Relicário Urbano_Tatiana Moschetta Assef

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Tatiana Moschetta Assef

RELICÁRIO URBANO

Triângulo Histórico como depositário de memórias e símbolos de São Paulo

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário Senac – Santo Amaro como exigência parcial para obtenção do grau de bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientador Prof. Dr. Ricardo Luis Silva

São Paulo 2019


Elaborada pelo sistema de geração automática de ficha catalográfica do Centro Universitário Senac São Paulo com dados fornecidos pelo autor(a). Assef, Tatiana Moschetta Relicário Urbano: Triângulo Histórico como depositário de memórias e símbolos de São Paulo / Tatiana Moschetta Assef - São Paulo (SP), 2019. 88 f.: il. color. Orientador(a): Ricardo Luis SILVA Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo) - Centro Universitário Senac, São Paulo, 2019. 1. Centro Histórico de São Paulo 2. Mosteiro São Bento 3. Convento São Francisco 4. Igreja da Ordem Terceira do Carmo 5. Mapas artísticos I. SILVA, Ricardo Luis (Orient.) II. Título


Para Maria BertĂŁo Cunha



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AGRADECIMENTOS

odo trabalho árduo conta com o apoio de muitas pessoas. No mais das vezes, no desenrolar dos dias, acabamos por esquecer daqueles que estiveram ao nosso lado e que, de uma forma ou de outra, apoiaram-nos para que conseguíssemos chegar aonde estamos. A finalização de uma graduação é sempre um momento de comemoração e, portanto, uma oportunidade de mencionar nossa gratidão àqueles que nos acompanharam na caminhada. Começo, pois, pelo meu marido Eduardo, e pelos meus filhos, Stefano e Enrico que, sem dúvida, foram meus grandes companheiros nessa jornada, estando plenamente presentes não só nesse último ano do trabalho de conclusão de curso, mas em todos os outros, inclusive nas minhas reiteradas ausências em que tive de abdicar-lhes a companhia para cumprir as tarefas que a academia me impunha.

Agradeço ao corpo docente do SENAC, na pessoa do meu orientador, Prof. Dr. Ricardo Luis Silva, que esteve presente não só nos atendimentos, como também ao longo desses anos de formação, com seus assuntos instigantes e propostas desafiadoras sobre a cidade, além de sua constante presença pelos passos de “Por Onde o Homem Anda” que me permitiram rever São Paulo através do seu olhar... Agradeço aos meus colegas de curso, em especial àqueles que fizeram parte dos grupos de WhatsApp “Arquitortura” e “Desarcorçoados”, grupos esses que em breve serão desfeitos, mas que durante esses últimos 5 anos, em auxílio mútuo, foram imprescindíveis para que seguíssemos adiante, em busca do objetivo comum. Agradeço aos chamados sujeitos invisíveis, na acepção mais respeitosa do termo, para referir-me aos funcionários do SENAC que diariamente estiveram lá, nas oficinas, laboratórios, biblioteca, restaurantes, jardins... mantendo a estrutura física do campus no seu mais alto grau de limpeza, organização e beleza para que nós, estudantes, pudéssemos desfrutar, diariamente, das possibilidades que a vida acadêmica oferece. Meu agradecimento especial ao meu pai, Wlademir, um professor nato, que me ensinou a gostar das letras, do conhecimento, das curiosidades do cotidiano. Uma pessoa que, com sua erudição, ensina-me diariamente sobre tantas coisas da vida. À minha mãe, Dora, pela sua criatividade e talento ímpar, tanto com as palavras como com os tecidos, que me ensinou a interpretar o mundo, a ler nas entrelinhas, a executar sonhos e a não ter medo de recomeçar nunca. E à minha querida irmã Larissa, minha cúmplice e grande parceira de vida, que sempre esteve ao meu lado validando minhas ideias e instigando-me a seguir adiante.


E por último, a quem eu dedico com especial carinho esse trabalho, minha avó Maria, pelo papel que desempenhou em minha vida e pelo amor que me despertou, desde criança, às linhas, tesouras, agulhas e tecidos, a avó com a qual eu tive o privilégio de ter crescido próxima e de conviver até hoje...


RESUMO

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elemento central desta pesquisa foi o levantamento de elementos simbólicos existentes no Centro Histórico da capital, mapeado a partir das igrejas que formam o chamado Triângulo Histórico de São Paulo. Partindo do Mosteiro São Bento, seguindo em direção ao Convento São Francisco e concluindo na Igreja da Ordem Terceira do Carmo, foram levantados símbolos de identificação da cidade, do passado ou ainda existentes no presente, desde sua fundação até os dias atuais. Pesquisas teóricas, visitas locais, mapeamentos mentais e físicos, caminhadas, deambulações e experimentações artísticas foram feitas com o objetivo de criar um produto manual – Relicário Urbano - capaz de armazenar as memórias da cidade, visando não só a preservação da história e do patrimônio cultural brasileiro, como também o despertar no leitor o interesse pelas curiosidades e preciosidades das quais o Centro de São Paulo é guardião.

Palavras-chave: 1. Centro Histórico de São Paulo 2. Mosteiro São Bento 3. Convento São Francisco 4. Igreja da Ordem Terceira do Carmo 5. Palimpsesto urbano 6. Caminhadas urbanas 7. Simbologia urbana 8. Mapas artísticos


ABSTRACT

T

he central element of this research was the survey of symbolic elements found in the historic center of the capital, determined by the churches that form the so-called Historic Triangle of São Paulo. Starting at São Bento Monastery, heading towards the São Francisco Convent and concluding at the Church of Ordem Terceira do Carmo, symbols of identification of the city were detected, from the past or still existing, from its foundation to the present day. Theoretical research, local visits, mental and physical mappings, wanderings, drifts and artistic experiments were conducted with the purpose of creating a manual product - Urban Reliquary - capable of storing the city’s memories, aiming not only at preserving its history and cultural heritage but also as awakening in the reader the interest in the curiosities and gems of which the Center of São Paulo is guardian.

Keywords: 1. São Paulo Historic Center 2. São Bento Monastery 3. São Francisco Convent 4. Church of Ordem Terceira do Carmo 5. Urban Palimpsest 6. Urban Drifting 7. Urban Symbology 8. Artistic Maps


[…] A cidade se embebe como uma esponja dessa onda que reflui das recordações e se dilata. Uma descrição de Zaíra como é atualmente deveria conter todo o passado de Zaíra. Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos para-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras.

As cidades e a memória, Ítalo Calvino



SUMÁRIO CAPÍTULO I I.1. Algumas considerações --------------------------------------------------------------------- 17 I.2. Primeiras linhas ------------------------------------------------------------------------------- 18 I.3. Alinhavando memórias ---------------------------------------------------------------------- 18 I.4. Caderno de moldes -------------------------------------------------------------------------- 20 I.5. Transferindo o molde para o tecido ------------------------------------------------------ 22

CAPÍTULO II II.1. O papel da Igreja Católica na formação das cidades brasileiras ---------------- 27 II.2. A simbologia na fundação de São Paulo ----------------------------------------------- 29 II.3. Linha do tempo: fatos históricos do perímetro estudado -------------------------- 30 II.4. As igrejas que formam o Triângulo Histórico de São Paulo ----------------------- 35 II.4.1. Igreja da Ordem Terceira do Carmo ------------------------------------------------ 35 II.4.2. Mosteiro São Bento --------------------------------------------------------------------- 35 II.4.3. Convento São Francisco -------------------------------------------------------------- 38 II.5. O porquê do tema --------------------------------------------------------------------------- 40 II.6. Fontes de inspiração: bases para o trabalho ----------------------------------------- 42

CAPÍTULO III III.1. Experiências cotidianas ------------------------------------------------------------------- 56 III.2. Tecido urbano: técnicas mistas sobre algodão cru e voil ------------------------- 58 III.3. Aquilo que insiste em ficar ---------------------------------------------------------------- 64 III.4. O que os olhos (não) veem -------------------------------------------------------------- 66 III.5. Tríades: colagens do Triângulo Histórico --------------------------------------------- 68 III.6. Termos finais --------------------------------------------------------------------------------- 70



CAPÍTULO I


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I.1. Algumas considerações

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ntes de iniciar a apresentação do presente trabalho entendemos serem necessários alguns “considerandos”: utilizar o verbo na terceira pessoa do plural começou como exigência para cumprimento de normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) em trabalhos acadêmicos. Entretanto, embora seja um trabalho de conclusão de curso, obtivemos licença formal da coordenação para que o produto pudesse ser apresentado em padrões menos rigorosos em termos de formato e diagramação. Considerando nossa intenção inicial em confeccionar um produto todo confeccionado à mão, a concessão caiu-nos como uma luva! Por outro lado, por não se tratar de um trabalho técnico-científico no rigor da palavra, mas sim de uma representação pessoal do espaço urbano conhecido por Triângulo Histórico de São Paulo, continuar utilizando conjugações na terceira pessoa do plural não afetou em nada o resultado final, já que, embora seja um trabalho autoral, seu desenvolvimento contou com o auxílio de diversas pessoas, que, comigo, compuseram esse Relicário Urbano. Adicionalmente, a cidade sobre a qual falamos é um produto coletivo, na medida em que é constantemente confeccionada por muitas mãos e, portanto, falar no plural apenas reconhece a existências de sujeitos por detrás dos símbolos, dos edifícios, das ruas e das memórias que procuraremos ressaltar. Por fim, a liberdade que nos foi concedida para a apresentação de um produto final em moldes não tradicionais facultou-nos o aproveitamento de leituras e citações de outras áreas do conhecimento que não apenas da Arquitetura e Urbanismo, matérias essas que, ao nosso ver, estão interconectadas, em essência, ao resultado que se pretende alcançar. Aproveitamos para informar que a maior parte das imagens contidas nesse volume são de nossa autoria. Aquelas que não forem serão devidamente informadas em momento oportuno. Trabalhar entre linhas, com imagens e palavras foram apenas algumas das formas de expressão, coincidentemente aquelas que estamos utilizando para explicar-lhes o presente projeto. Todavia falar sobre a cidade não é vivê-la; é preciso, pois, experimentá-la! Esperamos que ao final o leitor desfrute das imagens do nosso Relicário Urbano - o objeto que escolhemos para guardar as joias da cidade de São Paulo encontradas neste ano de 2019 – e que, ao mesmo tempo, sinta-se instigado a experienciá-la a seu próprio modo, da forma e no tempo que melhor lhe convierem.

