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4. AS PERSEGUIÇÕES IMPERIAIS

HISTÓRIA DA IGREJA

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AS PERSEGUIÇÕES IMPERIAIS

O cristianismo era considerado uma ameaça à sociedade romana, afinal, os cristãos eram contra a ganância, a escravidão, e principalmente contra a adoração prestada ao imperador. Isso fez com que a igreja fosse perseguida por mais de duzentos anos. Milhares de cristãos pagaram um alto preço por sua fé ousada.

Surpreendente é o fato de se constatar que durante esse período, alguns dos melhores imperadores foram mais ativos na perseguição ao cristianismo, ao passo que os considerados piores, eram brandos na oposição, ou então nem se quer perseguiam a Igreja.

As perseguições aos seguidores de Cristo começaram com o Imperador Nero e perdurou até o ano 313 d.C. quando Constantino, o primeiro Imperador Romano, convertido ao cristianismo fez cessar todos os propósitos de destruir a Igreja.

Como não bastasse o ataque externo, nesse meio tempo surgiram grupos heréticos, que introduziram doutrinas estranhas aos ensinos do Novo Testamento, principalmente na cidade de Colossos. O apóstolo Paulo sem demora escreveu aos fiéis nessa cidade dizendo: “Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo; porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da divindade” (Colossenses 2.8-9).

O gnosticismo com seus diversos sistemas filosóficos surgiu durante o século II, na Síria, Egito e Ásia Menor. Os ebionitas e os nazarenos pregavam a volta do Cristianismo aos moldes judaicos; os gnósticos procuravam reduzi-lo aos moldes pagãos; os ebionitas rejeitavam as cartas de Paulo, tachando-o de impostor; os gnosticistas rejeitavam todo Antigo Testamento e também o Novo Testamento, com exceção das cartas de Paulo.

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4.1 OS MOTIVOS DAS PERSEGUIÇÕES

As causas que desencadearam as perseguições que perdurou por mais de dois séculos foram as mais variadas, a saber:

a)Religiosa

O paganismo romano tinha seus altares, ídolos, ritos e práticas que o povo podia ver, enquanto os cristãos não tinham ídolos e rejeitavam qualquer forma ou objeto de adoração. O culto era espiritual, suas orações não eram dirigidas a nenhum objeto visível.

A adoração aos ídolos estava entrelaçada com todos os aspectos da vida. As imagens eram encontradas em todos os lares, e nas cerimônias cívicas, eram oferecidas libações aos deuses. Os cristãos, não participavam dessas formas de adoração. Por essa razão os cristãos eram considerados de anti-sociais, ateus e aborrecedores de seus companheiros. Com a reputação tão desfavorável por parte do povo em geral, apenas um passo os separava da perseguição.

Outro fator preponderante era a adoração ao Imperador, considerada como prova de lealdade. Havia estátuas dos imperadores reinantes nos lugares mais visíveis para o povo adorar. Os cristãos, é claro, não participavam dessas formas de adoração, recusando-se a prestar tal ato.

b)Política

Enquanto a Igreja era vista como uma facção do judaísmo pelas autoridades, ela sofreu pouco. Mas quando o cristianismo foi distinguido do judaísmo, passou a receber a interdição do Império Romano que não admitia nenhum rival à obediência por parte de seus súditos. O cristianismo em seu rápido crescimento prestava lealdade moral e espiritual a Cristo. Quando a escolha entre a lealdade a César tinha de ser feito, César era colocado em segundo plano.

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c)Social

O cristianismo considerava todos os homens iguais, conseqüentemente ganhou simpatizantes das camadas mais pobres, especialmente os escravos. Temendo a influência do cristianismo na sociedade, a classe dominante romana espalhava difamações da religião cristã.

Naquele tempo, a sociedade romana era controlada pelas grandes famílias de aristocratas (nobres), donas dos maiores e melhores pedaços de terras. Os membros das famílias ricas e nobres eram chamados de patrícios. As decisões mais importantes das cidades romanas eram tomadas por uma assembléia formada apenas por patrícios, que se tornou conhecida como Senado. Havia também os plebeus, composto por trabalhadores, mas quase não possuíam terras. Estes não podiam participar das assembléias dos patrícios, embora possuíssem alguns direitos políticos. E por fim havia os escravos, que não possuíam nenhum direito.

Quando qualquer desses se convertia ao cristianismo, não havia qualquer distinção entre eles, por isso foram considerados como “niveladores da sociedade”, portanto anarquistas, perturbadores da ordem social.

