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5. OS PAIS DA IGREJA

HISTÓRIA DA IGREJA

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OS PAIS DA IGREJA

O período que comumente é chamado de pós-apostólico é de intenso desenvolvimento do pensamento cristão. O trabalho e influência desse meio milênio garantiram a unidade da Igreja nos séculos seguintes.

Os antigos escritores cristãos dos primeiros séculos e suas obras conhecidas eram considerados pela tradição como testemunho particular autorizado da fé, daí serem chamados de “Pais da Igreja”. Eram homens que devido ao zelo e amor que tinham pela Igreja não mediam esforços para defender a fé que fora dada aos fiéis. Assim sendo, podemos dizer que “Pais da Igreja” foram aqueles que forjaram, construíram e defenderam a fé, a disciplina, a doutrina e os costumes da Igreja, decidindo assim, os rumos da Igreja. Seus escritos tornaram fontes de discussão, de inspiração, de referências ao longo de toda tradição posterior.

Para facilitar a compreensão do estudante, dividiremos os Pais da Igreja em três grandes grupos: os Pais Apostólicos, os Apologistas e os Polemistas. Todavia devemos levar em conta que muitos deles podem se enquadrar em mais de um desses grupos devido à vasta literatura que produziram para a edificação e defesa do Cristianismo.

5.1 PAIS APOSTÓLICOS

Os “Pais Apostólicos” é o título utilizado para descrever os escritores ortodoxos da Igreja primitiva que de alguma maneira tiveram contato com os apóstolos. Pertence à chamada “era subapostólica”. 9 Esses escritos datam geralmente do primeiro e segundo século, sendo cartas que serviam de instrução e exortação.

9. Lane, Tony. Pensamento Cristão: Dos Primórdios à Idade Média. São Paulo:Abba Press, 2003, p.14-15.

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Assemelham-se bastante em conteúdo e forma, às cartas apostólicas; seus autores buscavam mostrar a seus destinatários a importância da salvação manifestada em Cristo e fortalecer-lhes a esperança da volta de Cristo, em meio a uma geração que estava cercada de falsos evangelhos e ataques de céticos pagãos. Não há entre os estudiosos uma concordância quanto aos “pais apostólicos”. Primeiramente era enumerado Barnabé, Clemente de Roma, Inácio, Policarpo e Hermas. Mais tarde, foi acrescentado Papias e a Carta a Diogneto e Didaquê. Para o estudo ora proposto faremos menção apenas de escritores que efetiva ou provavelmente estiveram em contato mais ou menos direto com os apóstolos, ou que sem esse conhecimento pessoal, seus escritos são bem semelhantes ao espírito do Novo Testamento.

a)Clemente de Roma (30 a 100 d.C.)

Foi uma pessoa muito reconhecida na Antiguidade, de grande autoridade, mas que pouco sabemos de sua vida e atos, salvo sua carta aos Coríntios, “que Igreja Siríaca contou entre as Sagradas Escrituras e que foi inserida também no Codex Alexandrinus da Bíblia”.10

Muitas são as informações sobre Clemente de Roma, desde lendárias até testemunhos fidedignos. De acordo com um romance siríaco, Clemente teria vagueado o mundo em busca da verdade, quando encontrou Pedro e se tornou seu discípulo. As Pesudo-Clementinas identificou Clemente com o cônsul Tito Flávio Clemente, parente do imperador Domiciano, executado em 95-96, por professar a fé cristã. Orígenes e Eusébio de Cesaréia o identificaram como sendo aquele colaborador que o apóstolo Paulo cita em sua carta aos Filipenses: “E peço-te também a ti, meu verdadeiro companheiro, que ajudes essas mulheres que trabalharam comigo no evangelho, e com Clemente, e com os outros cooperadores, cujos nomes estão no Livro da Vida” (Filipenses 4.3). Irineu de Lião, por sua vez escreveu que Clemente teria sido o 3º sucessor de Pedro no episcopado de Roma, e que conhecera pessoalmente o apóstolo Pedro. Tertuliano acredita que Clemente teria sido consagrado pelo próprio apóstolo Pedro. 11

10. ALTANER, Berthold; STUIBER, Alfred. Patrologia. São Paulo: Paulinas, 1988, p.55. 11. CHAMPLIN, Russell Norman; BENTES, João Marques. Enciclopédia de Bíblia Teologia Filosofia. São Paulo: Candeia, p.769.

