Revista Sarau Subúrbio nº 16 - Agosto de 2019

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EXPEDIENTE Edição: V. 2, n. 7 - agosto de 2019

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Periodicidade: mensal

Revisão: a revisão dos textos é feita pelo próprio autor, não sofrendo alteração pela revista (a não ser tão-somente quanto à correção de erros materiais). Diagramação: Marcelo Bizar Capa: Concepção: Marcelo Bizar e Marco Trindade; Arte e Grafismo: Marcelo Bizar Foto capa: Floresta do Camboatá em Deodoro/RJ Imagens: as imagens não creditadas são da Internet. Distribuição: A distribuição da Revista Sarau Subúrbio é online e gratuita. Plataformas de leitura: https://revistasarausuburbio.com.br, ISSUU e Calamèo. Notas importantes: A Revista Sarau Subúrbio é uma publicação totalmente gratuita, sem fins lucrativos. Não contamos com patrocínio de qualquer natureza. Nosso objetivo, em linhas gerais, é servir de instrumento para que os artistas que não possuem espaço de divulgação nas mídias tradicionais possam apresentar seus trabalhos, nas mais variadas formas, seja na literatura, na música, no cinema, no teatro ou quaisquer outras vertentes artísticas, sempre de forma livre e independente. Todos os direitos autorais estão reservados aos respectivos escritores que cederam seus textos apenas para divulgação através da Revista Sarau Subúrbio de forma gratuita, bem como a responsabilidade pelo conteúdo de cada texto é exclusiva de seus autores e tal conteúdo não reflete necessariamente a opinião da revista. Editores Responsáveis: Marcelo Bizar e Marco Trindade Conselho editorial: Marco Trindade, Marcelo Bizar, Silvio Marcelo, Kátia Botelho Contato: sarausuburbio@gmail.com


EDITORIAL Ne s t e c e n á r i o d e t r i s t e z a , a A r t e c o n t i n u a s e n d o u m a l i n g u a g e m i n s u p e r á v e l ! Sem mais delongas, com vocês “AMOR À NATUREZA”. AMOR À NATUREZA (Paulinho da Viola) Relíquia do folclore nacional Jóia rara que apresento Ne s t a p a i s a g e m e m q u e m e v e j o No centro da paixão e do tormento S e m n e n h u ma i l u s ã o Ne s t e c e n á r i o d e t r i s t e z a Relembro momentos de real bravura Dos que lutaram com ardor Em nome do amor à natureza C i n z e n t a s n u v e n s d e fu m a ç a U me d e c e n d o o s me u s o l h o s De a f l i ç ã o e d e c a n s a ç o Imensos blocos de concreto Oc u p a n d o to d o s o s e s p a ç o s Da q u e l a q u e j á f o i a m a i s b e l a c i d a d e Que o mundo inteiro consagrou C o m s u a s p r a i a s tã o l i n d a s Tão cheias de graça, de sonho e de amor Flutua no ar o desprezo De s c o n s i d e r a n d o a r a z ã o Qu e o h o me m n ã o s a b e s e v a i e n c o n tr a r U m j e i to d e d a r u m j e i to n a s i tu a ç ã o U m a s e m e n te a ti r a d a Num solo tão fértil não deve morrer É sempre uma nova esperança Que a gente alimenta de sobreviver


SUMÁRIO

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EXPEDIENTE EDITORIAL SUMÁRIO A INDICAÇÃO DIA DE PEÃO COMEÇA A DISPUTA DE SAMBA ENREDO O PODER DAS PALAVRAS O VELÓRIO O MELHOR REMÉDIO É SAMBAR À ESPERA DE MAIAKÓVSKI A TRAGÉDIA DA PIEDADE - PARTE II GRATIDÃO MILÂNEZ CARTA DA LUDMILA, MESTRANDA EM BRUZUNDANGA UM SÁBADO CHEIO DE SUBURBANIDADES SONETO DO SEI QUE NADA SEI O DIA DO NASCIMENTO DO GENIVALDO NÃO AO PRECONCEITO! ESTANTE SUBURBANA VITROLINHA SUBURBANA QUEM É DO MÉIA NÃO BOBÉIA SUBÚRBIO RAIZ NAQUELE CARNAVAL PERDI A FANTASIA QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO? - PARTE II UM LUGAR NO SUBÚRBIO BLOG DO TIZIU


A INDICAÇÃO

Que coisa, ela não quer comida ou dinheiro, diz a mãe. Não tenho culpa dela ser muda, diz o pai, impaciente com a garota esfarrapada e descalça, apontando com o olhar aflito para a rua, que azar, a gente sozinha nesse restaurante e entra alguém pra chatear, até no subúrbio, resmunga o homem, diante da tolerância da mãe e a sonolência da filha, você tem cada uma, chama o garçom, tá pendurado no telefone. Eu sei lá o que ela quer, diz o pai, não sei, parece que viu algo estranho, diz a mãe, não sou advinho, melhor não gritar, a criança tem sono leve, paga esse troço, leva o troco, vamos embora, que tá chovendo, me dá essas bolsas, vamos entrar logo no carro e sumir daqui, ei, a maluca se jogou na frente do carro, olha se não tô esperto. ENTRA LOGO NESSA DROGA, GURIA, vai mesmo na frente, cagando as bolsas todas, parece pegadinha, ela grunhindo com o indicador apontando, batendo no volante, é ali, disparou na ladeira, calma, não sou atleta, então o homem entende o olhar aterrador da menina de rua, são corpos de um casal ensanguentado, o sangue escorrendo, misturando com o temporal que desaba firme, o pavor paralisando e emudecendo. Orl a n d o Ol i v e i ra Jornalista


DIA DE PEÃO!

