Revista Sarau Subúrbio de Outubro de 2019

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EXPEDIENTE Edição: V. 2, n. 9 - outubro de 2019

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Periodicidade: mensal

Revisão: a revisão dos textos é feita pelo próprio autor, não sofrendo alteração pela revista (a não ser tão-somente quanto à correção de erros materiais). Diagramação: Marcelo Bizar Capa: Concepção: Marcelo Bizar e Marco Trindade; Arte e Grafismo: Marcelo Bizar Foto da capa: "Nos trilhos da Literatura" - autor: Leo Bruno Imagens: as imagens não creditadas são da Internet. Distribuição: A distribuição da Revista Sarau Subúrbio é online e gratuita. Plataformas de leitura: https://revistasarausuburbio.com.br, ISSUU e Calamèo. Notas importantes: A Revista Sarau Subúrbio é uma publicação totalmente gratuita, sem fins lucrativos. Não contamos com patrocínio de qualquer natureza. Nosso objetivo, em linhas gerais, é servir de instrumento para que os artistas que não possuem espaço de divulgação nas mídias tradicionais possam apresentar seus trabalhos, nas mais variadas formas, seja na literatura, na música, no cinema, no teatro ou quaisquer outras vertentes artísticas, sempre de forma livre e independente. Todos os direitos autorais estão reservados aos respectivos escritores que cederam seus textos apenas para divulgação através da Revista Sarau Subúrbio de forma gratuita, bem como a responsabilidade pelo conteúdo de cada texto é exclusiva de seus autores e tal conteúdo não reflete necessariamente a opinião da revista. Editores Responsáveis: Marcelo Bizar e Marco Trindade Conselho editorial: Marco Trindade, Marcelo Bizar, Silvio Marcelo, Kátia Botelho Contato: sarausuburbio@gmail.com


EDTORIAL Nós somos barro, somos chão, somos pó, somos poeira, somos suburbanos e não negamos a nossa origem. Nossa vida é uma reinvenção diária, estamos em movimento sempre, todos os dias lutamos bastante, não é tarefa das mais fáceis enfrentar problemas estruturais, driblar por vezes o desânimo, convencer o colega de trabalho que nos Subúrbios têm gente bacana, têm produção cultural de alta envergadura, nadamos sempre na contramão, a nós resta a difícil tarefa da desconstrução, nós suburbanos, definitivamente, detestamos mitos. Mas a nossa sina suburbana, aquela que não nos larga de forma alguma, é ter esperança, principalmente quando olhamos para os lados e percebemos que tantos suburbanos e suburbanas estão criando, compondo, escrevendo, e mais, resgatando a autoestima de tantos outros moradores, os quais passam a se identificar e amar cada vez mais os seus bairros, as suas Histórias. Cantemos “RAÇA BRASILEIRA”, que poderia muito bem se chamar RAÇA SUBURBANA. Boa leitura!

RAÇA BRASILEIRA (Elaine Machado/Mathias de Freitas/Zé do Cavaco) Eu sou barro, eu sou chão Eu sou pó, eu sou poeira Sou filha desse torrão Eu sou a raça brasileira (bis) Eu moro no pé do morro Que fica ao lado de uma favela É tão perto que eu acho Que eu faço parte dela É lá que eu bato cavaco E no partido alto sou considerada Sou o retrato falado Do samba cadenciado

Minha filosofia é cantar os meus versos Com simplicidade, é provar Que o morro também Tem direito a felicidade (bis) Eu sou barro, eu sou chão Eu sou pó, eu sou poeira Sou filha desse torrão Eu sou a raça brasileira (bis)


SUMÁRIO

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EXPEDIENTE EDITORIAL SUMÁRIO POEMAS BIOGRAFIA DO HOMEM SEM VOZ SARAU CELESTIAL: JACKSON E ELTON CARTA AO RAPHAEL O AMOR SAMBA DE RODA SEM CENSURA CENSURADO POR SER POPULAR DEMAIS A TEMPOSIÇÃO DAS ALMAS ÍNCUBAS - CÍRCULOS MÁGICOS EM GUIAS-DECONTA DESABAFO DE MULHER VERINHA DA MANGUEIRA E MANU DA CUÍCA CÉU DE PIPAS UM LUGAR NO SUBÚRBIO BUSCANDO O MÁXIMO DE POESIA COM O MÍNIMO DE VERSOS - PARTE 1 MULHER AMADA ESTANTE SUBURBANA VITROLINHA SUBURBANA FOI UM SAMBA QUE PASSOU EM MINHA VIDA A TERCEIRA MARGEM DOS TRILHOS NO TREM A MATEMÁTICA DAS ABELHAS O DIA EM QUE O MUNDO QUASE ACABOU CHAMADA PRO VIRADÃO CULTURA SUBURBANO BLOG DO TIZIU


POEMAS

I n v o l u ç õ es Ninguém anda na rua Depois das vinte e três Todos estão com medo Do medo que aqui se fez Não adianta querer soltar a voz Porque as balas podem ferir o verbo clima de opressão nas ruas vai sucumbindo o direito de ir e de vir babaquaras passeiam em seus carros blindados numa involução animais sempre encontram solução

M o m e n to C h e quando precisarem de um assassino vil, cumpridor de sentenças descontroladas serei voluntário.