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I.2. Primeiras linhas:

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palavra relicário (do latim relicarium, lugar de restos) é um objeto litúrgico utilizado pela igreja católica para guardar itens pessoais de indivíduos santificados, considerando-os joias para os fieis. O costume de se preservar esses objetos surgiu no Cristianismo primitivo, em virtude do sacrifício de muitos mártires que morreram pregando sua fé e cujos restos mortais e/ou objetos com os quais conviveram, eram utilizados para veneração. No presente trabalho, a denominação Relicário Urbano foi conferida à coleção composta pelos objetos mapeados durante caminhadas realizadas no centro de São Paulo transformadas em produtos que, embora destituídos de quaisquer significados sagrados, ainda assim guardam memórias e histórias de um experimentado palimpsesto urbano. O chamado Triângulo Histórico de São Paulo, região delimitada pelo perímetro onde estão localizados o Mosteiro de São Bento, o Convento e Santuário São Francisco e a Igreja da Ordem Terceira do Carmo - é um espaço riquíssimo em elementos simbólicos que representam a história da fundação e crescimento da maior metrópole brasileira. O local é intensamente vivido por milhares de pessoas que lá habitam, trabalham, passeiam ou simplesmente por aqueles que, assim como nós, são meros apaixonados por seus contornos e segredos e que não se cansam de andar por suas ruas, observar seus detalhes, descortinar suas memórias... O presente trabalho é resultado desse mapeamento mental e físico, de pesquisas teóricas, caminhadas e experimentações artísticas que culminaram em uma coleção de objetos manualmente confeccionados que representam um pouquinho dessa história. Esperamos poder dividir essa experiência com outras pessoas a fim de que se faça despertar o interesse pelo patrimônio de nossa cidade e contribua para a preservação da memória e da riqueza imaterial que temos sobre nossos pés, a vista de nossos olhos e sob o céu de nossa existência. E que essa experiência possa suscitar novos olhares sobre a cidade de ontem, revisitada hoje, em vista de um futuro mais atento e participativo de seus habitantes.

I.3. Alinhavando memórias

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automatismo da atualidade aliado ao uso ininterrupto da tecnologia capaz de fazer a leitura massificada das coisas, dos espaços, das experiências sensoriais humanas, roubou dos incautos a perspicácia de enxergar o mundo por seus próprios olhos, acabando por torná-los devoradores do olhar alheio, daquilo que o outro apresenta como objeto a ser visto e validado.

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Há quem diga que não é preciso andar pelos lugares para conhecê-los. Há outros que se satisfazem visualizando imagens captadas por terceiros, como se elas fossem capazes de transportá-los para a realidade que se imaginaria viver... Muitos desses indivíduos atribuem suas escolhas - por não viver a cidade - à violência, ao trânsito caótico, à sujeira do centro, ao “descaso das autoridades”, à falta de tempo, à distância e até mesmo na suposta falta de elementos capazes de despertar qualquer interesse no observador. Viajam o mundo validando espaços e histórias alheias, mas afirmam não haver por aqui o mesmo tratamento dado às cidades estrangeiras. A escolha do Centro Histórico de São Paulo como pano de fundo para o presente trabalho de conclusão de curso não é recente e nem aconteceu por acaso. Nosso interesse remonta ao final da década de 90, época em que a Praça da Sé e arredores era apenas um local a ser evitado, por ser o reduto de trombadinhas e meliantes.

“Não há nada para ser ver naquele lugar!” “Fique atenta à sua bolsa” “Caminhe rápido e não passe pelo meio da praça” Esses eram os conselhos que se ouvia daqueles que sabiam que estávamos indo para a cidade. Sim, “cidade”, pois para quem é do interior, cidade era o local onde o comércio se desenvolvia, onde havia um intenso vai e vem de pessoas e de mercadorias, onde havia vida e, ao mesmo tempo, o perigo do desconhecido. Entretanto era preciso passar pela Sé: era lá que estava a centralidade do metrô de São Paulo, era lá que muitos ônibus tinham seus pontos convergentes. E era lá também que ficavam as principais repartições públicas de São Paulo: o Fórum Central Cível (João Mendes Junior), o Fórum Criminal e da Fazenda Pública (Hely Lopes Meirelles), o Tribunal de Justiça de São Paulo, o extinto Tribunal de Alçada Cível (no Largo do Pátio do Colégio), cartórios de protestos, cartórios de registros de títulos e documentos, cartórios de notas, secretarias municipais... enfim locais onde precisávamos estar. Naquela época ainda não usufruíamos das facilidades da internet e, por exigências profissionais, caminhávamos quase que diariamente pelas ruas do Centro Histórico, porém sem olhar para cima, reparar por debaixo, passear através. Não havia tempo para experimentações. Mas chega o dia em que o caminhar pelo centro passa a ser uma deambulação: não há mais que se preocupar para onde ir, não há pressa de chegar. E nesse dia o espaço retoma seu significado latente, intrínseco, o significado que sempre esteve ali e que agora pode ser experimentado dignamente.

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[…] A memória – coisa estranha! – não registra a duração concreta, a duração no sentido bergsoniano. Não podemos reviver as durações abolidas. Só podemos pensá-las, pensá-las na linha de um tempo abstrato privado de qualquer espessura. É pelo espaço, é no espaço que encontramos os belos fósseis de duração concretizados por longas permanências. O inconsciente permanece nos locais. As lembranças são imóveis, tanto mais sólidas quando mais bem especializadas. Localizar uma lembrança no tempo não passa de uma preocupação de biógrafo e corresponde praticamente apenas a uma espécie de história externa, uma história para uso externo, para ser contada aos outros. [...]. (BACHELARD, 2003, p. 29)

E diante dessa redescoberta experimenta-se uma nova sensação: o perímetro do chamado Triângulo Histórico descortina-se como nunca antes houvera sido visto, não porque não existisse, mas sim porque não o validávamos. Para que se viva a cidade é preciso, pois, estar atento, é preciso experimentá-la coletivamente. E foi assim que surgiu a ideia do Relicário Urbano, uma coleção de experiências ressignificadas como uma história a ser contada, a ser dividida, a ser somada com outras experiências, com outras culturas, com diferentes indivíduos, de outros lugares, como um grande palimpsesto urbano.

I.4. Caderno de moldes

A

escolha pela confecção manual dos produtos deste Relicário Urbano surgiu como uma premissa básica deste trabalho. De início não sabíamos ao certo o que seria confeccionado, mas sabíamos que seria referente ao Centro de São Paulo e que seria feito a mão. E essa escolha tão certa logo de início talvez tenha ocorrido por nossa facilidade e/ou preferência do fazer propriamente dito em relação aos desafios digitais de programas de produção e edição de imagem ou talvez porque a produção manual pressupõe um tempo de maturação do processo, um voltar-se para dentro, extraindo de nós o que colecionamos em experiências e vivências, para então externá-los sob as lentes de nosso olhar. Um processo feminino, sem dúvida, que remeta às mulheres em geral e à época em que suas participações na sociedade eram restritas aos trabalhos e às prendas domésticas. Voltar às raízes, às nossas mães e avós, às memórias de infância, àquilo que trazemos como essência do que hoje somos. Um saber genuíno, passado de geração em geração, que pouco fazemos nos dias de hoje, seja por falta de tempo, de interesse ou do valor que damos a ele.

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Escolhido o tema (Triângulo Histórico de São Paulo) e o corpus mechanicum para representá-lo (tecido) era, pois, preciso escolher como executá-lo. Partimos de dados do GeoSampa, imprimindo o perímetro em escala 1:750. Mas por que mapas? Porque eles são abstrações de ideias de espaço, de lugares que guardam uma série de vivências e lembranças, pessoais e alheias, e que juntas formam o todo sobre qual elegemos para iniciar nosso Relicário Urbano. A map is an abstract idea of a place; it is a drawing, an interpretation of reality based on what the map maker wants to show. Map makers make choices about what to include as well as what to leave out – accordingly, a map is a reflection of its maker and how it will be used. [...]. (GOODWIN, 2013, p. 33) [Um mapa é uma ideia abstrata de um lugar; é um desenho, uma interpretação da realidade baseada naquilo que o confeccionador do mapa quer mostrar. Criadores de mapas fazem escolhas sobre o que incluir tão bem adequadas quanto o que deixar passar, um mapa é o reflexo de seu criador e como isso será usado” (Tradução livre)]

Mas também não queríamos que fosse apenas um mapa, no sentido da “representação gráfica e métrica de uma porção de território sobre uma superfície bidimensional”. A ideia, pois, de aliá-lo a outros elementos surgiu na leitura do prefácio do livro “Desenhando São Paulo”, escrito por Ulpiano T. Bezerra de Meneses que sugeria ao leitor que fizesse uso do conteúdo da obra como se fosse um “álbum de família”, de modo que o território mapeado pudesse ser tratado “não como espaço de controle, de gestão, de cognição, mas (sim) como espaço da memória”. E explica:

Com efeito, no álbum de família as fotos se dispõem de maneira a registrar as mudanças – mas se trata de alteração combinada com a noção de permanência, de continuidade do mesmo. O que interessa é o que permanece na mudança, é procurar entender, na mudança, o que fica. A cartografia de São Paulo registra, por certo, as marcas inexoráveis da passagem do tempo e as substituições que são inerentes ao crescimento urbano. Mas, como no álbum de família, o torvelinho das diferenças ganha ordem e sentido, há uma estabilidade, afinal, em meio à mudança constante de referenciais. […] No entanto, como no álbum de família a sequência resgata a identidade e torna inteligíveis as transformações, por mais radicais que sejam.

