Revista Sarau Subúrbio # 17

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EXPEDIENTE Edição: V. 2, n. 8 - Setembro de 2019

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Periodicidade: mensal

Revisão: a revisão dos textos é feita pelo próprio autor, não sofrendo alteração pela revista (a não ser tão-somente quanto à correção de erros materiais). Diagramação: Marcelo Bizar Capa: Marco Trindade e Marcelo Bizar Arte e Grafismo: Marcelo Bizar e Marco Trindade Foto capa e contra-capa: Marco Trindade Imagens: as imagens não creditadas são da Internet. Distribuição: A distribuição da Revista Sarau Subúrbio é online e gratuita. A leitura da revista pode ser feita em seu sítio: https://revistasarausuburbio.com.br e nas plataformas online ISSUU e Calamèo. Notas importantes: A Revista Sarau Subúrbio é uma publicação totalmente gratuita, sem fins lucrativos. Não contamos com patrocínio de qualquer natureza. Nosso objetivo, em linhas gerais, é servir de instrumento para que os artistas que não possuem espaço de divulgação nas mídias tradicionais possam apresentar seus trabalhos, nas mais variadas formas, seja na literatura, na música, no cinema, no teatro ou quaisquer outras vertentes artísticas, sempre de forma livre e independente. Todos os direitos autorais estão reservados aos respectivos escritores que cederam seus textos apenas para divulgação através da Revista Sarau Subúrbio de forma gratuita, bem como a responsabilidade pelo conteúdo de cada texto é exclusiva de seus autores e tal conteúdo não reflete necessariamente a opinião da revista. Editores Responsáveis: Marcelo Bizar e Marco Trindade Conselho editorial: Marco Trindade, Marcelo Bizar, Silvio Marcelo, Kátia Botelho Contato: sarausuburbio@gmail.com


EDITORIAL Nosso caldeirão suburbano continua a todo vapor, mas com um tempero especial de saudade. Embalados pelos festejos de Cosme e Damião, dividimos o sentimento de alegria, típico da criançada, com a emoção do Adeus. No sábado, 17 de agosto, aos 73 anos, fez a passagem o Sambista Ivan Milanez. Cria do morro da Serrinha, integrante da Velha Guarda Show do Império Serrano, compositor, percussionista de mão cheia, gravou com grandes nomes como Beth Carvalho, Jorge Aragão, Zeca Pagodinho e Alcione, só para citar alguns. Figura fácil nas rodas de Samba da cidade − parecia possuir uma espécie de onipresença − Milanez estava presente em todos os Sambas ao mesmo tempo. Mas apesar de sua popularidade, há pouco registro escrito do seu trabalho, dessa forma a Revista Sarau Subúrbio além de prestar-lhe uma pequena homenagem, busca também incentivar outras publicações sobre o sambista. Vai na paz, Milanez, que daqui do nosso Subúrbio nós vamos segurando as pontas, entre lágrimas e risos, seguindo nosso caminho, pois a Patota de Cosme protegerá o nosso amanhã.

NE G R O C O NG O (Ivan Milanez/Bandeira Brasil) Sou negro congo caxambu Eu sou jongo (bis) Sou negro jongo sou raça lá da Serrinha eu sou, Lá da Serrinha amor, lá da Serrinha doutor Nego canta negro dança pisa forte na raiz Mesmo dentro da tristeza Mesmo assim ele feliz


SUMÁRIO 02 03 04 05 06 0708 09 11 12 13 15 16 19 20 21 22 24 25 27 28 30 31 32 33

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EXPEDIENTE EDITORIAL SUMÁRIO 27 DE SETEMBRO MILANEZ! QUE SIGA EM PAZ INTENSIFICANDO O BRILHO DO CAMINHO DE LUZ! PRECISAMOS DEMAIS DE MANOEL DE BARROS CONVERSA DE BRECHT COM DRUMMOND - PARTE II CAPITÃES DE AREIA: PASSEIO PELOS SUBÚRBIOS SOTEROPOLITANO E CARIOCA 60 ANOS SEM DOLORES DURAN POEIRA E PÓ IVAN MILANEZ A VOZ DO OPRIMIDO IVAN MILANEZ, MEU REI O ESCARAVELHO DO DIABO ESTANTE SUBURBANA VITROLINHA SUBURBANA IVAN MILANEZ: POUCOS REGISTROS DE UM NOME IMPORTANTE PARA A VOLTA DO SAMBA NA LAPA POEMA PRO MILANEZ MANEIRO O HOMEM QUE VIROU JUMENTO UM LUGAR NO SUBÚRBIO FESTAS POPULARES E POLÍTICA: O COSME E DAMIÃO DE TENÓRIO CAVALCANTE COSME, DAMIÃO E DOUM HOJE NÃO TEM FESTA CARNE DO LIVRO A TEMPOSIÇÃO DAS ALMAS ÍNCUBAS - O OITAVO ALQUIMISTA E IVAN MILANEZ MANEIRO BLOG DO TIZIU


2 7 DE S E T E M B R O Cante um samba doce irmão Cante um samba assim Cante um samba para mim Para São Cosme e São Damião Santos meninos da cura Jovens de doçura Contra toda forma de usura A bondade pura Cante um samba doce irmão Cante um samba assim Cante um samba para mim Para São Cosme e São Damião Vocês são meus padrinhos E humilde peço proteção Que iluminem meus caminhos Amados São Cosme e São Damião Cante um samba doce irmão Cante um samba assim Cante um samba para mim Para São Cosme e São Damião Eu tenho vocês como guias E não temo a tempestade Pois minha fé dia a dia É a certeza da felicidade Cante um samba doce irmão Cante um samba assim Cante um samba para mim Para São Cosme e São Damião Douglas Adade


MILANEZ! QUE SIGA EM PAZ INTENSIFICANDO O BRILHO DO CAMINHO DE LUZ!