Por que? os julgamentos revolucionários serão rápidos acontecerão bem em frente as prefeituras precisaremos de marceneiros para a montagem das forcas, Cinegrafistas credenciados da CNN para a transmissão todo político que roubar o que é do povo não merecerá perdão.

Rodolfo Caruso Poeta todo dia


BIOGRAFIA DO HOMEM SEM VOZ

Nunca fora ouvido pelos santos Nem ungido pelos padres e pastores. Jamais fora escutado por doutores Ou senhores mandachuvas de poder. Na tevê os oportunistas discursavam, Mencionando massacrados do sistema, Não moviam no entanto palha alguma Pra mudar tão cruel realidade. Odiento, se sentiu qual fosse um mártir, Foi levando uma vida nada honesta E tornou-se tão mau como a engrenagem, Insensível, violento, impiedoso. Ostentava relógios, muitas jóias, Armamentos, amantes, namoradas, Divulgava seus atos de coragem, Se sentia um herói dos tristes guetos. Mas um dia foi achado numa esquina, Sem a vida e de um jeito horripilante: O sistema clandestino o não ouvira, Outro mundo pra falar não sei se há.

Ba r ã o d a M a t a


SARAU CELESTIAL: JACKSON E ELTON

-- Salve filho da cantora Flora e da alegria! -- Salve, sambista amante do Olaria! -- Cheguei no teu centenário, Jackson do Pandeiro e do forró. -- Bom Elton, ficaste lá quase nove décadas, ô Glória! -- Eu nasci neste bairro, mas migrei para Leopoldina. -- O paraibano aqui foi buscar a parceira Almira no Recife e depois virou carioca honorário. -- Você convidou a comadre SEBASTIANA, mas esse jogo não pode ser UM A UM... -- E pra você, O SOL NASCERÁ PARA SEMPRE, eu tinha um PRESSENTIMENTO... -- Tempo bom aquele do Rosa de Ouro, fomos com a Quelé pra África. -- E saiu fundando escolas de samba, vixe Maria... -- Ajudei a criar, né, Tupi, Lucas, Quilombo... -- Eu também morei em Olaria, fui atropelado, quase que vim mais cedo pra cá, mas me deixaram ficar mais um pouco. -- Foi pra nova geração nordestina beber da fonte jacksoniana... -- Depois desse elogio eu decreto: o alçapão da Bariri agora se chama Elton Medeiros!

Orl a n d o Ol i v e i ra


CARTA AO RAPHAEL Faz trinta e quatro anos que não estás entre nós neste denso e atrasado plano. Hoje, uma saudade atroz, assaz atormentadora, deixou-me abatido e inerme como a força destruidora de um poderoso verme. Que, com vagar, corrói, não o que me dói, mas o que ora me conforta após bater em muitas portas. A procura de sedativos que arrefecessem meus pesares, cheio de ódio e obsessivo, vaguei por muitos altares na busca de alento. Encontrei alguns paliativos que aliviaram meus tormentos, tornando-os menos aflitivos. Porém, fatídicas lembranças sobrepuseram a resignação de vê-lo partir criança sem a menor comiseração. Como tábua de salvação, agarrei-me a boas recordações para não sucumbir a desolação num oceano de frustrações. E, hoje, ainda tristonho, mantenho-me na tona mediante a um esforço medonho até esta hora nona. Espero que ao cair da noite a lua abrande esta maré e um bom vento açoite a minha alma com um cafuné.


Espero que ao cair da noite a lua abrande esta maré e um bom vento açoite a minha alma com um cafuné. Assim, talvez, um armistício não torne esta batalha rotineira e transforme em sentimento vitalício uma sensação passageira. Já não chorava a sua partida, mas sentia a sua essência em muitas ações vividas e lastimava a sua ausência, pois os sonhos que, egoisticamente, tracei para mim e você ainda estão presentes e a sua mercê.

Kaju Filho


O AM O R ?

O amor embeleza o mundo Os sonhos acalmam a alma A esperança alenta os sentidos E a Paz nos protege a razão Como é bom ter o silencio E poder curtir o amanhã Saber que se pode ter um sim Um sorriso, um perfume Uma vontade de estar juntos E poder cantar uma bela canção Sem se importar se o tom É maior ou menor Sustenido ou bemol Se o refrão se repete mais de duas vezes. O final? Não existe pressa As frases sempre se renovarão E o amor Sempre embeleza o mundo! Somos alegria, magia, sedução Somos paixão! Temos argumentos Somos poesia E no sentido da palavra amor Com ou sem pudor De uma maneira exacerbada Doando, escrevendo, esperando Porém nunca, entendendo!!!