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O presente trabalho busca, pois, apresentar alguns elementos simbólicos observados no Centro Histórico de São Paulo, representados em um grande mapa manual e outros produtos provenientes dele, com o intuito de contribuir não só para a valorização de nosso patrimônio imaterial como também para o despertar de novos olhares sobre a cidade de São Paulo, pois como dizia Benevolo (2015, p. 9): […] todos os cidadãos deveriam aprender a compreender – sistemática e historicamente – o ambiente físico em que vivem: a ler e escrever o mundo dos objetos materiais, além do mundo dos discursos, de modo a poder discuti-lo, modificá-lo e não apenas suportá-lo passivamente.

I.5. Transferindo o molde para o tecido

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onsiderando a proposta apresentada – representar manualmente alguns elementos simbólicos colecionados do Centro Histórico de São Paulo – a metodologia e os procedimentos adotados decorreram de pesquisas teóricas, visitas aos edifícios, mapeamentos mentais e físicos, deambulações e fixação das sensações e/ou descobertas por meio de textos, figuras, fotografias. Com o resultado daquela pesquisa em mãos, iniciamos algumas experimentações artísticas com o objetivo de criar um produto final capaz de armazenar memórias da cidade, cujo objetivo não era somente o registro das descobertas, mas também um possível despertar, no leitor, de interesses semelhantes visando à preservação do patrimônio cultural aqui existente. Algumas dessas experimentações seguiram adiante, outras foram arquivadas para futuros trabalhos e/ou desdobramentos do presente projeto. Sendo assim, apresentaremos um breve resumo das ações propostas inicialmente, bem como dos resultados alcançados, ressaltando que nem todos estão no trabalho final aqui apresentado: - Mapeamento 2019 / base GeoSampa (PMSP): impressão do perímetro em escala 1:750 e transferência das linhas para o tecido de algodão cru; - Preenchimento de alguns lotes com tinta aquarela na cor cinza para representar bens tombados no centro da capital; - Mapeamento 1877 / base cartográfica de Francisco de Albuquerque e Jules Martin (Arquivo Histórico de São Paulo): transferência do perímetro com nanquim para tecido voil, com destaque para as igrejas católicas existentes no perímetro no final do século XIX;

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- Impressão fotográfica artesanal (cianotipia e Van Dyke) de imagens captadas pela pesquisadora durante as visitas ao Centro Histórico e intervenções artísticas sobre os tecidos; - Escrita em nanquim sobre tiras de tecido voil representando as ruas que compõem o perímetro definido como Triângulo Histórico de São Paulo, tanto dos nomes atuais como de alguns nomes que as ruas já tiveram no passado; - Confecção, em crochê com bordados em canutilhos, representando as placas do Centro Histórico, mas em especial as da esquina das ruas do Ouvidor e São Francisco, onde se encontram bacias dos rios Itororó e Anhangabaú, respectivamente; - Representação de marcas e/ou símbolos de empresas (logotipos) encontrados no Centro Histórico por intermédio de carimbos ou estênceis confeccionados manualmente, em placas emborrachadas (EVAs) ou chapas de acetato (radiografias recicladas).

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CAPÍTULO II

Figura 1: Trecho do mapa de São Paulo de 1877 - Francisco de Albuquerque e Jules Martin / Arquivo Histórico de São Paulo

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II.1. O papel da Igreja Católica na formação de cidades brasileiras

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o período do Brasil Colônia e Brasil Império (entre 1500 a 1889) o catolicismo era a religião oficial do país, em virtude de estreitas relações que o Reino de Portugal nutria com a Igreja Católica Apostólica Romana. Muitas cidades nasceram ao redor de uma igreja católica, já que clérigos de diversas ordens religiosas aportaram no Brasil durante décadas, com a suposta missão de evangelizar os indígenas. Sabemos, entretanto, que esse processo estava intimamente ligado com os interesses mercantis e políticos de europeus no Brasil, mas tal fato não descaracteriza o papel que a igreja desempenhou na formação de cidades brasileiras.

Durante muitos anos a Igreja Católica, com autorização da Coroa Portuguesa, executou funções administrativas que hoje são exclusivas do Estado, como é o caso de assentos de nascimentos, óbitos e casamentos. Além do mais, a Igreja Católica exerceu um importante papel para a manutenção da ordem social e ainda contribuiu para a implantação de hospitais e casas de saúde no país, como comprovam instituições identificadas por Santas Casas de Misericórdia que, embora já privatizadas e laicas nos dias atuais, mantém em seus títulos a definição de suas origens. As irmandades – instituições religiosas compostas por leigos (cristãos que não eram ordenados, nem faziam parte da hierarquia eclesiástica, mas que participavam ativamente das atividades ligadas à igreja), também tiveram um papel preponderante na formação e crescimento de muitas cidades brasileiras, na medida em que acolhiam e auxiliavam indivíduos de culturas e/ou classes sociais diversas, cumprindo a tarefa de competência do Estado. Ademais, a construção de capelas e igrejas auxiliava na demarcação do espaço urbano e na criação de áreas de uso comum pelos integrantes daquela comunidade. Qualquer pessoa – rica ou pobre, negra ou branca, homem ou mulher, livre ou escrava poderia ser membro de uma irmandade, desde que tivesse conduta moralmente aceita, cumprisse seus deveres perante a Igreja e auxiliasse financeiramente a irmandade. Essas instituições funcionavam como clubes e/ou agremiações dos dias de hoje, sendo úteis a seus membros durante a vida e também na morte, já que àquela época os sepultamentos eram realizados apenas nos terrenos de igrejas e quem não fosse clérigo, nem pertencesse a uma irmandade ou ordem religiosa, não tinha direito aos ritos fúnebres, acabando por ter um tratamento equiparado àquele dado aos criminosos. Também vale dizer que desde aquela época, imperava a hierarquia para os sepultamentos: no interior das igrejas, próximos ao altar, eram enterrados os clérigos e os nobres, enquanto que do lado de fora (no terreno ao lado ou aos fundos) eram enterrados os pobres ou pessoas sem prestígio. Porém, para que a pessoa fosse beneficiária de um sepultamento digno e da intercessão divina, era necessário que fosse fiel praticante não só dos cultos, como também das contribuições pecuniárias para a manutenção da igreja.

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Esse costume de enterrar pessoas no interior das igrejas vinha da crença de que era preciso estar mais próximo dos santos para que a alma pudesse ser salva. Essa prática perdurou até o final do século XIX, quando, por questões de higiene pública, decidiu-se pela criação de cemitérios municipais. Dois anos após a Proclamação da República, em 24 de fevereiro de 1891, tivemos a promulgação da primeira Constituição brasileira que, em seu artigo 72, estabeleceu de forma clara os limites do poder exercido pela Igreja sobre os cidadãos: liberdade de culto e de associação religiosa; reconhecimento do casamento civil (já que antes era reconhecido apenas o casamento religioso); criação de cemitérios administrados pela autoridade municipal, com a liberdade de cultos religiosos distintos; ensino laico; fim da subvenção e/ ou relação de dependência ou aliança da igreja com o Governo da União ou dos Estados. Não obstante já ter passado mais de um século da separação de poderes entre o Estado e Igreja, até hoje podemos perceber a influência da igreja católica e de seus dogmas em muitas cidades brasileiras, como é o caso de São Paulo.

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II.2. A simbologia na fundação de São Paulo Durante a viagem, estando já perto de Damasco, subitamete o cercou uma luz resplandecente vinda do céu. Caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: - Saulo, Saulo, por que me persegues? Saulo disse: - Quem és, Senhor? Respondeu ele: - Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Então, trêmulo e atônito, disse ele: - Senhor, que queres que eu faça? Respondeu-lhe o Senhor: - Levanta-te, entra na cidade. Aí te será dito o que deves fazer. Os homens que o acompanhavam enchiam-se de espanto, pois ouviam perfeitamente a voz, mas não viam ninguém. Saulo levantou-se do chão. Abrindo, porém, os olhos, não via nada. Tomaram-no pela mão e o introduziram em Damasco, onde esteve três dias sem ver, sem comer nem beber. Atos dos Apóstolos, 9 :3-9

S

ão Paulo, assim como muitas outras cidades brasileiras, está repleta de significados de origem religiosa, a começar pelo seu nome e aqui essa influência começa pelo local onde a cidade surgiu. Conta-nos a história que a cidade de São Paulo nasceu como missão jesuítica em 25/01/1554, data em que os jesuítas celebraram a primeira missa no local onde hoje dá-se o nome de Pátio do Colégio. Entretanto, José de Anchieta e Manuel da Nóbrega ja estavam em território paulista meses antes, tanto que em agosto de 1553 eles já haviam arregimentado alguns nativos para professar a fé cristã. O catecumenato para a Igreja Católica era a iniciação cristã para adultos. Os nativos recebiam ensinamentos sobre os princípios e dogmas da Igreja, cumprindo rituais e obedecendo aos preceitos cristãos. Quando prontos recebiam os 3 sacramentos de uma só vez: batismo, confirmação e eucaristia.