Invariavelmente, no Samba na Fonte, quando o encontrava, Ventilava no seu ouvido, alegre e festivamente: Aí Milanez! Felizmente chegou a sua vez!... E ele cantava, Na sua voz rouquenha, para meu deleite, efusivamente: Maneiro, maneiro, maneiro!... Misto humano e entidade. Irradiava revigoranteenergia,sem mesquinhez, Liberando essências da sua aparente serenidade. Agora repito com tristeza: Aí Milanez! Infelizmente chegou a sua vez!... Não somos eternos na casca, sim no que de bom plantamos na nossa jornada, Ecom o que semeaste na terra, nesta sua estada, Zênite ficou mais azulado com a sua chegada.

Kaju Filho


PR E C I S A M O S DE M A I S DE M A N O E L DE B A R R O S

Minha filha escreveu... Manoel de Barros "Algumas horas depois, recebo mais uma mensagem. Dessa vez, de uma amiga. "Manoel de Barros morreu". Assim. Seco. Senti um vazio. Já sei que somos pequenos, me achei menor ainda. Me senti órfã. Chorei como se perdesse um amigo, ou, como muito bem meu pai disse, um avô. Meu avô poeta. Fui escrever que estava chorando de soluçar e com o corretor do celular, saiu "Estou chovendo de soluçar". E, de fato, estava. Achei bem manoelino. Respirei fundo e liguei pro meu pai pra contar a notícia triste. Já que tinha sido ele que tantos anos antes me apresentara às manoelices lindas. Manoel, desde então, faz parte da minha vida. Não só quando lia seus versos, mas no meu modo de ver as coisas, as insignificâncias. A molequice e humildade passaram a ser características do meu olhar também. Ontem mesmo, tive a sensação de ter sentido o primeiro pingo da chuva. O pingo mais apressadinho de toda a chuva veio cair justo na ponta do meu nariz... Gostei da sensação. Me deu aquele sorrisinho de canto de boca, sorrisinho que invariavelmente suas palavras me causam. Tenho o Manoel na cabeceira, na cabeça mesmo. Leio triste, feliz, quando estou com saudade de algo que nem sei o que é... acho sempre o conforto ali. E, na última insônia, descobri, no Livro Sobre o Nada, um autógrafo seu. Desbotado, quase sumindo... e pensei nele, que com quase 98 anos estava desbotando dessa terra também... Lembro também de quando vi pela primeira vez o Manoel. Durante muito tempo, o li sem saber a cara dele. Descobri quando meu pai me deu a Caros Amigos com ele na capa. Pensei "não podia ser mais verdade". Era como se me reconhecesse. O baque da morte dele foi grande, mas o dia mesmo me preparou pra notícia. Não foi à toa que acordei com o coco do Mestre Verdelinho. O coco ensinou horas antes que tudo é comida pra terra, com o seu grande poder. Até ele que amarrava o danado do tempo no poste. Como disse outro amigo, a saudade já é grande, Manoel! Obrigada! #manoeldebarros Bia Aparecida

Do r i n a G u i m a r ã e s


CONVERSA DE BRECHT COM DRUMMOND - PARTE II

Não se divide à metade O que já não existe O inteiro é do outro O quinto é do roto A terça é demais A falta é natural O preço não é justo O troco é para quem paga A moeda é o verbo A ação é apressada A dor é solitária A música some O riso fica preso O preso tem preço O preço tem prazo O prato tem fundo O bolso tem dono O sono se esconde Os olhos cochicham A língua estremece A flor envelhece A terra adoece Escrevo sobre o nada Isso é tudo! Silvio Silva


CAPITÃES DE AREIA: PASSEIO PELOS SUBÚRBIOS SOTEROPOLITANO E CARIOCA

Publicada em 1937, a obra Capitães da Areia, de Jorge Amado, teve o início muito atribulado por conta do momento sensível socioeconômico e político pelo qual passava o Brasil. No regime do Estado Novo, a trupe getulista exigiu que apreendessem a primeira edição do livro e queimassem os exemplares em praça pública de Salvador devido a conteúdos comunistas e discussões sobre assuntos que não se aplicavam ao país naquele momento, segundo as autoridades da ditadura. Parece, na verdade, mais uma ação inexplicável de um regime déspota que não reconhecia verdadeiramente as mazelas que habitavam o nosso território. O conteúdo da obra amadiana, aliás de todos os seus textos, reflete, nada mais nada menos, o descaso governamental a jovens que moram num trapiche abandonado próximo às docas da capital baiana. Ainda que esses menores abandonados cometessem pequenos delitos e usassem drogas lícitas, justo é discutir aqui o espaço em que os Capitães habitavam na cidade, o quanto eram repelidos pela sociedade que os rodeava e as costas dadas pela igreja católica aos meninos. O subúrbio de Salvador era muito bem conhecido pelo grupo. Andavam e caminhavam pelas ruas com propriedade e senso de pertencimento. Tudo isso é muito importante destacar porque os meninos abandonados tinham, como se vê, uma relação muito amistosa com o ambiente em que viviam. O subúrbio não os afastava. Muito pelo contrário, os convidavam a habitar um espaço acolhedor. Quem os agredia era a sociedade salvadorense. Principalmente a parte social que já se organizava em torno do acúmulo de bens materiais e não os queria distribuir. Situação bem ilustrativa em relação à sociedade do século XXI: vê-se no Rio de Janeiro, em particular no nosso amado subúrbio, uma massa gigantesca de moradores de rua que revela naturalmente aos nossos olhos vorazes o descaso de inúmeros governos negligentes. E claro de um sistema capitalista ineficiente que só separa, segrega, põe em guetos os que não têm poder de compra. Afinal, há muitos grupos de Capitães da Areia espalhados pelos grandes centros urbanos que, por tão ricos, não conseguem tirar da invisibilidade os que querem ser percebidos. É impossível entender o subúrbio somente como um aglomerado de casas, linha férrea, bares, ruas, entre tantas outras coisas. O subúrbio é essencialmente composto por personagens. Transeuntes de diversos tipos. E os moradores de rua também fazem parte do universo suburbano. Como não? Pertencem ao cenário caótico. São elementos fundamentais que ratificam a todos que o ambiente, o espaço pulsa. Sangue quente. Fervendo. Suor. Como deixá-los às margens neste momento? Lembrá-los é resgatar histórias ainda que sejam tristes.