Junior da Prata


SAMBA DE RODA SEM CENSURA

A censura quando chia Quer que a arte se aquieta Mas com o povo não se cria Nossa arte é liberta Eu canto e levo versos A todo lugar que chego Não calo meus pensamentos Querendo agradar censura Me levo por fundamentos A censura quando chia Quer que a arte se aquieta Mas com o povo não se cria Nossa arte é liberta A voz da arte não cala Cultura é o que dá valor Liberdade é o que nos fala E faz crescer o Amor A censura quando chia Quer que a arte se aquieta Mas com o povo não se cria Nossa arte é liberta Respeito é nosso guia Sabemos seu endereço Não deixo de venerá-lo Quer me calar a censura? Daí é que mais eu falo A censura quando chia Quer que a arte se aquieta Mas com o povo não se cria Nossa arte é liberta


Respeito é nosso guia Sabemos seu endereço Não deixo de venerá-lo Quer me calar a censura? Daí é que mais eu falo A censura quando chia Quer que a arte se aquieta Mas com o povo não se cria Nossa arte é liberta Os censores não aprendem Não podem calar o povo Judas são os que se vendem E quem censura é baba-ovo A censura quando chia Quer que a arte se aquieta Mas com o povo não se cria Nossa arte é liberta

Malkia Usiku


CENSURADO POR SER POPULAR DEMAIS

- Sabe quem sofreu muito com a censura? - Quem? - Adoniran Barbosa! - Ah, você tá de brincadeira? Adoniran Barbosa? - Sim, pois é! - Explica isso, Hébrio… o Adoniran!? - Ocorreu em por volta dos anos 1970. E olha que coisa interessante: algumas das músicas censuradas já haviam sido gravadas desde a década de 50, uns 20 anos antes! - Então censuraram antigos sucessos do Adoniran, foi isso? - Isso mesmo. Uma delas é bastante conhecida por todos, o famoso Samba do Arnesto, composição do Adoniran com Alocin. Os versos originais: “O Arnesto nos convidou prum samba/ Ele mora no Brás/ Nóis fumo/ Num encontremo ninguém/ Fiquemo cuma baita duma réiva/ Da outra veiz nóis num vai mais (Nóis num semo tatu)”. - Mas, o que tem demais nesses versos? - Não viu nada!? Os censores viram. Disseram que só iriam liberar a música se a letra fosse mudada. E, claro, disseram como deveria ser: “Ficamos com um baita de uma raiva/ Em outra vez nós não vamos mais (Nós não somos tatus)” - Mudaram o quê? Não entendi nada! Só acertaram o Português! - Acertaram, não! O que eles censuraram não foi erro de gramática. Também não entendo o que se passa na cabeça de um censor. A censura, no caso do Samba do Arnesto, pelo que me parece, seria quanto ao “jeitão ítalo-paulistano” que os moradores do bairro do Brás falam o Português. Um jeito de falar tão popular. O jeito do povão. - Vai saber o que se passa na cabeça desses censores!? - E também teve censura na música Tiro ao Álvaro, que é do Adoniran com Oswaldo Moles. - Ah! Já sei! Por causa da palavra "tiro"!? - Algumas palavras foram até marcadas, nesse caso. Foram elas: "tauba", "revorve" e "artomove"! - Ué! O "tiro" passou!?


- Pois é... passou nessa época e quiseram censurar recentemente com um funk que dizia "Que tiro foi esse?", você lembra disso!? - Lembro sim! Música de uma MC... Todynho! - Isso! Isso, mesmo! - Fiquei curioso! Por que censuraram "tauba", "revorve" e "artomove"? - Teve motivo exposto dessa vez. A conclusão dos censores foi a seguinte: "... falta de gosto impede a liberação da letra." - Mas, o que é isto!? Falta de gosto!? A música fez um tremendo sucesso. Até a Elis Regina gravou! - Pois é... mas, não parou aí! - Teve mais o quê? - Os títulos dos sambas deveriam mudar! - Ah! Bem que sabia! Mandaram tirar o "tiro"!? - Não! O tiro poderia continuar só que o título deveria ser "Tiro ao Alvo". No caso do outros samba: "Samba do Ernesto"! - Ainda bem que não censuram o nosso boteco escondidinho aqui em Olaria. - Verdade, por coincidência tem o sugestivo nome de Boteco... - Seus canalhas, vocês vieram aqui pra beber o pra conversar! Se continuar essa conversa coloco os dois pra fora do meu bar! - Hébrio, o seu Juzepe não tá gostando da nossa conversa! - Vai ver está lhe trazendo lembranças de São Paulo. O nome dele é Giuseppe. Capisce!? - Então melhor parar, Hébrio! Pede mais uma e quem sabe não chega até um daqueles pires de tremoços! - Camarada Giuseppe, desce então mais uma... pode ser Cacildis, Ditriguis ou Forévis, tanto faz! E um pires de tremoços pra uns nadarem no gelo!