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A escolha da data de 25 de janeiro para a celebração da primeira missa, entretanto, não foi mera coincidência: 25 de janeiro é a data que os cristãos celebram a conversão do apóstolo Paulo ao Cristianismo. Paulo, conhecido como Apóstolo dos Gentios, nasceu em Tarso, na Cilícia (região onde hoje é a Turquia), no ano 5 d.C.. Seu nome de nascimento era Saulo. De origem nobre judaica e membro de família influente na região, Saulo havia sido preparado desde a infância para assumir um cargo no Sinédrio, assembleia de juízes judeus que constituía a Corte e o Legislativo supremos da antiga Israel. Exímio conhecedor das leis judaicas e um tirano impiedoso, Saulo de Tarso passou anos de sua vida perseguindo e matando cristãos. Prega-nos o Evangelho que, numa de suas viagens persecutórias, no deserto entre Jerusalém e Damasco, Jesus aparece para Saulo, fato que motiva sua conversão ao Cristianismo. Saulo, tirano e impiedoso, “morre” para que nasça um novo homem, Paulo, fiel ao Cristo e aos seus ensinamentos. Paulo torna-se um dos maiores e mais importantes propagadores do Cristianismo eternizando-se como São Paulo Apóstolo ou Apóstolo dos Gentios (nome conferido àqueles que não eram hebreus). É ele também autor das Epístolas Paulinas. Interessante notar que os jesuítas, ao escolherem a data de 25 de janeiro para marcar a fundação do Colégio dos Jesuítas e a conversão dos nativos do planalto de Piratininga, estavam também batizando de significado a maior metrópole brasileira: SÃO PAULO.

III.3. Linha do tempo: fatos históricos do perímetro estudado A cidade - local de estabelecimento aparelhado, diferenciado e ao mesmo tempo privilegiado, sede da autoridade – nasce da aldeia, mas não é apenas uma aldeia que cresceu. Ela se forma, como pudemos ver, quando as indústrias e os serviços já não são executados pelas pessoas que cultivam a terra, mas por outras que não têm essa obrigação, e que são mantidas pelas primeiras com o excedente do produto total. (BENEVOLO, 2015, p. 23)

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té meados do Século XIX São Paulo era um povoado de interesses periódicos. Em vista de sua localização - em planalto de difícil acesso dos agentes da Coroa Portuguesa - a vila ficou isolada por muitos anos após o “descobrimento” do Brasil. Durante os séculos XVI e XVII sua principal atividade econômica era o comércio de escra-

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vos (índios preados no sertão e vendidos nos centros agrícolas do litoral) e o comércio de gado (vindos dos campos do Sul, com destino sobretudo ao Rio de Janeiro). Nessa época a exportação brasileira fazia-se através dos portos localizados próximos às lavouras da cana de açúcar, ou seja, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Maranhão e Pará. A Vila de São Paulo, como era conhecida a metrópole dos primeiros séculos, teve um tímido desenvolvimento urbano durante muitos anos. De 1554, quando José de Anchieta e Manoel da Nóbrega construíram o Colégio dos Jesuítas no alto da colina, até o século XVII, quando se iniciaram as bandeiras, a vila restringia-se ao perímetro que hoje conhecemos por Triângulo Histórico, de onde irradiavam cinco caminhos que a colocavam em contato com o sertão: a leste (em direção ao rio Tamaduateí), tinha o caminho de Tabatinguera; para o sul (Ipiranga, Caminho do Mar) e também o caminho de Ibirapuera (futuramente caminho de Santo Amaro), para oeste o caminho de Pinheiros e para o norte, o Caminho do Guaré. Em 1763, em decorrência da exploração do ouro nas Minas Gerais, a capital do Brasil é transferida de Salvador para o Rio de Janeiro. Embora Salvador fosse considerada, na época, uma cidade mais moderna e equipada, a Coroa Portuguesa temia contrabandos e, portanto, escolheu uma cidade mais próxima das Minas Gerais para o controle da exploração de minérios no sudeste do país. Nesse mesmo período são ampliadas as atividades econômicas na Vila de São Paulo que passa a ser abastecedora de produtos agrícolas para as cidades de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, mas ainda assim continuava com características provincianas. Com a proclamação da independência em solo paulistano no ano de 1822, a cidade logo recebe o título de Imperial Cidade de São Paulo. Todavia, o desenvolvimento de uma nova sociedade só começaria, de fato, a partir da instituição dos cursos jurídicos no Brasil. Os Cursos de sciencias Jurídicas e Sociaes (sic) no Brasil foram instituídos, por Lei, em 11 de agosto de 1827, um em Olinda/PE e outro, em São Paulo/SP. Aqui o curso jurídico tem início nas dependências do Convento São Francisco. Nos primeiros 30 anos do Século XIX a área urbana da cidade de São Paulo rompe seus contornos primitivos e alguns bairros despontam para além dos rios Anhangabaú e Tamanduateí, embora esses bairros, no início, nada mais fossem do que chácaras, roças, sítios e áreas rurais. A partir de 1850 São Paulo passa a se caracterizar como cidade de negócios tendo, na economia cafeeira, a grande mola propulsora para o crescimento e enriquecimento da população local. Em 1867 é criada a São Paulo Railway, primeira ferrovia paulista, visando ao escoamento, para o Porto de Santos, da produção cafeeira vindas das fazendas do interior. Nessa época surge uma oligarquia rural cafeeira bastante abastada, o que propiciou o crescimento e enriquecimento de diversas cidades do Estado de São Paulo.

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Ao contrário da cana de açúcar, a cultura do café não exigia a permanência do fazendeiro em suas terras para cuidar da lavoura, fato que propiciou a mudança de muitos aristocratas para os centros urbanos, em busca de melhores oportunidades de estudo para seus filhos, acesso aos bens culturais e de lazer que cidade oferecia, convivência com outras famílias da mesma estirpe, bem como na possibilidade de participar e intervir nas decisões políticas. Nesse contexto São Paulo do final do século XIX passa a abrigar centros financeiros, agentes de seguro, casas comissárias, bancos e a partir de então dá-se início ao real crescimento da cidade. A riqueza gerada pelo café e a ligação ferroviária com o porto de Santos (de onde saiam os produtos agrícolas para a Corte Portuguesa) romperam o isolamento em que viviam os moradores de Piratininga dos primeiros tempos. Em 1888 tem-se a abolição da escravatura, em 1889 ocorre a Proclamação da República e nesse mesmo período aportam no Brasil os primeiros imigrantes europeus, vindo em busca de trabalho e de melhores oportunidades de vida na América. Em 1899 é fundada, no Canadá, a empresa The São Paulo Tramway, Light and Power Company. Nesse mesmo ano o presidente Campos Salles autoriza, por decreto, sua atuação no Brasil ficando esta empresa responsável pela geração e distribuição de energia elétrica para a cidade. Posteriormente a Light São Paulo, como ficou conhecida, passaria a prestar serviços de transporte público, substituindo os bondes puxados por burros por bondes elétricos. De 1900 a 1930 a cidade de São Paulo vive seu período de apogeu. Todavia também foi um período repleto de agitações, turbulências políticas, sociais, econômicas e culturais. Nesse contexto um grupo de intelectuais brasileiros percebe que era preciso abandonar velhos hábitos e costumes (valores estéticos antigos) para dar lugar a um estilo novo, com identidade própria (brasileira) e com liberdade de expressão. Tem-se, então, em 1922 a Semana de Arte Moderna, início formal do modernismo no Brasil.Os resultados deste evento não foram percebidos de imediato, mas mudaram radicalmente a visão da sociedade vigente até então e, consequentemente, impactaram na vida e hábitos de São Paulo. Em 1930 o Estado de São Paulo sofre com o golpe de Getúlio Vargas, político gaúcho, que impede a tomada do poder por Júlio Prestes (candidato à presidência da República por São Paulo) e assume o comando do país com apoio do exército, estancando a chamada política do café com leite (alternância de políticos paulistas e mineiros na direção do país). Com o golpe, Getúlio Vargas cassou a Constituição de 1891, dissolveu o Congresso e extraiu poderes dos congressos estaduais e das câmaras municipais, pondo fim à chamada República Velha. Vargas governava por decretos que tinham força de lei e com eles extraía poderes dos interventores federais estaduais, fragilizando os interesses da classe política paulista.

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Embora tenha se comprometido a convocar novas eleições e a formar uma Assembleia Nacional Constituinte para a promulgação de uma nova Constituição, Vargas mantem-se inerte. Em vista da indefinição das medidas externadas por Vargas, da inexistência de segurança jurídica (já que o novo presidente governava de forma discricionária, por meio de decretos e sem respaldo de uma Constituição e de um Poder Legislativo) e descontentes com o governo provisório que não correspondia aos interesses dos grupos políticos locais, São Paulo inicia movimentos que culminam com a Revolução Constitucionalista de 1932, da qual sai derrotado. Apesar da derrota militar do movimento, São Paulo sai exitoso em algumas de suas principais reivindicações, como a nomeação de um interventor civil paulista e a promulgação de uma nova Constituição, em 1934, que duraria pouco, já que em 1937 Vargas, por um novo golpe, inicia o período histórico conhecido por Estado-Novo que duraria até 1945. Em meados da década de 1940 a Light São Paulo encerra o transporte público por bondes elétricos. Em 1946 é criada a Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC) e no ano seguinte a prefeitura transfere-lhe o patrimônio da São Paulo Tramway Light and Power Company. Em 1950 chega à São Paulo a indústria automobilística e, nesse mesmo período, uma grande leva de migrantes do nordeste brasileiro em busca de trabalho na capital. A partir da década de 60 São Paulo torna-se o principal polo econômico do Brasil e a maior cidade da América do Sul, porém junto com todo esse crescimento aumentam, em igual proporção, seus problemas. As moradias populares espraiam-se para as periferias e grande parte da população (principalmente os mais pobres) passa a depender cada vez mais do transporte público para se locomover pela cidade, já bastante grande e caótica. Em vista do aumento da demanda, a CMTC substitui paulatinamente o transporte público dos bondes por trólebus e ônibus, até que em 1968 é desativado o último sistema de bondes de São Paulo. Em 1975 entra em funcionamento a primeira linha do metrô em São Paulo (linha nortesul) com intensas transformações espaciais no Centro Histórico de São Paulo, especial no perímetro que hoje conhecemos como Praça da Sé e Praça Clóvis Beviláqua, que foram completamente reformuladas para a construção da estação Sé do metrô, inclusive com a demolição de edifícios icônicos da cidade (Edifícios Santa Helena e Mendes Caldeira, além da sede da Cúria Metropolitana de São Paulo).

