ANO V • NÚMERO 4 OUT/NOV/DEZ 2016
REVISTA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
ENDOMETRIOSE E GINECOLOGIA MINIMAMENTE INVASIVA
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Contraindicações: sangramento vaginal não diagnosticado. Interações medicamentosas: pode alterar exames de parâmetros bioquímicos do fígado.
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Pietra ED (dienogeste). Indicações: endometriose. Contraindicações: distúrbio tromboembólico venoso, doença cardiovascular e arterial, diabetes mellitus com envolvimento vascular, doença hepática grave, tumor hepático, neoplasias dependentes de hormônios sexuais, sangramento vaginal não diagnosticado, hipersensibilidade. Precauções e Advertências: gestações que ocorrem entre usuárias têm maior probabilidade de serem ectópicas. Analisar relação risco/benefício do uso se existirem distúrbios circulatórios ou risco aumentado de eventos tromboembólicos. Interromper o uso na suspeita ou evidência de evento trombótico venoso ou arterial. Não existem estudos grandes para avaliar maior risco para câncer de mama. Em casos raros, tumores hepáticos foram relatados em usuárias de substâncias hormonais. Descontinuar o uso em caso de agravamento da depressão. Descontinuar o uso caso ocorra hipertensão clinicamente significativa. Pode apresentar leve efeito sobre a resistência periférica à insulina e tolerância à glicose. Pode ocorrer melasma e folículos ovarianos persistentes. Categoria B – Este medicamento não deve ser utilizado por mulheres grávidas sem orientação médica ou do cirurgião-dentista. A administração de dienogeste durante a lactação não é recomendada. A ovulação é inibida na maioria das pacientes durante o tratamento com dienogeste, mas este não é um contraceptivo. Interações Medicamentosas: indutores ou inibidores do CYP3A4 podem afetar o metabolismo do progestógeno. Podem ocorrer interações com outros medicamentos que induzem enzimas microssomais. A coadministração de rifampicina com comprimidos de valerato de estadiol/dienogeste levou a diminuições significativas das concentrações do dienogeste. Inibidores do CYP3A4 podem aumentar os níveis plasmáticos de progestógenos. Pode influenciar os resultados de exames laboratoriais, incluindo parâmetros bioquímicos do fígado, tireoide, função renal e adrenal, níveis plasmáticos de proteínas. Reações Adversas: As reações adversas relatadas mais frequentemente, possivelmente relacionadas à dienogeste foram: cefaleia (9,0%), desconforto nas mamas (5,4%), humor deprimido (5,1%) e acne (5,1%). Pode afetar o padrão de sangramento menstrual. Posologia: um comprimido por dia sem intervalo de pausa, tomado no mesmo horário todos os dias. MS: 1.0043.1116.002-4. Farm. Resp.: Dra. Maria Benedita Pereira – CRF-SP 30.378. VENDA SOB PRESCRIÇÃO MÉDICA. SE PERSISTIREM OS SINTOMAS, O MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO. EUROFARMA LABORATÓRIOS S.A. Central de Atendimento: 0800-704-3876. euroatende@eurofarma.com.br.
Referências bibliográficas: (1*) BULA DO PRODUTO *Eficaz na redução da dor pélvica associada à endometriose (DPAE). (2) Publicação na ANVISA, Março/2015. 1º Medicamento Similar à base de dienogeste. (3) Comparativo de preços considerando o medicamento referência Allurene do laboratório Bayer, consulta realizada em Dezembro/2016, Revista Kairos.
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Sumário | Expediente Editorial
04
SBE: fim de uma gestão, continuidade de um grande projeto
RUI ALBERTO FERRIANI
05
Gestão 2017-19
CARLOS ALBERTO PETTA
Artigo Original
06
Como eu suspeito de malignidade nas massas anexiais?
MARIA GABRIELA B. KUSTER UYEDA E MARAIR GRACIO SARTORI
10
Tratamento da endometriose ovariana
MARCOS TCHERNIAKOVSKY E THOMAS MOSCOVITZ
13
Fisioterapia e endometriose
CHRISTINE PLÖGER SCHOR
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Gestão Editorial
14
Quando realizar histeroscopia diagnóstica em infertilidade
JOJI UENO
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Tratamento medicamentoso de mulheres com endometriose e dor pélvica
EDUARDO SCHOR
Divulgação Pesquisa Polipo Endometrial
19
Pólipo uterino pode não estar associado ao câncer de endométrio
Paper Comentado
21
Effect of surgery on ovarian reserve in women
CONSELHO EDITORIAL/CIENTÍFICO Eduardo Schor Fernando M. Reis Frederico Côrrea Mauricio S. Abrão Nicolau D’Amico Filho Rui Alberto Ferriani Vivian Ferreira do Amaral
Rua das Roseiras, 464 CEP 03144-090 - São Paulo-SP Tel/Fax: (11) 2341-8045 E-mail: alamtec@br.inter.net Site: www.alamtec.com.br Jornalista Responsável: Jacqueline Freitas Tiragem: 12.000 exemplares Distribuição: Território nacional Periodicidade: Quadrimestral Público Alvo: Médicos ginecologistas, bibliotecas de hospitais, escolas de medicina, centros de estudos de hospitais públicos e privados.
© copyrights 2017 SBE
with endometriomas, endometriosis and controls LINNEA R. GOODMAN, MD, JEFFREY M. GOLDBERG, MD, REBECCA L. FLYCKT, MD, MANJULA GUPTA, PHD, MS, JYOTI HARWALKER E TOMMASO FALCONE, MD
Tese
22
Expressão de receptores de LDL em membrana celular de focos de endometriose profunda para viabilização do uso de nanoemulsão lipídica carreadora de droga antiproliferativa
LUCIANO GIBRAN
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Eventos
DIRETORIA Presidente Rui Alberto Ferriani Vice Presidente Carlos Alberto Petta Diretor Financeiro Sergio Podgaec 1º Tesoureiro Claudio Crispi Secretário Geral Nicolau D´Amico Filho 1º Secretario Luciano Gibran Diretora de Comunicações Vivian Ferreira do Amaral Diretor Técnico Científico Eduardo Schor Diretor de Relações Internacionais Fernando Marcos dos Reis Diretor de Relações Institucionais Paulo Augusto Ayroza Galvão Ribeiro Diretor de Sede Patrick Bellelis Diretora de Ensino Helizabet Salomão Abdalla Ayroza Ribeiro Presidente do Conselho de Ética Reginaldo Guedes Lopes
Vice-Presidente do Conselho de Ética Celso Luiz Borreli 1º Conselheiro do Conselho de Ética João Antônio Dias Junior 2º Conselheiro do Conselho de Ética Carlos Augusto Pires Costa Lino 3º Conselheiro do Conselho de Ética João Sabino C. Cunha Filho Conselho Fiscal Paula Andrea de Albuquerque Salles Navarro Conselho Fiscal Frederico José Silva Correa Conselho Fiscal Júlio Cesar Rosa e Silva 1º Membro do Conselho Vitalício Mauricio Simões Abrão Secretária Executiva Monica Sgobbi
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Editorial
SBE: fim de uma gestão, continuidade de um grande projeto
RUI ALBERTO FERRIANI Presidente eleito da SBE Gestão 2014-2016
C
aros colegas, esta é a última edição de nossa revista sob a minha presidência. Passo em 2017 a presidência da SBE ao colega Carlos Petta, que, junto com um time muito bem afinado, dará continuidade a esta nossa Sociedade.
A responsabilidade do Petta é grande, assim como foi a minha, ao assumir o bastão entregue por Maurício Abrão, que teve a excelente iniciativa de criar a SBE em 2007. Embora tenhamos sociedades gerais que muito representam o ginecologista, como FEBRASGO e SOGESP, e que desempenham grande papel na atividade da especialidade, a SBE constituiu-se, ao longo desses anos, em um local de discussões aprofundadas sobre temas específicos ligados à endometriose e à Ginecologia minimamente invasiva. Em nossa gestão 2014-2016, mantivemos a nossa revista entregue dentro do prazo, com excelente material gráfico e científico. Nos dá muito prazer viajar pelo Brasil e ouvir de colegas que recebem a revista o quanto ela 4
lhes é útil na atualização de conhecimentos. Aprofundamos as relações com colegas ligados à cirurgia minimamente invasiva, o que se refletiu em nosso congresso. Nossa página na internet continuou ativa e fizemos alguns eventos satélites Brasil afora. A par disso tudo, dois momentos foram marcantes neste período de gestão. O 12th World Congress on Endometriosis foi um dos melhores congressos mundiais da especialidade, com mais de 1.500 participantes vindos de todo o mundo, em discussões altamente produtivas. A SBE foi a copatrocinadora do evento, junto com a World Congress of Endometriosis – WES, e o presidente do congresso foi o Maurício. Não podemos dizer que foi fácil esta interação, mas foi, ao final, bastante produtiva, culminando com um evento de sucesso mundial, que confere a Vancouver a responsabilidade de promover um evento ainda melhor agora em 2017. O outro grande evento foi o V Congresso Brasileiro de Endometriose e Cirurgia Minimamente Invasiva, realizado em final de setembro de 2016, em São Paulo, no Fecomércio. Sucesso total! Apesar de um ano muito atípico no Brasil, com uma crise econômica que inviabilizava vários eventos, conseguimos manter esta tradição superimportante, que veio reforçar ainda mais a necessidade de uma Sociedade específica como a SBE, pois afinal já foram cinco grandes eventos, além do Congresso Mundial. Mesmo com todas as dificuldades, o V Congresso contou com 543 inscritos, 64 palestrantes, sendo três deles internacionais, e 10 empresas parceiras. Ao observar a origem dos participantes, vimos todos os estados brasileiros representados, o que mostra a integração nacional da SBE. E ao analisarmos a pesquisa de satisfação dos congressistas, registramos 94% de ótimo/bom, incluindo comentários muito gratificantes, como “temas excelentes”, “considerei muito positivo”, “proveitoso e gratificante”, “parabéns, até o próximo”. Foi visível o interesse demonstrado em todas as mesas, com salas cheias até no sábado à tarde. O evento foi enxuto, e adotamos um modelo econômico, diminuindo atividades sociais, mas mantendo a prioridade no nível científico das sessões.