J o n a s H é b ri o


A TEMPOSIÇÃO DAS ALMAS ÍNCUBAS CÍRCULOS MÁGICOS EM GUIAS-DE-CONTA

Era noite de lua-cheia e Hombre Tonto tinha terminacabado seu quasejejumdetrêsdias. Ficara bebendo somente uma infusão de ervas que aprendera com o Oitavo Alquimista. Era bastant'amargo, quase-de-vômito-no-estômago, mas, ElHerói de las Gentes sabia que tinha que passar por aquilo. Ele aprendeu em Kimbundo com um velho sábio Mbundu, que vivia ás margens do Rio Bengo, umas Mirongas. Hombre Tonto não era Mirongueiro, longe'disso! Foi numa excursão de aprendizagem pela Mãe África que aprendeu algumas coisas. Não poderíamos descrever como se faz tal encantamento: só os iniciados de ordem superior podem aprender um verdadeiro Mulonga. A de encontrar alquimistas, pelo menos a que ele sabia, era feita por meio de guias-de-conta. Muitos as usam para proteção e nem desconfiam do poder que elas têm. Elas podem ser usadas como círculo mágico. Proteção? Sim! Incocação? Sim! Evocação? Sim! E também para Deslocaçõesfluxo-quântico-temporais. A guia-de-contas deve ser consagrada para se transformar um círculo de fluxodeslocativotempoquantical. A Consagração mais eficaz é aquele ritualizada em cavernas profundas e escuras. A Consagração ocorre nesta ordem: faz-se a limpeza das guias-de-conta, depois a Imantação Perispirítica e por último a Consagração. No caso de Hombre Tonto, como o Oitavo Alquimista é um Boiadeiro, a Consagração deve ocorrer numa floresta. Por isso nosso Herói de Las Gentes estava na Floresta do Camboatá, Deodoro, Subúrbio Carioca.


Uma floresta onde caberiam facilmente dois Jardins Botânicos. Lugar pr'onde o próprio Jardim Botânico do Rio de Janeiro enviou pesquisadores, que coletaram sementes de espécies raras e nativas da Mâe Mata Atlântica. Agora se encontra ameaçada de extinção. Querem matar a mata pra construir autódromo. Algumas pessoas querem correr para sua própria destruição. - Mulonga boa dança. Foi o primeiro ensinamento que o velho sábio Mbundu Kahumba Ngimbi, que traduzido seria "João-de-barro-cantor", ensinou para Hombre Tonto. ElHerói demorou quase dois séculos para conseguir decifrar o que ele queria dizer nesta primeira aula. O pior foi o segundo ensinamento: - Dança boa, Mulonga. E Tonto disse: - Ora, mas agora está fácil! É o fluxo inverso do primeiro ensinamento. Ao que o sábio Ngimbi, após rir intensamente por duas horas, respondeu. - Não! Foi então que Hombre Tonto entendeu que não seria fácil aprender um verdadeiro Mulonga. Há pouco mais de dois anos, depois de sete séculos, que ele conseguiu entender o significado de palavras tão profundas. Só então pode Imantar uma guiade-contas, consagrando-a logo depois com o nome de ... (só seus superiores iniciados podem saber o nome iniciático de sua guia-de-contas). Outra dificuldade ocorreu em relação ao Chamacântiquentoação. Poderíamos dizer, simplificando bastante, que se tratava de uma espécie de mantra-ladainha-requiem-sambístico-em-prece-cântico-oração-rapsódia-pontoabracadismo-forró-rondó-distorcido. Mas, o nosso Herói de Las Gentes foi ao deserto-verde, colocando o ouvido em todos os baobás que encontrava pela frente, até ouvir de um deles o seu Chamacântiquentoação. O baobá lhe cantou ao ouvido em Xhosa: Umthi uyathetha Mamela kakuhle Igama lamandla Bhabha phezulu Umthi uyafundisa Que traduzindo seria:

A árvore fala Escuta bem Poder-nome Então voa alto A árvore ensina

Pazuzu Silva


DE S A B A F O DE M U L H E R Se nascesse novamente Mulher queria ser Pois no seu ser Efervescente Promove na humanidade Tudo que há de fértil E transformador Não é interessante por ser mãe Esposa ou filha Mas sim por ser aquela que agrega Cuida e revoluciona O cérebro é pensante 24 horas, podendo realizar Várias coisas ao mesmo tempo e ter satisfação com isto. A hipófise dá os comandos para as ações do seu corpo. A mama não é só a glândula que amamenta, seu erotismo é mais significativo que todo o corpo. Seu útero é a força motriz que impulsiona E lubrifica uma genitália que pulsa , com um clitóris ereto como se fosse um pênis. Os Ovários Lançam os hormônios que sensibilizam seus humores e sua forma de estar na vida Por isto é tão diferente e especial. Quando goza é por inteiro. Se múltiplos são não importa,mas são intensos e verdadeiros Como é bom ser mulher e ser dona do viver. Procriar vontades e desejos, sem submissão, violência física ou psicológica. Morrer de prazer, não de opressão ou misoginia. É poder ser Livre. Deixem as mulheres Viver.. É preciso compreender que o Machismo merece um tratamento especial e que os Homens precisam de ajuda. Mudar é uma forma de construir novos caminhos aonde a Felicidade pode acontecer....