Água na cacimba para lavar o rosto Água na moringa para tirar o gosto Gosto de paixão, gosto de emoção Gosto de ilusão, gosto de desgosto... No pasto logo cedo o orvalho cobre o chão. Peão já está de pé tangendo boi lá no sertão A mulher do Peão vai cuidar do plantado. Macaxeira, caruru, no cerrado gabiroba Para adoçar o dia árduo... A lenha tá queimando no fogão Tem jerimum, jabá e feijão. Farinha de macaxeira para alimentar o Peão De noite a rede espera o Peão que já está cansado. A cacimba já está cheia para banhar o corpo suado. E a mulher do Peão com um sorriso encantador. Aguarda o Peão amado para lhe cobrir de amor... Água na cacimba, água na moringa Emoção, ilusão, paixão Assim com amor a vida E respeito a família É o dia de Peão... Junior da Prata


COMEÇA A DISPUTA DE SAMBA-ENREDO

Enfim, depois de tanta confusão criada dentro da Liesa para que a Imperatriz Leopoldinense permanecesse no grupo principal, não desfilando no grupo A da Lierj, que também teve o seu momento de balbúrdia, quando representantes de várias escolas de samba ali filiadas, exigiram que o presidente Thor renunciasse. A repercussão do caso da Liesa foi muito grande, fato que acabou fazendo com que, dentre as treze escolas de samba do grupo especial, das oito que votaram a favor da permanência da Imperatriz no grupo especial, três mudassem de votos voltando atrás. Depois de uma grande reunião na Liesa, onde todos os diretores, além dos presidentes das escolas de samba, fizeram uma nova votação, prevaleceu o regulamento do desfile de 2019. Resolvida esta questão, definido que a Imperatriz Leopoldinense vai desfilar no Grupo A, administrado pela Lierj, e que mudou de presidente com a renuncia de Thor, a Liesa realizou o sorteio da ordem dos desfiles. Estamos no mês de agosto, começou a disputa de samba de Enredo e com muitas novidades... A começar pelo Gres Acadêmicos do Grande Rio que, no carnaval do corrente ano, deu um mau exemplo, encomendando seu samba de desfile. Redimiu-se e apresentou um novo critério de escolha através de concurso que será feito em quatro etapas: duas apresentações eliminatórias a serem realizadas na quadra sem permissão de torcidas organizadas: os sambas não poderão ser defendidos por intérpretes do grupo especial. Será permitido no máximo cinco compositores por obra. Os sambas que passarem para a fase eliminatória serão gravados em CD, pelo cantor da escola. A Estação Primeira de Mangueira também modificou o seu critério de escolha. Cada samba só poderá ter no máximo quatro compositores na parceria. Cada samba concorrente deverá pagar o valor de quatro mil e oitocentos reais a escola, que será a responsável pela gravação de todos os sambas, sendo eles gravados por intérpretes do grêmio. Além da gravação do CD, os grupos de compositores dos sambas inscritos terão direito ao mesmo número de prospectos do samba, além da mesma quantidade de ingressos. Também não será permitida torcida organizada.


Os sambas serão defendidos na quadra por interpretes da escola. Já no Gres União da Ilha do Governador a novidade é que não haverá sinopse, podendo o compositor criar em função do tema para 2020. “Nas encruzilhadas da vida, entre becos e vielas a sorte está lançada; salve-se quem puder.” Voltando ao passado, pois antes da era Sinopse era assim que funcionava e grandes sambas surgiram porque os compositores não ficavam amarrados, com as exigências dos carnavalescos atuais, sendo privados em sua criação. A União da Ilha vai vir com um grande samba para o carnaval de 2020. Já são tentativas de acabar com os sambas de escritórios e valorizar a Ala dos Compositores das escolas. Parabéns a essas escolas de samba que estão tentando resgatar a disputa, sem torcida organizada, sem samba de escritório e sem sinopse. Onésio Meirelles


O PODER DAS PALAVRAS Palavras não são simplesmente palavras; palavras são muito mais do que palavras. Diluem no teor das suas minudências, com ardor de fragrâncias voláteis e sutis, uma mistura de eloquentes essências incrementada com poções insidiosas ou pueris. Ao absorver o odor dos seus eflúvios, entre os limites do céu e do inferno, as emoções em dilúvios arrastam o meu mais interno por miríades de sensações em leva de diferenciados auspícios. Incitado por suas ilações a uma viagem, no intelecto, dou início. Os pensamentos voam sem respeitar nenhum limite e os anseios, que à mente povoam, explodem feito dinamite. Então as emoções em estardalhaços, numa crise de ensimesmo, misturam-se em meio aos estilhaços e, céleres, flutuam a esmo nas sendas do bom senso ou do absurdo entre ondas alvíssaras ou nefastas.


O instinto não se faz surdo, reage aos apelos entusiastas e, de cabeça, mergulha solene num oceano de conjecturas de densidade profunda e perene liberto de qualquer censura. Um brilho de intenso lúmen envolve-me num fluxo de felicidade dissolvendo qualquer tipo de nuvem que me traga obscuridade, e, por um imensurável instante, eu me sinto radiante. O meu espírito se eleva e inebria-se com o que lhe apraz na direção que o leva os sentimentos de paz. E, assim, a vida se enleva no sentido que me compraz. Kaju Filho


O VELÓRIO

Tesão morrera, eu acabei de chegar ao velório. Logo ao entrar notei Tristeza chorando copiosamente sobre o caixão. Percorri o salão com um olhar, percebi que Vida mantinha o olhar otimista de sempre, mesmo tendo perdido um de seus filhos. A acolhedora Morte, irmã gêmea de Vida, também estava presente velando o sobrinho. O bígamo Tempo, marido de Vida e de Morte, comparecia com sua conhecida arrogância, mostrando-se impávido. Recostados ao bar, vi Sucesso e Fracasso bebendo à passagem do irmão. Eu tenho grande apreço por Sucesso, mas confesso que Fracasso é , atualmente, um amigo mas presente e fiel. Juntei-me aos dois, enquanto bebíamos e conversámos, a caçula Alegria, ébria, adentra ao salão, solta uma gargalhada, e grita: - O defunto está se mexendo! Douglas Adade


