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11. A REFORMA RELIGIOSA

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HISTÓRIA DA IGREJA

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A REFORMA RELIGIOSA

A principal característica do período medieval era o teocentrismo, ou seja, que Deus estava no centro de tudo. Vamos entender bem o que significa isso. Teocentrismo significa que os valores religiosos predominavam sobre quase todos os aspectos da vida dos indivíduos. Os homens e as mulheres acreditavam que os fenômenos da natureza eram o resultado direito da vontade de Deus. Se uma chuva destruísse uma plantação era porque Deus queria punir aquela aldeia. A peste parou de matar graças às orações. O mundo era daquela maneira por vontade de Deus, sem qualquer influência do homem.

Nas questões espirituais o homem medieval não tinha acesso direto a Deus, ele somente poderia se comunicar com Ele se pertencesse à Igreja Católica. Desse modo, o papa e os bispos exerciam exclusiva autoridade sobre todas as verdades (ninguém podia contrariar as declarações desse seleto grupo de religiosos). Para a mentalidade medieval, a verdade estava na Bíblia e a Igreja Católica era a “única” que podia dar sua interpretação. Com isso a igreja abusava de sua posição de “porta voz dos céus”.

Ao contrário desse pensamento que dominava os intelectuais da Idade Média, surgiram os renascentistas que diziam que o homem deveria estar no centro das atenções. Este movimento conhecido como Renascentistas, traz como principais características o florescimento das artes, e um vigoroso despertar de todas as formas de pensamento. A redescoberta da antiga filosofia, da literatura, das ciências e a evolução dos métodos empíricos de conhecimento, caracteriza todo este período que se inicia no século XV e prolonga-se até o séc. XVII. Em oposição ao espírito escolástico e ao conceito metafísico da vida, busca-se uma nova maneira de olhar e estudar o mundo natural. Esse naturalismo vincula-se estreitamente à ciência em-

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pírica e utiliza suas descobertas para aplicá-las nas obras de arte. Os novos conhecimentos da anatomia, da fisiologia e da geometria são prontamente incorporados, possibilitando, por exemplo, a representação do volume pelo uso da perspectiva, dos efeitos de luzes e cores. Do ponto de vista filosófico, surge uma nova concepção do mundo e do destino do homem, uma visão mais realista e humana dos problemas morais.

Isso foi um choque para a época, pois a vida intelectual esteve durante muito tempo vinculada à Igreja Católica. Os padres e monges eram praticamente os únicos que liam e escreviam livros. O Renascimento gerou um novo critério para reconhecer a verdade sobre as coisas do mundo. A visão do mundo Medieval respeitava a tradição e a autoridade dos antigos. Para os renascentistas, a verdade era obtida empiricamente, ou seja, fruto da experimentação e da observação racional.

A filosofia renascentista procurava substituir a visão transcendentalista medieval pela visão imanentista do mundo. Enquanto que a mentalidade medieval dava prioridade para a vida religiosa, espiritual, celeste, transcendental (superior a este mundo) os renascentistas da Idade Média olhavam a vida terrena, imanente (que pertence a este mundo), o ser humano de carne e ossos, a natureza, o corpo e a experimentação. O Renascimento provocou a secularização da cultura, isto é, o afastamento da vida cultural da autoridade da Igreja.

Nos séculos XV e XVI, a cultura renascentista se espalhou da Itália para outros países europeus. Na França, o Renascimento foi representado por Rabelais (1490-1553) que escreveu Gargântua e Pantagruel, na Espanha destacou-se Miguel Cervantes (1547-1616), autor da célebre obra Dom Quixote, na Alemanha destacou-se os pintores Holbein e Dürer, a Inglaterra foi representada por William Shakespeare (1564-1616), e a Holanda foi representada por Erasmo de Rotterdam (1466-1536).

Durante este período, a Igreja Católica recebeu muitas doações de nobres e comerciantes. Terras, ouro, castelos e rebanhos eram deixados em testamento. A abundância de riquezas e poder acabaram por corromper parte do clero. Padres e bispos desonestos pouco se importavam com os assuntos religiosos, viviam como

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príncipes, cercados de luxo e pecado. Enquanto isso, milhares de pobres e doentes perambulavam pelas cidades em busca de alimento e proteção.