Márcia Lopes


VERINHA DA MANGUEIRA E MANU DA CUÍCA Vera Lúcia da Silva, a Verinha da Mangueira, já falecida juntamente com a Lecy Brandão, foram as primeiras mulheres a se filiarem na Ala de Compositores da Mangueira. O ano era o de 1972. O lugar de mulher é aonde ela quiser. Verinha por já ser componente da escola na época, foi matriculada com o número 29 e Lecy Brandão com o número 30. Verinha foi vencedora de samba-enredo por três vezes, ora com uns parceiros, ora com outros. Em 1987 a Mangueira sagrou-se bicampeã com o Enredo “Carlos Drummond de Andrade” e o samba foi dela com parceiros. Em 1993 no Enredo “Desta fruta eu como até o caroço” e Verinha foi uma das autoras do samba com outras parcerias. E a Mangueira ficou em Quinto Lugar. No carnaval de 1995 a Mangueira desfilou com o enredo “Esmeralda do Atlântico” tendo a escola ficado em sexto lugar com samba de Verinha e parceiros. Portanto foi a compositora do grupo especial com mais samba-enredo em seu curriculum. Moradora da Favela do Esqueleto onde hoje está instalada a UERJ, Verinha ainda menor trabalhava na Fábrica de azulejos da família do Presidente da Mangueira da época, Roberto Paulino, na Rua Visconde de Niterói, 132, próximo a quadra do cerâmica, onde a Estação Primeira ensaiava e também já desfilava em Ala feminina da escola. Hoje no histórico de Sambas-Enredos da escola ela já não está sozinha. Surgiu Manu da Cuíca, que no carnaval do ano corrente foi autora do sambaenredo “Historia para ninar gente grande” em que a Mangueira foi campeã em parcerias. Para o ano de 2020, Manu da Cuíca novamente participou da autoria do hino que representará a Mangueira no Enredo “A verdade vos fará livre”.. Ela toca quase todos os instrumentos de percussão de uma escola de samba. Já teve 12 musicas gravadas e sete contos publicados em coletânea.


Participou também do Livro em homenagem ao Bip Bip comandado por Alfredinho e onde sempre gostou de frequentar. Manu da Cuíca, a Manuela Oiticica teve um parente que desfilava na Mangueira nos anos de 1960. O artista plástico Hélio Oiticica que desfilava como passista levando o samba no pé como deve ser. Lecy Brandão tentou várias vezes no concurso de samba-Enredo, não conseguiu, mas muito contribuiu pela grandeza da Ala dos Compositores da Mangueira. Salve “In memoriam” Verinha da Mangueira e salve Lecy Brandão e Manu da Cuíca.

Onésio Meirelles


CÉU DE PIPAS Era fim de tarde de um dia de outono num subúrbio do Rio de Janeiro. O sol já se punha no horizonte provocando no céu variadas tonalidades. Poliana chegou apressada da escola, jogou a mochila para um lado e subiu apressada para o terraço. Digamos que não era bem um terraço, era mais uma laje murada sem muito acabamento. O irmão mais velho já estava lá a algumas horas. Como ele estudava pela manhã, podia dedicar parte de suas tardes a uma de suas atividades preferidas: empinar pipa. Tal atividade, por sinal, era apreciada também por quase todos os garotos do bairro, e até mesmo por alguns marmanjos. Poliana amava ver o céu cheio de pipas, ficava contemplando aquele espetáculo por minutos atéo último ato, que se dava com um majestoso pôr do sol. E quando uma pipa caia era aquele alvoroço: todo mundo correndo atrás do objeto desejado, que apesar de baratinho, adquiria um valor incalculável quando saia “voada”. - Ô menina, desce daí e vem tomar banho! Nem tirou a roupa da escola, vai sujar tudo sentada nesse chão. - Já vou mãe. Só mais um pouquinho! – falava Poliana em tom de petição. - E seu Junior pode descer também, chega de pipa por hoje. Daqui a pouco já tá na hora da janta. - Tô indo, mãe. Os finais de tarde eram praticamente iguais. Os dias eram praticamente iguais, mas Poliana nunca se cansava. Depois da escola já sabia: era hora de ocupar o seu posto de admiradora dum céu de pipas com um belo fundo rosado. Parecia que o tempo não passaria nunca, que a vida seria sempre daquele jeito. Poliana sentia-se feliz com isso. Mas o tempo sempre passa para tudo e para todos. Poliana cresceu, o irmão e os moleques do bairro cresceram, seus pais envelheceram, os marmanjos da rua também. Entretanto, ainda hoje ao voltar do trabalho cansada dos afazeres da vida adulta, Poliana olha para o céu procurando aqui e ali uma pipa. Quando vislumbra uma, é como se um raio de sol perpassasse o seu olhar, e o coração se enche de saudade e gratidão por ter vivido a sua infância no seu querido bairro suburbano.

Ana Cristina de Paula


UM LUGAR NO SUBÚRBIO CENTRO CULTURAL NOCA DA PORTELA

No último dia 13, o bairro do Engenho de Dentro amanheceu culturalmente mais rico, é que foi inaugurado com direito a muito Samba, e uma deliciosa feijoada, o Centro Cultural Noca da Portela. Patrimônio do bairro, o ilustre morador, compositor de vários clássicos de nossa música, aos 86 anos recebeu justa homenagem, a partir da iniciativa do músico Paulo Magalhães, que já comandava no espaço uma escola de música. Além de ser um importante memorial dedicado à biografia do Sambista, a casa dará continuidade ao projeto da Oficina de Roda de Samba, já existente. Vale a pena conferir a programação musical do espaço através das redes sociais. O endereço do Centro Cultural é rua Gentil Araújo, nº 39, Engenho de Dentro, coladinho no famoso Engenhão.