Jorge estava certo ao morar com os meninos, mesmo por pouco tempo, para compreender na pele o que sofriam. Descaso. Negligência daqueles que nunca se esperam as costas. As igrejas na história se fechavam para os Capitães. Hoje oferecem a marquise que serve, na real, para proteger alguém da chuva e do sol. Lembre-se da Candelária, saliente leitor? Subúrbios são todos iguais. Não sei precisamente iguais. Mas se parecem. Ponto. Talvez tenhamos a mesma ideia com esse meio termo. Em cima do muro. Salvador e Rio de Janeiro se aproximam com a crônica-denúncia do nosso velho Amado. Ateu que adorava os Orixás baianos. Contradição saborosa que a vida nos apresenta, né? Creio num futuro em que as pessoas abrirão as portas para os Capitães da Areia de todos os lugares. Vejo as igrejas os acolhendo. Lá dentro. Isso. Naquele lugar que tanto me parece vazio. Infuncional. Criei agora. Os governos se abrirão. Adotarão políticas que resgatarão histórias. Tristes e felizes. Mais felizes do que tristes. Quem sabe. E por fim os subúrbios sorrirão. Gargalhadas soltas nos botecos de esquina. Bola de meia. Bola de gude. Pião. Jogo de botão. Garrafão. Pipa. Bicicleta. Capitães soltos e livres aparecerão. Surgirão a todos os lados. Perdoe-me os ecos, a assonância. Viva São Cosme e São Damião. Leonardo Bruno


60 ANOS SEM DOLORES DURAN

Nascida Adiléia Silva da Rocha, em 1930, no bairro da Gamboa, logo migrou para Irajá e daí para Caxias, onde aos 6 anos já demonstrava talento precoce de cantora infantil premiada no Programa de Ary Barroso. Precoce também foi o surgimento de problemas cardíacos, revelados aos 12 anos. Autodidata, cantava em diversos idiomas e ao perder o padrasto aprendeu a costurar e fez amizades que abriram caminhos para cantar na zona sul carioca, já rebatizada de Dolores Duran, onde virou a Sarah Vaughan brasileira. Também despontou como compositora, em Estrada do Sol (é manhã, vem o sol/ mas os pingos da chuva que ontem caiu/ ainda estão a brilhar/ ainda estão a dançar...). Logo após casar com o ator Macedo Neto, em 1954, sofreu um enfarte. Recuperada, voltou à noite e aos sucessos, despontando até no filme Rico ri à toa, cantando o samba Tião, de Wilson Batista: “dá um jeito, sai do morro/ pra esquecer a Conceição/ se não Tião, você não chega aos trinta não...”. Em 1958 adotou a pequena Fernanda e excursionou à União Soviética, com Jorge Goulart e Nora Ney, mas discordou da rígida programação e se mandou para Paris com (o já namorado) Paulo Moura. Também emplacou outro sucesso, A banca do distinto, de Billy Blanco, (“não fala com pobre/ não dá mão a preto/ não carrega embrulho/ pra que tanta pose/ pra que tanto orgulho). No dia 24 de outubro de 1959, Dolores voltou de uma festa, já com o dia amanhecendo e sua filha desperta. Depois de um banho com a criança, avisou a empregada para não ser incomodada tão cedo, pois “ia dormir até morrer”. Infelizmente, foi o que ocorreu: um infarto fulminante matou a cantora de apenas 29 anos, para consternação de todo o meio musical e de seus inúmeros fãs. O


POEIRA E PÓ

Poeira subindo, pés no chão Cabelos ao vento, coração. Vou seguindo pela estrada Procurando a vida Nessa louca caminhada. O suor escorre no rosto A fome, a sede, o desgosto! Caminhada de agonia E no peito solidão que arredia. Vai o Sol e vem a lua. E eu ainda solto na rua Procurando pela vida Que jazia esquecida! Pelo povo da grandeza Que do pobre sem pensar Já tirou a Natureza... Vou seguindo a minha sina Nessa estrada de ilusão. Mãos e pés calejados À procura de um tostão! Eu sou filho do Brasil Tenho a Paz no coração. A vida é uma batalha Deus me deu a direção! Vou fazendo a minha parte Para cumprir minha missão! Mas os homens da grandeza Veem o povo em desatino E ainda lhe tiram o pão!!! Junior da Prata


IVAN MILANEZ

Eu e Geisa Ketti conhecemos o Ivan Milanês no inicio da década de 1990, quando passamos a frequentar a Roda de Samba dos Arcos da Lapa, organizada por ele, Marquinhos de Oswaldo Cruz e Renatinho Partideiro. Uma multidão presente, parecia até carnaval, muitas barracas, muitos camelôs, nossa, quanta gente para consumir. Dentre as barracas e (não trailer),uma que se destacava era a da Romana Antônia que na época vivia com o nosso personagem. Caldos e cervejas geladas, era com ela mesma. Grandes nomes do samba sempre presentes, era lindo de se ver. Zé Ketti, Nelson Sargento, Monarco, Dona Ivone Lara, Wilson Moreira, Delcio Carvalho, Baianinho da Em Cima da Hora, Darcy da Mangueira, Surica, Casquinha, Jair do Cavaquinho, Argemiro Patrocínio, Dona Doca, Bandeira Brasil, Marquinhos Diniz, Zé Luiz do Império e outros nomes. Na época a Lapa era abandonada, não havia ainda Casas de Samba. O trio Ivan Milanês, Renatinho Partideiro e Marquinhos de Oswaldo Cruz levavam verdadeira multidão pra lá. Entre os frequentadores das Rodas estava sempre presente o produtor Cultural Lefê de Almeida. Um cara branco que frequentava os ensaios da Portela, da Mangueira e do Império Serrano, ele conhecia grande parte das obras de Zé Ketti e Wilson Moreira. Quando aquele movimento terminou e Monarco começou a fazer uma Roda de Samba no Lapazes, uma Associação dos Servidores do Serpro, ali no começo da Rua da Lapa e que era um sucesso com os grandes sambistas, muitos daqueles frequentadores da Roda de Samba dos Arcos da Lapa. Lefê de Almeida aproveitando o momento começou uma Roda de Choro e Samba num Antiquário localizado na Rua do Lavradio, número 100, conhecido como Empório 100. Mais tarde alguém teve a ideia de pegar um casarão antigo e abrir como Casa de Samba batizada de Carioca da Gema, cuja produção foi entregue a Lefê de Almeida, um sucesso. A mídia começou a elogiar e enchia tanto que ficava muita gente de fora. Foi aí que surgiu a ideia por outro alguém de pegar a casa ao lado, surgia o Supremo Musical que absorvia o publico que não conseguia entrar no Carioca da Gema. E assim foram surgindo outras Casas de Samba ali pela Rua Mem de Sá na Lapa. E a Lapa é o que é hoje.