Com isso, apesar de toda a crise, e diferentemente de outros eventos realizados em 2016, tivemos um lucro líquido para a SBE de R$ 140 mil. Claro que tudo só foi possível graças à colaboração de toda a diretoria, que esteve presente na organização e na parte científica, especialmente os colegas Petta, Eduardo Schor e Sergio Podgaec, envolvidos diretamente na organização, e ao excelente profissionalismo da MCI. Pudemos também ver que os avanços das técnicas cirúrgicas, aliados ao desenvolvimento de novos instrumentos e materiais, têm tornado as cirurgias cada vez mais precisas e com menor potencial de causar morbidades. Os convidados internacionais tiveram papel de destaque em mesas sobre a endometriose profunda. Técnicas detalhadas da cirurgia da endometriose vesical foram abordadas por Marco Puga, responsável ainda por uma excelente conferencia sobre os princípios e técnicas da endometriose infiltrativa. As técnicas laparoscópicas com preservação das estruturas nervosas foram tema de vídeo e conferência de Marcelo Ceccaroni, e Rossane Koh nos apresentou sua grande experiência em histerectomia vaginal, além de falar sobre o uso do morcelador elétrico no tratamento de doenças uterinas benignas. Além disso, diversas mesas e conferências com os convidados nacionais versaram sobre endometriose e infertilidade, dor pélvica, cirurgia minimamente invasiva em doenças anexiais, histeroscopia, miomas, tumores, pólipos. Enfim, foram mais de 500 pessoas discutindo, com alto nível, os temas específicos relativos a endometriose e doenças pélvicas, com foco clínico e cirúrgico. Foi, sem dúvida, evento único nesta área, o que dá a responsabilidade para a SBE de continuar esta empreitada. A nova diretoria chega com novos planos, inovações e vontade de todos em manter o nível ético e científico desta querida SBE. Muito obrigado pela ajuda de todos, e os votos de maior sucesso aos colegas que agora assumem. Um abraço cordial.
Rui Alberto Ferriani Presidente SBE Gestão 2014-2016
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Editorial
Gestão 2017-19 CARLOS ALBERTO PETTA Presidente da SBE
F
oi com grande honra e prazer que assumimos a gestão 2017-19 da SBE. Nossa Sociedade, ao longo dos anos, se mostrou coesa, com pessoas interessadas em divulgar a endometriose e os procedimentos minimamente invasivos visando a aumentar a satisfação e a segurança de nossas pacientes. Estamos em épocas difíceis, econômica e politicamente, mas assumimos essa missão com a jovialidade e disposição que esta Sociedade merece por sua importância. Nem sempre tão valorizada nos grandes eventos da Ginecologia e Obstetrícia pelo excesso de temas abordados, a endometriose e a cirurgia minimamente invasiva despertam grande atenção e requerem do ginecologista geral cada vez mais conhecimento.
Para cumprir a missão de informar e difundir o conhecimento, a SBE fará eventos regionais, além dos nacionais já programados. A internacionalização também é uma das metas, por meio de acordos com a Sociedade de Endometriose e Desordens Uterinas – SEUD, compartilhando o mesmo jornal cientifico, o Journal of Endometriosis and Pelvic Pain.
E temos a certeza de que uma fase de novas conquistas se inicia, em especial para as mulheres com essa afecção tão frequente, principalmente aquelas que necessitam de procedimentos cirúrgicos complexos. Fase de novas tecnologias e conhecimentos para benefício de uma grande população de brasileiras que terão mais acesso e qualidade em seus atendimentos e tratamentos.
Desde sua fundação, em 2007, a SBE fez grandes contribuições, tanto durante a gestão do Prof. Mauricio Abrão quanto a do Prof. Rui Ferriani, ao aumentar e difundir o conhecimento sobre a endometriose, por meio da divulgação dos dados sobre o diagnóstico não invasivo por imagem e da conscientização da importância dos tratamentos clínico e cirúrgico da doença. Recebemos o Congresso Mundial de Endometriose, um dos melhores da história da Sociedade Mundial, e agora passamos por uma fase de consolidação de tudo o que foi feito.
A SBE continuará atuando com gestores e governantes, viabilizando o acesso ao diagnóstico, melhorando os tratamentos disponíveis nos serviços públicos, bem como nos convênios de saúde. Nossas metas continuam firmes e dedicadas à melhoria do conhecimento e atenção à endometriose e os procedimentos minimamente invasivos. Para isso, contamos com todos os associados que fazem parte da família SBE para continuarmos nossa jornada rumo a um atendimento digno e de qualidade em todos os níveis. Contamos com a colaboração de todos. Estaremos juntos nesses próximos dois anos.
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Artigo Original
Como eu suspeito de malignidade nas massas anexiais? MARIA GABRIELA B. KUSTER UYEDA MARAIR GRACIO SARTORI
Considerando que o câncer de ovário é altamente letal, que não possui método efetivo de rastreio e que o principal fator prognóstico é a realização de cirurgia primária adequada com equipe preparada, necessita-se de ferramentas que possam distinguir da forma mais acurada possível quais massas anexiais são malignas e quais são benignas já no pré-operatório2,3. A preocupação de encontrar tal ferramenta adequada vem desde 1989, quando Granberg et al. relataram a primeira comparação entre a imagem de ultrassom transvaginal e os tipos histológicos, para predição de malignidade4. A partir deste trabalho, outros se seguiram com os mesmos objetivos. Em 1990, foi publicado o Índice de Risco de Malignidade (IRM)5, que utilizava a dosagem do CA-125 sérico, o status menopausal e algumas características ultrassonográficas a que se atribuíam pontos (0, 1 ou 3), finalizando com uma multiplicação simples entre os fatores, para obtenção de escore de malignidade (Quadro 1). Em 1996, o IRM foi revisto e realizado um novo trabalho utilizando os mesmos parâmetros: dosagem do CA-125 sérico, status menopausal e algumas características ultrassonográficas, denominando-se o IRM-II. Da mesma 6
A
s massas anexiais são inerentes à prática da Ginecologia, em qualquer faixa etária, sendo que uma mulher tem de 5% a 10% de chances de necessitar de uma cirurgia por massa anexial durante a vida1.
forma, utilizavam-se os mesmos valores em uma multiplicação simples entre os fatores para obter o escore de malignidade. Porém, em vez de utilizar um cofator 3 para multiplicação do alto risco, utilizava-se 4 (Quadro 1). A sensibilidade e a especificidade do IRM-II ao utilizar um corte de 200 foram de 79% e 81%, respectivamente6,7. A sensibilidade e a especificidade do escore diferem de acordo com o valor de corte utilizado (Tabela 1).
Apesar de boas sensibilidade e especificidade, necessitava-se de ultrassonografista experiente, e pela ausência de padronização dos termos ultrassonográficos, incongruências alterando o escore poderiam acontecer. Com o intuito de reduzir as diferenças externas, o grupo IOTA (International Ovarian Tumor Analysis) descreveu e definiu termos, medidas e características ultrassonográficas8. Em seguida, validou externamente os conceitos, sendo possível padronizar as descrições.
TABELA 1. SENSIBILIDADE E ESPECIFICIDADE DO IRM
IRM 25 50 75 100 150 200
Sensibilidade (%) (95% IC) 100 (91,4 – 100,0) 95,1 (83,5 – 99,4) 92,7 (80,1 – 98,5) 85,4 (70,8 – 94,4) 85,4 (70,8 – 94,4) 85,4 (70,8 – 94,4)
Especificidade (%) (95% IC) 62,2 (51,9 – 71,8) 76,5 (66,9 – 84,5) 84,7 (76,0 – 91,2) 87,8 (79,6 – 93,5) 93,9 (87,2 – 97,7) 96,9 (91,3 – 99,4)
QUADRO 1. IRM-I E IRM-II
Parâmetro Características ultrassonográficas: - Cisto multilocular - Áreas sólidas - Bilateralidade - Ascite - Carcinomatose Status menopausal - Pré-menopausa - Pós-menopausa CA-125
IRM-I
IRM-II
0 característica = 0 0 característica = 0 1 característica = 1 1 característica = 1 2 ou mais características = 3 2 ou mais características = 4
=1 =3 Valor U/mL
=1 =4 Valor U/mL
IRM = Escore do ultrasom x status menopausal x CA-125 em valor absoluto (U/mL)
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Como eu suspeito de malignidade nas massas anexiais? | Uyeda, M.G. et al.
A partir dessa validação, o grupo desenvolveu um grande trabalho prospectivo e multicêntrico, com coleta de fatores de risco, demográficos e ultrassonográficos de pacientes com massas anexiais. Após identificação dos principais fatores de risco e prognósticos independentes (história pessoal de câncer de ovário, terapia hormonal, idade, diâmetro máximo da lesão, dor, ascite, fluxo vascular em projeção papilar, presença de tumor completamente sólido, diâmetro máximo de componente sólido do tumor, paredes císticas irregulares, sombra acústica, escore de color doppler intratumoral), criaram modelo matemático complexo de regressão logística com excelentes sensibilidade e especificidade. O modelo mais complexo incluiu 12 variáveis (M1), com 93% de sensibilidade e 76% de especificidade, e no modelo mais simples, com seis variáveis (M2), houve 90% de sensibilidade e 70% de especificidade9. No entanto, apesar das boas sensibilidade e especificidade dos modelos de regressão logística do IOTA e do IRM, mantinha-se a necessidade de ultrassonografista experiente, pois sabe-se que a análise subjetiva de avaliador experiente tem excelente sensibilidade e especificidade10. Assim, em novo trabalho prospectivo e multicêntrico, o IOTA avaliou características ultrassonográficas gerais e, de acordo com seus valores preditivos positivos, separou-as em características M (malignas) e B (benignas), criando um modelo de fácil aplicabilidade chamado Simple Rules (Tabela 2)11. A interpretação dos achados baseada no Simple Rules permite as seguintes conclusões: • Uma ou mais característica M sem qualquer característica B presente: a massa deve ser classificada como maligna.
TABELA 2. CARACTERÍSTICAS BENIGNAS (B) E MALIGNAS (M) UTILIZADAS NO SIMPLE RULES
Regras para predizer um tumor maligno Regras para predizer um tumor benigno (característica M) (característica B) M1 Tumor sólido irregular B1 Unilocular M2 Presença de ascite B2 Presença de componentes sólidos sendo o componente com maior diâmetro < 7 mm M3 Pelo menos quatro estruturas papilares B3 Presença de sombra acústica M4 Tumor sólido multilocular com B4 Tumor multilocular liso com medida de medida de maior diâmetro ≥ 100 mm maior diâmetro ≤ 100 mm M5 Fluxo sanguineo forte (color escore 4) B5 Ausência de fluxo sanguíneo (color escore 1) TABELA 3. COMPARAÇÃO DE SENSIBILIDADE E ESPECIFICIDADE COM INTERVALO DE CONFIANÇA (IC) DOS MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DE MALIGNIDADE DAS MASSAS ANEXIAIS CONTEMPLANDO O ÍNDICE DE RISCO DE MALIGNIDADE (IRM), OS MODELOS DE REGRESSÃO LOGÍSTICA DO IOTA (LR1 E LR2), ANÁLISE SUBJETIVA DE ULTRASSONOGRAFISTA EXPERIENTE E O SIMPLE RULES (ASSOCIADO AOS ANTERIORES PARA OS CASOS NÃO CLASSIFICÁVEIS)
Sensibilidade (95% IC) Especificidade (95% IC) Todos os casos (n = 1938) Simple Rules + ultrassonografista 91% (88% a 93%) 93% (91% a 94%) experiente Simple Rules + LR1 91% (88% a 93%) 86% (84% a 88%) Simple Rules + LR2 88% (85% a 91%) 87% (85% a 89%) Avaliação por ultrassonografista 90% (88% a 93%) 93% (91% a 94%) experiente LR1 92% (90% a 94%) 84% (82% a 86%) LR2 90% (88% a 93%) 83% (81% a 85%) Casos com CA-125 disponível (n = 1504) Simple Rules + ultrassonografista 91% (88% a 93%) 92% (90% a 93%) experiente Simple Rules + LR1 91% (88% a 93%) 85% (82% a 87%) Simple Rules + LR2 89% (86% a 91%) 85% (83% a 88%) Simple Rules + IRM 79% (75% a 83%) 93% (91% a 94%) Avaliação por ultrassonografista 90% (87% a 92%) 92% (90% a 93%) experiente LR1 93% (90% a 95%) 81% (79% a 84%) LR2 91% (88% a 93%) 81% (79% a 83%) IRM 68% (63% a 72%) 93% (91% a 94%)
• Uma ou mais característica B sem qualquer característica M presente: a massa deve ser classificada como maligna. • Tanto características M e B se aplicam: a massa não pode ser classificada. • Nenhuma característica M ou B se aplicam: a massa não pode ser classificada.
especificidade de 90% na avaliação de benignidade e malignidade das massas anexiais11.