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Clemente escreveu uma carta aos Coríntios, conhecida como I Epístola de São Clemente, datada por volta do ano 95, citada na carta de Policarpo. Nessa carta encontram dados sobre o desenvolvimento do cânon do Novo Testamento, práticas litúrgicas e eclesiásticas da igreja primitiva e muito mais. Esta carta possuía tamanha semelhança com a carta do apóstolo Paulo aos Coríntios que “alguns cristãos do século II no Egito consideravam-na parte das Escrituras, assim como muitos pais apostólicos”. 12

b)Inácio de Antioquia (35-107 d.C.)

De acordo com Eusébio de Cesaréia, Inácio foi “o segundo a obter a sucessão de Pedro no episcopado de Antioquia”. 13 Antioquia era uma cidade muito importante do Império Romano na Síria, além de ser uma cidade importantíssima para os cristãos. Foi ali que pela primeira vez foram chamados de cristãos e foi a partir dali que Paulo iniciou as primeiras viagens missionárias (Atos 11.26).

Poucas informações têm sobre sua família, sua formação, se era de família cristã ou convertido. Tudo quanto sabemos sobre sua vida se encontra em suas sete cartas escritas a caminho de Roma, desde a Síria pela Ásia Menor, rumo ao martírio. Os títulos indicam os lugares para onde estas cartas foram endereçadas, a saber: aos Efésios, aos Magnesianos, aos Romanos, aos Tralianos, aos Filadelfianos, aos Esmirnneanos e uma a Policarpo, jovem bispo de Esmirna. 14

Inácio é o primeiro escritor a apresentar claramente o padrão tríplice de ministério: um bispo numa Igreja com seus presbíteros e diáconos. 15 Opôs-se às heresias gnósticas. Sua preocupação principal era com a unidade da Igreja. Foi martirizado em Roma, durante o reinado de Trajano (98-117 d.C.).

12. OLSON, Roger. História da Teologia Cristã. São Paulo: Vida, 2001, p.41. 13. CESARÉIA, Eusébio de. História Eclesiástica. São Paulo: Fonte Editorial, 2005, p.107. 14. Idem, 2005, p.108. 15. Lane, Tony. Pensamento Cristão: Dos Primórdios à Idade Média. São Paulo:Abba Press, 2003, p.15.

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c)Papias (60 a 140 d.C.)

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Pouquíssimas informações se têm a respeito dele, salvo o que escreveu Eusébio e Irineu. Segundo os testemunhos que se têm, era bispo de Hierápolis, na Frigia, atual Pambukcallesi turca. Foi contemporâneo de Inácio de Antioquia e de Policarpo de Esmirna. Escreveu uma coleção de cinco livros intitulada Logíon kuriakon ecsegéseis (Exegese das Palavras do Senhor).

Foi por intermédio de Papias, registrada por Eusébio, que nos chegou ás informações sobre os evangelhos de Marcos e Mateus. Sobre Marcos disse ele que: “foi interprete de Pedro, pôs por escrito, ainda que não com ordem, o quanto recordava do que o Senhor havia dito e feito”. 16 Sobre Mateus nos diz que: “ordenou as sentenças em língua hebraica, mas cada um as traduzia como melhor podia”. 17 Sobre a veracidade histórica do testemunho de Papias, atualmente, pesa sobre suas afirmações sérias críticas, principalmente porque a crítica literária da Bíblia demonstrou que os evangelhos são escritos baseados em tradições orais e não produto da memória.

d)Policarpo (69-155 d.C.?)

Nada sabemos de sua infância, sua formação, sua família. De acordo com Irineu, Policarpo foi discípulo do apóstolo João. Com a morte de João finda-se a classe de líderes cristãos primitivos chamados apóstolos. Policarpo fora instruído na fé por João e, portanto, era considerado um vínculo vivo com os discípulos de Jesus e os apóstolos. Sobre seu contato com os apóstolos escreveu Eusébio usando as palavras de Irineu: “não somente foi instruído pelos apóstolos e conviveu com muitos que haviam visto o Senhor, mas também foi instituído bispo da Ásia pelos apóstolos, na igreja de Esmirna. Nós inclusive o vimos em nossa idade juvenil. Já que viveu anos e morreu muito velho, depois de dar glorioso e esplêndido testemunho. Sempre ensinou o que havia aprendido dos apóstolos, que é também o que a

16. CESARÉIA, Eusébio de. História Eclesiástica. São Paulo: Fonte Editorial, 2005, p.113. 17. Idem, 2005, p. 113.

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igreja transmite e o único que é verdade”. 18 Não é por menos que, das sete cartas destinatárias às sete Igrejas do Apocalipse, a de Esmirna é a única não recriminada por alguma falta: “E ao anjo da igreja que está em Esmirna escreve: Isto diz o Primeiro e o Último, que foi morto e reviveu: Eu sei as tuas obras, e tribulação, e pobreza (mas tu és rico), e a blasfêmia dos que se dizem judeus e não o são, mas são a sinagoga de Satanás. Nada temas das coisas que hás de padecer. Eis que o diabo lançará alguns de vós na prisão, para que sejais tentados; e tereis uma tribulação de dez dias. Sê fiel até a morte, e dar-te-ei a coroa da vida” (Apocalipse 2.8-10).