BUSCANDO O MÁXIMO DE POESIA COM O MÍNIMO DE VERSOS - PARTE 1 "Propomo-nos tratar da produção poética em si mesma e de seus diversos gêneros, dizer qual a função de cada um deles, como se deve construir a fábula, no intuito de obter o belo poético; qual o número e natureza de suas diversas partes, e falar igualmente dos demais assuntos relativos a esta produção." Aristóteles, em Arte Poética

Hoje em dia muitos escritores optam por escrever seus poemas sem a rigidez formal relativa à forma do poema. Apesar disso, há poemas de estruturas fixas que ainda são bastante escritos e lidos. Muitos poderiam pensar que fazer poemas com estrutura formal rígida é coisa dos escritores antigos, coisa ultrapassada, ledo engano: há poemas criados em nossa época que apresentam forma rígida e também propostas de novos poemas de forma rigidamente estruturada. Falaremos um pouco sobre algumas dessas composições poéticas. Entretanto, vamos conversar sobre as formas que além de rígidas são sintéticas. Poemas rígidos de poucos versos. Hoje vamos divagar um pouco sobre algumas, de forma rápida, degustando. Outras composições virão em encontros futuros, lembrando que queremos falar daqueles poemas que nos encantam por apresentarem muito sentimento poético em poucos versos. Poemas de somente um ou dois versos são mais raros, mas podemos apreciálos também: são os Monásticos (frases poéticas, máximas poéticas...). Um que gosto bastante é do poeta Lemos Sélio Duarte: "BREAK! Há uma pedra no meio dos pixels". Já a Parelha (ou Dístico) é um poema composto de 2 versos. Um exemplo temos no poema de Antero Catan: "Nunca vi um poeta Se escondem nos versos." Com três versos temos os Tercetos. O poeta Pazuzu Silva propôs o que ele chama de Trinquetas, composição poética de três versos que devem conter satirizações ou "brincagens poéticas": "Final disperso Restou o sol Dado no verso."


De quatro versos temos a Epigrama Clássica, que com os romanos teve o sentido satírico acentuado: “João ama Maria Aquela que mal via? A caolha, ora pois! E ele: cego dos dois.”

Marcelo Bizar

Temos ainda a Trova, que geralmente é composta por uma quadra (4 versos) ou em oitavas (8 versos). Sem tema definido. A Cantiga, que se concentra em temas amorosos, é uma composição poética desenvolvida geralmente em duas partes: um mote de 4 ou 5 versos e uma glosa de 8 a 10 versos. Assim, uma cantiga terá no máximo 15 versos. Concentra-se em temas amorosos. A Esparsa, preferida para expressar sentimentos tristes e melancólicos, é composta por uma única estrofe de 8 a 16 versos. Temos também o Vilancete, que possui um mote que varia de 2 a 3 versos, seguido de uma glosa (ou volta), que pode ter somente uma estrofe de 7 versos. O Soneto não poderia de jeito nenhum ficar de fora! O bastante apreciado, e conhecido popularmente, Soneto é uma composição poética constituída de 14 versos, os famosos 2 quartetos e 2 tercetos. Conversamos já sobre muitas composições poéticas rígidas e sintéticas. E olha que, apesar de conversarmos sobre muitas, ainda tantas outras formas poéticas pequenas, sintéticas há pra falar, tais como o Rondel, o Haikai, o Tanka, a Aldravia, o Poetrix, e outras. Vamos terminar nosso encontro falando do famoso Limerique. O Limerique é um poema curto que tem origem na literatura oral inglesa e/ou irlandesa uma vez que os estudiosos afirmam que o nome é devido à sua origem na cidade irlandesa de Limerick, entretanto sua divulgação e popularização teriam sido feitas por Edward Lear, poeta e ilustrador inglês. O certo é que teve origem na poesia oral, suburbana, do povão mesmo. Em regra, um Limerique deve ironicamente começar com a fórmula "Era uma vez…", muitos enxergam nisso um certo sarcasmo em relação aos contos de fadas. E a composição poética apresenta-se geralmente em cinco versos com esquema rítmico A A B B A (poucas vezes em 4 versos). Os Limeriques seguem um padrão: entre seus cinco versos devem rimar entre si o primeiro, o segundo e o quinto, que são versos mais longos, e o terceiro e o quarto, que são versos mais curtos que os outros, devem rimar entre si também. Os escritores Joaquim de Sousândrade e Clarice Lispector foram brasileiros que gostavam de escrever Limeriques.


Os Limeriques acabam nos fisgando e ficamos tentados a tentar compô-los. Tem um aspecto infantil bem interessante, a partir de sua fórmula inicial, e a tentação da sátira, do humor do sarcasmo, que são os motes ideológicos. Faço minha despedida deixando dois Limeriques escritos por mim. Já que eles representam bastante o espírito infantil, achei bem adequado divulgá-los agora no mês de outubro. Forte abraço e até nosso próximo encontro.

Limerique I Era uma vez um carrapato Que esteve dentro do sapato Pulou sem demora Saiu mundo à fora Mas se perdeu, morreu no mato

Limerique II Era uma vez um utopista Que andava sempre sobre a pista Não viu empecilhos Voar sobre os trilhos Então virou um maquinista

Marcelo Bizar Escritor e Jornalista


MULHER AMADA Sentado à mesa de um bar Na esquina Recebo uma réstia de sol E reflito sobre a vida Essa corda bamba Se não fosse o samba Pra gente continuar Bebo mais um gole Da cerveja gelada E penso na mulher amada Ah! Saudade... Ah! Saudade... A máquina do tempo Relembra os momentos O primeiro afago Primeiro beijo A cama quente Noites suadas O calor da gente Ah! Mulher amada... Ah! Mulher amada...