O MELHOR REMÉDIO É SAMBAR

Nessa roda de samba Roda de alegria. Nessa roda de bambas Pura poesia Eu me acabo no samba Me curo nessa energia Eu viajo no samba nessa melodia. Sambar é o melhor remédio Traz alívio ao coração Pois cada um tem seu mistério Carrega dor e muita desilusão O samba é nobre, está em todo lugar Não perca tempo, deixa o samba te levar Ponha o pé no chão, venha se curar Mal de amor aqui não tem lugar. Dizem quem samba, não tem o que fazer Outros falam que é de bem querer Mas o samba é prá quem tem sensibilidade Traz amor, calor e muita amizade Chega mais, chega mais Este samba satisfaz Ele dá paz e muito mais Remexe o coração Te tira da solidão Na roda você faz muitos amigos Na vida, ele cura as feridas O teu dia fica azul, Tuas noites sempre blue Elaine Morgado


À ESPERA DE MAIAKÓVSKI E tudo começou “na primeira noite, quando roubaram uma flor”¹. Nós não ligamos para a ausência da flor. A nossa ignorância do que acontecia ao redor, não nos permitiu reconhecer o quão graves são as ausências, mesmo que sejam das flores. Outras perdas vieram, não eram mais somente flores, mas sim botões que sequer desabrocharam, mas já tinham nomes e almas. Eram Ruan, Maria Eduarda, Henrico, Tiago, Lucas, Gabriel, Dyogo, Margareth e tantos outros. Ausências miradas, feridas, sofridas, noticiadas e banalizadas. Infelizmente, o obituário toda hora é atualizado, alimentando a saga e o ódio de cérebros e estômagos corrosivos daqueles que tripudiam sobre a dor alheia. O ciclo sórdido de naturalização da violência subtrai, na matemática da vida, os mais frágeis, os sem voz, sem vez, sem perdão. Esses que têm o seu sangue misturado à poeira de becos e vielas. Sangue barato, de carne barata, do mercado barato de vidas. É sangue pisado, por gente fardada, armada, ordenada cumprindo todos os dias a mesma jornada. Não há mais novidade na mãe que chora, no avô que, atônito, não entende a inversão da lógica da vida e vê o neto partir antes de si nos seus braços. Braços que ampararam e acalentaram no nascimento e tiveram que suportar o peso imensurável da morte tão precoce. Não há mais novidade no soluço do irmão caçula, na oração dos vizinhos, amigos, colegas da escola e do time de futebol. Não veremos novidade alguma na estatística que produz e reproduz sempre os mesmos dados. A variar, só o tempo de repetição das tragédias e a quantidade de disparos: OITENTA TIROS NUM SÓ VEÍCULO; SEIS VÍTIMAS FATAIS EM OITENTA HORAS! Os fardões se auto proclamam defensores da lei, da ordem e dos “cidadãos de bem” de um universo paralelo, que só existe em suas cabeças. Rambos tupiniquins anabolizados denominam-se paladinos de uma “cruzada santa” e insana que a muitos convencem. Regozijam-se sobre corpos franzinos, exibindo potentes metralhadoras que cospem fel sobre despossuídos, promovendo a desgraça alheia no solo e do céu. Infelizmente, “não acredito mais nas flores vencendo o canhão”². Hiroxima é aqui! Em cada comunidade, na terra batida, no campo ou no asfalto, ela se faz presente, numa atmosfera radioativa que “altera rotas, cega as rosas e as tornam inexatas”³.


Não dá mais para sermos “mais alegres do que tristes, poeta”4. Eles já não mais se escondem sob capuzes quando “pisam as flores, matam nosso cão”5 e forjam justificativas. Estão tão convencidos da sua “missão”, que o “mais frágil deles entra sozinho em nossas casas e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta”6. E o que nos resta? Perguntariam os desesperançosos. RESISTIR, dir-lhe-eis! O fantasma que nos ronda e aterroriza, não pode ser mais forte do que os sonhos daqueles jovens que se foram. E é por eles e pelos que aqui estão que não desistiremos. A “nossa estrela amiga há de fazer as balas pararem”7 e iluminar a mente de cada um (a) que não tem medo de dizer: BASTA!

Silvio Silva

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COSTA, Eduardo Alves da. Poema: No caminho com Maiakóvski. VANDRÉ, Geraldo. Música: Pra não dizer que não falei das flores. MORAES, Vinícius. Poema: A Rosa de Hiroshima. MORAES, Vinícius. Música: Samba da Bênção. COSTA, Eduardo Alves da. Idem . COSTA, Eduardo Alves da. Idem idem. GUEDES, Beto. Música: Canção do novo mundo.


A TRAGÉDIA DA PIEDADE - PARTE II No artigo do mês passado (julho/2019) começamos a contar a dramática história do triângulo amoroso formado pelo escritor Euclides da Cunha, sua mulher Anna de Assis e o jovem Dilermando. Essa situação culminou na morte do escritor, que na tentativa de vingar-se de Dilermando, acabou sendo alvejado por este em 15 de agosto de 1909. Isso se seu na casa de Dilermando na Piedade (segue no final do texto a planta baixa desta casa, um interessante registro do interior de uma residência suburbana do início do século XX). Porém, muito mais viria acontecer após essa data. Dois anos depois, alegando legítima defesa, o advogado de Dilermando de Assis, o famoso Evaristo de Morais, consegue a absolvição de seu cliente no julgamento pela morte de Cunha. Dilermando e Anna então se casaram, indo residir em São João Del Rei – MG. Após servir também no Rio Grande do Sul, Dilermando é transferido novamente para o Rio de Janeiro. Mas a vida do casal, que já tinha cinco filhos, volta a ser mais uma vez abalada por uma nova tragédia: um dos filhos do primeiro casamento de Anna, Euclides Filho, o Quidinho, é morto por Dilermando em 1916. O motivo foi o mesmo de sete anos antes: o militar defendeu-se de uma tentativa de vingança. A cena se passou num cartório localizado na Rua dos Inválidos, no Centro do Rio. Dilermando, que estava resolvendo assuntos de cunho legal, foi surpreendido por Quidinho que atirou diversas vezes contra o então padrasto. Mais uma vez, Dilermando se viu obrigado a usar a sua arma contra um membro da família Cunha. Apesar de ferido, o militar do Exército conseguiu matar o seu agressor (fotos dos dois envolvidos abaixo). A notícia da morte do filho chega ao lar do casal Assis, na fazenda José Maria ou dos Macacos, em Realengo. Anna se desespera, fica com raiva de Dilermando. Porém, acaba percebendo que o marido não pôde evitar essa nova tragédia. Mais uma vez o advogado Evaristo de Morais representa a defesa de Dilermando, sendo este foi absolvido pela segunda. Após esse caso, a família muda-se para Bagé no Rio Grande do Sul, onde Dilermando formou-se no curso de engenharia. Em 1922, retornam ao Rio de Janeiro, mais uma vez residindo num bairro suburbano, o Méier. A casa ficava na rua Dias da Cruz 313. Entretanto, o relacionamento entre Anna e Dilermando vai mudando, as brigas são cada vez mais frequentes. Desconfiada, Anna segue o marido até uma rua no Encantado e descobre que estava sendo traída. Ela decide acabar com o seu segundo casamento e muda-se para a Ilha de Paquetá com os cinco filhos. Era 1926. Dilermando ainda tenta a reconciliação, mas Anna estava irredutível. Só voltaram a se encontrar em 1932, no casamento da filha Judith. Na ocasião, Dilermando já havia conhecido Maria Antonieta de Araújo e teve com ela uma menina de nome Dirce.