Com o uso dessas regras, o IOTA conseguiu sensibilidade de 93% e
Sendo assim, o IOTA decidiu por novo trabalho prospectivo, com validação ex-
O problema é que após avaliação e aplicação de todas as regras, 24% das massas anexiais ainda não puderam ser classificadas entre as 10 características do Simple Rules, necessitando de avaliação extra ou complementação.
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Artigo Original terna e utilizando os modelos de regressão logística, o Simple Rules e o IRM12. Nos casos em que o Simple Rules não conseguisse classificar a massa (25% dos casos neste trabalho) associavam-se os modelos de regressão logística LR1 (M1) ou LR2 (M2), ou ainda o IRM ou a avaliação subjetiva de ultrassonografista experiente. Desse modo, os resultados trouxeram excelente sensibilidade e especificidade em todos os métodos utilizados (Tabela 3)12. Na mesma linha do IRM surgiu o ROMA (Risk Of Malignancy) – algo-
ritmo de risco de malignidade – com um cálculo logarítimico baseado em status menopausal (pré-menopausa e pós-menopausa), CA-125 e outro biomarcador, chamado HE4. O ROMA apresentou ótima sensibilidade (94%) na sua primeira descrição, por Moore et al.13, mas não se demonstrou válido em muitos trabalhos subsequentes, com grande variação de sensibilidade e especificidade14. Seguiram-se estudos que, quando comparavam a análise por ultrassonografista experiente, o IRM e os modelos de re-
TABELA 4. ESCORE ADNEX POR THOMASSIN ET AL.25
Escore ADNEX Significado ADNEX 1 Sem massa ADNEX 2 Massa benigna
ADNEX 3
ADNEX 4 ADNEX 5
Critério RM • Sem massa • Massa puramente cística • Massa puramente endometriótica • Massa puramente gordurosa • Ausência de aprimoramento (enhancement) da parede Massa provavelmente benigna • Ausência de área sólida • Curva de aprimoramento tipo 1 na área sólida • Curva de aprimoramento tipo 2 na Massa indeterminada à RM área sólida Massa provavelmente maligna • Curva de aprimoramento tipo 3 na área sólida • Implantes peritoneais
TABELA 5. COMPARAÇÃO DE SENSIBILIDADE E ESPECIFICIDADE COM INTERVALO DE CONFIANÇA (IC) DOS MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DE MALIGNIDADE DAS MASSAS ANEXIAIS CONTEMPLANDO O ÍNDICE DE RISCO DE MALIGNIDADE COM DIFERENTES PONTOS DE CORTE (IRM-I, IRM-II E IRM-III), OS MODELOS DE REGRESSÃO LOGÍSTICA DO IOTA (LR1 E LR2), ANÁLISE SUBJETIVA DE ULTRASSONOGRAFISTA EXPERIENTE, SIMPLE RULES ASSOCIADO A ANALISE SUBJETIVA DE ULTRASSONOGRAFISTA EXPERIENTE PARA OS CASOS NÃO CLASSIFICÁVEIS E O SIMPLE RULES CONSIDERANDO MALIGNOS OS CASOS NÃO CLASSIFICÁVEIS
Sensibilidade (95% IC) Especificidade (95% IC) Análise por ultrassonografista experiente Simple Rules + Análise por ultrassonografista experiente nos casos não classificáveis Simple Rules + consideração de malignos os casos não classificáveis LR2 RMI-I RMI-II 8
93% (92% a 95%) 91% (89% a 93%)
89% (86% a 92%) 91% (87% a 94%)
93% (91% a 95%)
80% (87% a 82%)
93% (89% a 95%) 75% (72% a 79%) 75% (72% a 77%)
84% (78% a 89%) 92% (88% a 84%) 87% (85% a 89%)
gressão logística do IOTA com o ROMA em uma mesma população, demonstraram a inferioridade do ROMA15-18. Em 2009, um painel com cinco biomarcadores associados foi introduzido como OVA1 (CA-125, transferrina, apolipoproteína A1, transtiretina e beta 2 microglobulina) e já foi validado por dois grandes estudos multicêntricos nos Estados Unidos, um deles com mais de 1000 pacientes19,20. Nestes estudos, a acurácia diagnóstica apresentou sensibilidade similar aos modelos IOTA, em metanálise realizada por Kaijser et al. em 2014, porém menor especificidade21. A evolução da Medicina continua e os trabalhos avançam com as novas técnicas e métodos diagnósticos, como a ressonância magnética (RM), que é utilizada, principalmente, como segunda linha de investigação, em especial para massas complexas maiores que 7cm e para as não possíveis de serem classificadas pela ultrassonografia. Nestes casos, a RM é mais precisa que o ultrassom, com acurácia para malignidade entre 88-93%, em comparação com a ultrassonografia (8083%)22. O acréscimo da imagem ponderada na sequência de difusão aumentou ainda mais a precisão diagnóstica da ressonância magnética23,24. Sendo assim, um escore chamado ADNEX foi criado por Thomassin et al.25 e validado por Ruiz et al. em 2016 (Tabela 4)26. Um escore igual ou maior do que ADNEX 4 refletia sensibilidade de 91,7% e especificidade de 92,7% para o diagnóstico de tumor boderline ou maligno. Desse modo, massas com ADNEX menor do que 4 têm boa acurácia para baixo risco e as com ADNEX maior ou igual a 4, alto risco.
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Como eu suspeito de malignidade nas massas anexiais? | Uyeda, M.G. et al.
Em 2016, uma revisão sistemática e metanálise foi realizada por Meys et al., com 47 artigos e mais de 19.674 massas anexiais10. Os achados foram de melhores sensibilidade e especificidade, na análise subjetiva por ultrassonografista experiente e na técnica de simple rules associada a análise subjetiva por ultrasonografista experiente diante de casos não classificáveis (Tabela 5). Conclusão A sensibilidade e a especificidade do IRM, dos modelos de regressão logística LR1 e LR2, do simple rules com complementação nos casos não classificáveis e da análise por ultrassonografista experiente são excelentes para diferenciação de massas malignas e benignas. O OVA1 também deve ser considerado, por demonstrar boa sensibilidade, porém ainda não foi comparado com os modelos anteriores em trabalho controlado. O modelo a ser utilizado depende do local e dos recursos disponíveis a cada médico e instituição. Prever, já no pré-operaório, que a massa pode ser maligna permite planejar o procedimento cirúrgico de modo adequado em relação ao local e à equipe cirúrgica. Assim, é muito importante realizar a avaliação do risco por qualquer um dos métodos disponíveis, possibilitando à paciente uma cirurgia ótima, em local adequado, com material necessário e equipe competente, melhorando o prognóstico e diminuindo a morbidade cirúrgica. Referências 1. National Institutes of Health Consensus Development Conference Statement. Ovarian cancer: screening, treatment, and follow-up. Gynecologic oncology. 1994;55(3 Pt 2):S4-14. 2. Vergote I, De Brabanter J, Fyles A, Bertelsen K, Einhorn N, Sevelda P, et al. Prognostic importance of degree of differentiation and cyst rupture in stage I invasive epithelial ovarian carcinoma. Lancet. 2001;357(9251):176-82. 3. Givens V, Mitchell GE, Harraway-Smith C, Reddy A, Maness DL. Diagnosis and man-
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Artigo Original
Tratamento da endometriose ovariana MARCOS TCHERNIAKOVSKY1 THOMAS MOSCOVITZ2
1. Chefe do setor de Videoendoscopia Ginecológica da Faculdade de Medicina da Fundação do ABC 2. Responsável pelo setor de Video-histeroscopia da Faculdade de Medicina da Fundação do ABC
Introdução O endometrioma ovariano é mais bem definido como um pseudocisto que se origina do tecido endometrial ectópico dentro do ovário, que invagina progressivamente o córtex ovariano1. Ele contém um fluido espesso, castanho, que pode ser referido como “cisto de chocolate”. A endometriose é uma patologia muitas vezes de difícil diagnóstico, principalmente em mulheres assintomáticas. Existe na literatura uma ampla variação na incidência de endometriose em pacientes assintomáticas, estimada entre 2% a 50%. Dentre estas, 17% a 44% teriam endometrioma2. A incidência de endometriomas assintomáticos é desconhecida, pois muitas destas mulheres não procuram um tratamento médico. Estudos demonstram uma associação importante do endometrioma com endometriose profunda ou infiltrativa em outros locais que não o ovário, com quadros dolorosos que não estariam relacionados à presença do endometrioma por si só3. Outra característica importante sobre os endometriomas é não existir, em vários casos, uma relação entre o estágio da endometriose e a severidade dos sintomas4. 10
O diagnóstico do endometrioma ovariano pode ser sugerido pela queixa clínica da paciente (dismenorreia, dor pélvica crônica, infertilidade) e pela ultrassonografia. A confirmação se dá pela inspeção laparoscópica, sendo o padrão ouro a confirmação histopatológica. As opções de tratamento incluem conduta expectante, terapêutica medicamentosa ou cirúrgica, a depender da clínica em relação à intensidade dos sintomas e da gravidade da doença, do desejo de gravidez, idade da paciente, tamanho do endometrioma e se tem antecedente de cirurgias anteriores para o tratamento da endometriose, principalmente ovariana. Existe consenso de que os endometriomas requerem uma abordagem cirúrgica ao tratamento clinico medicamentoso devido à ineficácia na involução destes cistos por completo. Por outro lado, a cirurgia carrega um risco bastante aumentado de comprometimento do tecido ovariano e, por consequência, redução na reserva ovariana5. Os endometriomas podem se manifestar de forma assintomática, com dor pélvica, principalmente de forma crônica e em casos de mulheres com infertilidade. Endometriomas assintomáticos Nos casos de mulheres com endometriomas assintomáticos, os critérios para a abordagem cirúrgica baseiam-se em casos de suspeita de malignidade (US, RM, marcadores tumorais), mulheres acima de 40 anos e endometriomas de grandes proporções (acima
de 4,0 cm), ou nos casos em que percebemos um crescimento importante em pacientes em acompanhamento clínico; nos casos de mulheres jovens com endometriomas pequenos, não seria conveniente a indicação cirúrgica6. Outro detalhe importante é que a abordagem cirúrgica também nos daria o diagnóstico definitivo e histopatológico e impediria uma possível ruptura do cisto, protegendo, assim, a paciente de uma cirurgia de urgência. O tratamento conservador baseia-se em acompanhamento clínico a cada seis meses, por um período de dois anos, por exame físico e exame de ultrassonografia. Se a paciente se mantiver estável, este acompanhamento pode ser anual7. Em caso de indicarmos a retirada do endometrioma, embora não haja consenso na literatura, segundo a ESHRE (Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia) devemos realizar a cistectomia (stripping technique)8. A punção e a aspiração do conteúdo por inteiro como método de tratamento parece ser ineficaz e está associada a alta taxa de recorrência. A drenagem seguida de eletrocoagulação do cisto também se mostrou menos eficaz que a exérese completa da cápsula do cisto9. Endometriomas e infertilidade A avaliação do endometrioma em pacientes inférteis tem despertado interesse cada vez maior, visto que não existe consenso de que a presença do endometrioma seria a real causa de infertilidade. Por outro lado, vários
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Tratamento da endometriose ovariana | Tcherniakovsky, M. et al.