4.2 OS PRINCIPAIS PERSEGUIDORES DA IGREJA

Depois da morte de Jesus a igreja enfrentou um período de semeadura, como havia dito o mestre: “Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto” (João 12.24). A semente caiu por terra e morreu. Por mais de duzentos anos a Igreja viveu sob a opressão do Império Romano. No decorrer desses dois séculos, quatro dinastias ocuparam sucessivamente o poder em Roma: a Júlio-Claudina (14-68 d.C.), a Flávia (68-96 d.C.), a Antonina (96-193 d.C.) e a Severa (193-235 d.C.).

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a)JÚLIO-CLAUDINA

Depois de vencer Marco Antônio e Emílio Lépido, Otávio se auto proclamou Imperador. A partir deste momento, esse período da história romana passou a ser denominado pelos historiadores de Império.

A partir deste momento o poder seria concentrado em uma única mão: do Imperator (Imperador). Era ele quem comandava os exércitos e a marinha, ele é quem governava, indicava os senadores e outros magistrados, porém ele quem fazia as leis e controlava os cidadãos e era também a maior autoridade religiosa, recebendo em 27 d.C. o título de Augusto (consagrado, divino). Ninguém podia realizar um culto religioso sem sua autorização. O imperador nomeava as pessoas para os cargos de confiança, como o de prefeito de uma cidade ou governador (chamado procônsul) de uma província.

Antes de morrer, Augusto prevendo uma possível anarquia, instituiu a continuidade dinástica que, embora fosse disfarçada, permitiu que quatro membros da família de Júlio-Claudina ocupassem o comando do império depois dele. Tibério (14-37 d.C.) chegou ao poder por determinação de Augusto; Calígula (37-41 d.C.) o conseguiu por proposta do prefeito pretoriano; Cláudio (41-54 d.C.), por imposição da guarda pretoriana, e Nero (54-68 d.C.) pela vontade de sua mãe, Agripina, mulher de Cláudio, que também teve o apoio da guarda pretoriana.

Durante a administração Júlio-Claudina ocorreram vários conflitos com o Senado romano. Jesus nasceu na época do imperador Augusto, sendo crucificado no governo do Imperador Tibério. No tempo de Nero começaram acontecer as primeiras grandes perseguições aos cristãos.

Nero (54-68 d.C.)

Muito já foi escrito sobre o imperador Nero, sobre sua fama de cruel. Mas com relação ao cristianismo são interessantes dois registros históricos: o de Tácito e o de Eusébio de Cesaréia. O primeiro deixou registrado em seu livro chamado Anais, os seguintes fatos:

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Assim, Nero, para desviar as suspeitas, procurou achar culpados e castigou com as penas mais horrorosas a certos homens que, já dantes odiados por seus crimes, o vulga chamava cristãos. O autor deste seu nome foi Cristo, que no governo de Tibério foi condenado ao último suplício pelo procurador Pôncio Pilatos. A sua perniciosa superstição, que até ali tinha estado reprimida, já tornava a aparecer não só por toda a Judéia, origem deste mal, mas até dentro de Roma... Em primeiro lugar prenderam os que se confessavam cristãos, e depois pelas denúncias destes, uma multidão inumerável, os quais todos não tanto foram convencidos de haverem tido parte no incêndio, mas de serem inimigos do gênero humano. O suplício destes miseráveis foi ainda acompanhado de insultos, porque ou os cobriam com peles de animais ferozes para serem devorados pelos cães, ou foram crucificados, ou os queimaram de noite para servirem como de archotes e tochas ao público. Nero ofereceu seus jardins para este espetáculo... (Anais, Livro XV, 44).

Já Eusébio de Cesaréia atribui a ele o martírio de Paulo e Pedro: “Dessa maneira, aclamando-se publicamente como o principal inimigo de Deus, Nero foi conduzido em sua fúria a assassinar os apóstolos”. Relata-se, portanto, que Paulo foi decapitado em Roma e que Pedro foi crucificado em seu governo (História Eclesiástica, Livro II, 25). Sobre a tumba dos dois apóstolos foram edificadas, no tempo de Constantino, duas basílicas.