O segundo reencontro só ocorreu em 1950, quando Anna, já bastante doente, é internada no Hospital Central do Exército, por intermédio de Dilermando. Os dois nunca chegaram a se separar judicialmente, então Anna tinha direito a se tratar no hospital militar. Ela recebeu algumas vezes a visita do antigo companheiro e faleceu no dia 12 de maio de 1951. Dilermando, agora general, também estava com diversos problemas de saúde e morreu em 13 de novembro do mesmo ano em São Paulo, onde estava morando. Encerrava-se assim uma das histórias de amor mais trágicas e inacreditáveis que já aconteceu. Essa história teve como cenário principal a cidade do Rio de Janeiro, a Capital Federal da época. Além do Centro e da zona sul, os principais atores dessa trama passaram por bairros do subúrbio carioca: Piedade, Realengo, Méier, Encantado, Benfica. Dilermando no final da vida escreveu um livro que deu o título de “A Tragédia da Piedade”. Sua filha Judith escreveu outro: “Anna de Assis: história de um trágico amor”, com colaboração de Jeferson de Andrade (que serviu como uma das fontes para esse artigo). Outros livros foram escritos, diversas reportagens foram feitas e até uma série televisiva teve como tema a vida desses personagens que, embora reais, parecem saídos das páginas um romance. Um romance trágico. Ana Cristina de Paula Historiadora

Planta baixa da casa de Dilermando em Piedade feito por um desenhista da polícia na época do caso. Tribuna do Advogado, Jan/1988, p. 11.

Tenente Dilermando de Assis Careta, 08/07/1916, ed. 420, p. 9.


GRATIDÃO MILANEZ

Sambista de Coração verde e branco, suburbano maneiro Ivan Milânez, bamba do Império Serrano e das rodas de samba cariocas; é dele o mérito de colocar as rodas de samba na rua, no ar livre comum a todos, o poeta maneiro oxigenou o samba na Lapa dos anos 90 com sabedoria e encanto influenciando de forma inspiradora uma série de novos e velhos sambistas cariocas. Baluarte da velha Guarda Show do Reizinho de Madureira, tive a oportunidade e o prazer de conhecer o “Milana”na Pedra do Sal em 2009, numa quarta feira onde estava acontecendo a roda de samba dos compositores do samba na fonte ; o Mestre indomável me fascinou logo de cara com seu axé e sensibilidade apurada em relação ao tempo vivido, seus significados e ressignificações, conversamos muito nesse dia. Milânez deixa saudades, teve bons amigos e parceiros fiéis como Tia Romana, Danilo Firmino, Luiz Fernando, Zé Mauro, Rildo Hora e os pares da velha Guarda Show no Império Serrano além de outros queridos e queridas que me perdoem em não lembrar de mencionar. Gratidão por tudo que você compartilhou com a gente no samba e na vida, gratidão com a felicidade que sentimos juntos caminhando da quadra da Portela até o samba no Buraco do Galo em uma noite de Sábado inesquecível, gratidão por sua força de estar presente sempre somando, e ora como diz o poeta Edinho Oliveira: “a majestade é o samba”, sim esse mesmo que você dignificou e honrou com Galhardia. Elegante foi a nobreza que você herdou do Morro da Serrinha quando nasceu em 1946, um ano antes de existir o menino de 1947 ( o Glorioso Império Serrano ); e na sua despedida terrena teve roda de samba segunda feira na quadra do Império durante o velório, depois no campo santo em Irajá mais samba e acontecimentos diversos como gente que seguiu o cortejo errado, uma curimba inusitada durante o sepultamento, um evangélico aos berros e caminhando em transe, e claro você Ivan Milânez ali sorrindo misturado com a atmosfera, fazendo a gira girar.


Rodolfo Caruso Poeta todo dia


CARTA DA LUDMILA, MESTRANDA EM BRUZUNDANGA


J o n a s H ĂŠ b ri o SociĂłlogo de Boteco


MICROCONTOS DOS MACROCOSMOS UM SÁBADO CHEIO DE SUBURBANIDADES A chuva dançava com a desenvoltura dos passistas no charme sob o Viaduto de Madureira. Ela era assim: um grupo formado por água, vento, som e subúrbio. Tudo bem harmonioso. Como no baile sob o arcos de Madureira. É que a chuva desse lado do Estado cai com certo molejo. O do samba. E um certo charme que só os de vida simples conhecem. Foi alguém na vizinhança que hoje acordou ouvindo Cartola: "A sorrir, eu pretendo levar a vida!", enquanto a churrasqueira era preparada pro almoço. Incrível como o vento do subúrbio traz cheiros e temperos. A chuva não atrapalhou o sábado, pelo contrário, criou uma atmosfera propícia pro samba, e pro samba-canção, e pro choro. Na rua, a pelada se fazia, sob o aguaceiro. Até uma pipa tentaram soltar quando os pingos pareciam ir embora. "Doce de coco" veio logo depois do quarto samba do Cartola: "É impossível nesta primavera, eu sei. É impossível pois longe estarei..." Acabei ficando a manhã inteira no quintal compartilhando com o vizinho um sábado cheio de suburbanidade.