Douglas Adade


ESTANTE SUBURBANA!

Noca da Portela e de todos os sambas Autor: Marcelo Braz


V I T R O L I N H A S U BU R BA N A !

NOCA DA PO RTELA MÃOS DADAS


FOI UM SAMBA QUE PASSOU EM MINHA VIDA

O depoimento de Marcelo Bizar para Foi um samba que passou em minha vida pode ser escutado na íntegra no endereço abaixo: https://soundcloud.com/sarau-suburbio/depoimento-de-marcelobizar-para-um-samba-que-passou-em-minha-vida


A TERCEIRA MARGEM DOS TRILHOS

O Japeri é quase um shopping. Talvez quase a Caverna do Saramago. A linha suburbana por excelência tem suas famas. Quem já andou num deles conhece uma delas: os ambulantes vendem de tudo. Com o aumento de cargas roubadas no Rio de Janeiro me deparei com cenas inusitadas. Era camelô vendendo carne, queijo, presunto, sabonete, shampoo, mortadela, camisas, bermudas, até carvão eu vi. Pensei cá com meus botões que uma pessoa poderia morar ali mesmo. O trem da linha Japeri é uma casa sobre trilhos. Por um momento me senti como um homem quieto dentro de uma canoa de pau de vinhático, pequena, navegando num rio sertanejo. O sol do Rio ajudou. Poderia, sim, morar dentro do Japeri: furtivo e devotado na terceira margem de seus trilhos.

Antero Catan


NO T R E M Do trem eu olho para o mundo, no trem eu sinto o vazio da existência, do trem eu grito, no trem eu sinto, do trem a vida se esvai nos trilhos, nos limbos, nas valas. O trem condensa a massa, linha de produção, catapulta do patrão braço do explorador. Anda, trabalhador! Corre, trabalhador! Se espreme, trabalhador! Sofre, trabalhador! Leva chibatada, trabalhador! Ouça a voz da SuperVia, ouça a voz da plutocracia: “Próxima estação aposentadoria aos 65 anos”!

Marco Trindade Poeta e Letrista


A MATEMÁTICA DAS ABELHAS "A Matemática é um desenvolvimento da cultura humana, e como parte da nossa cultura, não pertence ao mundo natural." Por incrível que pareça essa afirmação, que antes parecia uma certeza, vem caindo por terra. Numa das mais recentes descobertas, pesquisadores constataram que matemática básica pode ser feita por abelhas. O zero é um conceito abstrato que a humanidade dispõe efetivamente há pouco tempo. Basta lembrar que o símbolo que representa o conceito só surgiu no Sec V EC. Por incrível que pareça, as abelhas entendem o conceito de zero e podem ser ensinadas a fazer adições e subtrações básicas. É incrível, as abelhas podem aprender operações matemáticas básicas. Pesquisadores da RMIT University em Melbourne, Austrália fizeram um estudo que nos revelou tal façanha das abelhas. Eles ensinaram as abelhas a reconhecer cores como representações simbólicas para adição e subtração, e as abelhas se utilizaram de tais informações para resolver problemas aritméticos simples. Não só achávamos que a Matemática era de uso exclusivo dos seres humanos como também sabemos que a resolução de problemas matemáticos requer um certo nível sofisticado de cognição. Na resolução de problemas matemáticos ocorre um gerenciamento mental complexo de números, além de usarmos regras de longo prazo, bem como memória de curto prazo e memória de trabalho. Pois é, pelo visto até o minúsculo cérebro de uma abelha pode apreender operações matemáticas básicas, e nesse quesito não estamos sozinhos no Universo, como pensávamos. Estudos anteriores mostraram pássaros, primatas, bebês e até aranhas adicionando e subtraindo pela Natureza. Agora as abelhas fazem parte do time. E como as abelhas aprenderam?


A pesquisadora doutoranda Scarlett Howard, em seu Laboratório de Detecção Digital Bio Inspirada (BIDS-Lab), do instituto australiano que falamos antes, treinou abelhas individualmente para visitar um labirinto em forma de Y. E as recompensava muito bem: as abelhas ganhavam água açucarada quando faziam uma escolha acertada, mas quando erravam recebiam uma solução de quinino com sabor amargo. Alguns conhecedores do antigo experimento de Pavlov poderiam afirmar que as abelhas se condicionaram, mas isso não aconteceu. Ao longo do experimento, exatamente para evitar que as abelhas se condicionassem a ir apenas para o lado correto, a resposta satisfatória era alterada de forma aleatória. De início as abelhas fizeram escolhas aleatórias até descobrirem como resolver o problema. Depois de mais de cem tentativas exaustivas, as abelhas aprenderam o seguinte: a) o azul representava +1; b) já o amarelo -1. Simples? Nem um pouco uma vez que as abelhas conseguiram aplicar as regras a novos números. Os pesquisadores afirmaram que essa descoberta da capacidade matemática de abelhas pode nos ajudar a compreender melhor a relação que pode existir entre o tamanho do cérebro e seu poder e que tais estudos terão implicações futuras no desenvolvimento da Inteligência Artificial, particularmente para melhorar o aprendizado rápido de máquinas. O que é uma constatação por vezes preocupante, uma vez que cada vez mais robôs poderão tomar os empregos de muitas pessoas. Que a Ética, a Responsabilidade e até mesmo a Solidariedade sejam as diretrizes desses estudos.