Relacionadas a Policarpo existem duas obras das quais podemos reconstruir sua personalidade: a Carta aos Filipenses na qual revela toda sua alma, seu coração e sua compreensão para com os fracos e talvez a mais conhecida, o Martírio de Policarpo, onde se encontra registrado as famosíssimas defesa de Policarpo em prol de Cristo: “Oitenta e seis anos há que sirvo a Cristo. Cristo nunca me fez mal. Como blasfemaria contra meu Rei e Salvador”.19

Tudo indica que Policarpo conhecia alguns personagens ilustre de sua época, como Inácio, Irineu, Aniceto de Roma e Marcião o qual resistiu sua doutrina e lhe chamando de “primogênito de Satanás”. Sofreu o martírio no ano de 155 d.C. com 86 anos de idade, em um domingo.

5.2 APOLOGISTAS

No decurso da história da teologia, a filosofia tem tido um relacionamento de amor-ódio com o cristianismo e a teologia cristã. A teologia foi profundamente influenciada pela filosofia, especialmente a filosofia grega (helenística). Um dos mais influentes pais da Igreja, Tertuliano, ficou pasmado ao constatar que alguns de seus contemporâneos faziam uso da filosofia grega como o platonismo e o estoicismo para explicar as idéias cristãs. Por este motivo uma de suas frases tornou-se celebre até os dias de hoje: “O que Atenas e Jerusalém têm a dizer uma à outra? Que concordância existe entre a Academia (Platônica) e a Igreja? E entre hereges e cristãos?”. 20

18. Idem, 2005, p.127. 19. BETTENSON, H. Documentos da Igreja Cristã. São Paulo: ASTE, 1998. p.41. 20. GEILER, Norman L; FEINBERG, Paul. D. Introdução a Filosofia. São Paulo: Vida Nova, 2005.

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Desde aqueles tempos uma fenda divide os pensadores cristãos, alguns têm considerado que a filosofia é a serva da teologia, vendo a tarefa dela como sendo a formulação de argumentação para a defesa do cristianismo. Outros têm considerado a filosofia como sendo a ferramenta do diabo, como Tertuliano.

O pensamento de Tertuliano foi minoritário, a maioria buscava demonstrar semelhanças entre a mensagem e cosmovisão cristã e o que havia de melhor na filosofia grega, a ponto de considerar o cristianismo como sendo a “verdadeira filosofia”, buscando demonstrar sua superioridade, como filosofia, ao pensamento helenístico. Embora essa idéia fosse escandalosa para Tertuliano e para outros pensadores cristãos primitivos, foi amplamente aceita em grandes centros difusores do cristianismo, como Alexandria e Roma, dois centros culturais mais proeminentes do Império.

Dessa forma no século II e III teremos duas classes de pais apologistas: os que defenderam o cristianismo à luz da filosofia grega e os que rejeitavam a filosofia. Portanto os apologistas foram aqueles que empregaram suas habilidades intelectuais e literárias em defesa do Cristianismo.

Assim como nos pais apostólicos, não há concordância universal a respeito do grupo de apologistas. As listas de apologistas variam e boa parte da diversidade surge das tentativas de incluir ou excluir o autor da obra anônima Epístola a Diogneto. Geralmente este grupo se situa no segundo século e os mais proeminentes entre eles foram:

a)Justino o Mártir († 165 d.C.)

Nasceu em “Flávia Neápolis” (hoje Nablus), a antiga Siquém, na Palestina. Filho de pais pagãos, em sua infância entrou em contato com um mestre estóico, passando logo após para um peripatético e, finalmente, a um pitagórico se tornando um devoto aos interesses intelectuais e logo um “filósofo”. Quando conheceu o cristianismo, provavelmente em Éfeso, disse: “Esta é a única filosofia realmente confiável e útil que eu encontrei” (Dial. 8). Depois de sua conversão peregrinou até Roma onde fundou uma escola.

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Ele merece a reputação de o apologista mais importante do século II d.C. por sua criatividade e idéias a respeito de Cristo como o Logos e o Cristianismo como a filosofia verdadeira.