trabalhos demonstram a perda do arsenal folicular levando à perda da reserva ovariana, principalmente em casos de endometriomas bilaterais10. Garcia-Velasco e Somegliana relacionaram situações específicas em relação à possível abordagem do endometrioma em mulheres que seriam candidatas a FIV, em caso que a cirurgia beneficiaria (a favor) ou prejudicaria (contra) a remoção da cápsula (Tabela 1). TABELA 1. CONSIDERAÇÃO NA ABORDAGEM DO ENDOMETRIOMA EM MULHERES CANDIDATAS A FIV
A Favor Contra Cirurgia de endometriose prévia Não Sim Reserva ovariana Normal Alterada Sintomas Sim Não Acometimento Unilateral Bilateral ovariano Cresimento Sim Estável Suspeita de Não Sim malignidade ao US Adaptado de Garcia-Velasco JA, Somigliana E.
Recomenda-se que as mulheres com endometrioma devam ser aconselhadas sobre os riscos da função ovariana reduzida após a cirurgia e a possível perda do ovário. A decisão de prosseguir com a cirurgia deve ser considerada com cuidado se a mulher teve cirurgia ovariana prévia8. A capacidade de resposta ovariana não é afetada em endometriomas não operados, sugerindo que a presença de endometrioma, por sí só, não afeta fortemente a reserva ovariana12. Em endometriomas menores que 4,0 cm, a taxa de gravidez é igual em pacientes submetidas a exérese do endometrioma, em comparação a pacientes não operadas; portanto, nestes casos, a cirurgia deve ser evitada, principalmente para proteger os folículos ovarianos e, por consequência, a reserva ovariana13. Em casos de endometriomas bilaterais, os critérios para a abordagem cirúrgica devem ser ainda mais amplos,
pois o risco de falência ovariana precoce é de 2,4%.14 Endometriomas e algia pélvica A relação entre dor pélvica crônica e endometrioma não é muito bem estabelecida15. Na maioria dos casos, não é possível relacionar os sintomas ao endometrioma por si só, ou às aderências periovarianas ou ainda a endometriose profundamente infiltrante2. Vários estudos demonstraram a redução do tamanho de pequenos endometriomas após a utilização de danazol e análogos do GnRH16. A diminuição do tamanho dos endometriomas varia de 14% a 89%, com média de 51%. Contudo, não existem estudos correlacionando a supressão hormonal com a dor pélvica crônica em mulheres com endometrioma16. O tratamento cirúrgico do endometrioma sintomático é a primeira opção nas mulheres com prole constituída5. Inclui drenagem com ou sem escleroterapia, drenagem com diatermo ou laser com vaporização da parede do cisto, drenagem e cistectomia (stripping technique) e, por fim, o tratamento radical, na forma de histerectomia com ou sem ooforectomia. Apesar de estudos não controlados demonstrarem alívio dos sintomas em uma grande proporção de pacientes submetidas à cirurgia por endometrioma17, foi observada alta taxa de recorrência nestes casos após a cirurgia7. A drenagem do endometrioma, por laparoscopia ou por ultrassonografia, está associada a uma alta e rápida taxa de recorrência e ambos os métodos raramente são efetivos no alivio dos sintomas18, 19, além da possibilidade de estarem associados a maior risco de infecção e aderências pélvicas19.
A excisão do endometrioma envolve drenagem seguida por exérese da cápsula do cisto (stripping technique). Quando comparada à drenagem e coagulação do endometrioma, a excisão tem a vantagem de prover material para o diagnóstico histológico, o que é útil para excluir malignidade, melhores resultados em relação à taxa de recorrência, dismenorreia, dispareunia profunda e dor pélvica não menstrual9, 20. A excisão do endometrioma está associada a alta taxa de recorrência. Um estudo com 366 pacientes submetidas à excisão observou taxa de recorrência diagnosticada pela ultrassonografia de 11,7%, uma segunda cirurgia de 8,2%, e recorrência da dor de 73% após 48 meses de acompanhamento21. Não existe evidência científica para o uso de medicação hormonal antes da cirurgia do endometrioma. Embora tais medicações hormonais reduzam o tamanho do endometrioma, elas podem induzir a uma fibrose da cápsula e dificultar a cirurgia, levando, assim, a maior perda de folículos ovarianos16, 22. Com relação à utilização de análogos do GnRH após a cirurgia, estudos observaram que a taxa de recorrência foi de 16,5%, em até 36 meses, tanto para o grupo que utilizou a medicação como para o que não utilizou23. Quanto ao uso de anticoncepcionais orais combinados após a cirurgia de endometrioma, os estudos são conflitantes 24, 25. A histerectomia com ou sem salpingooforectomia está indicada em mulheres com endometriose avançada que não desejam preservar a fertilidade, ou seja, cuja prole está constituída. Uma vez que a ooforectomia leva a menopausa precoce, a preservação do ovário estaria indicada para mulheres com menos de 40 anos26.
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Artigo Original Conclusão As indicações e técnicas para a abordagem cirúrgica dos endometriomas ainda devem ser estabelecidas de forma que tenhamos as condutas bem determinadas para cada situação clínica. Os endometriomas assintomáticos devem ser tratados em mulheres com idade mais avançada; para confirmar o diagnóstico; excluir malignidade em casos suspeitos; e prevenir complicações, principalmente rotura dos cistos. Em mulheres com diagnóstico histológico de endometriose, não é aconselhável a remoção dos endometriomas assintomáticos, dado que a excisão pode diminuir a função ovariana. Recomenda-se a excisão laparoscópica do endometrioma (técnica de stripping) com cuidado para preservar o tecido ovariano normal, em vez de fenestração e ablação. Os principais critérios para o tratamento cirúrgico baseiam-se em avaliar se a reserva ovariana está intacta, ausência de cirurgia ovariana prévia, doença unilateral, rápido crescimento do cisto, dúvida da natureza do cisto. Por outro lado, convém evitar as cirurgias em casos com cirurgias prévias para endometriose, reserva ovariana reduzida e endometriomas bilaterais. Referências 1. Hachisuga T, Kawarabayashi T. 2002. Histopathological analysis of laparoscopically treated ovarian endometriotic cysts with special reference to loss of follicles. Hum Reprod 17, 432-435. 2. Fauconnier A, Chapron C. 2005. Endometriosis and pelvic pain: epidemiological evidence of the relationship and implications. Hum Reprod Update 11, 595-606. 3. Chapron C, Pietin-Vialle C, Borghese B, Davy C, Foulot H, Chopin N. 2009. Associated ovarian endometrioma is a marker for greater severity of deeply infiltrating endometriosis. Fertil Steril 92, 453-457. 4. Szendei G, Hernádi Z, Dévényi N, Csapó Z. 2005. Is there any correlation between 12
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Artigo Original
Fisioterapia e endometriose CHRISTINE PLÖGER SCHOR
O
diagnóstico da endometriose, mesmo nos dias atuais, ainda é tardio e seus sintomas são frequentemente negligenciados. Diante disso, mulheres com dor pélvica, dismenorreia intensa e progressiva, e dor genitopélvica durante o coito aguardam durante anos por um diagnóstico correto e tratamento adequado. O longo tempo com dor faz o corpo procurar estratégias para se adaptar e diminuir, dessa forma, a queixa. Entretanto, essas estratégias se transformam em alterações importantes, que podem tanto contribuir quanto perpetuá-la, mesmo após tratamento adequado. A alteração postural mais descrita na literatura em mulheres com dor pélvica crônica é a TPPP (typical pelvic pain posture), que se caracteriza por hiperlordose lombar, anteversão pélvica e hiperextensão de joelhos. Indivíduos com dor crônica desenvolvem concomitantemente alterações posturais, disfunções musculares, articulares e ligamentares. Em especial naqueles com dor pélvica, os músculos mais comprometidos são abdômen (retoabdominal e transverso abdominal), glúteo, piriforme, quadrado lombar, paravertebrais, multífidos e assoalho pélvico. Tais músculos são responsáveis pela estabilização pélvi-
ca, e no momento em que algum deles sofre uma disfunção, os outros são igualmente comprometidos, em um evento em cascata. Nesses pacientes, instala-se um círculo vicioso que favorece a perpetuação do quadro e das alterações posturais. Neste círculo está envolvido o princípio de globalidade das fáscias e dos músculos, considerando que a dor leva à postura antálgica que acarreta alteração das fáscias musculares e, conseqüentemente, demais alterações posturais, intensificando o sintoma álgico e assim sucessivamente. A presença de ponto gatilho ou espasmos musculares pode frequentemente confundir o diagnóstico médico. Alguns sintomas relacionados às alterações musculares – como dispareunia profunda, aumento de frequência urinária, noctúria, urgência miccional, disúria, sensação de esvaziamento vesical e retal incompleto, sensação de bloqueio anorretal, bem como encoprese – podem levar ao médico a suspeita de endometriose profunda com comprometimento intestinal e/ou vesical, explicado pelo reflexo visceromuscular. Frequentemente, a persistência da queixa álgica após tratamento da doença é encarada como recidiva ou transtorno emocional e pouca atenção é dada a eventuais disfunções osteomusculares. Diante disso, o tratamento fisioterapêutico de mulheres com
endometriose tem se mostrado uma ferramenta a mais e usualmente necessária na assistência a essa paciente. O objetivo da fisioterapia, nesses casos, divide-se em basicamente dois pilares: analgesia e reequilíbrio estrutural. A avaliação fisioterapêutica detalhada da postura, da função da musculatura intra e extrapélvica, além da presença de espasmos ou ponto gatilho, irá nortear o diagnóstico cinético-funcional e a escolha dos recursos mais adequados para o caso. Os recursos são diversos e seguem basicamente a sequencia de analgesia reequilíbrio de tônus e função muscular fortalecimento. Técnicas como liberação miofascial, corrente elétrica para analgesia (TENS), termoterapia ou crioterapia, massagem perineal, cinesioterapia, reeducação postural global (RPG), osteopatia, biofeedback são alguns dos recursos que podem ser utilizados de acordo com o quadro, a condição física da paciente, bem como a expertise do fisioterapeuta. A técnica do método Pilates pode ser aplicada, porém de preferência por fisioterapeuta experiente em pacientes com dor pélvica e frequentemente após reequilíbrio de função muscular. A indicação precoce do Pilates e outras atividades esportivas pode agravar a queixa por overuse de um grupo muscular já prejudicado.