Nessa época inúmeros cristãos foram aprisionados. Próximo ao Vaticano, onde hoje se eleva a monumental Basílica de São Pedro, erguia-se outrora o circo de Nero, em meio aos jardins imperiais. Nero expôs os cristãos aos mais cruéis suplícios: crucificação, caçada de animais, tochas vivas que iluminavam o espetáculo noturno. Não sabemos o número exato de mártires, porém Tácito afirma que “foi uma multidão ingente”.

b)OS FLÁVIOS

Após a morte de Nero, em 68 d.C. iniciou-se o governo dos Flávios. Sob o comando de Vespasiano e Tito, os cristãos viveram dias tranqüilos. Apenas Domi-

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ciano (81-96 d.C.), no fim da vida mudou de política. Não se sabe por que ele perseguiu os cristãos no final de seu reinado, mas provavelmente devido seu respeito às tradições Romanas. Supõe-se que a perseguição se originou porque os judeus não queriam enviar a Roma o dízimo antes pago a Jerusalém. Como ainda não estava bem definida a diferença entre cristianismo e judaísmo, os cristãos também sofreram as conseqüências.

Entre os mártires da época, enumera-se Tito Flávio Clemente, primo do imperador, cônsul em 95 e sua esposa Flávia Domitila. Condenado sobre a acusação de ateísmo (negação do culto aos ídolos) e de costumes judaicos (prática da vida cristã). Foi durante esta perseguição que João foi exilado para a ilha de Patmos (Apocalipse 1.9).

Por volta do ano 95 d.C. a perseguição diminuiu e foi reprimida pelo mesmo imperador. No ano seguinte, Domiciano morreu assassinado. Nerva seu sucessor por dois anos deixou em paz os cristãos, proibindo qualquer violência contra eles. As perseguições cristãs do século I abrangeram, pois, um total de 8 anos no máximo: 4 anos sob Nero e 4 anos sob Domiciano.

c)ANTONINOS

O século II esteve sob o governo dos chamados Antoninos: Trajano, Adriano, Antonino Pio, Marco Aurélio e Cômodo. Este foi um dos períodos mais prósperos do Império Romano devido à estabilidade política, que favoreceu o aumento e expansão das atividades produtivas e comerciais, inclusive cultural do Império. Nenhum deles se manifestou declaradamente contra os cristãos, entretanto perdurava uma ordem que proibia a propagação do cristianismo.

Entre os documentos mais importantes dessa época está a consulta de Plínio, o Jovem, governador da Bitínia, ao imperador Trajano sobre o tratamento dispensado aos cristãos. Plínio exigia que os cristãos acendessem incenso ao imperador e

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que maldissessem a Cristo, caso recusassem eram condenados à morte por desobediência. A resposta do imperador foi que: “eles não devem ser perseguidos, mas se surgirem denúncias procedentes, aplique-se o castigo, com a ressalva de que, se alguém nega ser cristão e, mediante a adoração dos deuses, demonstra não o ser atualmente, deve ser perdoado em recompensa de sua emenda, por mais que o acusem suspeitas relativas ao passado”.7

Entre os mártires mais importantes do século merecem atenção Inácio de Antioquia, Policarpo de Esmirna, Justino e os mártires de Lião.

d) SEVEROS

Com a morte do imperador Cômodo, ascende ao poder a dinastia Severa: Sétimo Severo (193-211 d.C.), Caracala (211-217 d.C.), Heliogábalo (218-222 d.C.) e Severo Alexandre (222-235 d.C.). A partir deste momento, o império romano começou a ser ameaçado internamente pela corrupção e, nas fronteiras, pelos confrontos militares. A hegemonia de Roma não era mais como antes, pairava no ar um rumor de decadência.

Com a subida de Sétimo Severo ao trono imperial reiniciaria a perseguição aos cristãos. Na primeira metade do século III as perseguições orientaram-se contra determinada classe de pessoas. Em 201 o imperador promulgou um decreto em que proibia, sob severas penas, a conversão ao judaísmo. No ano seguinte foi a vez do cristianismo.

A perseguição teve origem em sua política religiosa. Sua intenção era unir todas as religiões sob um único culto – o culto ao deus Sol, de modo que fortalecesse a unidade tão necessária ao Império Romano. Com esta atitude se defrontou não só com os judeus, mas também com os cristãos que se recusavam a tal ato. Para que sua ordem fosse obedecida ele instituiu pena de morte para quem se convertesse ao cristianismo.

7. BETTENSON. H. Documentos da Igreja Cristã. 3ª ed. São Paulo: ASTE, 1998, p.6.

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No mesmo ano em que foi promulgada tal ordem, Irineu foi martirizado como também uma cristã de nome Felicidade com sua escrava Perpétua.

Nos últimos anos de seu governo os cristãos gozavam de relativa paz que perdurou por um período de quarenta anos sendo interrompida com a ascensão de Maximino Trácio.