Antero Catan


SONETO DO SEI QUE NADA SEI

Uma vez dentro do conhecimento Aprenderemos tudo o que existe Os olhos abriremos num momento E olha: a ignorância ainda insiste! É que do centro de onde então estamos Ao expandirmos tudo o que sabemos A ignorância também propagamos Fora do círculo que aquecemos Quanto mais sábios, mais ignorantes Vivemos dentro deste contrassenso Sabedoria nos faz imigrantes É tanta coisa no Universo imenso Que mesmo sabendo bem mais que antes Tudo se esvai queimado feito incenso Pazuzu Silva


O DIA DO NASCIMENTO DE GENIVALDO

Não que fosse resolver alguma coisa! Não deixava de ser mais uma boca pra alimentar. Pelo menos, ela pensava, não teria um destino de mulher igual ao seu, que vez ou outra via-se obrigada a vender certos favores sexuais no “porto maravilha” pra depois ter que gastar quase tudo nas pedras que fumava. "É um pedaço de mim." Mas ela era mãe e estava muito orgulhosa. Tão orgulhosa que até conseguiu viver algumas horas sem pensar no vício. Até sonhou. Quando estava na seca, só de pensar tragando os "seus cometinhas" tremia num misto de prazer e loucura. Este era seu sétimo filho. Nasceu dentro da ambulância mesmo, não deu tempo de chegarem à sala do hospital. "Meu guri é rápido. Teve pressa de chegar logo. Será um craque do futebol. Um Pelé, um Grarrincha será o esse meu pivete". Atenas pensou que enfim o marido ficaria feliz. Finalmente tiveram o primeiro menino. Não sabia era por onde o pai andava, estava sumido há dias. "Aquele malandro deve de tá jogando carta ou beijando alguma mulher por aí. Bebendo todas com certeza. O Durão não faz nada sem cachaça." Ela queria ver o filho. Tinham levado pra uns exames devido ao nascimento dentro da ambulância. Não demorou muito e a enfermeira trouxe o menino pra Atenas. Como chovia e fazia um frio inesperado na cidade, o menino veio enrolado numa manta rosa bordada com desenhos de zepelins prateados e nuvens brancas. "Não tinha manta de outra cor. Esta é a única que temos. Foi dada em doação por uns estrangeiros para o hospital. Sabe como anda a situação de hospital público no Brasil." Disse a enfermeira, em forma de desculpas pela manta de menina. "Não tem problema, não, que bobagem. A criança nem sabe das cores ainda. E hoje em dia, sabe como é! Já até escolhi o nome, espero que o pai goste. Vai se chamar Genivaldo.” Marcelo Bizar Escritor e Jornalista

* Esse conto foi publicado originalmente na edição 37 da revista Philos, como parte da seleção pela comemoração aos 50 anos do CEAT - Centro Educacional Anísio Teixeira


NÃO AO PRECONCEITO! Este texto tem ligação com nossas emoções e vivências, da minha prática profissional e andanças pela vida,pensando nisto, envio um samba não cantado que traduz o meu pensamento em tempos atuais de ódio, descomprometimento e desamor em todas as áreas. A dignidade humana foi deixada de lado e tem que ser reinventada por aqueles que lutam pela igualdade e respeito.

Respeite a diversidade Saiba que na sociedade Todos tem direito a viver Se hetero, homo ou trans Ser feliz é a opção Respeite o direito A expressão de cada um Seu preconceito Não leva a lugar nenhum Acredite que a vida É de pessoas que lutam pelo bem viver Lamento sinceramente que não saiba reconhecer Tenha certeza o problema está em você Não ao preconceito, não a opressão, Diferença de gênero é libertação Márcia Lopes


ESTANTE SUBURBANA!


V I T R O L I N H A S U BU R BA N A !


QUEM É DO MÉIA NÃO BOBÉIA (BREVE CRÔNICA MEMORIAL E AFETIVA DA CAPITAL DO SUBÚRBIO)

Expressão típica da criatividade do carioca, exemplifica um tipo de suburbano morador no bairro do Méier, tido como a capital do subúrbio, local das diversas histórias que eu tenho para contar dos tempos em que lá vivi muitos dos melhores momentos da minha juventude. Cheguei nesse bairro em meados dos anos 1960, assustando mães, pais, avós e tias conservadoras por causa do meu estilo meio hippie, cabeludo, arranhador de violão, brincalhão e festeiro. Morava no térreo de um sobrado de dois andares, com jardim e portão. Por causa do meu espírito comunicativo, não demorei muito para fazer amizades e conquistar os rapazes da minha idade, acabei por conquistar também os seus familiares, com meu espírito de liderança, um tanto anarquista, comunista, politizado e intelectualizado, acabando por virar uma espécie de ídolo da turma. Minha primeira providência foi saber se havia quem jogasse botão. Apareceram diversos e logo armamos campeonatozinhos na calçada. Depois foi procurar quem jogasse futebol. Claro que havia diversos "craques" na área. De imediato formamos um time de futebol de salão (hoje futsal) denominado Kerista. Os Keristas encarnavam os ideais hippies de boas vibrações e justiça, libertação racial e sexual e uma forte tendência a abandonar a vida formal e viver de forma não conformista, solidariedade, de idealismo, espontaneidade e diversão. Mas por que escolhemos esse nome? Como não tínhamos camisas e nem dinheiro para adquiri-las, conseguimos empréstimos com um vizinho que trabalhava na fábrica Kelson's, cujo uniforme de futebol, azul, continha no peito a letra K em branco (logicamente de Kelson’s). Mas era duro enfrentar os times do bairro, bastante fortes e bem entrosados, como o Admitamos e o Nau Sem Rumo, dentre outros que não mais me recordo. Atuávamos contra times de outros bairros e, como era de se esperar, jogadores de bairros vizinhos não eram bem tratados nas quadras dos adversários, ainda mais se saíssem vitoriosos. Quase sempre aconteciam umas desavenças e até brigas em campo. Como futebol de salão comportava somente cinco jogadores, muitas vezes o time inteiro era expulso por causa de tais confusões. Jogávamos quase sempre numa quadra do Engenho de Dentro chamada popularmente de Pinicão, no clube Mackenzie, no Fogão (quadra muito fechada que no verão produzia um calor infernal) e na quadra do Bons Amigos, que foi um famoso bloco de carnaval admirado pela sua excelente bateria comandada por Cláudio do Apito, depois Cláudio Apito de Ouro, que disputou um concurso de apitos e ganhou um desses instrumentos de ouro ao executar algumas músicas diversificando notas ao fazer concha com as mãos, coisa que ninguém na época executava. Por falar em carnaval, o Méier me remete de imediato ao bloco Labareda, nas cores amarela e vermelha.