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Artigo Original
Quando realizar histeroscopia diagnóstica em infertilidade JOJI UENO
Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP Coordenador do Grupo GERA (IEP/ Clínica SP e Campo Grande) Responsável pelo Setor de Histeroscopia Ambulatorial do Hospital Sírio Libanês
A
cavidade uterina e o endométrio devem estar em boas condições para ocorrer a implantação embrionária de maneira natural ou em ciclos de fertilização in vitro (FIV), bem como para o desenvolvimento da gravidez. O exame da cavidade uterina pela histeroscopia diagnóstica (HD) é uma das maneiras que se possibilita esta avaliação. Contudo, há anos diversos trabalhos científicos tentam esclarecer se a HD deveria ser incorporada à rotina inicial do casal infértil e se realmente seria necessária a sua realização antes de todos os ciclos de FIV. A HD é a maneira mais confiável de confirmar ou descartar a presença de alterações no canal endocervical e na cavidade uterina; pode ser indicada em qualquer necessidade de investigar o interior do útero, desde que não haja contraindicação. Assim é possível confirmar a presença de pólipos endocervicais e endometriais, miomas submucosos ou se o mioma intramural tem componente submucoso, sinéquias, septos e ajudar no diagnóstico de outras malformações müllerianas. É sabido que a ultrassonografia transvaginal (USGTV) e a histerossalpingografia (HSG) são úteis no rastreamento de alterações uterinas que podem determinar a infertilidade. A primeira já está 14
incorporada à pesquisa básica rotineira da infertilidade e a HSG é essencial nas pacientes que desejam engravidar naturalmente. Porém, se já existe diagnóstico de hidrossalpinge, ela deve ser evitada. A ressonância magnética (RM) possibilita estudar, com detalhes, miomas ou pólipos e suas relações com a cavidade uterina. Assim, pode ser complementar à USGTV para complementação diagnóstica na tomada de decisão quanto à conduta. A histerossonografia ajuda a ultrassonografia na diferenciação de algumas alterações intrauterinas, com a infusão de líquido no interior do útero com cateter apropriado ou sonda. Este líquido ajuda, por exemplo, a diferenciar um pólipo de espessamento endometrial, porém a histerossonografia não é muito utilizada ou solicitada pelo ginecologista, que geralmente solicita a HD. Esta possibilita o diagnóstico de pequenas alterações endometriais que podem ser causas de infertilidade ou de abortamentos. Estas alterações por vezes são detectadas somente pela HD1. As anormalidades uterinas à histeroscopia vão aumentando com a idade das pacientes inférteis. Podem variar de 30%, aos 30 anos de idade, até mais de 60%, após os 42 anos2. As alterações uterinas variam conforme a casuística dos autores3. Karayalcin et al. relatam 22,9% de alterações intrauterinas em 2.500 histeroscopias antes da fertilização in vitro (FIV), enquanto Hinckley et al. relataram 38% em 1.000 pacientes. Com isso, alguns defendem que a HD deveria ser incorporada à rotina inicial da mulher infértil. Por outro lado, a existência destas alterações nem sempre é causa de infertilidade, e algumas alterações podem ser endometriais, não detectadas pela HD e sim pelo exame do endométrio4.
Mesmo a normalidade por qualquer método diagnóstico por imagem não exclui totalmente a presença de alterações que podem impactar na implantação embrionária ou causar perdas gestacionais recorrentes, como a presença de endometrites, alterações vasculares ou pólipos funcionais4. Além de alterações anatômicas e histopatológicas, podem existir alterações fisiológicas que são motivos de pesquisas. A importância histórica da ultrassonografia na determinação de padrão endometrial, espessura e contratilidade está sendo revista para descobertas de possíveis mecanismos que provocam efeito adverso do endométrio fino na implantação embrionária5, 6. Quando as HD passaram a ser realizadas com a utilização rotineira de liquido, começaram a ser observadas pequenas formações polipoides de 1-2 mm (micropólipos). Estas alterações, em 93,7% das vezes são associadas à presença de endometrite. A presença de edema estromal focal, pólipos ou hiperemia difusa também pode ajudar no diagnóstico de endometrite7, 8. Tanto a USG como a HSG não fazem o diagnóstico de endometrite. A HD ajuda, mas há necessidade do exame anatomopatológico para complementação diagnóstica4. A endometrite está presente em 11,1% das mulheres9, mas a prevalência é muito variável. Algumas variações na definição de endometrite poderiam estar relacionadas às diferenças das prevalências, como alterações vasculares e pólipos funcionais estariam relacionados à endometrite10. É importante que o patologista esteja atento a este diagnóstico em casos de infertilidade. A endometrite crônica pode ser causa de infertilidade, falha de implantação
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Quando realizar histeroscopia diagnóstica em infertilidade | Ueno, J.
e abortos recorrentes. A histeroscopia tem alta sensibilidade e especificidade aceitável para o diagnóstico de endometrite. Assim, deve-se pensar em realizar a HD nestas pacientes11. Recomenda-se realização concomitante de HD e biópsia de endométrio naquelas pacientes em pesquisa de falha de implantação e perdas gestacionais recorrentes12. A receptividade endometrial foi estudada em estudo piloto, tentando classificar endométrio receptivo ou não-receptivo independentemente da realização da HD, a partir da realização de um microarray com 238 genes pré-definidos, “Endometrial Receptivity Array” (ERA)13. Mas há necessidade de mais pesquisas para determinar a real validade desta tecnologia. Várias publicações têm demonstrado a importância da HD prévia à FIV, por aumentar a taxa de gravidez, tanto em trabalhos prospectivos não randomizados como em randomizados3, 14. Alguns concluem que a HD é essencial antes da FIV12, 14. Em metanálise recente, concluiu-se que não há consenso sobre o papel da HD na pesquisa inicial da infertilidade; há evidência moderada de que a HD realizada antes da FIV aumenta a taxa de gravidez e que não está claro se a HD realizada antes da FIV melhora a taxa de nascido vivos15. Dois trabalhos europeus publicados recentemente, multicêntricos, randomizados e controlados chegam à conclusão que o resultado o uso rotineiro de HD não aumenta a taxa de nascidos vivos em inférteis com USGTV normal. Não se deve oferecer HD rotineira para pacientes que vão fazer a primiera FIV se a USGTV é normal16. O segundo se refere a pacientes com história de falha de FIV e concluiu que a HD não aumenta a taxa de nascidos vivos. Há necessidade de mais pesquisas para avaliar a eficácia da correção de alterações específicas da cavidade uterina antes da FIV17. Isto porque foram encontradas alterações intrauterinas mesmo com USG normal, que foram
corrigidas. Até que ponto tais correções e alterações diagnosticadas pela biópsia de endométrio podem ajudar a mulher infértil ainda não esta claro, necessitando de mais estudos para posicionar a HD dentro da propêutica da mulher infértil, principalmente em países onde a prática da Medicina é privatizada. Nestes locais, as pacientes são mais questionadoras, pois estão pagando diretamente pelo serviço contratado, tornando delicado o encontro de afecções intrauterinas após tentativas de FIV sem sucesso e posterior concepção com a correção da alteração referida. Assim, é de extrema relevância fornecer as informações atuais para que a paciente decida se realizará ou não a HD ou outros exames na pesquisa das causas da infertilidade. Conclui-se que a HD pode detectar causas de infertilidade não suspeitadas por HSG ou USG. A HD pode ajudar no diagnóstico de endometrites, mas não completa o estudo do endométrio. Se a USTV é normal, há uma tendência de não se indicar a HD antes da FIV, com a ressalva de que há necessidade de mais pesquisas para avaliar a eficácia da correção de alterações específicas da cavidade uterina antes da FIV. Assim, é importante a avaliação rotineira do canal endocervical e da cavidade uterina em pacientes inférteis, mas nem sempre a HD é obrigatória. Referências 1. Makled AK, Farghali MM, Shenouda DS. Role of hysteroscopy and endometrial biopsy in women with unexplained infertility. Arch Gynecol Obstet. 2014;289(1):187-92. Epub 2013/07/23. 2. Koskas M, Mergui JL, Yazbeck C, Uzan S, Nizard J. Office hysteroscopy for infertility: a series of 557 consecutive cases. Obstetrics and gynecology international. 2010;2010:168096. Epub 2010/04/17. 3. Kilic Y, Bastu E, Ergun B. Validity and efficacy of office hysteroscopy before in vitro fertilization treatment. Arch Gynecol Obstet. 2013;287(3):577-81. Epub 2012/10/12. 4. Ueno J, Salgado RM, Tomioka RB, Colucci JA, Schor E, Carvalho FM. Clinical relevance of diagnostic hysteroscopy with concurrent endometrial biopsy in the accurate assessment of intrauterine alterations. Arch Gynecol Obstet. 2015;292(2):363-9. Epub 2015/02/04. 5. Ueno J, Oehninger S, Brzyski RG, Acosta AA, Philput CB, Muasher SJ. Ultrasono-
graphic appearance of the endometrium in natural and stimulated in-vitro fertilization cycles and its correlation with outcome. Hum Reprod. 1991;6(7):901-4. Epub 1991/08/01. 6. Casper RF. It’s time to pay attention to the endometrium. Fertil Steril. 2011;96(3):51921. Epub 2011/09/02. 7. Cicinelli E, Resta L, Nicoletti R, Zappimbulso V, Tartagni M, Saliani N. Endometrial micropolyps at fluid hysteroscopy suggest the existence of chronic endometritis. Hum Reprod. 2005;20(5):1386-9. Epub 2005/03/01. 8. Cicinelli E, De Ziegler D, Nicoletti R, Colafiglio G, Saliani N, Resta L, et al. Chronic endometritis: correlation among hysteroscopic, histologic, and bacteriologic findings in a prospective trial with 2190 consecutive office hysteroscopies. Fertil Steril. 2008;89(3):677-84. Epub 2007/05/29. 9. Kitaya K, Yasuo T. Immunohistochemistrical and clinicopathological characterization of chronic endometritis. Am J Reprod Immunol. 2011;66(5):410-5. Epub 2011/07/14. 10. Carvalho FM, Aguiar FN, Tomioka R, de Oliveira RM, Frantz N, Ueno J. Functional endometrial polyps in infertile asymptomatic patients: a possible evolution of vascular changes secondary to endometritis. European journal of obstetrics, gynecology, and reproductive biology. 2013;170(1):152-6. Epub 2013/06/19. 11. Zolghadri J, Momtahan M, Aminian K, Ghaffarpasand F, Tavana Z. The value of hysteroscopy in diagnosis of chronic endometritis in patients with unexplained recurrent spontaneous abortion. European journal of obstetrics, gynecology, and reproductive biology. 2011;155(2):217-20. Epub 2011/01/15. 12. Bouet PE, El Hachem H, Monceau E, Gariepy G, Kadoch IJ, Sylvestre C. Chronic endometritis in women with recurrent pregnancy loss and recurrent implantation failure: prevalence and role of office hysteroscopy and immunohistochemistry in diagnosis. Fertil Steril. 2016;105(1):106-10. Epub 2015/10/13. 13. Garcia-Velasco JA, Fassbender A, Ruiz-Alonso M, Blesa D, D’Hooghe T, Simon C. Is endometrial receptivity transcriptomics affected in women with endometriosis? A pilot study. Reprod Biomed Online. 2015;31(5):647-54. Epub 2015/09/20. 14. Elsetohy KA, Askalany AH, Hassan M, Dawood Z. Routine office hysteroscopy prior to ICSI vs. ICSI alone in patients with normal transvaginal ultrasound: a randomized controlled trial. Arch Gynecol Obstet. 2015;291(1):193-9. Epub 2014/08/02. 15. Di Spiezio Sardo A, Di Carlo C, Minozzi S, Spinelli M, Pistotti V, Alviggi C, et al. Efficacy of hysteroscopy in improving reproductive outcomes of infertile couples: a systematic review and meta-analysis. Human reproduction update. 2016;22(4):479-96. Epub 2016/03/25. 16. Smit JG, Kasius JC, Eijkemans MJ, Koks CA, van Golde R, Nap AW, et al. Hysteroscopy before in-vitro fertilisation (inSIGHT): a multicentre, randomised controlled trial. Lancet. 2016;387(10038):2622-9. Epub 2016/05/02. 17. El-Toukhy T, Campo R, Khalaf Y, Tabanelli C, Gianaroli L, Gordts SS, et al. Hysteroscopy in recurrent in-vitro fertilisation failure (TROPHY): a multicentre, randomised controlled trial. Lancet. 2016;387(10038):2614-21. Epub 2016/05/02.
