choros fáceis como fosse polca, valsa, quadrilha, chotes, mazurca, etc." E sobre "um tal "Gedeão": "Morava numa pequena casa na Rua Machado Coelho perto do Estácio, esta casa era a reunião dos chorões, sendo portanto uma


grande escola de musicistas, onde o autor deste livro ia ali beber naquela fonte sua aprendizagem de Violão e Cavaquinho". Segundo informações que encontrei por aí na Internet a Rua Dona Firmina seria hoje em dia uma rua do bairro da Tijuca e a Machado Coelho na Cidade Nova. O livro informa sobre a condição social dos chorões (em sua quase totalidade funcionários públicos ou do comércio, em síntese, a classe operária), cita as ruas onde os antigos chorões moravam, seus bairros e as principais festas onde tocavam. Diz Tinhorão: "A história do choro carioca, cuja origem remonta às bandas de músicas de escravos das fazendas fluminenses e da própria Corte, na segunda metade do século XIX, pode ser facilmente levantada a partir do caótico, mas admirável livrino de Alexandre Gonçalves Pinto, O choro: reminiscencias dos chorões antigos. Pelas memórias do velho chorão, ... podemos verificar que o choro é mais uma contribuição indireta da Igreja Católica, no Brasil, às alegres manifestações pagãs das camadas populares. sob o título "A alvorada da música", encaixado sem maiores explicações em meio às pequenas biografias de chorões, à página 1110 do seu livro, Alexandre Gonçalves Pintos dá a entender - mais do que diz, expressamente - que a origem do choro por ele decantado em suas memórias dos velhos chorões estaria nas bandas que saíam a tocar nas festas de igreja: "As organizações das Bandas de Músicas nas Fazendas, para tocarem nas festa de Igrejas, nos arraiais, longe e perto das antigas vilas e freguesias, que são consideradas hoje, cidades davam um chunho de verdadera alegria naquele meio tristonho, mas, sadio, sem instrução, sem cultivo onde inperava a soberania dos fazendeiros, grandes nababos, chefes dos partidos políticos, liberal, e conservador". Interessante a sublinhar é que os donos de terras da época até mesmo estimulavam essas pequenas bandas de música de escravos. "Em tais fazendas haviam bandas de músicas compostas de escravos, e delas saíram muitos músicos notáveis, que se identificaram com as harmonias dos seus instrumentos. A música rude das passadas eras da escravidão, do eito, onde o feitor de bacalhau em punho tinha os foros dos cérberos infernais." E num capítulo, cujo título "As nossas festas" indica o motivo do título do nosso texto do mês de junho, Alexandre Pinto indica onde tocavam as bandas que originaram o choro: "Quem é capaz de ter no esquecimento das festas de fim de ano das épocas remotas que começávamos pelo Ano Bom ao romper d'alvorada... As famílias se reuniam para festejar desejando as boas saídas e melhores entradas organizando boas serenatas, e maviosos choros em louvor a S. Silvestre." "Depois os Reis, festa tradicional da nossa história em que a estrela anunciou e apontou no Oriente o Nascimento do Menino Deus que se chamou Jesus, e que foi no nosso Salvador. ... daí seguindo para o glorioso dia do Mártir São Sebastião, ..., que tinha o esplendor das festas de todos os lares familiares, realização de casamentos e batizados, bailes cheios de alegria organizados por chorões que com suas harmonias deliciavam a grandeza deste dia. Depois o Carnaval com as cinzas precursoras da Semana Santa."


Tinhorão nos revela mais: "Vamos vendo que, com exceção do carnaval, todas as oportunidades para festas - primeiro com a presença de bandas de escravos e libertos, depois já com os choros das cidades - eram todas fornecidas pelo calendário religioso. E não eram só essas. Alexandre Gonçalves Pinto, depois de lembrar que nos carnavais do século XIX os "foliões musicistas" íam de vila em vila, de cidade em cidade, enfrentando o entrudo da água, dos limões de cheiro e até dos baldes de água e das bisnagas, de acordo com os costumes daquele tempo", ainda prossegue: "E depois vem o Domingo de Ramos. Ornamentam-se as Igrejas, acendem-se os turíbulos que incesam os fiéis, que em romaria prestavam homenagem ao Filho de Deus." "Depois a Páscoa, festival que significa a Rendenção Espiritual passagem da Ressurreição. Os lares se transbordam de alegria, as festas se prolongam com música e harmonia em louvor a este dia, um dos maiores da História. Depois a Conceição festiva com todas as suas tradições de sacamentos, dia que faz feliz os namorados e cristãos, os inocentes, segundo o Cristianismo." "... O Natal, é uma festa universal onde a música Divina enche os corações de alegria." "... eis aqui em pálidas e singelas palavras a transcrição das grandes festas dos tempos que passaram, festas estas que tinham resplendor e devotamento em cada um chorão da velha guarda, no correr do ano". Vemos então que os chorões eram presença obrigatória nas oito principais festas do ano, sendo sete do calendário religioso e o carnava. Além destas festas, os chorões também alegravam as festas de casamento e batizado e as inesquecíveis serenatas, muitas vezes improvisadas. Para nosso conhecimento, continua o mestre Tinhorão: "As festas - chamadas então de pagodes - compreendiam como ponto de honra para o dono da casa o fornecimento de boas comidas, inclusive para os componentes dos choros,..., quenao era confidado para todar, "perguntava logo se tinha pirão, nome que se dava nos pagodes, quanto tinha boa mesa e bebida com fartura". E claro que as festas juninas não ficavam de fora do calendário festivo dos antigos chorões!

Marcelo Bizar


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