Os padres vendiam objetos anunciados como milagrosos. Por exemplo, o pedaço da cruz onde Cristo teria sido crucificado. O pensador humanista Erasmo de Rotterdam, autor de (O Elogio da Loucura) ironizou, dizendo, que, se juntassem todos esses pedacinhos da cruz que a Igreja vendia, daria para construir um navio. O mais chocante era a venda de indulgências. Literalmente, indulgência quer dizer perdão. Era isso mesmo. O sujeito pagava para a Igreja Católica uma quantia e recebia um atestado de que estava absolvido dos pecados. Dessa forma começam a surgir as Igrejas cristãs que não obedeciam ao papa. Vejamos alguns dos grandes movimentos de reformas que surgiram na história, que foram reprimidos com sangrentas perseguições.

11.1 VALDENSES

Os valdenses, discípulos de Pedro Valdo, rico comerciante francês de Lyon, França, que, no século XII, dá todos os seus bens aos pobres e reúne os fiéis dispostos a lutar contra o luxo e a opulência do clero. Valdo lia, explicava e distribuía as Escrituras ao povo contrariando os costumes e doutrinas, espalhando-as na região de Lião, depois na Provença, até ao Norte de Itália e à Catalunha. Valdo congregou em volta de si vários discípulos que foram conhecidos como “os pobres de Lião”. Os valdenses mostraram os absurdos da busca do absolutismo papal e como a Reforma viria a ser inevitável. Foram cruelmente perseguidos e expulsos da França, porém encontraram refúgio nos vales ao norte da Itália. Existem evidências da sobrevivência dos valdenses até o século XV, sendo que o destino mais provável desse grupo tenha sido a assimilação no Protestantismo e no Anabatismo.

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11.2 JOHN WYCLIFF

Iniciou um movimento na Inglaterra a favor da libertação do domínio e poder romano, bem como da reforma da Igreja Católica.

Nasceu em Yorkshire, Inglaterra, por volta de 1330. Wycliff foi filósofo de destaque na Universidade de Oxford, onde lecionou filosofia. Conselheiro do Rei, João Wycliff atraiu a ira da Igreja Católica pela primeira vez ao defender o direito do governo de confiscar as propriedades de sacerdotes corruptos. Escreveu várias obras de cunho teológico e apologético, dentre a mais importante chamada de “Suma Teológica”, que abordou assuntos sobre a predestinação, a justificação pela fé, o estado da graça, a autoridade papal e a Igreja como comunidade dos santos. Outro assunto que lhe causou grande adversidade foi sua negação da doutrina da transubstanciação que havia se tornado em dogma em 1215. “Além de não aceitar a transformação das substâncias, Wycliff insistia na prática de oferecer ao laicato, não somente a hóstia, mas também o cálice”.33 Sua maior obra foi a tradução do Novo Testamento para o inglês, terminado em 1380. O Antigo Testamento foi publicado em 1384, ano de sua morte.

O seu ataque à doutrina da transubstanciação fez Wicliff criar inimigos influentes. Ele e seus seguidores foram expulsos de Oxford. Por decreto papal, as obras de Wycliff foram proibidas. Numa atitude que só pode ser considerada mesquinha, Wicliff foi postumamente declarado herege em 1415, tendo seu corpo desenterrado e queimado na fogueira em 1427.

Apesar da morte de seu líder, os seguidores de Wycliff foram conhecidos como “lolardos”, continuando firmes e intrépidos, formando um grupo organizado com os seus próprios ministros.

11.3 JOHN HUSS

João Huss (1369/1415), na Boêmia, condenava o culto dos santos e a venda de indulgências pela Igreja. Huss também condenava o luxo excessivo em que vivia

33. GONZÁLEZ, Justo L. Dicionário Ilustrado dos Intérpretes da Fé. São Paulo: Academia Cristã, 2005, p.673.

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o alto clero católico e pregava a livre interpretação da Bíblia pelos cristãos. Foi perseguido e morto na fogueira, mas suas idéias deixaram adeptos. De 1378 a 1418, a cristandade encontrou-se dividida pelo “Cisma do Ocidente”, provocado pela eleição simultânea de dois papas, devido a um desentendimento entre os cardeais, fato que abalou profundamente o prestígio da Igreja.