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Artigo Original
Tratamento medicamentoso de mulheres com endometriose e dor pélvica EDUARDO SCHOR
Professor Afiliado Livre Docente do Departamento de Ginecologia da UNIFESP/Escola Paulista de Medicina
O
tratamento da dor relacionado à endometriose pode ser clínico ou cirúrgico. Durante grande parte do século passado, a abordagem era eminentemente clínica, realizada por meio de altas doses de progesterona, regime conhecido como pseudogravidez. Entretanto, durante as últimas décadas do século XX, com a difusão da laparoscopia, criou-se o conceito de que o tratamento deveria ser sempre cirúrgico, e a abordagem medicamentosa foi abandonada. Nos últimos anos, com o problema que esse conceito (sempre cirurgia) trouxe, as ferramentas clínicas voltaram a ser valorizadas. O primeiro ponto que dificulta a cirurgia para todas as pacientes com suspeita clínica da doença é a prevalência. Apesar de não dispormos de dados concretos, estima-se que 10% das mulheres, durante o período reprodutivo, vão apresentar a enfermidade. Utilizando esse número na faixa etária de incidência, a Sociedade Brasileira de Endometriose acredita que seis milhões de mulheres são portadoras, o que impossibilita o tratamento cirúrgico de todas. 16
Outro ponto seriam as complicações cirúrgicas, tanto as inerentes à laparoscopia como ao tratamento da doença, principalmente na forma profunda. Podemos destacar a incidência de fístulas, além de alterações urinárias ou intestinais de curto, médio e longo prazo. Por fim, salienta-se que grande parte das mulheres submetidas à cirurgia irá apresentar importante melhora da qualidade de vida, e uma porcentagem não desprezível, recidiva de sintomas e reoperações. Frente a isso, acreditamos que, na maioria dos casos, o tratamento clínico deve ser a escolha inicial para tratamento da dor relacionada à endometriose. Em alguns casos, a cirurgia se impõe, como em lesões periureterais, grandes nódulos intestinais ou naquelas mulheres que já se submeteram a diversos tratamentos medicamentosos sem alívio dos sintomas. Salienta-se que, nas pacientes com suspeita de doença profunda (retroversão uterina fixa, nódulos em fórnice vaginal ou com diagnóstico de endometriose), a investigação por método de imagem (ultrassonografia com preparo intestinal ou ressonância magnética) é necessária. Destacamos a seguir o arsenal medicamentoso disponível: • Antinflamatórios não hormonais: drogas de primeira linha que de-
vem ser utilizadas para alívio da dor. Geralmente são a única alternativa para mulheres que estão tentando engravidar. Ressalta-se que os inibidores de COX-2 devem ser evitados nesta situação, já que podem interferir na ovulação. Revisões da Cochrane não conseguiram identificar superioridade de nenhuma formulação sobre as outras. • Contraceptivos hormonais: seu efeito baseia-se na supressão da ovulação, e consequente diminuição dos níveis de estrogênio que alcançam o implante. Alguns pesquisadores relatam preocupação com o uso das formulações combinadas, já que estas contêm estrógeno. Na verdade, tal temor não se verifica, vez que o efeito em longo prazo que predomina é eminentemente progestacional. Portanto, podemos utilizar os combinados ou exclusivos de progesterona. Diversos estudos procuraram identificar qual seria a melhor formulação, entretanto todas até o momento mostraram efeito semelhante, sendo a escolha baseada em outros critérios. No ambulatório da UNIFESP, temos por hábito utilizar os combinados de forma contínua ou estendida. • Progestágenos: foi a primeira classe de medicação a ser utilizada no tratamento clínico da endometriose. Seu efeito baseia-se, além do eventual bloqueio da
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Tratamento medicamentoso de mulheres com endometriose e dor pélvica | Schor, E.
ovulação, na ação direta sobre os implantes, causando decidualização e posterior atrofia, e também age inibindo a enzima matriz metaloproteinases e a angiogênese. Diversos progestágenos distintos já foram testados. Atualmente, os mais utilizados são acetato de medroxiprogesterona (usualmente intramuscular trimestral), acetato de noretisterona, desogestrel e dienogeste. Alguns estudos procuraram avaliar se há superioridade de alguma formulação. Até o momento não há dados que mostrem maior eficácia de nenhuma forma específica de progesterona, sendo a escolha baseada em efeitos colaterais e preço. • Sistema intrauterino liberador de levonorgestrel: é uma opção de progestágeno que pode ser utilizada pelas mulheres que não desejam medicação via oral. Sua efetividade é maior nos casos de doença retrocervical. Importante lembrar que não deve ser utilizado nos casos de endometrioma, já que o sistema não inibe a ovulação, permanecendo o ambiente ovariano estrogênico, o que propiciaria aumento do endometrioma. • Gestrinona: utilizada durante décadas para tratamento da doença, caiu em desuso devido aos diversos efeitos colaterais. Seu uso por via oral foi proscrito. Atualmente vem sendo utilizada por via vaginal ou na forma de implantes. São poucos os dados acerca da eficácia destas formulações, portanto seu uso deve ser restrito quando há falha de outros progestágenos e a cirurgia deve ser evitada. • Danazol: derivado da testosterona, foi arma terapêutica durante décadas; entretanto, devido aos intensos efeitos colaterais arrenomiméticos, seu uso foi abandonado.
• Análogos do GnRH: atuam inibindo o eixo hipotálamo-hipófise-ovário, causando estado de hipoestrogenismo acentuado (pós-menopausa medicamentosa). É opção após falha das medicações de primeira linha. Salienta-se que a terapia de adição hormonal (add-back) é recomendada em todas as usuárias. Devem ser iniciados 15-20 dias após a primeira aplicação. No ambulatório da UNIFESP, optamos por tibolona 1,25 mg ou estrogênios equinos conjugados 0,3 mg. A adição de hormônio visa diminuir os efeitos colaterais do hipoestrogenismo e impedir a diminuição de massa óssea. Estímulo à atividade física, além de suplementação de cálcio também são indicados. • Atualmente as formulações mais utilizadas são acetato de leuprolide e acetato de gosserrelina. Os dois diferem na forma de administração, sendo um intramuscular e outro subcutâneo. Ambos oferecem a opção de uso mensal ou trimestral. Importante ressaltar que os de uso trimestral podem inibir a ovulação em longo prazo (8-10 meses), sendo, portanto, seu uso restrito para as mulheres que não planejam engravidar em curto/médio prazo. Devem ser utilizados pelo período de seis meses. Nos casos em que a cirurgia é contra-indicada, podem ser usados por períodos mais longos, sempre com adição hormonal e monitoramento de massa óssea. • Inibidores da aromatase: classe de drogas que foi incorporada ao tratamento da endometriose nos últimos anos. Seu uso baseia-se na descoberta de que, em algumas mulheres, os implantes de endometriose possuem a enzima aromatase,
que faz a conversão de precursores estrogênicos em estrona e estradiol; são, portanto, independentes dos esteroides ovarianos. Devem ser utilizados quando há falha de tratamento após bloqueio da ovulação. Salienta-se que seu uso deve ser associado à inibição da ovulação, visto que a droga utilizada de forma isolada a estimula. • Outras drogas: algumas drogas vêm sendo testadas para o tratamento da endometriose. Dentre estas destacamos os fitoterápicos. Em estudo em conjunto com a Universidade Federal do Maranhão, obtivemos bons resultados no tratamento de endometriose experimental em ratas com a uncária tomentosa, conhecida popularmente como “unha de gato”. A droga tem propriedades antiinflamatória, imunomoduladora e antioxidante. Habitualmente utilizamos a dose de 500 mg duas vezes ao dia. Racionalidade de uso Como mencionado no início, na maioria dos casos o tratamento medicamentoso pode ser a primeira opção no tratamento de mulheres com dor pélvica e endometriose. No ambulatório da UNIFESP, após diagnóstico clínico e mapeamento da pelve por meio de ultrassonografia especializada ou ressonância magnética, iniciamos o tratamento usualmente com drogas chamadas de “primeira linha”, que são os contraceptivos combinados ou progestágenos. Reavaliamos o quadro após período de três meses. Caso haja melhora na qualidade de vida, estendemos o tratamento até que a paciente tenha desejo de gestação. Caso a resolução dos sintomas seja incompleta, podemos utilizar as drogas de “segunda linha”, que são os análogos do GnRH. Também reavaliamos
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Artigo Original após três meses e se observamos melhora na qualidade de vida, estendemos o uso por mais três meses e depois voltamos às drogas de primeira linha, até que haja desejo de gestação. Algumas considerações acerca do tratamento clínico merecem destaque: 1. O tratamento medicamentoso trata a doença? Os implantes de endometriose, principalmente os profundos, não irão desaparecer com o tratamento. Importante salientar que o objetivo não é eliminar a doença, mas sim os sintomas! Dependendo do grau da endometriose, a paciente pode necessitar de cirurgia quando houver desejo de gestar. Nesta situação, o objetivo do tratamento é deixar a mulher livre de sintomas até que este momento chegue, evitando, assim, múltiplas cirurgias, já que a taxa de recidiva não é desprezível. 2. Sintomas álgicos desapareceram. A doença está, então, sob controle? Na maioria das vezes, sim! Entretanto, em alguns casos a endometriose pode evoluir silenciosamente. Isto significa que, mesmo na ausência de dor, o monitoramento clínico e radiológico deve continuar. Nos primeiros dois anos fazemos semestralmente e após este período, anualmente. 3. Até quando devo insistir no tratamento clínico? Nesta situação, é fundamental usarmos o bom senso! Caso diversas formulações já tenham sido testadas e ainda permaneça a baixa qualidade de vida, a cirurgia deve ser indicada. Em geral, após três meses de medicação de “primeira linha” e outros três de drogas de “segunda linha”, se não há melhora indicamos a cirurgia. Não é boa prática médica evitar a cirurgia a qualquer custo e ficar “banhando” a paciente em diversos hormônios! 18
4. A paciente melhorou, porém ainda tem algumas queixas. O que devo fazer? Antes de mudar de conduta, devemos avaliar a presença de comorbidades. A literatura aponta alta prevalência de outras doenças em mulheres com endometriose. A avaliação clínica da possibilidade de síndrome do intestino irritável, obstipação crônica, síndrome da bexiga dolorosa, dentre outras, deve ser excluída.