O resultado das obras foi que a Praça da Sé, agora unificada com a Praça Clóvis, perdeu completamente seu sentido de identidade com a história e a memória da cidade, além de sua inadequação em termos

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de escala e desenho. A Praça da Sé foi a principal praça cívica de São Paulo, mas perdeu esse caráter. É certo que, em parte, esse processo ocorreu ao surgirem outras centralidades urbanas e pontos de concentração e de manifestação mais adequados ao tamanho atual da metrópole, mas também é certo que seu desenho final em nada corresponde a uma praça onde a história registra todo tipo de manifestação política e religiosa, imagem que foi construída, no mínimo, ao longo de dois séculos. (OVANDO JR, 2014, p.11)

Em 1993, em decorrência de acumulados prejuízos para os cofres públicos, a CMTC passa por grande reestruturação e corte de funcionários. A partir de 1994 o transporte público de passageiros na cidade de São Paulo começa a ser operado por empresas privadas, concessionárias do serviço público, e em 1995 a marca CMTC é completamente desativada. Hoje a antiga CMTC é conhecida pela denominação SPTrans. Em 2007 a administração municipal realiza um projeto de reestruturação paisagística da Praça da Sé visando à retomada da local como ponto de encontro da população. Tida como perigosa por muitas décadas (em especial após a construção da estação Sé do metrô) o projeto visava transformar a praça em local mais transitável e seguro. Dentre as alterações realizadas podemos destacar o nivelamento dos canteiros, o refazimento dos jardins, a instalação de passagens e rampas de acesso em locais estratégicos. Esses são apenas alguns fatos históricos que deixaram suas marcas no Centro Histórico de São Paulo, sobre os quais abordaremos direta ou indiretamente em nosso produto. O passado é uma das dimensões mais importantes da singularidade. Materializado na paisagem, preservado em “instituições de memória”, ou ainda vivo na cultura e no cotidiano dos lugares, não é de se estranhar, então, que seja ele que vê dando o suporte mais sólido à essa procura de diferença. A busca da identidade dos lugares, tão alardeada nos dias de hoje, tem sido fundamentalmente uma busca de raízes, uma busca de passado. (ABREU, 1998, p.79)

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III.4. As igrejas que formam o Triângulo Histórico de São Paulo

Em taipa de pilão, técnica que viria a se tornar uma tradição paulista, foram construídos os edifícios do povoado. O traçado inicial de São Paulo se deu em função dos caminhos indígenas existentes, que foram incorporados pelos portugueses como acessos à vila e cristalizados ao longo da história a ponto de os percorrermos até hoje. Na construção dos muros de proteção do povoado, essas entradas foram mantidas desimpedidas, e, consequentemente, deram origem ao arruamento externo. Com a chegada das outras ordens religiosas dos Carmelitas, Beneditinos e Franciscanos, e a construção de seus conventos nas bordas da colina, a estrutura para formação morfológica do Triângulo Histórico estava pronta. (Associação Viva o Centro de São Paulo)

Escolhemos como critério para apresentação das igrejas no presente trabalho a data de suas construções. Os vértices do chamado Triângulo Histórico são definidos pela Igreja da Ordem Terceira do Carmo (também conhecida por Igreja de Nossa Senhora do Carmo), Mosteiro de São Bento e Convento São Francisco.

III.4.1. Igreja da Ordem Terceira do Carmo

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m 1594 frei Antônio de São Paulo obteve licença da Câmara Municipal para fundação de um convento Carmelita na Vila de São Paulo de Piratininga, em terreno que pertencia à sesmaria de Jurubatuba, na antiga Ladeira do Carmo. Essa primeira construção durou até 1766, quando o convento e igreja foram demolidos dando lugar a outros edifícios que também só duraram até 1928. As antigas construções cederam lugar à Avenida Rangel Pestana, restando, de todo esse complexo religioso, apenas a Igreja da Venerável Ordem Terceira do Carmo que, à época,

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não passava de uma capela contígua à igreja principal. A Igreja da Ordem Terceira foi construída por um grupo de leigos, a maioria deles bandeirantes, entre os anos de 1747 a 1758. Dava-se o nome de leigos, no catolicismo, aos fiéis que não haviam recebido as ordens sacras (por não serem celibatários), mas que, ainda assim, assumiam a missão de testemunhar e difundir o Evangelho de Cristo. Sob o lema dos “zelo zelatus sum pro Domino Deo exercituum” (“com zelo tenho sido zeloso pelo Senhor, Deus dos exércitos”) vivem religiosos que abdicam totalmente do convívio com seus familiares e amigos para dedicarem-se aos preceitos da vida consagrada: obediência, castidade e pobreza. Já os membros da Ordem Terceira do Carmo são leigos dos Carmelitas da Antiga Observância, os quais encontram-se sempre unidos em comunhão fraterna com os frades contemplativos e com as freiras de clausura de sua ordem religiosa. Os carmelitas portam sempre um escapulário (que é constituído por duas peças de tecido de lã marrom atadas entre si por uma corda), conhecido por Escapulário do Carmo, um sinal externo da devoção mariana. Tanto os religiosos carmelitas como os leigos usam o escapulário na esperança de obterem a proteção e intercessão da Virgem Maria e também como um sinal do compromisso assumido aos preceitos carmelitas: familiaridade com Maria, orações constantes, presença e prática das virtudes teologais (fé, esperança e caridade).

III.4.2. Mosteiro de São Bento

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fundação do Mosteiro de São Bento data de 1598, quando monges beneditinos receberam do Capitão-Mor Jorge Correia, duas sesmarias. O terreno, onde foi construído o templo, era um dos mais bem localizados no alto da colina, margeado pelas as águas dos rios Anhangabaú e Tamanduateí, justamente no local onde antes existia a taba do Cacique Tibiriçá. A primeira edificação do mosteiro, um pequeno santuário em homenagem a São Bento, foi construído em taipa de pilão. Em 1650, já com auxílio financeiro do bandeirante Fernão Dias, uma outra igreja foi construída substituindo a primeira. Houve acréscimos posteri-

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ores, porém o mosteiro e igreja como se têm hoje em dia, só seriam erguidos no início do século XX, quando as construções de taipa de pilão remanescentes no centro de São Paulo perderam espaço para as modernas tendências europeias. Em 1903 foi edificado o Gimnásio São Bento (hoje Colégio São Bento) e entre os anos de 1910 a 1912, o mosteiro propriamete dito. O projeto é de autoria de Richard Berndl, arquiteto alemão, seguindo o estilo da escola artística de Beuron. A decoração interna segue o estilo beuronense e foi executada pelo beneditino belga Dom Adelberto Gressnigt. A basílica só foi consagrada no ano de 1922, quando então foram instalados os sinos e o relógio em sua fachada. Sob o lema “ora, labora et legere” (ora, trabalha e estuda) vivem religiosos que optaram por seguir os preceitos da vida monástica beneditina. Para tanto faz-se imprescindível que o monge dedique parte do seu tempo ao trabalho (corpo), à leitura (alma) e à oração (espírito). Segundo orientações de São Bento, os monges devem prover todo seu sustento no próprio Mosteiro, evitando saída dos claustros monásticos. Conta-nos a história que Bento e sua irmã gêmea Escolástica nasceram em abastada família italiana tendo recebido, desde a infância, primorosa e sólida educação na fé cristã, conceitos esses que seriam levados por ambos ao longo de suas vidas. Na adolescência Bento vive por 3 anos isolado em uma gruta, em oração e sacrifício. Após esse período Bento é convidado para comandar um mosteiro, porém, em virtude de seu temperamento exigente e de seus atos impiedosos, ele não era benquisto entre seus pares, que tentam, sem sucesso, matá-lo por duas vezes. Na primeira delas, colocam veneno no vinho que Bento tomaria durante a eucaristia. Porém, a taça estilhaça em suas mãos antes que o líquido fosse levado à sua boca. Noutra oportunidade, conta-se que Bento teria sido agraciado com um pão envenenado. Intuído do mal que lhe tentavam praticar, o religioso entrega o alimento a um corvo. Esses fatos renderam-lhe a beatificação acreditando-se que, graças às suas orações diárias, Bento teria conseguido se desvencilhar do diabo em ambas as oportunidades. O mais interessante, entretanto, é observar que o pão, que na história religiosa de São Bento foi o alimento pelo qual o diabo teria usado para o tentar, hoje é o produto comercializado diariamente pelos monges beneditinos do centro de São Paulo que, em pleno século XXI, continuam vivendo segundo os preceitos e regras escritas por São Bento no século VI.

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III.4.3. Convento São Francisco

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onta-nos a história que a primeira missa celebrada no Brasil, em 22 de abril de 1500, foi presidida por Henrique de Coimbra, um frei franciscano que fazia parte da frota de Pedro Álvares Cabral. Todavia, os franciscanos que vieram na frota de Cabral não se instalaram formalmente em território nacional nessa época, mas apenas mais tarde, no final do século XVI.