11.4 MARTINHO LUTERO

Martinho Lutero (1483-1546), monge agostiniano, vivia na cidade de Wittenberg, na Alemanha, onde conquistou o título de doutor em filosofia, tornando-se professor da Universidade e pregador oficial de seu convento. Protestava contra o pagamento de indulgências, porque acreditava que somente Deus poderia perdoar o pecador.

Inicialmente, Lutero não pretendia criar uma nova igreja, queria reformar o catolicismo. Na busca do verdadeiro caminho para se encontrar a vida eterna, Lutero, encontrou na epístola aos Romanos finalmente uma resposta às suas indagações: a doutrina da salvação alcançada unicamente pela fé em Deus, tema central de sua futura teologia.

Em 1517, o papa Leão X, desejando terminar a construção da Basílica de São Pedro, em Roma, determinou nova venda de indulgências, principalmente na Alemanha, onde a Igreja era possuidora de imensos territórios. Em protesto a essa falsa “segurança” religiosa proporcionada pelas indulgências, Lutero fixou suas 95 Teses na porta da Igreja de Wittenberg, a 31 de outubro do mesmo ano.

Em 1518 e 1519, o papa Leão X exigiu que Lutero se retratasse e reconhecesse o valor das indulgências, mas não foi obedecido. Nesse período, Lutero escreveu os livros que serviriam de base para a sua nova doutrina: “O Papado de Roma”, “O Apelo à Nobreza Cristã da Nação Alemã”, “O Cativeiro Babilônico da Igreja” e “Da Liberdade do Cristão”.

Em 1520, o monge queimou publicamente a bula papal Exsurge Domine que declarava heréticos seus escritos. Levado perante Carlos V na Dieta de Worms, recusa retratar-se e é expatriado do império e seus livros queimados em 1521. Lutero

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conseguiu refúgio no castelo de Warlburg, do príncipe Frederico da Saxônia, de onde traduziu a Bíblia para o alemão, tornando-a acessível ao povo. Cidades como Constança, Nurenberg, Erfurt, Magdeburgo, Bremen se recusaram a aplicar o Edito de Worms. O ex-monge transformava-se no líder espiritual de um número cada vez maior de alemães, entre humanistas, artistas, burgueses, príncipes, pequenos, nobres e camponeses.

Em 1526 a cidade de Espira não aceitou empregar o Edito de Worms contra Lutero. Carlos V tentou forçá-la, provocando o protesto de 6 príncipes e de 14 cidades (donde se originou a palavra protestante). Em 1529, as cidades protestantes se reuniram na Liga de Smaikalde contra Carlos V que, em guerra contra a França e contra o Império Otomano, nada pode fazer para impedir o avanço do Luteranismo.

Em 1539, em Augsburgo, foi apresentada a doutrina de Lutero, redigida por Felipe Melâncton, seu principal colaborador. Baseava-se nos seguintes princípios:

1) A única fonte de fé é a Bíblia, livremente interpretada pelos cristãos; 2) O único meio de salvação é a fé em Cristo Os sacramentos e as boas obras não são válidos como meio de se obter a salvação; 3) A Igreja é a simples reunião dos crentes, que têm todos os mesmos direitos; 4) O culto consiste na pregação feita pelos pastores ou “ministros de Deus”.

Quando Martinho Lutero morre, em 18 de dezembro de 1546, na sua cidade natal de Eisleben, já o rosto da Cristandade se encontra profundamente modificado.

A Reforma Protestante ultrapassou largamente as fronteiras da Alemanha; atingiu a Dinamarca, a Noruega, a Suécia, a Suíça, os Países Baixos, a Inglaterra e parte da França, Favorecidas pelos princípios de livre interpretação da Bíblia, nova seitas surgiram e se propagaram pela Europa. As razões iam desde o verdadeiro intuito de reformar a Igreja e atender melhor à devoção dos fiéis, até os motivos políticos como os que levaram Henrique VIII da Inglaterra a romper com o Papa, criando a Igreja Anglicana, da qual se tornou chefe, em 1534.