Deixei de contar um pouco da história do Ivan Milanês, para mostrar o quanto ele, Renatinho Partideiro e Marquinhos de Oswaldo Cruz foram importantes para o renascimento da Lapa. No inicio dos anos 2000, Elton Medeiros realizou um projeto no Centro Cultural Banco do Brasil, um tributo a Zé Ketti que havia apresentado de quinta a sábado. Cada dia uma atração cantava Zé Ketti, um sucesso. Num desses dias quem cantou Zé Ketti, foi Dona Ivone Lara e a Velha Guarda do Império. Neste dia quem estava lá cantando como membro da Velha Guarda? Ivan Milanez. Onésio Meirelles


A VOZ DO OPRIMIDO Com a crise, a madame precisou ir ao Mercadão de Madureira e andou de trem pela primeira vez na vida. De família tradicional, o único parente próximo que andava pelas bandas do subúrbio era o sobrinho, que participava de movimentos sociais na região. Um dia ela o questionou sobre a desnecessidade de ir até a periferia, pois os políticos que tinha que fazer pelos pobres. Não vou lá fazer nada por ninguém, tia. Os pobres não precisam disso. Só precisam que ter voz. Quando a madame percebeu, o trem já estava em movimento. Chocou-a, para além da sujeira, da aglomeração (e olha que pegara o contrafluxo) e da falta de conforto, a pobreza dos vendedores ambulantes. Uma velhinha, um cego e uma criança, aos berros, tentando vender produtos infinitamente variados. Alho. Pilha. Pente fino. Fone de ouvido. Cotonete. Acabou a miséria no seu café da manhã, é creme cheese. Quanta tristeza, meu deus do céu. Tristeza porque não é você que come margarina, dona. Contudo, com o passar das estações, ela notou que os vendedores conseguiam ganhar algum dinheiro. Melhor que o desemprego lá fora, dona. Ainda assim compadeceu-se. Até que um rapaz de vinte e poucos anos entrou no vagão carregando um isopor enorme. Dos idosos, das crianças e dos cegos, tudo bem, vá lá, mas desse aí não tenho pena, é um homem na flor da idade, agüenta o trabalho. (Era da idade de seu sobrinho.) Ao tentar anunciar seus picolés, porém, saiu da boca do rapaz um sussurro. Ele, por mais que se esforçasse, que sua artéria da garganta quase explodisse, não era ouvido. Estava rouco. Diferente da velha, do cego e da criança, ninguém o ouvia e ele não vendia nada. Isso é laringite das brabas, dona. O pobre precisa ter voz, ela entendeu na prática. J o n a ta n M a g e l l a


IVAN MILANEZ, MEU REI

Como quase todas as pessoas do Rio de Janeiro conheci Milanez há muito tempo nas rodas de samba, mais especificamente no Cacique de Ramos, era mais velho que eu, mas sempre dizia “no nosso tempo”, achava muito legal, porém ficamos mais próximos muitos anos depois no Movimento Cultural de Samba Inédito e Autoral Samba na Fonte, que acontece toda terça-feira no Botequim Vaca Atolada na Lapa A Lapa foi revitalizada por ele, fez a cultura negra ressurgir, o samba florescer como conta meu Pai e os envolvidos na época. Sempre chegava no Vaca para cantar um samba, vinha devagar as vezes no último set, bebíamos cerveja, fumávamos um cigarrinho e contávamos “causos”, sempre prestava atenção na minha música e seus comentários eram lindos e de total incentivo, me sentia muito lisonjeada, era um homem especial, que podia ter um modo de viver pra muitos diferente , mas que entendia a alma feminina e tinha amor no coração. Eu o chamava de meu Rei e ele me chamava de minha Rainha e sempre associava sua vida a minha querida amiga, rainha permanente Romana que tinha sido sua esposa por mais de20 anos, mas nunca perdeu este posto para os seus amigos pelo imenso carinho, duas pessoas queridas, com as quais gostava muito de conversar e conviver bebendo na sabedoria de ambos. Uma das filhas de Romana disse em nossa despedida no Cemitério de Irajá, que não perdeu um pai, mas sim o avô de seus filhos, por sua dedicação e carinho, o neto não conseguiu ir ao enterro, disse a filha, foram muitos anos de convivência não podia deixar de vê-lo assim como uma pessoa que tinha todo amor. A perda é um momento de se fazer acertos e recuperar coisas que só o amor pode revelar. No dia 17 de agosto que me preparava para ir a uma festa de família aonde as pessoas que lá estavam conheciam Milanez, não sabia que ia me sentir tão triste com a sua partida, soube na hora que estava saindo de casa. Nossas conversas sempre iam para Serrinha, seus pais e Tia Ivone (como se referia a D. Ivone Lara) e o Império Serrano que amava e era da ala de compositores e da velha guarda Show.