O mais antigo convento franciscano em terras brasileiras localiza-se em Vitória (ES) datando de 1591 e o segundo, no Rio de Janeiro em 1608. Em São Paulo a instalação de um convento franciscano só ocorreria em 1642, com a chegada de sete frades vindos do Rio de Janeiro para abrandar os conflitos havidos entre os colonizadores e os jesuítas, que eram contra a dominação dos portugueses sobre os índios. Quando chegaram à Vila de São Paulo, os franciscanos instalaram-se na Igreja de Santo Antônio, localizada onde hoje fica a Praça do Patriarca. Em 1642 obtiveram, da Câmara dos Vereadores, a posse de uma gleba de terra para a construção de seu próprio convento, inaugurado em 1647, no local onde conhecemos por Largo São Francisco. Sob o lema “pax e bonum” (paz e bem) vivem os religiosos que seguem os ensinamentos de São Francisco de Assis. O cordão franciscano, composto por três nós, simboliza os votos de pobreza, obediência, e castidade que o religioso assume ao ser ordenado. Conta-nos a história que Francisco nasceu em Assis, no ano de 1181. Assim como muitos outros santos da Igreja Católica, ele teria sido criado no seio de uma família abastada e nobre, crescido em meio à opulência e aventuras. Entretanto, em determinado momento de sua vida, teria sido tocado pela voz divina que o fez converter-se, fazendo votos de pobreza e vivendo para auxiliar os necessitados. Em 1224, dois anos antes de sua morte, em suas orações no Monte Alverne, Francisco teria visto aproximar-se dele um serafim com seis asas, que lhe impingiu chagas nas mãos e nos pés, assim como houvera ocorrido com Jesus Crucificado. Diz-se, pois, que Francisco foi o primeiro cristão a ser estigmatizado.

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Os franciscanos, ao contrário dos beneditinos, tinham o hábito de viver entre irmãos (Fraternidade) e promover a pregação itinerante, pois, segundo eles, o Evangelho deveria ser seguido à risca, ou seja, espalhado entre os povos, assim como teria feito Jesus Cristo. Os franciscanos sempre tiveram um papel de conciliador de conflitos sendo esta a intenção quando chegaram à Vila de São Paulo. O Convento São Francisco era o maior existente naquela época em São Paulo e, mesmo tendo sido construído sob a técnica de taipa de pilão, contava com um térreo e um andar superior, além de um grande claustro com cinco arcadas. O amplo terreno dos franciscanos tinha três fontes d’água, que eram por eles mantidas e cuidadas a fim de abastecer a população local. Aos sábados os frades abriam as portas do convento e dividiam com os pobres as frutas de seu pomar, carne dos porcos por eles criados e outros alimentos por eles produzidos. Durante o século XVIII a ordem franciscana prosperou em São Paulo: muitos freis habitaram o convento dedicando-se ao ensino, ao desenvolvimento das artes, ao apoio às tribos indígenas e também à catequese. No entanto, no início do século XIX, as vocações sacerdotais foram rareando e em 1828 havia apenas seis franciscanos para cuidar da grande área e igreja que fazia parte do Convento São Francisco. O curso jurídico que havia sido recém-criado precisava de um local adequado para ser implantado. Os franciscanos foram consultados sobre a possibilidade de utilização dos espaços ociosos do convento para a academia, tendo consentido. A instituição de ensino passa a utilizar o convento dos franciscanos, bem como de seus espaços de convivência e a riquíssima biblioteca do convento, com obras raras que vinham sendo mantidas pelos religiosos. Passado algum tempo, os franciscanos foram surpreendidos com um pedido formal do diretor da faculdade ao Imperador para que fosse transferida, para a academia, a propriedade do Convento. Tem-se início a um período de grandes disputas judiciais que culminaram com a divisão da propriedade: o convento foi encampado pela faculdade (incluindo a biblioteca e seus livros raros) e os freis continuaram proprietários do terreno e dos edifícios religiosos (Igrejas de São Francisco e Igreja da Ordem Terceira do Seráphico Pai São Francisco). Em 1880 um grande incêndio destruiu todo o altar da Igreja de São Francisco (Ordem Primeira), ficando intactas apenas as imagens de São Francisco e da Imaculada Conceição. Na época dizia-se que os integrantes da faculdade é que tinham causado o incêndio para ficar com todo prédio, mas eles negaram a acusação e inclusive auxiliaram os frades em sua reconstrução. Na década de 1930 foi construído um novo edifício para a Faculdade de Direito, maior e

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mais adequado para a instituição de ensino. O projeto é de autoria de Ricardo Severo, em estilo neocolonial, com elementos do barroco luso-brasileiro. As arcadas que vinham desde a época do Convento dos Franciscanos foram mantidas em seu átrio, pois já faziam parte da identidade do curso jurídico da Faculdade São Francisco, que inclusive ficou conhecida como Arcadas.

II.5. O porquê do tema

[…] a cidade permanece uma criação histórica particular; ela não existiu sempre, mas teve início num dado momento da evolução social, e pode acabar, ou ser radicalmente transformada num outro momento. Não existe por uma necessidade natural, mas uma necessidade histórica que tem um início e pode ter um fim. (BENEVOLO, 2015, p. 09)

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onforme visto nas linhas anteriores, há muitos elementos do Centro Histórico que merecem um olhar diferenciado. A escolha por representá-lo por intermédio de um mapa artesanal deve-se ao fato de que o mapa é uma abstração da ideia do espaço, de um lugar – não necessariamente material - que guarda uma série de vivências e lembranças, pessoais e alheias, mas que juntas formam o todo sobre o qual falamos. Um mapa artesanal jamais será igual ao outro, ainda que sejam produzidos rigorosamente sobre a mesma base. Isso porque cada interventor, diante da imensidão de possibilidades, estampa no suporte utilizado suas próprias impressões e vivências.

Bachelard (2003, p.189) afirma que imensidão é uma categoria filosófica do devaneio, que se alimenta de espetáculos variados, que “coloca o sonhador fora do mundo próximo, diante de um mundo que traz o signo do infinito”. Registrar o Centro Histórico de São Paulo em suportes não usuais (tecidos, bordados, colagens) é fruto de um processo germinado, tendo iniciado como uma escolha pessoal, porém embebido de tantas outras referências que já não é mais possível discernir o que era próprio e o que se somou... A forma como o produto se materializou, entretanto, tem sua propriedade que pressupõe uma adaptação da chamada realidade às possibilidades que os materiais oferecem. Em outras palavras, criam-se símbolos para representar outros símbolos. A busca de elementos históricos e simbólicos do Centro Histórico de São Paulo, identificando-os e decodificando-os para os dias atuais, não deixa de ser uma oportunidade para

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que se viva a cidade de maneira mais ativa e responsável, pois da mesma forma que se usufruímos de seus benefícios, também devemos nos colocar no papel de agentes de preservação do patrimônio e do espaço público comum.

[…] o termo ‘público’ significa o próprio mundo, na medida que é comum a todos nós e diferente do lugar que nos cabe dentro dele. Este mundo, contudo, não é idêntico à terra ou à natureza como espaço limitado para o movimento dos homens e condição geral da vida orgânica. Antes, tem a ver com o artefato humano, com o produto de mãos humanas, com os negócios realizados entre os que, juntos, habitam o mundo feito pelo homem. Conviver no mundo significa essencialmente ter um mundo de coisas interposto entre os que nele habitam em comum, como uma mesa se interpõe entre os que se assentam ao seu redor, pois, como todo intermediário o mundo ao mesmo tempo separa e estabelece uma relação entre os homens. (ARENDT, 2007, p. 62)

É preciso, pois, retomar esse contato com o mundo do artefato humano, do produto das mãos humanas e individualizadas, transformando-o em objetos incorporados à cidade para que se estabeleçam relações entre pessoas, culturas e gerações. Se não houver esse cuidado corremos o risco de viver uma existência passando despercebidos por locais que carregam muito de nossa história, por uma urbe que existe bem antes de que ousássemos vivê-la.

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II.6. Fontes de inspiração: bases para o trabalho Não temos estudo de casos, temos fontes de inspiração e de admiração, sujeitos que se valeram (ou que ainda se valem) de técnicas artesanais para representar suas ideias e seus modos de ver o mundo e cujos produtos, em nós catalisados, possibilitaram a essência de nosso trabalho. Vejamos.

II.6.1. Arthur Bispo do Rosário

Japaratuba/SE 1909-1911 (?) – Rio de Janeiro, RJ 1989

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Figura 2: Arthur Bispo do Rosário / Museu Arthur Bispo do Rosário

rtista visual autodidata, nascido no interior de Sergipe, no início do século XX. Na adolescência alista-se na escola de aprendizes de marinheiros de seu Estado e em 1926 muda-se para o Rio de Janeiro. Em 1933 é desligado da Marinha e em seguida começa a trabalhar na Companhia de Eletricidade Light. Em 1936 conhece o advogado José Maria Leone, família de quem fica amigo e com quem vai morar, por períodos intermitentes, de 1937 a 1960.

Em dezembro de 1938 tem seu primeiro surto psiquiátrico, um delírio místico em que Bispo afirma ter visto Jesus Cristo acompanhado por 7 anjos azuis. O paciente perambula pela cidade por 2 dias e, por fim, apresenta-se na igreja da Candelária no dia 24 de dezembro. Autoridades são acionadas e Arthur Bispo é levado para o Hospício Nacional dos Alienados, com diagnóstico de esquizofrenia paranoide. Em janeiro do ano seguinte Bispo é transferido para a Colônia Juliano Moreira, alojando-se no pavilhão 10 – Núcleo Ulisses Vianna – destinado aos pacientes mais agressivos. Entre os anos de 1954 a 1964 o artista alterna períodos de liberdade e reclusão, retornando em definitivo para a Colônia Juliano Moreira em 1964, levando consigo sua intensa produção artística: centenas de objetos de uso cotidiano (canecas de alumínio, botões, colheres, madeira de caixas de frutas, garrafas plásticas, calçados e bordados). Morre em julho de 1989, de infarto. Em sua certidão de óbito lê-se: “Deixa bens? Ignorado”. Em 1990 é realizada a exposição “Registro de minha passagem pela Terra”, em São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e Curitiba. Daí em diante a vasta coleção de Arthur Bispo do Rosário percorre museus e galerias do Brasil e do Mundo.