4.3 PERSEGUIÇÕES GERAIS

Os anos seguintes foram caracterizados por uma profunda crise institucional, social. Dentre os imperadores que subiram ao poder deve ser lembrado o nome de Décio. Este monarca celebrizou-se principalmente como perseguidor dos cristãos. Inaugura-se com ele uma nova fase: as perseguições gerais.

Em 249 d.C. ou inícios do ano seguinte, decretou um edito onde todos seus súditos deveriam por meio de um ato solene sacrificar aos deuses. Funcionários públicos registrariam em listas oficiais o nome das famílias dos sacrificantes. Desta forma ele teria em seu poder o número exato de pessoas que lhe eram sujeitas.

Difícil conjuntura para os cristãos: renegar a fé por ato idolátrico ou expor-se a cruéis penas. Novamente a igreja seria colocada à prova. Nas grandes cidades como Alexandria, Cartago, Esmirna, Roma muitos renegaram sua fé. Todavia enorme multidão de fiéis, de ambos os sexos e de todas as idades deram com seu sangue testemunho da própria fé. Tão terrível perseguição foi de breve tempo, diminuindo na primavera de 251 d.C.

Valeriano (253-260 d.C.), sucessor de Décio, no inicio de seu governo foi favorável aos cristãos, perseguindo-os nos últimos anos. Eusébio de Cesaréia registrou o relato que Dionísio fez sobre estes dois últimos monarcas: “Mas nem Galo compreendeu a perversidade de Décio, nem prenunciou o que havia destruído, antes, tropeçou na mesma pedra colocada diante de seus olhos. Pois quando seu reinado avançava com prosperidade, e seus negócios sucediam-se de acordo com seus desejos, perseguiu aqueles homens santos que intercediam com Deus por sua paz e

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segurança”. 8 Em Cartago, morreu decapitado o bispo Cipriano.

Na segunda metade do século III registram-se, pois, duas grandes perseguições gerais, de curta duração: a de Décio, pouco mais de um ano e a de Valeriano, cerca de três anos.

Em 284 d.C. subiu ao trono imperial Diocleciano. Durante seu governo, várias foram as reformas realizadas, permitindo a sobrevivência do Império ao longo de um século. Ele decidiu que o imperador não devia morar em Roma, mas se estabelecer o mais perto do possível das fronteiras. Mudou completamente a forma de governo, pois entendia que uma única pessoa não era suficiente para atender todas as complexas necessidades do Império. Assim, instituiu a Tetrarquia, um sistema de governo que previa a divisão de poder entre Augustos – ele mesmo e Maximiniano – ajudados por dois Césares que, no caso de morte ou abdicação dos dois imperadores, assumiriam o poder e nomeariam dois outros Césares.

Influenciado por Galério, Diocleciano iniciou a última e mais sangrenta perseguição contra o cristianismo. Em 303 d.C. publicou uma série de editos determinando que todos os exemplares da Bíblia fossem queimados, os templos fossem destruídos além de exigir que seus súditos queimassem incenso a sua imagem. Aqueles que não fizessem ficariam sem a cidadania romana, e conseqüentemente sem a proteção da lei.

Em alguns lugares os cristãos eram encerrados nos templos e depois ateavam fogo, com todos os membros no seu interior. Consta que o imperador Diocleciano erigiu um monumento com esta inscrição: “Em honra ao extermínio da superstição cristã”.

Em 305 d.C. Diocleciano retirou-se à vida particular e induziu Maximiniano a fazer o mesmo. Os dois Césares, Galério e Constâncio, assumiram o poder, deflagrando uma luta acirrada entre os dois aspirantes a César e que não chegaram a ser: Maxêncio e Constantino. Constantino venceu Maxêncio no campo de batalha em 312 d.C. Neste ano Constantino, às portas de Roma e sobre a Ponte Mílvio proclamou sua devoção à cruz, o símbolo cristão. No ano seguinte, 313 d.C. foi pro-

8. CESARÉIA, Eusébio. História Eclesiástica. Rio de Janeiro: CPAD, 1999, p.249.

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mulgado o Edito de Milão, que encerrava para sempre o capítulo das perseguições imperiais e concedia aos cristãos total liberdade de adoração.

Próximo do Coliseu de Roma contempla-se ainda hoje o arco de Constantino, erigido em comemoração à vitória. “Por inspiração da divindade” realizou-se o evento – recorda a grande inscrição que encabeça o monumento.

Constantino não escondeu suas predileções para com a nova religião. Por sua ordem e com seu auxílio, foi construída a principal basílica romana: a de São Pedro no Vaticano.

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