Agora aqui vai uma historinha interessante que protagonizei. Convidado pelo companheiro de cantos e copos no bar Palmares, logo no início da rua Dias da Cruz, ponto de encontro dos "malandros" do Méia, João Nogueira (que mais tarde se tornaria um dos nossos grandes sambistas e inspirado compositor), decidi sair no bloco com fantasia original, fruto da minha criatividade. Aceita essa sugestão pela diretoria, consegui tafetá amarelo e branco e pedi à minha mãe, costureira, que confeccionasse a fantasia que ficou em segredo até o dia do desfile que se daria na Avenida Presidente Vargas, na passarela onde desfilavam Bafo da Onça, Cacique de Ramos, Foliões de Botafogo, Boêmios de Irajá e outros blocos feras, além das escolas de samba. No dia do desfile, os foliões concentrados na Rua Medina, ainda no Méier, foram surpreendidos quando cheguei fantasiado de... Cristo! De bata branca, manto amarelo, coroa de galhos de roseira (com espinhos!) e sangue de mercúrio cromo na testa e nas mãos. Sucesso total no desfile. Porém tenho que contar que, para sair fantasiado dessa forma em plena ditadura que proibia fantasias com referência à religião católica, tive que me submeter a uma verdadeira maratona sacrificante. Já era sábado de carnaval e logo pela manhã corri à Delegacia de Diversões e Costumes para solicitar autorização. De lá me enviaram para uma delegacia na rua Santa Luzia onde me aconselharam a ir na Polícia Federal! Lá chegando (ficava na Praça XV, onde hoje é o MIS), dando meio dia, o órgão quase fechando, consegui audiência com a censora que após ouvir minha justificativa de que eu me fantasiaria de filósofo Aristóteles, personagem que fazia parte do enredo do bloco (mentira esfarrapada) e temia ser confundido com algum santo católico. Facilmente convencida pela minha lábia, a delegada convocou o escrivão que datilografou a autorização. Ela conferiu, auferiu, deu fé, carimbou e assinou. Pronto, estava garantida a minha folia na malandragem, porque quem é do Méia não bobéia. Dia do desfile. Armação do bloco, na avenida. O samba era de João Nogueira intitulado Entenda a Rosa, considerado pelo Jornal do Brasil como o melhor samba apresentado naquele dia de desfile de blocos. Foi então que o presidente da agremiação teve a intimidante ideia de me colocou logo de cara, após o abre alas (uma faixa saudando a imprensa e as autoridades e pedindo passagem), para chamar a atenção do público. Claro que com uma boa quantidade de mé, desfilei na maior alegria, sendo muito aplaudido, fotografado e sacaneado pelos assistentes. De provocação eu fazia exibição em frente aos soldados da PM que apenas riam, não me molestavam. Para minha decepção, em momento algum, durante os três dias em que desfilamos também por vários bairros do subúrbio, autoridade alguma me abordou ou solicitou o documento de autorização conseguido com tanto sacrifício. Ponto positivo foi que na terça-feira gorda de carnaval, por tradição, o bloco tinha entrada gratuita no clube Mackenzie e foi lá que ganhei um troféu pela originalidade da fantasia. A partir de então, por eu ser cabeludo e barbudo, por ter cumprido a ousadia de me fantasiar daquela maneira, ganhei o apelido de Cristo e durante as duas décadas em que lá morei, fui assim chamado até antes da triste e inevitável queda do meu cabelo, né? Mas aí o ex-Cristo já não é mais do Méia e então bobéia. Lula Dias Escritor e Pesquisador


SUBĂšRBIO RAIZ Menos auto Mais coletivo Menos luto Mais fruto Menos sangue Mais verde Menos pranto Mais terra Menos guerra Mais alimento Menos lamento Mais festa Menos seca Mais sombra Menos dor Mais vida Tem Tem Tem Tem

Jambeiro Mangueira IpĂŞ Amendoeira

Um Bem-te-vi Uma Rolinha Um Beija-Flor Uma Cambaxirra Tem Tem Tem Tem

Pitangueira Goiabeira Jaqueira Jabuticabeira


Um Um Um Um

Pardal Sabiá Gavião Suiriri

Nosso quintal é de mato Nossa casa não tem portão Suburbanos sem fronteira Arde o verde da esperança!