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Em 1994 o conjunto de obras do artista é tombado definitivamente pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) do Rio de Janeiro. Em 2018 o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do IPHAN decidiu, por unanimidade, tornar o Acervo Arthur Bispo do Rosário, patrimônio cultural do Brasil, acervo este composto por 805 peças dentre elas estandartes, indumentárias, vitrines, fichários, móveis e outros objetos diversos, elaborados com vidro, madeira, plástico, tecidos, linhas, botões, enfim, uma diversidade de sucatas com as quais o artista teve contato ao longo de sua vida. No documento intitulado “Dossiê Arthur Bispo do Rosário”, publicado no site da Fundação Bienal de São Paulo, lê-se que: Sua obra consiste numa grande coleção de objetos que ele reuniu, teceu, organizou, classificou, como um grande arquivista que coletava pedaços da vida cotidiana para levá-los à luz, no reino dos céus. […] Com as linhas que desfiava de uniformes e lençóis, Arthur Bispo do Rosário teceu o Manto da apresentação, considerado por muitos a sua obra síntese. Feito ao longo da vida para a sua chegada ao céu, o manto representa os seus referenciais: do lado de fora, imagens e textos de seu universo particular, do lado de dentro, nomes de pessoas queridas, escolhidas. E não será realmente isso o que levamos conosco?

Figuras 3 (acima), 4 e 5 (abaixo): Museu Arthur Bispo do Rosário

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Figura 6 (acima): Manto da Anunciaçã (detalhe) / Museu Arthur Bispo do Rosário

Figuras 7 e 8 / Museu Arthur Bispo do Rosário

II.6.2. Leonilson (José Leonilson Bezzerra Dias) Fortaleza/CE 1957 – São Paulo/SP 1993

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intor, desenhista, escultor. Nascido no Ceará na década de 50, muda-se para São Paulo ainda criança, época em que já despontava seu viés artístico. Familiares contam que Leonilson adorava desenhar e que substituía gibis por enciclopédias, em especial nas seções de anatomia humana e de mapas. Seu pai era proprietário de uma loja de tecidos e brinquedos e sua mãe era uma exímia bordadeira. Leonilson, em 1977, ingressa no curso de Educação Artística na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) onde iniciam seus contatos com artistas brasileiros renomados. Segundo especialistas e críticos de arte, a obra de

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Figura 9: Leonilson / Istoé


Leonilson “é uma janela para sua intimidade” e em poucos anos o artista desponta para uma carreira de sucesso, cessada pouco tempo depois, em virtude de seu precoce falecimento. O artista [...] colocava muito de si e da sua vida na sua produção, quase como um diário em forma de desenhos, pinturas ou bordados. ‘Seu trabalho é fruto de sua relação sensível com o mundo e com situações vividas’, explica Maria Izabel Branco Ribeiro, diretora do Museu de Arte Brasileira da FAAP. “Seu repertório reúne aspectos das artes visuais, da cultura popular e do cotidiano, filtrado por várias referências autobiográficas, que elaborava de modo a ter alcance universal e de grande impacto. (Enciclopédia Itaú Cultural)’

Alguns elementos são muito recorrentes em sua arte como o livro aberto, a torre, o coração, o relógio, a ampulheta, a bússola. O artista utilizava técnicas mistas para representar seu pensamento sendo as mais significativas os bordados e as costuras, fazendo referência à Arthur Bispo do Rosário, de quem Leonilson era um grande admirador.

Figura 10: Incêndio a bordo, 1987. MAM

Figura 11: Cidades europeias, com botões e escudos, 1988, Touch of Class

Figura 13: Puros e duros, 1991, LA County Museum of Art

Figura 14 / Série “Empty Man”, 1980-90 / Americas Society

Figura 12 / São tantas as verdades, 1988. IstoÉ

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II.6.3. Regina Silveira Porto Alegre/RS 1939

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rtista multimídia, gravadora, pintora, professora. Bacharelada em pintura pelo Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1959. Regina Silveira foi aluna de Iberê Camargo de quem “absorve a maneira de encarar a técnica como um meio e não um fim, e aprende a duvidar dos códigos de representação preestabelecidos e cristalizados. Outra referência importante para seu trabalho é a obra de Marcel Duchamp (1887-1968), que lhe permite, de forma irônica, reinventar esses códigos a fim de retirar deles novas possibilidades de significação.” (Escritório de Arte)

Figura 15: Regina Silveira / Facebook

Regina Silveira utiliza-se de várias mídias para representar sua arte: heliografia, microfilme, xerox, painel eletrônico, vídeo-texto e mail-art. Intervém sobre fotografias com recortes, realiza fotomontagens, faz uso de técnicas diversas para novas composições imagéticas. O que mais nos chamou a atenção na obra de Regina Silveira foram suas intervenções urbanas, em especial a Paraler e a Tramazul. Na primeira delas a artista escreve, com placas de porcelanato em tons claros e escuros, a palavra “biblioteca”, em diversas línguas, no calçamento que circunda a Biblioteca Mário de Andrade, na Rua da Consolação esquina com a Avenida São Luís. Já na segunda intervenção urbana, Tramazul, a artista reveste as janelas do Museu de Arte de São Paulo (MASP) com vinil azul simulando um céu com nuvens, bordado em ponto cruz. Das obras de Regina Silveira sorvemos a possibilidade de extrair das técnicas artísticas um meio para a expressão de nossas ideias e não um fim em si mesmo. Também nos baseamos nas diversas possibilidades que a artista utilizava para expressar as questões de fundo tratadas em suas obras.

Figura 16 Tramazul: G1 Pop&Arte

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Figuras 17 e 18: Tramazul / Site Regina Silveira

Figuras 19 e 20: Paraler / Site ArcoWeb

II.6.4. Lisa Kokin El Sobrante - CA, EUA 1939

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rtista, arte instrutora e art coach, Lisa Kokin mora e trabalha em El Sobrante, California. Graduada e pós-graduada pela California College of the Arts, em Oakland, a artista utiliza-se de materiais recicláveis e de demolição para criar objetos de arte com técnicas mistas.

Filha de imigrantes judeus vindos da Romênia, Lisa cresceu em meio a tecidos e tramas. Sua avó materna trabalhou em uma confecção de gravatas masculinas em Nova York e seus pais tinham uma pequena tapeçaria: seu pai era responsável pelo corte e sua mãe, pelas costuras. Figura 21:Lisa Kokin / Facebook Quando criança Lisa costumava brincar com retalhos desses tecidos e materiais de tapeçaria fazendo pequenas colagens. Ganhou sua primeira máquina de costura aos 9 anos. Kokin identifica-se como uma “artista de técnicas variadas”, sem qualquer categorização,

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pois, segundo ela, classificar gera confinamento. Sua capacidade de transformar objetos do cotidiano ressignificando-os é o que mais nos chamou a atenção em sua obra.

Figura 22: Marginalia 01 / Lisa Kokin

Figura 23: Leotard / Lisa Kokin

Figuras 24 e 25: Fou (original e detalhe) / Lisa Kokin

Figura 26 e 27: Trophy (original e detalhe) / Lisa Kokin

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II.6.5. Paula Scher Washington/DC, EUA 1948

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aula Scher é designer gráfico, artista e educadora formada pela Tyler School of Art, em 1970. Trabalhou em editoras de livros e de discos desenvolvendo produtos diversos. A artista desenvolve soluções gráficas inéditas influenciada pelas obras Art Déco e as formas tipográficas utilizadas pelo movimento do construtivismo russo. Figura 28: Paula Scher / Pentagram

Scher desenvolve identidades visuais novas para marcas já consagradas, além de embalagens, pôsteres e demais materiais de propaganda. Em 1991 ela ingressa como sócia do famigerado estúdio Pentagram (que trabalha com design gráfico, identidade visual, arquitetura, interiores e produtos), originário de Londres da década de 70, mas com escritórios nos Estados Unidos e na Alemanha. A partir de 1992 Scher passa a fazer parte do corpo docente da School of Visual Arts de Nova Iorque. Amealhou ao longo de sua carreira diversos e aclamados prêmios e já teve suas obras expostas em muitos museus dos Estados Unidos e Europa. O que mais nos chamou a atenção na obra de Paula Scher foram os mapas criados a partir da junção de palavras ou outros elementos imagéticos, criando uma obra completamente nova e visualmente atraente.