Eu faço Samba, um Projeto audiovisual criado para valorizar os compositores, sua vida e sua obra pelo compositor Luiz Fernando Cordeiro, do Samba na Fonte e também compositor do Império Serrano disponível no youtube, é uma ferramenta maravilhosa, para estudo e pesquisa. Ivan Milanez faz um depoimento livre, natural, falando da sua relação com o Samba e de alguns parceiros, gravação com vários cantores desde o inicio de suas atividades na música, esteve também com Rosinha Valença, violonista, compositora e cantora especial, que ficou em estado vegetativo durante os anos 90, mas não deixou de ser genial, gostaria de vê-lo trabalhando com ela. Diz no depoimento que quem lhe deu oportunidade foi o saudoso Roberto Ribeiro. Sua fala é pausada e firme e retrata um orgulho e um brilho no olhar de sua história tão bonita e nada exaltada pelos meios de comunicação, como acontece em nosso País com vários compositores e compositoras por falta de Políticas Públicas na Cultura que protejam legalmente o seu oficio e acabam morrendo em precárias situações financeiras. Milanez era um grande artista, sempre falava pra mim “tenho pouco estudo, gostaria de ter estudado, mas sabe como era naquela época”. Hoje espero que seja diferente e as pessoas tenham mais oportunidades, é necessário continuar lutando por ações afirmativas e inclusão, a arte seja qual for não pode ser desvinculada da Educação. Eu como uma mulher negra que conseguiu chegar à universidade e éramos 1% em 1983, uma estatística que não deve ser fidedigna, pois não se levava em conta a variação raça /cor e os lugares aonde se discutia eram muito poucos. Coisas que vieram na minha lembrança quando comecei a pensar a escrever sobre este querido amigo, pois muita gente não imagina que poderia falar sobre isto comigo, pois como um ser humano normal tinha suas vaidades. Mas em contrapartida sempre tive acolhimento e respeito, acima de tudo aprendi. Carioca, porém traz a força mineira, jongueira, a congada, raiz da sua ancestralidade, coisa bonita, pura e verdadeira do que é passado através da oralidade, um grande percussionista, bater qualquer um pode, mas poucos tem a batida do tambor na alma, Milanez seria capaz de chamar pra roda um iniciado e fazer com que o orixá desvelasse seus segredos, não precisa muitos paramentos e sim energia, luz, assim que percebo como uma pessoa compreende este Orô (segredos). O respeito ao mais velho, a experiência do outro era uma coisa própria desse homem que andava e estava em todos os lugares, observando cada pessoa e extraindo o melhor para a vida, sabedoria. Todo ano no carnaval dou uma passada na Gomes Freire, há 2 anos encontrei com Ivan Milanez no metrô da Carioca. Perguntei: Vem de onde? Respondeu – do Largo da Prainha, dormi lá. Eu disse: Vai pra casa descansar. Então ele disse: você está indo pra onde? Respondi: Vou para Gomes Freire.


Disse Milanez : então vou com você, não estou fazendo nada, vou lhe acompanhar. Então fomos andando, encontrando com todo mundo que conhecia. Foi uma tarde maravilhosa. Ficamos no Samba enredo no Armazém do Senado. Milanez é meu Ancestral, pra mim não morreu, é alguém que segue e que a qualquer momento esta chegando. Deixou uma marca, uma presença, várias lembranças, quero sempre falar sobre ele. Pois Milanez estará sempre presente.... Amo.

Márcia Lopes


O ESCARAVELHO DO DIABO

Você sonhava muito quando tinha 13 anos de idade? Lembra? Sonhava? Para onde teus sonhos te levavam? Você brincava, inventava, imaginava tudo numa leitura lúdica fascinante promovida dentro da sua cabeça, totalmente produzida ali, de dentro pra fora; e olha que ficava melhor ainda quando incitada pela leitura de um livro. Eram as letras que permeavam toda uma estrutura de conexões complexas em nosso cérebro infantil, e que disparavam gatilhos mentais imagéticos proporcionais ao tamanho dos nossos sonhos coloridos de felicidade incontida nos jogos inventados e construídos sobre a forja de uma época explorada por nós, lá se foi tempo em que as coisas todas eram de dentro pra fora. Minha prosa agora se volta aos tempos atuais, esse momento em que as crianças de 13 anos de idade sonham de fora pra dentro; todo o imagético é forjado desde os 3 anos de idade via meios externos como celulares e tablets, essa época está engolindo todas as possibilidades de criação; formando uma geração de adultos incapazes de sonhar , muitos infelizes sem decifrar que a época os está devorando , o mundo de fora pra dentro é totalmente imagético, portanto as conexões cerebrais são outras , os estímulos e a motivação estão associados a telas digitais que acabam pontuando sonhos desconectados de motivações espontâneas gerando inércia e frustrações continuas, principalmente quando não se está online. Pode ser que a cura para essa era digital esteja no veneno avassalador até aqui produzido ciberneticamente e injetado sem controle em jovens mentes sem fome de tudo, paralisadas pela época que invade a cabeça de todo mundo e acelera de forma nunca vista a implantação de uma nova cultura na formação do modelo mental da humanidade, os estudos para compreensão disso tudo irão dosar o lugar aonde se quer chegar, definindo inclusive quem vai poder sonhar de dentro pra fora e de fora pra dentro. Você já leu “o escaravelho do diabo” escrito por Lucia Machado de Almeida em 1974? Se você já leu imagine ele agora como como um “Game” na tela da sua “Smart TV”. Consegue imaginar?