Marco Trindade Poeta e Letrista


NAQUELE CARNAVAL PERDI A FANTASIA

Era carnaval e o samba já corria solto na Praça Afonso Pena, o Bloco Pede que eu Dou, já estava na armação. Ele já todo fantasiado de espirito de porco, zombeteiro como só. Um jovem feliz, tranquilo. Os amigos não passaram na casa dele, como combinado, pra dar carona, então resolveu ir sozinho. Quando estava saindo, sua Mãe o abraçou: “Se cuida filho”. Henrique pegou a rua do Matoso, pra cortar caminho. De repente, aconteceu. Hoje já não mais se pergunta porque aconteceu, e, por que com ele. Hoje só se esforça pra chorar quando dá vontade, vocês não sabem ainda, mas pra ele chorar é um esforço: as lágrimas só escorrem, não é aquele chorar que você pode balançar o corpo, soluçar... e depois se apaziguar gostoso. Os filmes na sua cabeça são muitos, mas nenhum daquele dia. É um cinéfilo, pra ele a melhor coisa que inventaram foi o canal aberto. Já se passaram anos do ocorrido e sua mãe não lhe abraça mais e nem diz que “vai dar tudo certo filho”. Ela anda como zumbi pela casa e o mantém vivo. No começo ela ainda contava histórias, falava como íam os primos, as tias, o povo da família que morava em outra cidade e não podia ir visitá-los. Era só ele e ela. Até os amigos também deixaram de vir aos poucos, por que viriam? Ele não estava mais ali. No último ano ele teve um suspiro de novidade, começou a receber cartas e se relacionar com uma menina que o fazia feliz, era zombeteira, como ele era antes, e também engraçada e inteligente. Ela enviava vários vídeos de Blocos de carnaval, que ela adorava participar, inclusive saía com perna de pau. Ele contava como adorava o carnaval, todo ano ele tem vontade de ir pra rua e ver a alegria desfilando, mas agora só pela televisão. Todo ano naquela data, Lorena sente a necessidade de ir falar com ele, mas não consegue. Ao chegar no portão, se pergunta se não seria melhor esquecer de vez... após 12 anos o que iria falar? Será que ainda ele estaria vivo? E sua mãe, que ela viu arrasada após o médico dizer que seu filho ficaria tetraplégico. Sua filha Gabriela hoje está com catorze anos, já não mora no Rio, mudou-se dois anos depois do ocorrido, para Belo Horizonte. Foi morar com o pai. Lorena nunca lhe contou toda a história do tal milagre da matoso. Já na Barão de Itapagipe, na frente do numero 32, Lorena tomou coragem e tocou a campainha, uma Senhora franzina com olhar triste, rosto cansado, veio atendê-la, no instante ela se lembrou de Lorena e a abraçou.


Lorena se desculpou por não ter vindo antes, depois de tê-lo visto no hospital. Explicou que tinha vergonha. A senhora com os olhos cheios de lágrima, respondeu :”as coisas acontecem por uma razão”... “entre, não se acanhe, ele está no quarto”. Depois de contar que seu filho tem mantido contato com uma menina que o ajuda muito enviando-lhe cartas, filmes, vídeos, contando anedotas, ele se divertindo com as histórias dela, a casa começou a ter mais luz, mais energia, o sol começou a entrar e iluminar tudo. A mãe do Henrique conta que às vezes eles ficam horas conversando pelo computador num tal de Skype, que ele ri muito e fica feliz, até começou a escrever no computador, usando o lápis na boca para acionar as teclas. Parece que são irmãos, faz um pouco mais de 1 ano que se conhecem e parece que foi a vida inteira. Ela a levou até o quarto, todo equipado, tinha uma cadeira onde ele conseguia, apertando os botões, se mover. Quando ele a viu, sentiu algo, como se já a conhecesse. Lorena não conseguiu se controlar e chorou. A senhora a abraçou e a levou pra fora do quarto, lhe disse que não deveria se sentir culpada, ele está vivo, sua filha esta viva. — Não se tem explicação para essas coisas, o importante é enxergar além. Às vezes - ela disse - estou quase desistindo e alguma coisa acontece que renova, daí consigo mas um dia, mais um mês, mais um ano. De repente Lorena escuta uma voz conhecida, fica atordoada e corre para o quarto de novo, a senhora vai atrás dela, no quarto vê o rosto da filha no computador, olha para a Senhora, para o Henrique. — Como? — Como o que, Lorena? Henrique está atordoado, a menina no computador vê a Mãe e também fica surpresa. Pergunta o que está havendo. — Mãe, o que a senhora faz aí, a senhora conhece o Henrique? Henrique, de onde você conhece minha mãe? Todos ficam atônitos. Henrique escreve: essa mulher é sua mãe?, mas você não é de Belo Horizonte? Gabriela responde que sim, mas que a mãe ficou no Rio de Janeiro. Lorena olha pra sua filha e diz: — Parabéns, filha, hoje é seu segundo aniversário lembra? Vou te contar uma história...


— Morávamos na Rua do Matoso, quase esquina com Barão de Itapagipe, mãe solteira, cuidava sozinha de você. Trabalhava em casa, fazendo traduções e correções de textos de mestrandos. Nesse dia tinha colocado uma panela no fogo com o feijão, e outra pra cozinhar batatas, a mantinha sempre por perto. Você já estava com 2 anos e estava muito levada. Foi aí que aconteceu, durante um segundo de desatenção, pra tirar a panela do fogo, você caiu do alpendre! Desesperada gritei, e quando olhei da janela, você estava sobre um jovem caído no chão chorando, mas viva, sem um arranhão, desci correndo peguei você e corri para o hospital do Largo do Rio comprido. Você ficou lá em observação até o fim da tarde. Quando fomos pra casa, soube do rapaz que estava passando, viu você caindo e tentou te segurar, mas caiu e bateu a cabeça no meio fio, ele te salvou filha, mas ficou tetraplégico. Ele é o Henrique. Do r i n a G u i m a r ã e s


QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO? - PARTE II

"A monetização do êxito é o máximo insulto à matemática" Grigori Perelman

No artigo do mês passado falamos sobe um problema matemático que pode tornar milionário quem conseguir resolvê-lo e ele não é o único. Os problemas elencados abaixo são chamados de "Os Sete Problemas do Milênio" e a resolução de cada um deles corresponde ao prêmio de um milhão de dólares, oferecido pelo Instituto Clay de Matemáticas, com sede em Cambridge. São eles:

A existência de Yang-Mills e o intervalo de massa A hipótese de Riemann O problema “P versus NP“ A equação de Navier-Stokes A conjetura de Hodge A conjetura de Poincaré A conjetura de Birch e Swinnerton-Dyer

Falamos um pouco em julho, edição nº 15 da Revista Sarau Subúrbio, sobre o probelma "P versus NP" e de sua importância para diversas questões que envolvem problemas computacionais. O Clay Mathematics Institute lançou os prêmios no ano de 2000, até agora somente um dos problemas foi resolvido: a conjectura de Poincaré, no ano de 2010, foi resolvida pelo matemático russo Grigori Perelman. Perelman já era um matemático conhecido quando resolveu a conjectura de Poncaré. No ano de 1994 ele tinha provado outra conjectura, com nome bastante poético por sinal: "A Conjectura da Alma". Esta conjectura nos diz que podemose deduzir as propriedades de um objeto matemático a partir de pequenas regiões desses objetos, a tais pequenas regiões os matemáticos chamam alma. O matemático russo, após resolver a Conjectura da Alma, recebeu ofertas de ótimos cargos em algumas das principais universidades do mundo: Princeton, Stanford, dentre outras, entretanto preferiu ficar no Instituto Steklov, em São Petersburgo, recebendo muito pouco: menos de US$ 100 por mês.