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11.5 ZWINGLIO (NA SUIÇA)

Huldreich Zwinglio (1484-1531) foi o líder da reforma na Suíça, onde esta se deu de forma mais amena. Por meio de uma votação, cada parte da Suíça escolheu sua própria religião. Embora mais tarde fosse influenciado pelos ensinos de Lutero, chegou ao conhecimento do Evangelho por sua própria busca pessoal. Discordou de Martinho Lutero na questão da transubstanciação (transformação do pão e do vinho no corpo do Senhor) e por isso não foi possível uma união efetiva. Zwinglio exigia o recurso exclusivo da Bíblia como fundamento da fé e da autoridade e o uso da língua alemã na liturgia. Atribuía maior importância ao problema da santificação do que ao da justificação. O batismo e a ceia já não são sacramentos, mas simples memoriais, ou seja, a afirmação da comunhão dos fiéis.

11.6 ANABATISTAS

Com o surgimento da Reforma Protestante liderada por Martinho Lutero, criou-se a oportunidade de que muitos grupos dissidentes intensificassem suas pregações, e entre eles haviam aqueles que eram chamados de “anabatistas”. Estes sustentavam que o batismo infantil não tinha validade e requeriam o rebatismo daqueles que quisessem se tornar membros de seu grupo.

Os anabatistas não formavam um grupo particular ou coerente, mas representavam vários graus de ortodoxia. Os grupos variavam de uma relativa ortodoxia, como era a posição de Conrado Grebel (1485-1528) até a posição mais radical e menos ortodoxa de Baltasar Huebmaier.

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No século XVII, surgiria na Inglaterra um movimento de Igrejas Batistas, que defendiam idéias como a do batismo em idade adulta, nenhum credo oficial, a Bíblia como única regra de fé e prática. Embora não propusessem o radicalismo social dos anabatistas na Alemanha, não aceitavam a ingerência do Estado sobre assuntos religiosos, o que ocasionou severas perseguições contra eles. A maioria acabou imigrando para as treze Colônias (EUA).

11.7 CALVINO

Calvino, cujo nome francês era Jean Cauvin ou Calvin, nasceu em Noyon, na Picardia, norte da França, em 10 de julho de 1509. Filho do secretário episcopal daquela cidade. Teve a sua infância em dias que a Igreja Romana e suas crendices tinham forte influência sobre o povo que se dispunha a crer em qualquer coisa absurda.

Estudou em algumas das melhores escolas de Paris com o objetivo de seguir a carreira eclesiástica, desistindo mais tarde para seguir a carreira jurídica. Em 1533/34 se tornou protestante. Depois de convertido escreveu uma obra chamada De psychopannychia (Sobre os Sonhos da Alma) onde refuta a doutrina de alguns anabatistas segundo a qual as almas dormem até o dia da ressurreição final. Com o desejo de escrever um catecismo para os protestantes de língua francesa, publicou em Basiléia, em 1536, a obra Christianae religionis institutio (Institutas da religião cristã). Em Genebra, “escreveu comentários sobre quase todos os livros da Bíblia, vários tratados sobre a teologia e sobre o governo da Igreja, e, sobretudo uma série de reedições das Institutas, cada uma mais extensa do que a anterior”. 34 A principal idéia de Calvino era a teoria da predestinação. Segundo Calvino, Deus tem poder infinito (é Onipotente) e tem sabedoria infinita (é Onisciente). Nada no Universo pode existir sem sua autorização, e não há nada que Ele não saiba, nem no passado nem no futuro. Assim antes de nascermos, Deus já sabe o que irá acontecer

34. GONZÁLEZ, Justo L. Dicionário Ilustrado dos Intérpretes da Fé. São Paulo: Academia Cristã, 2005, p.147.

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conosco. A conclusão que Calvino chegou foi que Deus já traçou o destino de todos os seres humanos antes deles nascerem. Se vai ser salvo ou não, não depende da vontade, do que faça ou sente, logo todos foram predestinados. A salvação seria uma graça que Deus concede a alguns e não concede a outros. E não adianta alguém perguntar a Deus o porquê de ter predestinado uns à salvação e outros à condenação. Ele decidiu e ponto final.

Calvino, auxiliado por seus seguidores, tomou o poder em Genebra (Suíça) e exerceu comando até sua morte em 1564.

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