ESTANTE SUBURBANA

O CORPO ENCANTADO DAS RUAS autor: Luiz Antonio Simas editora: Civilização Brasileira


VITROLINHA SUBURBANA

Ivan Milanez. Maneiro


IVAN MILANEZ: POUCOS REGISTROS DE UM NOME IMPORTANTE PARA A VOLTA DO SAMBA NA LAPA Os registros de samba cantados ou feitos por Ivan Milanez, falecido no dia 17 de agosto, são poucos. Não está sendo falado sobre o Ivan músico e percussionista, constante em discos de Roberto Ribeiro e Zeca Pagodinho, nos anos setenta, oitenta e início dos anos noventa, por exemplo. O que se nota, entretanto, é que se tem pouca coisa do Ivan cantor e compositor. Com certeza, o registro mais famoso é "Cada Um no seu Cada Um" (de Carica e Prateado), do disco "Alô Mundo" de Zeca Pagodinho, de 1993. Ivan dividiu a música com Zeca. Apesar de ter sido executada na novela global "A Viagem" de 1994, este foi o disco de Pagodinho feito pela BMG, menos executado, antes da levantada na carreira do cantor com o disco "Samba Pras Moças". Mas aí, Ivan já não era mais músico de Zeca. Teve um samba gravado pelo grupo "Raça", dele em parceria com Marquinhos de Oswaldo Cruz e Edgard, "Vem cá". Porém, esse samba ficou no esquecimento, pois o próprio Marquinho seria responsável pela grande virada na carreira de Ivan e da Lapa, ao montar a roda de samba de raiz no pé dos "famosos arcos", no Bar do Jair, no segundo semestre de 1997. Ali, em uma roda que também tinha no comando Renatinho Partideiro e Ivan, não podia tocar os grupos de pagode que invadiam as rádios nos anos noventa (Soweto, Só Prá Contrariar, Raça Negra, Molejo etc). Era o chamado "neo-pagode" como definiu Ivan em uma entrevista na Rádio Comunitária Bicuda da Vila da Penha em 2000, comparando o samba descartável ao neoliberalismo de FHC, que dava as cartas no país naquele período. O grupo Raça acabou entrando nessa categoria. Depois, Ivan gravaria no disco "Partido Alto & Cia" com o Grupo Frente de Botequim. Ele cantaria quatro faixas: "Lá Vai Viola" e "A volta" (Candeia), "Defeito de Mulher" (Velha) e "Minha Preta" (Anézio). Esse disco é uma raridade e só sei do mesmo pelo fato de tê-lo recebido de presente do próprio Ivan. Em 2000, ele gravaria no primeiro disco de Marquinhos, junto com ele e Renatinho, um poutpourri de partido alto ("Olha a saia dela"/"Muito embora abandonado"/ "Limoeiro, limão", o primeiro e o último de Domínio Público e o segundo de Mijinha). E entraria com uma parceria com Marquinhos e Xande de Pilares, "Ouro e Tesouro". Nesse mesmo ano de 2000, ingressaria na Velha Guarda do Império Serrano, onde cantaria em sete faixas do primeiro disco: "Império Tocou Reunir" (Silas de Oliveira e Dona Ivone Lara, sua ídola), "Não me perguntes" (Mestre Fuleiro e Dona Ivone), "O poeta e a natureza" (Osório Lima e Mano Décio da Viola), "Bálsamo da Paz" (Osório Lima), "Serra dos Meus Sonhos" (Carlinhos Bem Te Vi), "Obsessão" (Osório Lima e Mano Décio da Viola) e "Triste Destino" (Adilson Negão).


O primeiro disco do Galocantô, "Fina Batucada", de 2007, do qual ele participa como músico e cantando uma faixa com a Velha Guarda do Império Serrano ("Apesar do Tempo", Zé Luís e Ratinho), é dedicado a Ivan. Afinal no bar do JR da rua Joaquim Silva na Lapa, em uma roda de samba comandada por ele e sua companheira Romana, houve o encontro do grupo de jovens do "Além da Razão" com sambistas que frequentavam a roda e daí surgiria o Galocantô. E mais do que isso: a roda de Ivan e Romana trouxe o samba de raiz de novo com força para a Lapa, já à época invadida pelo samba de classe média. Em seguida, no segundo disco de Marquinhos Oswaldo Cruz, Ivan entraria com uma composição: "Vai ó nega", em parceria com o próprio Marquinhos. No início desta década, teria a sua divertida parceria com Antonio Amaral, "Cubanita", gravada por Gallotti. Mas foi no seu disco de 2012, produção independente, que Ivan pode, enfim, mostrar as suas composições: o contagiante partido alto "Lado Oposto" (parceria com Wanderley Monteiro), "Primavera" (com Joel Luiz e Mauro do Cavaco), "Embala no Mar" (com Dinoel Sampaio), "Boiadeiro Noavisala" (com Edimar Guiã), "Maneiro" (com Cisinho e MC Colibri) e as empolgantes "Negro Congo" e "Tia Quelé" (ambas com Bandeira Brasil), dois jongos. E cantando com Fernando Madureira duas de suas músicas preferidas, belíssimas, anteriormente interpretadas por seu ídolo e amigo, Roberto Ribeiro: "Amor de Verdade" (Flávio Moreira e Liete de Souza) e "Bate Coração" (do próprio Roberto e Toninho Nascimento). Ficou por aí. Talvez mais alguma coisa que escape a esse artigo. Muito pouco para tudo que o "Negro Congo" fez pelo samba. Alex Brasil Historiador


PO E M A PR O M I L A N E Z M A N E I R O Um bom Negro Congo Se embala no mar Seja na Lavradio 106 Ou no Império dos Aruás É início da primavera Vejo a Lapa em 3 tempos A Lapa de Ivan Milanez. O sambista por ela tem amor de verdade Bate coração em sua boemia Conhece esse e seu lado oposto Cada um no seu cada um E cuida de todos os seus boêmios como um boiadeiro Pois é hoje, como sempre, Seu eterno sambista Ivan Maneiro

Malkia Usiku

*As palavras e frases sublinhadas são os títulos das faixas do CD Ivan Milanez Maneiro, lançado em 2012