2. Bedaiwy MA, Allaire C, Yong P, Alfaraj
Neste escopo, salientamos as disfunções miofasciais, principalmente as de assoalho pélvico. Mulheres com dispareunia de profundidade devido a endometriose permanecem por longo período de tempo com dor. Este sintoma acaba levando, de forma, inconsciente a alterações, como espasmos e ponto-gatilho, em músculos de assoalho pélvico, o que pode fazer que a dor ao coito permaneça mesmo após o tratamento da doença (seja clínico ou cirúrgico). Portanto, nessas situações a análise desta musculatura por fisioterapeuta afeito(a) à área é necessária.
4. Ferrero S, Alessandri F, Racca A, Le-
S. Medical Management of Endometriosis in Patients with Chronic Pelvic Pain. Semin Reprod Med. 2017 Jan; 35 (1): 38-53. doi: 10.1055 /s-0036-1597308. 3. Vercellini P, Buggio L, Berlanda N, Barbara G, Somigliana E, Bosari S. Estrogen-progestins and progestins for the management of endometriosis. Fertil Steril. 2016 Dec; 106 (7): 1552-1571. e2. doi: 10.1016/ j.fertnstert. 2016.10.022.
one Roberti Maggiore U. Treatment of pain associated with deep endometriosis: alternatives and evidence. Fertil Steril. 2015 Oct; 104 (4): 771-92. doi: 10.1016/ j.fertnstert.2015.08.031. 5. Abu Hashim H. Potential role of aromatase inhibitors in the treatment of endometriosis. Int J Womens Health. 2014 Jul 21; 6:671-80. doi: 10.2147/ IJWH.S34684. 6. h t t p s : / / w w w . e s h r e . e u / G u i d e lines-and-Legal/Guidelines/Endometriosis-guideline.aspx 7. Sadler Gallagher J, Feldman HA, Stokes
FLUXOGRAMA DE DIAGNÓSTICO
NA, Laufer MR, Hornstein MD, Gordon
Ambulatório de Algia Pélvica e Endometriose – UNIFESP/Escola Paulista de Medicina
otropin-Releasing Hormone Agonist
FLUXOGRAMA DE DIAGNÓSTICO Ambulatório de Algia Pélvica e Endometriose – UNIFESP/Escola Paulista de Medicina
CM, DiVasta AD. The Effects of GonadCombined with Add-Back Therapy on Quality of Life for Adolescents with Endometriosis: A Randomized Controlled Trial. J Pediatr Adolesc Gynecol. 2016 Feb 27. pii: S1083-3188 (16) 00183-2. doi: 10.1016/ j.jpag.2016.02.008. 8. Nogueira Neto J, Coelho TM, Aguiar GC, Carvalho LR, de Araújo AG, Girão MJ, Schor E. Experimental endometri-
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Pólipo uterino pode não estar associado ao câncer de endométrio
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s pólipos endometriais podem não estar necessariamente associados ao desenvolvimento do câncer de endométrio. Esta foi a conclusão de estudo desenvolvido no Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP).
Invasive Gynecology). em Orlando, EUA, premiado como melhor trabalho de histeroscopia (Golden Hysteroscope Award for the Best Paper on Hysteroscopy), e algumas fotos da cerimônia de premiação, que aconteceu na sessão solene de abertura do evento.
Coordenados pelo Professor Julio Cesar Rosa e Silva, os pesquisadores buscaram informações sobre as expressões gênicas de alguns genes associados ao câncer de endométrio, tais como PTEN, BCL2, MLH1 e CTNNB1, nos pólipos endometriais de mulheres na menopausa sintomáticas e assintomáticas, isto é, com e sem sangramento na pós-menopausa.
Resumo TRONCON, J. K. Análise da expressão gênica diferencial entre pólipos endometriais sintomáticos e assintomáticos. 2016. 64f.
Dissertação (Mestrado). Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto-SP. 2016. Pólipos endometriais são estruturas formadas por glândulas e estroma, que se projetam, a partir do tecido endometrial, em torno de um eixo fibrovascular advindo da camada basal, recobertas por epitélio. Ainda longe de serem completamente elucidados, diversos fatores hormonais, bioquímicos e genéticos compõem
Após a análise dos dados genéticos, observou-se que não há diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos quanto ao nível de expressão dos genes estudados, nem em relação às variáveis clínicas consideradas como fatores de risco para câncer de endométrio. Apesar de ser um estudo inicial, com os dados obtidos iniciou-se uma discussão sobre a necessidade de cirurgias para a retirada destes pólipos. Segue o resumo da dissertação de mestrado da aluna Julia Kefalás Troncon, apresentado no último congresso da AAGL 2016 (45 TH Global Congress on Minimally
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a patogênese dos pólipos endometriais. Com o uso crescente da ultrassonografia na rotina ginecológica, vem aumentando o diagnóstico desta entidade – e sua importância está no fato de que podem causar sintomas – e também sua associação com neoplasias endometriais. Foram avaliadas amostras colhidas a partir de pólipos endometriais ressecados por via histeroscópica de pacientes menopausadas, buscando marcadores genéticos, sabidamente envolvidos na carcinogênese endometrial
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(PTEN, BCL2, MLH1 e CTNNB1), e comparadas a diferentes expressões desses entre pacientes que apresentaram ou não sangramento pós-menopausa. Não foi observada diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos quanto ao nível de expressão dos genes estudados, nem em relação às variáveis clínicas consideradas como fatores de risco para câncer de endométrio.
Concluiu-se que mais estudos serão necessários para afirmar se de fato os pólipos endometriais são precursores da neoplasia endometrial ou se o achado da mesma se dá apenas por um viés de detecção. Palavras-chave Doença endometrial, pólipos, pós-menopausa, câncer endometrial, perfil de expressão gênica.
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Paper Comentado
Effect of surgery on ovarian reserve in women with endometriomas, endometriosis and controls LINNEA R. GOODMAN, MD JEFFREY M. GOLDBERG, MD REBECCA L. FLYCKT, MD MANJULA GUPTA, PHD, MS JYOTI HARWALKER TOMMASO FALCONE, MD
Abstract Background: Many women who suffer from endometriosis and endometriomas also encounter problems with fertility. Objective: To determine the impact of surgical excision of endometriosis and endometriomas compared with controls on ovarian reserve Study Design: This was a prospective cohort study of 116 women aged 18-43 years presenting with pelvic pain and/or infertility undergoing surgical management of suspected endometriosis (n = 58) or endometriomas (n = 58). Based on surgical findings, the suspected endometriosis group was further separated to those with evidence of peritoneal disease (n = 29) and those with no evidence of endometriosis (n = 29). Ovarian reserve was measured by anti-Mülleran hormone (AMH) and compared prior to surgery, at one-month and sixmonths post-operatively. Results: Baseline AMH values were significantly lower in the endometrioma vs. negative laparoscopy group (1.8ng/mL 95%CI 1.2 – 2.4ng/mL vs. 3.2ng/mL 95% CI 2.0 – 4.4ng/mL; p < 0.02), but the peritoneal endometriosis group was not significantly differ-
ent than either of these groups. Only patients with endometriomas had a significant decline in ovarian reserve at one month (-48% 95% CI -54 -18%; p < 0.01, mean AMH baseline value 1.77ng/ml to 1.12ng/ml at one month). Six months after surgery, AMH values continued to be depressed from baseline, but were no longer significantly different. The rate of AMH decline was positively correlated with baseline preoperative AMH values and the size of endometrioma removed. Those with bilateral endometriomas (n = 19) had a significantly greater rate of decline (53.0% 95% CI 35.4-70.5% vs. 17.5% 95% CI 3.2 – 31.8%, p = 0.002). Conclusion: At baseline, patients with endometriomas had significantly lower AMH values compared to women without endometriosis. Surgical excision of endometriomas appears to have temporary detrimental effects on ovarian reserve. Comentário O artigo trata do impacto da endometriose sobre a reserva ovariana. Trata-se de assunto importante diante das recentes evidências de que a presença do endometrioma pode deteriorar a reserva ovariana, assim como sua remoção. Um estudo prospectivo envolveu 58 pacientes com endometrioma ovariano, 29 com endometriose pélvica e 29 nas quais a laparoscopia não revelou lesões sugestivas de endometriose. O objetivo foi avaliar nos três grupos a reserva basal e após cirurgia, por meio da dosagem do hormônio antimulle-
riano (HAM). Participou do estudo apenas um pequeno grupo de cirurgiões, que possuíam ampla expertise no tratamento de casais com infertilidade e que, segundo autores, evitaram cauterizações excessivas ou traumas desnecessários aos ovários. A análise basal do HAM revelou valores significativamente menores apenas nas mulheres com endometriomas, mostrando que a endometriose peritoneal promove pequeno risco à reserva gonadal. O HAM basal médio das mulheres com endometrioma foi de 1,77, ou seja, 45% menor que nas mulheres sem endometriose (HAM = 3,2). Além disso, análises do HAM realizadas um e seis meses após a cirurgia demonstraram redução significativa do HAM no primeiro e sexto meses apenas no grupo dos endometriomas, com melhora dos níveis após seis meses, mas sem retornar aos valores basais. O estudo revela que a redução do HAM após cirurgia é mais significativa quando são bilaterais ou apresentam diâmetros maiores que 5 cm.