Eusébio de Cesaréia conta-nos que Justino escreveu um grande número de obras, 21 mas só três são aceitas como genuínas: Primeira Apologia, Segunda Apologia e o Diálogo com Trifão, o Judeu. Sua Primeira Apologia é dirigida ao Imperador Antonino Pio que reinou de 138-161 d.C. seus filhos Lúcius e Marco Aurélio, todo o senado romano. A Segunda Apologia é dirigida a Antonino Vero. Ambas as cartas foram escritos para contestar a perseguição contra os cristãos. No Diálogo com Trifão, Justino explica de que modo a graça divina o levou à doutrina da fé. Justino foi decapitado em Roma, junto com seis outros cristãos.

b)Tertuliano (160- 220 d.C.)

Quintus Septimius Florens Tertullianus nasceu em Cartago, um dos principais centros culturais do Império Romano. Filho de um centurião proconsular romano recebeu esmerada educação, principalmente jurídica e retórica. Aos vinte anos seguiu para Roma, onde ampliou sua formação. Conhecedor do grego e do latim era advogado notável, lecionando oratória em Roma, onde se converteu ao cristianismo. Regressou a Cartago por volta do ano 195, dedicando-se ao estudo das Escrituras, da literatura cristã e profana, e dos tratados gnósticos. Iniciou então uma produtiva atividade literária voltada para a consolidação da Igreja no norte da África.

Tertuliano foi o principal apologista da Igreja Ocidental e o primeiro teólogo cristão a escrever em latim. Ele contribuiu com seus escritos para fixar o léxico e a doutrina do cristianismo ocidental. Suas contribuições de maior importância foram suas discussões sobre a Trindade e a Encarnação do Logos. Tanto quanto Irineu ele considerava o gnosticismo o pior inimigo do cristianismo. Para combatê-lo escreveu duas importantes obras: Adversus Marcionem (Contra Marcião) e De praescriptio-

21. CESARÉIA, Eusébio de. História Eclesiástica. São Paulo: Fonte Editorial, 2005, p.137.

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ne Haereticorum (Prescrição contra os Hereges). Escreveu ainda vários tratados: Contra Hemógenes (Adversus Hermogenem), Contra Práxeas (Adversus Praxean). Escreveu ainda sob questões práticas e morais: como De Monogamia (Sobre Monogamia), De exhortatione castitatis (Sobre Exortação da Castidade), De patentia (Sobre a Paciência), De paenitentia (Pobre a Penitência), De cultu feminarum (Sobre o Vestir das Mulheres) e outros.22

Tamanha fora sua influência que “seus escritos contribuíram, juntamente com a “Vetus Latina” e a “Vulgata”, com maior cabedal para a formação do latim cristão da Antiguidade”. 23

c)Hipólito (160-236 d.C.)

Pouco se sabe sobre sua vida, entretanto foi um escritor complexo e fecundo. Foi discípulo de Irineu, seguindo com o mesmo vigor que seu mestre, o combate aos gnósticos. Eusébio oferece uma lista com alguns de seus escritos: “Do Hexaemeron, Das Obras Sobre o Hexaemeron, A Marcião, Dos Cânticos, Sobre Partes de Ezequiel, Da Páscoa, Contra Todas as Heresias”. 24 Hipólito não concordava com a posição teológica do papa Calisto, acusando-o de sabelianista. Recebeu apoio de uma facção da Igreja, tornando-se uma espécie de antipapa. Em 235 d.C. durante a perseguição levantada por Maximino, Hipólito e Ponciano foram exilados para a ilha de Sardenha, aonde vieram a falecer. No episcopado de Fabiano, em 250 d.C. seus ossos foram trazidos para Roma, onde receberam homenagens como mártires.

5.3 POLEMISTAS

Diferentemente dos apologistas do segundo século que procuraram fazer uma explanação e uma justificação racional do Cristianismo para as autoridades, os Polemistas empenharam-se por responder ao desafio dos falsos ensinos dos heré-

22. GONZÁLEZ, Justo L. Dicionário Ilustrado dos Interpretes da Fé. São Paulo: Academia Cristã, 2005, p.613. 23. ALTANER, B; STUIBER, A. Patrologia: vida, obras e doutrinas dos Padres da Igreja. 2ª Ed. São Paulo: Paulus, 1998, p.156. 24. CESARÉIA, Eusébio de. História Eclesiástica. São Paulo: Fonte Editorial, 2005, p.211.