O H O M E M Q U E V I R O U J U M E NT O

A história que vos falo não é ficção Poderia pensar algum desavisado foi retirada ao talo da televisão As cenas eram fortes, foi tudo explicado! Um homem passava os dias no feicebuque e uatizape Deixando bem longe de si os livros na instante Vivia com os olhos pregados no seu app Não demorou muito e virou um tremendo ignorante Até no iutube ele abriu um canal Defendendo o terraplanismo com garra E ficava horas sentado na cadeira de pau Postando suas ideias, abrindo os cérebros na marra Teses mirabolantes surgiam do seu celular E uma delas publicou num textão "Pra salvarmos o planeta devemos defecar Não todos os dias, mas dia sim, dia não!" Dizia que seu legado seria importante Sendo um grande influencer e iutuber Mas enchia sua panela mesmo no volante Sendo mais um explorado pelo Uber Buscando sempre e mais se aperfeiçoar Dizia: "Meu cérebro eu sempre malho! Pra minha inteligência ninguém penhorar Faço curso online do Olavo de Carvalho" "Hoje sei da farsa que foi Galileu E o tal de Einstein era por si só um agravo! Jamais enganam quem já aprendeu A contra-conspiração vinda do 'Aiatolavo'!"


J o n a s H ĂŠ b ri o


UM LUGAR NO SUBÚRBIO

Quadra da Império Serrano

Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano é uma das mais tradicionais escolas de samba da cidade do Rio de Janeiro. Nasceu a 23 de março de 1947, a partir de uma dissidência da antiga escola de samba Prazer da Serrinha. Sua Ala de Compositores é uma das mais respeitadas, tendo em sua história nomes como Silas de Oliveira, Mano Décio, Aniceto do Império, Molequinho, Dona Ivone Lara, Beto sem Braço, Aluísio Machado, Arlindo Cruz, só para citar alguns dentre tantos. Sua história é coroada por sambas considerados clássicos do samba enredo como Aquarela Brasileira (1964) e (2004), Os Cinco Bailes da História do Rio (1965), Heróis da Liberdade (1969) e de ser a primeira escola a implementar destaques. O Império Serrano teve origem no Morro da Serrinha, vertente oeste da Serra da Misericórdia, entre os bairros de Madureira e Vaz Lobo. A região foi povoada, no início do século XX, por moradores expulsos do centro da cidade e ex-escravos. Os habitantes da localidade cultivaram tradições populares como os blocos carnavalescos familiares e as rodas de samba e de jongo. Diferente de outros logradouros onde o jongo deixou de ser praticado, na Serrinha a tradição foi mantida, com a criação da ONG Jongo da Serrinha e da Casa do Jongo. Na região, havia também o bloco Cabelo de Mana, organizado por Alfredo Costa e que, em 1930, originou a escola de samba Prazer da Serrinha, também comandada por Alfredo e sua família. QUADRA DA ESCOLA DE SAMBA IMPÉRIO SERRANO Endereço: Av. Min. Edgard Romero, 180 - Madureira, Rio de Janeiro - RJ, 21350-320 Telefone: (21) 3124-3745 Texto retirado da página do Império Serrano.


FESTAS POPULARES E POLÍTICA: O COSME E DAMIÃO DE TENÓRIO CAVALCANTE O mês de setembro no subúrbio carioca e na Baixada Fluminense é tradicionalmente marcado pela distribuição de doces e brinquedos em comemoração ao dia de São Cosme e São Damião. Neste artigo, gostaria de destacar como tal festa foi explorada politicamente por uma das mais lendárias figuras da política do estado do Rio de Janeiro: Tenório Cavalcante. Nascido no interior de Alagoas, Tenório Cavalcante começou sua carreira política no município fluminense de Duque de Caxias chegando a ser eleito deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro. Sua vida foi marcada por uma série de polêmicas, principalmente pelo fato de Cavalcante conjugar sempre política com violência, algo que nunca foi negado pelo próprio político. Ele ficou conhecido como “O homem da capa preta”, e por debaixo desse traje escondia a sua inseparável metralhadora “Lurdinha”. Tendo nascido no dia 27 de setembro, mesmo dia dos santos católicos, Tenório Cavalcante soube explorar bem esse data. Em seu jornal A Luta Democrática, no dia de Cosme e Damião sempre era anunciada a programação da festa promovida pelo político. À porta da sua casa em Caxias (conhecida como Fortaleza) formava-se uma enorme fila de crianças e adultos que vinham em busca de doces e donativos. Em alguns bairros no município do Rio de Janeiro também havia homenagens a Tenório. O auditório da Rádio Difusora de Caxias também foi usado como lugar de “farta distribuição de balas e doces”, sucedida de show de artistas de rádio, cinema e televisão. Entretanto, o cenário político muda drasticamente com o golpe militar de 1964. Tenório tem o seu mandato cassado e passa o seu aniversário daquele ano preso. No ano posterior, já solto, o ex- deputado voltou a distribuir doces, porém sem a pompa de outros tempos. A carreira política do Homem da Capa Preta entra em rápido declínio, e ele recolhe-se em sua chácara no interior de Caxias, a Vila São José.


Tenório faleceu em 1987. Sua história virou filme protagonizado por José Wilker em 1986. Sua fama permanece até os dias de hoje, e com certeza marcou a infância de muitos habitantes de Caxias e adjacências que corriam todo dia 27 de setembro atrás das guloseimas de Cosme e Damião distribuídas pelo então líder fluminense.

A Luta Democrática, ed. 2039 de 27/09/1960.

Ana Cristina de Paula

Fontes: Jornal A Luta Democrática. Disponível em memória.bn.br SILVA, Claudio Araujo de Souza e. A Luta Democrática e a expressão pública de Tenório Cavalcanti no campo político do Rio de Janeiro. 8º Encontro da ABCP, Gramado, RS, 2012.