Aliás, Perelman é uma figura peculiar neste sentido: apesar de ter resolvido um dos problemas do milênio ele recusou o dinheiro do prêmio. Anteriormente, no ano de 2006, Perelman já havia recusado outra premiação importante: o matemático recusou a medalha Fields – conhecida como o Nobel das Matemáticas – e sumiu de vez, retirou-se da vida pública, Perelman é avesso a exposições e aparentemete preza muito por sua privacidade. O matemático russo resolveu a conjetura de Poincaré, isso foi comprovado após anos de estudo da sua demonstração. Uma hipótese que se considerava, até ao momento, uma das mais importantes e difíceis de demonstrar. A conjectura de Poncaré começa com um problema no século XVIII, chamado de "O Problema das Pontes de Königsberg" (hoje Kaliningrado, na Rússia).

A resolução do problema das pontes deu origem a um ramo totalmente novo da Matemática, a Topologia. Como muitos outros grandes problemas matemáticos, o problema das pontes começa com uma indagação bem simples (uma lenda talvez!), quase um enigma para crianças, vejamos: A cidade de Königsberg tinha sete pontes sobre um rio de nome Pregel. Estas pontes não conectavam apenas os dois lados do rio não, ligavam-se a duas ilhotas dentro do curso do rio. O que nos reza a lenda? Que muitos se perguntavam numa época remota: Seria possível sairmos de casa, em uma das quatro regiões da cidade de Königsberg, cruzar todas as pontes uma única vez e voltar ao mesmo ponto de partida? No ano de 1735, um dos maiores matemáticos de todos os tempos, Leonhard Euler, respondeu aos cidadãos que gostavam de fazer suas caminhadas pelas pontes da cidade: não era possível. Claro que omitiremos os detalhes, entretanto, o mais curioso é que, ao resolver o problema, deu-se um salto conceitual decisivo para a criação de um ramo da Matemática, a Topologia.


O matemátco Euler percebeu que, no problema das pontes, pouco importavam as distâncias, as medidas. Importava mesmo era a forma como as pontes estavam conectadas entre si, assim, a teoria desenvolvida para o problema das pontes poderia ser usada para todas as configurações topologicamente iguais às do problema das pontes. E assim deu-se início ao ramo da Topologia Matemática, bastante estudada e aplicada na sociedade: os conceitos de topologia hoje embasam praticamente todos os trajetos de mapas de metrô do mundo, respondem à questão: como chegar aonde querem ir da melhor maneira possível. Outros matemáticos já afirmaram ter resolvido outros problemas milênios, entrentato, nada foi comprovado. Inclusive, um dos maiores matemáticos do século XX, Michael Atiyah, disse ter encontrado a "Fórmula dos Primos", fórmula que preveria a posição dos números primos dentro de uma série de algarismos, é a chamada Hipótese de Riemann, para muitos o mais difícil dos problemas, entretanto, o matemático faleceu em janeiro de 2019 sem apresentar a demonstração. Mas, como é a conjectura de Poincaré? Ah! Será assunto de outro mês aqui na Revista Sarau Subúrbio. H e r a l d C o s ta


Hoje, logo pela manhã, ouvi um canto bastante conhecido na minha porta e para minha surpresa era meu primo Uirapirado. Fiquei muito surpreso pois ele mora na Floresta Amazônica, bem distante do subúrbio carioca. - Meu primo, Uirapirado! Quanto tempo! Como vai!? - Oi, primo Tiziu! Infelizmente as coisas não vão bem pro meu lado... Quando o primo disse aquelas palavras de forma tão sentida que percebi como ele se apresentava: abatido, com as penas chamuscadas, cheias de foligem. - O que houve, primo? Estou vendo que você andou por uma ruim. Suas penas estão chamuscadas! - É o efeito das queimadas que vêm ocorrendo na Floresta Amazônica! Um crime... aquilo é um crime... - Uirapirado, tenho acompanhado pelas redes sociais! Que triste! - O homem não aprende que essas queimadas não destroem somente as árvores. Milhões de vidas dependem da floresta. Ela é abrigo, domicílio, alimento, esconderijo, vida mesmo... até para o próprio homem. - A política atual só pensa no lucro a qualquer custo. Uma tristeza o que estão fazendo. Uma injustiça. Um crime. - Verdade, primo. O problema é que muitos animais e plantas estão pagando um preço alto. Mas essa dívida um dia baterá na porta dos homens, aí eu quero ver! - Primo! Infelizmente essa dívida já está batendo... já está batendo! Mas, entra! Fique à vontade que a casa é sua! Você deve estar cansado! Como algo, tome um banho e depois durma um pouco! ..............................................................


.............................................................. - Acordou, primo Uirapirado!? - Sim, primo! Muito triste com essas queimadas! - Primo, enquanto dormia fiz um soneto:

S O N E T O DO S U B Ú R B I O V E R DE Tem verde nas casas e muros daqui Nas praças e ruas, por todo lugar Pedindo mais verde canta o bem-te-vi O pouco que há temos que preservar Ainda tem pouco, diz a sabiá Pro subúrbio verde se instalar de vez Arvoredo, arbusto, floresta e mata Se plantarem vão tirar a nota dez Papagaio pede sombra no verão Cotovia clama frutas nos quintais E o ar mais puro chegando ao pulmão Plantem árvores onde cantem pardais Preservem as matas para o gavião Pro subúrbio verde: são coisas vitais! Tiziu



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