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ticos, condenando com veemência, suas doutrinas e seus mestres. Apesar de a maioria viveram no Oriente, os grandes Polemistas veio do Ocidente. Os pais desse grupo não mediram esforços para defender a fé cristã das falsas doutrinas surgidas fora e dentro da Igreja. Geralmente estão situados no terceiro século. Os mais destacados entre eles foram:

a)Irineu (130- 202 d.C.)

Natural da Ásia Menor, provavelmente de Esmirna, onde foi discípulo de Policarpo de Esmirna, com quem aprendeu as tradições do apóstolo João, discípulo de Jesus. Em 170 d.C. como presbítero, estabeleceu-se na Gália (França), na cidade de Lião, junto ao vale do Ródano, onde tornou-se notável defensor da fé cristã.

Em 177 d.C. o imperador Marco Aurélio iniciou terrível perseguição aos cristãos da Ásia Menor, especialmente daqueles que habitavam o vale do Ródano. Foram mortos centenas de leigos e presbíteros, juntamente com o bispo daquela região. Irineu escapou da morte durante este ataque contra os cristãos da Gália, porque havia sido enviado a Roma a fim de contestar as heresias que de lá chegavam ao seu conhecimento. Quando retornou de lá, foi eleito pelo povo bispo de Lião.

Irineu foi autor de diversos livros, porém, somente duas obras atualmente são conhecidas: Adversus haereses (Contra as Heresias) e Epideixis tou apostolokou kerygmatos (Demonstração ou Exposição da Pregação Apostólica). A primeira é essencialmente teológica enquanto que a segunda é cristológica e soteriológica. Enquanto no Adversus haereses a ênfase recai sobre a doutrina de Deus criador, em Demonstração, o enfoque se faz desde a economia da salvação.

b)Cipriano (210-258 d.C.)

Thascius Cecilius Cyprianus era de família nobre e influente de Cartago. Converteu-se ao cristianismo em 246 d.C. sendo posteriormente eleito bispo em sua cidade natal, por volta do ano de 249 d.C. Exerceu um ministério pastoral influente produzindo vários escritos antes de ser perseguido e decapitado nos dias do imperador Valeriano.

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As principais obras de Cipriano são: Tratado Sobre a Unidade da Igreja (De ecclesiae unitate) e Dos Caídos (De lapsis) ambas escrita em 251 d.C., enviadas aos confessores romanos da fé. De habitu virginum (249 d.C.), De mortalitate (252 ou mais tarde), De opere et eleemosynis (252 d.C.) e a coleção de cartas. Algumas de suas obras são revisões dos escrito de Tertuliano, a quem Cipriano chamava de mestre. 25

c)Orígenes (185-254 d.C.)

Orígenes foi o maior dos interpretes alegóricos e mais prolíficos da antiguidade cristã. A maior parte das informações sobre a vida de Orígenes pode ser localizada no sexto livro da história Eclesiástica de Eusébio. Nasceu em Alexandria, no Egito, onde foi aluno de Clemente, o que o faria sucessor deste, anos mais tarde. Ficou à frente da escola por vinte e oito anos, levando uma vida extremamente ascética e piedosa. Devido ao seu zelo, interpretou literalmente o texto de Mateus 19.12 que diz: “Porque há eunucos que assim nasceram do ventre da mãe; e há eunucos que foram castrados pelos homens; e há eunucos que se castraram a si mesmos por causa do Reino dos céus. Quem pode receber isso, que o receba”; mutilou-se a si mesmo.

Seu pai Leônidas morreu martirizado em 202, o que fez com que ele tivesse o mesmo sentimento, a ponto de dizer ao pai que se encontrava preso: “não vás mudar de idéia por causa de nós”. Em 212 esteve em Roma, Grécia e Palestina. A mãe do imperador Alexandre Severo, Júlia Maméia chamou-o a Antioquia para ouvir suas lições. Morreu em Cesaréia durante a perseguição do imperador Décio.

A produção literária de Origens foi enorme. Segundo a estimativa, Origens foi o autor de seis mil pergaminhos. 26 Uma vez que seus conhecimentos bíblicos eram enormes e estava consciente de que o texto das Escrituras continha ligeiras variantes, compôs a “Hexapla”, 27 uma obra monumental de erudição bíblica que não foi conservada na íntegra.

25. GONZÁLEZ, Justo L. Dicionário Ilustrado dos Interpretes da Fé. São Paulo: Academia Cristã, 2005, p.174. 26. CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos. São Paulo: Vida Nova. 1995, p 91. 27. GONZÁLEZ, Justo L. E Até os Confins da Terra: Uma História Ilustrada do Cristianismo Vol. I. São Paulo: Vida Nova, 1995, p. 129.

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