COSME, DAMIÃO E DOUM

Tinha então só oito anos de idade. Saímos às ruas pra catar doces de Cosme e Damião. Minha família era, e ainda é, de poucos recursos. Os mais abastados abriam suas garagens. Algumas casas que eu pensava não morar ninguém. Nunca via ninguém saindo delas. - Moça, os doces não são de Cosme e Damião? Perguntei numa dessas garagens. - Então alguém aqui fez errado. Na mesa tem três estátuas: duas grandes e uma pequena. Por quê? - O menorzinho é o Doum. - Doum? - Sim, Doum. - Ah, tá! Naquele ano os doces me pareceram mais doces ainda. E nunca mais esqueci aquela conversa. Antero Catan


HOJE NÃO TEM FESTA Bala Bala Bala O endereço é certo Bala Bala Bala O dorso negro Bala Bala Bala O corpo de menina Bala Bala Bala O sangue é o doce Bala Bala Bala Dos que se alimentam da morte.

Marco Trindade Poeta e Letrista


C A R N E DO L I V R O *

Quem me conhece Não me compra Sabe que não estou à venda Vendar meus olhos Não me assombra Pois tudo que tem alma vale a pena A pena singrou carne do livro Papiro sangrando no meu peito A palavra estranha meus defeitos E o espelho volta a ser vidro Vidrado no pensamento à solta Rodopio como um artifício O poema enfim vertido em lágrimas Que chovem do alto ao precipício Marcelo Bizar


A TEMPOSIÇÃO DAS ALMAS ÍNCUBAS O OITAVO ALQUIMISTA E IVAN MILANEZ MANEIRO O Oitavo Alquimista é um Boiadeiro. Eles vêm descendo sobre seus aparelhos como quem laça gados. Vibração e ambientação do lugar de trabalho. Trabalho espiritual inicial. Preparador. Bate-chão do terreiro. Os chicotes, laços e pontos harmonizam tudo e todos. Os médiuns são descarregados, os assistentes também o são. O terreiro é plenificado, os ambientes também o são. Quebrantam-se as energias desarvoradoras e desarmonizadoras. Cria-se um círculo de poder energético pósquântico. Outros guias chegarão também, quem abriu as portas e os protegerá na "descida" é o Boiadeiro. A prática da magia na terra deste Universo. O Universo que tanta magia possui entre as vãs Filosofias do "assim como é em cima é embaixo". Fogo, roda, ferro, agriculturas, pastagens. O Boiadeiro viu nascer todas as grandes invenções/magias do homem sobre/na/com/pela/para a Natureza. Pontos riscados, velas e rezas fortes, raízes e força vibracional ativa. O Yang. Como o dia, o sol, o duro, o masculino, o quente, a Lógica. Canções antigas falando do trabalho com o gado. A vida simples nas fazendas como pano de fundo para a meditação contínua sobre e com a Natureza. "Seu Boiadiero por aqui choveu. Choveu que amarrotou. Foi tanta água que meu boi nadou." O Boiadeiro tem a força pra renovar. Preparar caminhos sobre o que estava selvagem espiritualmente falando. Lembrei-me de uns versos de samba que o Oitavo Alquimista vive a compor. Nunca a termina, mas começa assim "Ivan Milanez, O Sambista Maneiro Agiu na Lapa como um Boiadeir Na Lapa do Rio de Janeiro." O Samba é um Boiadeiro também em diversos sentidos. A força de vontade, o trabalho, a ação sobre/para/com/na/para a Natureza, respeitando-a pois somos dela filhos.


As grandes caminhadas sob o sol, o sertão e as cavalgadas, o cotidiano do boiadeiro. Jalecos de couro, calças de bombacha, laços, berrantes e chapéus. Duas festividades por ano pois o trabalho é importante: crescimento espiritual. A meladinha: cachaça com mel de abelha ou o vinho, acompanhados de cigarro de palha (fumo de rolo) ou charuto. O seu dia é a quinta-feira. Feijão tropeiro, feijão de corda, feijão cavalo e carne de boi, dentre os bois que cuida. Mas também uma abóbora acompanhada de farofa de torresmo. E se chegam os boiadeiros: Boiadeiro Imbaúba, Boiadeiro Chapéu de Couro, Boiadeiro do Chapadão, Boiadeiro Navizala e outros tantos. Caboclos Sertanejos. Encantados para muitos. Acreditam-se em lendas que os Boiadeiros não morreram, são homens que se encantaram, transformando-se no arquetipo do Boiadeiros. Boiadeiro Bugre, Boiadeiro da Campina, Boiadeiro Menino. Ritmos vibrantes, alegres, vigorosos. São da Linha de Caboclos, mas têm funções próprias. Colocam eixo nos bois que se perderam no caminho, levando-os aos seus destinos (eguns, quimbas, obsessores). "Jetruá Boiadeiro", "Xetro Marrumbaxêtro". Os boiadeiros representam nossas superstições, nossas fés, nossos costumes, nossas miscigenações Saravá, Boiadeiros! Pazuzu Silva


Deixei a capa do CD Aos pés de Doum, Cosme e Damião Não consigo me esquecer Ouvi com muita emoção Era o CD de Ivan Milanez Grande sambista maneiro Que a boemia da Lapa refez Com a sisudez de um boiadeiro Todos divulgam o fato E isso é muito importante Milanez protagonizou o ato Que tornou a Lapa tão brilhante A boemia que fez História Andava há muito esquecida A Lapa, com passado de glória Estava agora escarnecida Onde morou Machado de Assis E muitos dos seus personagens Virou um lugar infeliz, grotesco em suas paisagens E também Carmem Miranda, Lamartine Babo e Madame Satã Na Lapa cantaram ciranda Tiveram a Lapa como irmã


Selarón com sua escadaria, Villa-Lobos e Lima Barreto. Jorge Amado e sua galhardia Na Lapa formaram coreto Silvio Santos e Manuel Bandeira, "O Amigo da Onça" e Orestes Barbosa Na Lapa estenderam esteira Viveram sua boemia garbosa Mas a esqueceram por inteiro A Lapa virou um lugar selvagem Só mesmo um bom boiadeiro Pra colocar ordem na pastagem E o sambista do Império Serrano O maneiro Ivan Milanez Trabalhou duro ano a ano E fez da Lapa essa fecundez Tiziu


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