Os resultados deste estudo devem ajudar na difícil tarefa de definir a conduta diante de um casal infértil quando a mulher apresenta endometriose. As informações de outras variáveis, como idade da mulher, condições tubárias, análise seminal, são fundamentais e devem, como mostra o estudo, ser analisadas em conjunto com os dados sobre a dimensão da endometriose. Novas pesquisas poderão ajudar na definição dos benefícios do tratamento cirúrgico dos endometriomas de ovário.
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Tese
Expressão de receptores de LDL em membrana celular de focos de endometriose profunda para viabilização do uso de nanoemulsão lipídica carreadora de droga antiproliferativa LUCIANO GIBRAN
[tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2015
A
endometriose, definida como presença de glândula e/ou estroma endometrial fora da cavidade uterina, pode ser classificada em superficial ou profunda, de acordo com sua capacidade de infiltração nos tecidos (Benagiano et al., 2014). Conforme descrito por Cornillie et al. em 1990, as lesões com profundidade acima de 5 mm situadas em fundo de saco de Douglas, reflexão vésico-uterina, ligamentos pélvicos, vagina e/ou intestino representam o tipo de doença em que as pacientes apresentaram mais queixas de dor, enquanto as lesões superficiais relacionaram-se com mais frequência aos casos de infertilidade (Cornillie et al., 1990). O tratamento medicamentoso atualmente disponível visa atrofia dos 22
focos de endometriose, seja por interrupção da atividade ovariana ao induzir status de hipoestrogenismo, seja por pseudodecidualização do endométrio e da lesão de endometriose, deste modo podendo amenizar significativamente os sintomas (Practice Committee of the American Society for Reproductive Medicine, 2014). Por ser a endometriose uma doença crônica e requerer tratamento de longa duração, algumas opções da terapêutica clínica atual enfrentam limitações, pelo alto potencial de efeitos colaterais, como sintomas climatéricos e diminuição da densidade mineral óssea, além de não proporcionar o desaparecimento definitivo dos focos (Fernandez et al., 2004; Mettler et al., 2014). Embora seja considerada doença benigna, a endometriose possui características típicas de doença neoplásica, como a capacidade de invasão no estroma adjacente e associação com lesões a distância (Abrão et al, 2006). Como o câncer, a endometriose pode aderir em outros tecidos, invadi-los
e deformá-los (Thomas e Campbell, 2000; Van Gorp et al, 2004). Além disso, os conceitos etiopatogênicos incluem fatores de crescimento e citocinas associados com a regulação de multiplicação celular e angiogênese, com função semelhante na carcinogênese (Podgaec et al, 2007; Pupo-Nogueira et al, 2007). Há mais de cem anos, John Holden Webb investigou pela primeira vez a associação entre metabolismo lipídico e progressão de tumores e sugeriu que o câncer ocorria devido à cristalização do colesterol nas células (Webb et al., 1901). Desde aquela época, o envolvimento do metabolismo lipídico na tumorigênese foi exaustivamente investigado. O colesterol, como composição de membranas celulares, foi estabelecido como exigência metabólica essencial para o processo de divisão celular (Martinez-Botas et al., 1999; Martinez-Botas et al., 2001) e foi demonstrado que células em proliferação apresentam aumento da absorção de colesterol (Guo et al., 2011;
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Expressão de receptores de LDL em membrana celular de focos de endometriose profunda para viabilização do uso de nanoemulsão lipídica carreadora de droga antiproliferativa | Gibran, L.
Sundelin et al., 2012). Além disso, as células cancerosas se adaptam para manter níveis elevados de colesterol intracelular por meio de diferentes mecanismos, que incluem a produção endógena acelerada de colesterol e ácidos graxos (Pitroda et al., 2009), alterações do efluxo de colesterol intracelular, como demonstrado por Lee et al. no câncer de próstata (Lee et al., 2013), e pelo aumento da absorção de partículas de lipoproteínas de baixa densidade (LDL) por superexpressão de receptores de membrana (Rudling et al., 1990). Partículas de dimensões variáveis, entre 1 e 100 nm, vêm sendo projetadas e progressivamente mais utilizadas para distribuição direcionada de drogas ou agentes de imagem diretamente no tecido-alvo na quantidade desejada (Medina et al., 2007). Além disso, limitam os efeitos colaterais e previnem o desenvolvimento de resistência farmacológica (Minko et al., 2008). A proposta original do uso da nanotecnologia aplicada à Medicina visa incorporar moléculas estranhas à LDL original. Esse processo envolve a substituição dos lípides internos do núcleo da LDL por outros compostos hidrofóbicos (Saad et al., 2008). No entanto, o uso da LDL natural obtida do plasma mostrou-se muito dispendioso. O processo de isolamento a partir do sangue é trabalhoso e a obtenção de grandes quantidades, difícil. Isso fez que fossem desenvolvidas emulsões lipídicas artificiais com comportamento metabólico similar à LDL e captação pelos mesmos receptores de membrana (Rudling et al., 1990). Considerando a relação do colesterol com mecanismos celulares fundamentais na tumorigênese e também o seu papel como precursor de hormônios
esteroides, admitimos a hipótese de seu envolvimento na etiopatogenia da endometriose profunda, principalmente no que diz respeito à participação na indução de proliferação de lesões, devido à endometriose profunda apresentar características fenotípicas semelhantes à neoplasia e por sua dependência ao estrogênio. Resumo Objetivo: O objetivo desse estudo foi avaliar a expressão gênica e a determinação proteica de receptores de LDL (LDL-R e LRP-1) na lesão de endometriose profunda e comparar com o endométrio de mulheres com e sem endometriose, assim como determinar o perfil lipídico de pacientes com e sem endometriose profunda. Pacientes e métodos: Realizamos estudo transversal, caso-controle, exploratório, com 39 pacientes, sendo 20 pacientes com diagnóstico histológico de endometriose profunda com comprometimento intestinal e 19 sem endometriose submetidas a laqueadura tubária laparoscópica. Foram coletadas amostras de sangue periférico no dia do procedimento cirúrgico para análise do perfil lipídico, por meio da determinação de colesterol total, HDL, LDL, VLDL, triglicérides, APO A I e APO B 100. Foram também coletadas amostras de tecido endometrial com cureta de Pipelle e lesão de endometriose como parte do tratamento cirúrgico laparoscópico. Todas as amostras foram enviadas para análise histológica e submetidas a pesquisa de expressão gênica por PCR Real Time e determinação proteica por imuno-histoquímica dos receptores de LDL (LDL-R e LRP-1). A fase do ciclo menstrual foi determinada no momento do procedimento cirúrgico. Resultados: As pacientes com endometriose profunda apresentaram
níveis séricos de LDL-c significativamente inferiores às pacientes sem a doença (119 ± 23 vs 156 ± 35; p = 0,001). O mesmo não foi observado com o colesterol total (187 ± 27 vs 194 ± 37; p = 0,562), HDL-c (42 ± 9 vs 43 ± 14; p = 0,792), triglicérides (130 ± 40 vs 119 ± 55; p = 0,486), APO A I (128,1 ± 33,3 vs 136,5 ± 19,9; p = 0,373) e APO B 100 (76 ± 20,9 vs 91,7 ± 30,8; p = 0,085). A análise de expressão gênica por PCR Real Time dos receptores de LDL revelou que o LDL-R foi significativamente mais expresso na lesão de endometriose comparado ao endométrio da mesma paciente, mas não ao endométrio de mulheres sem endometriose (0,012 ± 0,009 vs 0,019 ± 0,01 vs 0,027 ± 0,022; p < 0,001) e o LRP-1 foi significativamente mais expresso na lesão de endometriose, tanto quando comparado ao endométrio da mesma paciente quanto quando comparado ao endométrio das pacientes sem a doença (0,089 ± 0,076 vs 0,126 ± 0,072 vs 0,307 ± 0,207; p < 0,001). A análise de determinação proteica por imuno-histoquímica dos mesmos receptores revelou que o endométrio de mulheres sem a doença apresentou escore de intensidade de marcação de LDL-R significativamente maior que o endométrio e a lesão de mulheres com endometriose (15 ± 78,9 vs 9 ± 45 vs 2 ± 10; p = 0,026), porém a marcação para o receptor LRP-1 não apresentou diferença estatisticamente significativa (9 ± 47,4 vs 6 ± 30 vs 0 ± 0; p = 0,073). O estudo também demonstrou que houve expressão significativamente maior de RNAm do receptor LDL-R (p = 0,001) na fase secretora do ciclo menstrual e o mesmo pode ser observado com relação à expressão de RNAm do receptor LRP-1, que foi
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Tese superexpresso (p = 0,008) no endométrio de mulheres sem a doença.
GnRH agonist for symptomatic endometriosis: a randomized double-blind trial. Hum Reprod 2004;19(6):1465-71.
Conclusões: De acordo com os resultados de nossa pesquisa, concluímos que há redução dos níveis séricos de LDL em pacientes com endometriose profunda. Além disso, observamos maior expressão gênica de receptores de LDL em membrana celular de focos de endometriose profunda, comparado ao endométrio, tanto de mulheres sem endometriose quanto de mulheres com endometriose, achado não similar ao observado com a determinação proteica. Houve maior expressão de receptores de LDL em endométrio na fase secretora do ciclo. Este estudo abre oportunidade para viabilização de nanoemulsões lipídicas para acoplamento e direcionamento de drogas antiproliferativas no tratamento da endometriose profunda.
5. Mettler L, Ruprai R, Alkatout I. Impact of medical and surgical treatment of endometriosis on the cure of endometriosis and pain. Biomed Res Int 2014; 2014:264653.
Descritores: 1.Endometriose 2. Receptores de LDL 3. Hipocolesterolemia 4. Nanoemulsão lipídica Referências 1. Benagiano G, Brosens I, Lippi D. The history of endometriosis. Gynecol Obstet Invest 2014; 78(1):1-9. 2. Cornillie FJ, Oosterlynck D, Lauweryns JM, Koninckx PR. Deeply infiltrating pelvic endometriosis: histology and clinical significance. Fertil Steril 1990; 53:978–83. 3. Practice Committee of the American Society for Reproductive Medicine. Treatment of pelvic pain associated with endometriosis: a committee opinion. Fertil Steril 2014;101(4):927-35. 4. Fernandez H, Lucas C, Hédon B, Meyer JL, Mayenga JM, Roux C. One year comparison between two add-back therapies in patients treated with a
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