H e r a l d C o s ta


O DIA EM QUE O MUNDO QUASE ACABOU

Mal amanhecera o dia e eu já pressentia: algo de terrível estava por vir. Uma atmosfera sinistra se apresentava. Pessoas passavam apressadas, pronunciando sons quase inaudíveis, gesticulando de forma frenética e com olhares estupefatos. Corriam em todas as direções, não esperando os sinais de trânsito fecharem, arriscavam as vidas em movimentos bruscos de um lado a outro da rua. Curioso e ao mesmo tempo temeroso decidi abordar um dos passantes e perguntar-lhe a razão de tamanha agitação. O dito cujo, um senhor de peso exagerado, ofegante e com voz trêmula se resumia a apontar numa direção e, suando em bicas, arriscou uma frase: − É ele! E, de súbito, escapou e, arrastando-se mais do que correndo, desapareceu na esquina antes que eu conseguisse terminar a frase: ele quem? Atônito e sem entender absolutamente nada, visto que aquele bairro sempre tranqüilo, se apresentava naquele momento algo assustador. Olhei para o céu tentando buscar uma explicação na natureza, já que nuvens carregadas pairavam no horizonte. Não consegui decifrar tal mistério que se mostrava cada vez mais apavorante. Continuei caminhando em direção a parada do ônibus, pois os ponteiros do relógio indicavam a possibilidade de atraso na chegada ao trabalho. Ao ajeitar-me no banco e resmungar o atraso do coletivo, mesmo estando a poucos segundos esperando, observo a alguns metros de mim, uma calorosa discussão entre duas mulheres de meia idade. Uma, de vestido vermelho, ruborizada no mesmo tom da vestimenta, vociferava palavras de calão que espantariam o mais vulgar dos desbocados. Enquanto a outra, chinelos calçados, lenço florido na cabeça, com uma das mãos na cintura e com o indicador da outra em riste dizia: − Você não perde por esperar, a sua vez vai chegar! De repente, um empurra, empurra entre as duas e a turma do deixa disso se apressou em apartar. Espantado com aquela sucessão de episódios até certo ponto insólitos, comecei a imaginar a possibilidade de que uma catástrofe estivesse prestes a acontecer. Tal idéia foi reforçada quando vi diversos carros de bombeiros, ambulâncias e viaturas policiais, todas de sirenes ligadas, passarem em alta velocidade por mim. Sentado que estava à espera do ônibus que nem dava sinal de estar vindo, assim como os outros que faziam parada no mesmo ponto, observo à minha direita, um aglomerado de homens vestidos com camisas de mangas, bem alinhados e de gravatas, algo parecido com vendedores de lojas de eletrodomésticos ou bancários, falando aos celulares numa linguagem rápida e indecifrável todos, absolutamente todos, suando frio e com testas franzidas. Um deles, desesperado gritava; − Vai acabar! Outro repetiu três vezes: o fim está próximo!


Até então, eu acostumado com as agruras da vida, calejado pelo tempo e possuidor de um autocontrole de fazer inveja ao Dalai Lama, não tinha alterado o meu estado emocional. Mas, a cena que se seguiu mexeu com a minha freqüência cardíaca e definitivamente abalaria a estrutura psicológica deste que vos escreve. Tal fato se deu quando vi uma massa desesperada de pessoas correndo em minha direção bradando gritos ferozes, parecendo estarem sendo perseguidas pela mais mortal das criaturas sobrenaturais. Atropelando-se, alguns caindo e sendo pisoteados, outros se acotovelando e, envolvido por essa turba ensandecida, lá estava eu ou o que restava de mim, encurralado entre o muro e a parada de ônibus. Quando recobrei os sentidos, percebi o farrapo humano que estava. Braços e rosto esfolados, calça e camisa rasgadas, sem um dos sapatos e óculos estilhaçados ao chão. Foi aí, nesse quadro desolador em que me encontrava que me dei conta finalmente da situação dantesca que ocorria no meu bairro outrora pacífico e acolhedor. Junto a mim, igualmente amassado, sujo e quase irreconhecível repousava um pedaço de papel, onde se lia: “ANIVERSÁRIO DO GUANABARA”!

Silvio Silva


D IA S 0 9 E 1 0 DE NOVEMBRO


AS NOTAS DE TRÊS REAIS Na era da feiquiniu Notícia é leva-e-traz Quem será que no Brasil É nota de três reais? De gente tão varonil Cheirando a aguarrás Mente vazia é funil Pra nota de três reais Teve gente que partiu Sonhando com Portugais E quando chegou só viu As notas de três reais Teve até quem implodiu Dizendo ter ideais Mas logo se confundiu Com as notas de três reais


Nem Big Brother Brasil Tem fatos tão desleais Pode a nação que o pariu Ter notas de três reais? Não sabe e diz que viu Posta em redes sociais Todos sabem quem mentiu E é nota de três reais Mito se desconstruiu Dos pilares tão banais Sobre os quais se erigiu Qual nota de três reais Até o Pinóquio riu Das narinas abissais Tem cara de pau-brasil Os "nota de três reais" Se ainda não se imprimiu As notas tão irreais Vai ver pode até tiziu Ser nota de três reais

Tiziu


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