Figura 30: Building Cycles / Pentagram

Figura 29: Yolele / Pentagram

Figura 31: Fast Company / 99 Design

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Figura 32: US Geography and Climate, 2014 / Wallpaper

Figura 33: USA Median Home Prices, 2016 / Wallpaper

II.6.6. Joseph Cornell Nyack/NY EUA, 1903 – Flushing /NY EUA, 1972

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rtista autodidata e cineasta experimental, Joseph Cornell teve uma infância tranquila, tendo crescido em meio a três outros irmãos. Seu pai era um comerciante de tecidos bem-sucedido e sua mãe, cuidadora de crianças. Seu pai morre quando Cornell tinha apenas 14 anos e a partir de então a família muda-se para o bairro do Queens, vivendo sob grandes restrições financeiras. Cornell começa a estudar na Phillips Academy, mas não finaliza. Vive de maneira bastante reclusa, morando em uma casa simples, no bairro operário, com sua mãe e com um irmão que houvera tido paralisia cerebral, tornando-o fisicamente incapacitado. Figura 34: Joseph Cornell, por Hans Namuth, 1971 Wikiart

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Cristão praticante, Cornell tem acesso às obras de Mary Baker Eddy, dentre elas a denominada “Science and Health with Key to the Scriptures”, que contém a explicação completa da Ciência Cristã e sua fundamentação bíblica da cura espiritual, que é por Cornell considerada a obra mais importante depois da Bíblia. Trabalhou algum tempo como vendedor de tecidos e também como vendedor porta-a-porta de artigos de lã. Exerce, também por breve período de tempo, a função de designer têxtil para Traphagen Commercial Textile Studio, em Nova Iorque. Ávido colecionador de memorabilia (miudezas), destacou-se por seu estilo original ao incorporar artigos descartados e descartáveis, fazendo um assemblage de técnicas e materiais, com uma inegável influência surrealista. Tem contato com as obras ready-made de Marcel Duchamp e as caixas de Kurt Schwitters, época em que também desenvolve suas próprias caixas temáticas, algumas delas para cenário de filmes, como é o caso de Monsieur Phot (1933). As duas primeiras exibições solo de Joseph Cornell acontecem na Julien Levy Gallery, em 1932 e em 1939. Durantes as décadas de 40 e 50 Cornell cria as caixas intituladas Aviary, Hotel, Observatory e Medici, dentre outras séries. Na década de 60 ele para de construir novas caixas e passa a reconstruir as antigas, num processo de intensa colagem. O artista morre em 1972, já bastante conceituado. O que mais despertou nosso interesse na obra de Cornell foi a capacidade de juntar num pequeno espaço fragmentos de objetos aparentemente sem valor para criar algo novo, especial e repleto de significados. Procuramos adotar em nosso trabalho a caixa como o invólucro dos objetos confeccionados ao longo desse processo.

Figura 35: Hotel du Nord, 1972 / Artnet

Figura 36: Sem título (Princesa de Medici), 1948 / Wikiart

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Figura 37: A Parrot for Juan Gris, 1953-54 / The Guardiant

Figura 38: Sem título (Tilly-Losch), 1935 / Royal Academy of Artst

II.6.7. Gimena Romero Ciudad de México/CDMX México

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rte têxtil foi a ferramenta que a mexicana Gimena Romero encontrou para contar sua própria história que, segundo ela, foi uma história de guerras. A família de seu pai chegou ao México fugindo da Guerra Civil Espanhola (193639) e a família de sua mãe mudou-se para o México em decorrência da guerra civil salvadorenha (1980-92). Diz-se que em sua primeira viagem para fora do México, Gimena leva a lata de linhas de sua avó paterna, mesmo sem nunca ter pego numa agulha. O passado de seus familiares, para a artista, estava contido naquele objeto e então, longe Figura 39: Gimena Romero / Doméstika da família, Gimena aprende a bordar e inicia a representação de seu mundo pessoal e histórico, através de linhas e tramas que resgatam um passado adormecido. Gimena gradua-se na Escuela Nacional de Pintura, Escultura y Grabado “La Esmeralda”, no México, e depois viaja para Paris para estudar bordado de alta costura, especializando-se em bordados com fios de ouro em Sevilha. Em entrevista concedida para Vida Q, Gimena Romero afirma que o bordado é, para ela, uma redenção:

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[…] ‘sobre todo con esto de que las mujeres nos falta voz, que nos falten manos, creo que un gran modo de traer y darle un gran lugar a toda esta sabiduría, complejidad, intimidad que existe en la feminidad de todos los seres humanos, más allá del género, más allá de la preferencia sexual. Para mí el bordado es un perdón, es un modo de pedirle un favor a la vida, me parece que es curioso cómo la aguja, al ser un instrumento punzo cortante que atraviesa y hace que sangres, en el ejercicio une y al unir, al remendar estamos haciendo un nuevo plano y ese nuevo plano es una invitación a hacer algo nuevo, lo que nosotros queramos, eso para mí es redención’. (BENÍTEZ apud ROMERO, 2017) “[...] sobretudo porque às mulheres falta a voz, faltam as mãos, creio que (o bordado) é um ótimo modo de resgatar e dar lugar a essa sabedoria, a essa complexidade e intimidade que existe na feminilidade de todos os seres humanos, independente do gênero, independente da orientação sexual. Para mim o bordado é um perdão, é uma maneira de pedir um favor à vida, parece-me curioso como a agulha, sendo um instrumento perfuro-cortante, atravessa e faz sangrar, (porém) no exercício de unir, ao remendar, estamos fazendo algo novo, um novo plano e esse novo plano é um convite a fazer algo novo, aquilo que queremos e isso para mim é redenção” (Tradução livre)

Extraímos de Gimena Romero para o nosso trabalho, a capacidade de falar por imagens, por composições criadas a partir das memórias, de histórias, de um contexto experimentado e significado como um retrato que congela o tempo e o espaço. Mas que, como toda fotografia, pressupõe um sujeito por detrás, aquele que optou por determinado ângulo, criando um janela para a alma da cidade.

Capítulo III Figura 40: Gimena Romero / Doméstika - Gráffica

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CAPÍTULO III

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III.1. Experiências cotidianas A cidade é mesmo um palimpsesto – “um imenso pergaminho cuja escrita é raspada de tempos em tempos” diz Benedito Lima de Toledo – e seus lugares estão longe de ser apenas realidade física tridimensional. Como o espaço se forma numa sucessão de tempos, uma foto num cartão-postal, como aquela acima, pode suscitar diversos textos que remetem a impressões e fatos, histórias e interpretações daquilo que ocorreu ali ao correr dos séculos, numa verdadeira arqueologia urbana. A partir de uma foto é que vão se puxando os fios da história. (CASTILHO, 2019)

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iver a cidade é devorá-la! É caminhar pelo mesmo espaço tantas vezes quantas forem possíveis, deixando que a memória faça suas conexões, desperte na alma aquela sensação de pertencimento, de coautoria e coparticipação na vida ordinária da coletividade. A cidade é feita por várias mãos, em vários momentos, em diferentes situações, mas todas interligadas de algum modo.

É preciso, pois, espelhar-se em Baudelaire adotando a postura do flâneur, o observador da cidade, personagem que “não está condicionado pelo hábito que automatiza a percepção e impede a apropriação da cidade pelo cidadão” (FERRARA, 1999, p. 216): Como um homem da multidão, o flâneur desenvolve, metodologicamente, em torno de si um escudo, que, por paradoxo, o situa na massa urbana sem permitir que nela se envolva, seu contato urbano é aquele do olhar, é a imagem da cidade sob a égide do olhar. […] Não está condicionado pelo hábito que automatiza a percepção e impede a apropriação da cidade pelo cidadão, essa doença a que, perplexos, assistimos corroer a imagem da metrópole moderna. (FERRARA, 1999, p. 216)

Ou quiçá o “Trapeiro” (SILVA, 2017, p. 741), que vai além do mero expectador, para “coletar” em suas caminhadas e experimentações territoriais urbanas, objetos inúteis, pensamentos banais, porém “colecionáveis”, ressignificando-os e propondo uma nova leitura sobre a cidade. […] o leitor da cidade, bem como de seus habitantes, através de cujas faces tenta decifrar os sentidos da vida urbana. De fato, através de suas andanças, ele transforma a cidade em um espaço para ser lido, um objeto de investigação, uma floresta de signos a serem decodificados – em suma, um texto. (MASSAGLI, 2008, p. 57)

Por isso, então, que o mapa que nos propusemos a fazer manualmente trará esse significado: uma trama de histórias, de memórias, de objetos “descobertos”

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com o olhar, do perder-se e encontrar-se, do real e do imaginário... que juntos formarão um novo produto, também real e imaginário. Não tivemos a pretensão de finalizar nada, mas apenas agregar tudo o que fosse possível e viável nas conexões realizadas durante o percurso. Talvez daqui a alguns anos não tenhamos edifícios, monumentos, espacialidades que hoje fazem sentido a esta leitura, mas isso de nada a invalida. Percebemos que as histórias que antes contamos já nos pertencem de alguma maneira, pois “existe uma figura, ou mais de uma, por trás de cada coisa lida, pesquisada, estudada, recolhida, esgotada. Existem pessoas, homens e mulheres” (SILVA, 2017, p. 22).. É preciso que se diga leitura do Triângulo Histórico de São Paulo apresentada nos produtos manuais contidos no Relicário Urbano, partiu de pesquisas históricas, porém não as esgotou. Elas foram apenas pontos de partida para que as experiências, as deambulações, a vivência da cidade pudesse ser representada de uma forma que fizesse sentido e que, talvez, pudessem motivar, em terceiros, o olhar mais atento para o patrimônio que está sob nossos pés. Sabemos que o Centro Histórico que temos hoje quase nada tem da vila colonial, a não ser algumas poucas paredes em taipa de pilão que foram mantidas na Igreja de São Francisco e no Pátio do Colégio, por exemplo. Da cidade do período imperial temos alguns exemplares de arquitetura eclética, edifícios construídos para determinadas funções e que ao longo dos anos passaram a desempenhar novos papéis na cidade. No período republicano vimos nascer uma nova sociedade em São Paulo e com ela uma uma considerável transformação da cidade, em especial na primeira metade do século XX, com a demolição de edifícios icônicos, remodelação do espaço público e do viário urbano para que se pudesse modernizar São Paulo. E é justamente nesse vivenciar de memórias alheias aliadas às nossas experiências atuais que contamos a história do Triângulo Histórico de São Paulo. Muitos fatos que também não vivenciamos, mas que nos foram transmitidos pelos edifícios, em documentos, livros e/ou relatos de memória de quem viveu ou ouviu de seus antepassados, todos esses elementos, juntos e justapostos à realidade ou guarnecidos pela imaginação. Mas isso pouco importa, não é necessário ser preciso neste trabalho, pois nosso objetivo foi seguir o pensamento de Bachelard buscando o “inconsciente que permanece nos locais”, a “lembrança no tempo” e que nós optamos por representá-las nos produtos contidos no Relicário Urbano para que essa história possa ser contada, de algum modo, para aqueles que hoje aqui estão.

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III.2. Tecido urbano: técnicas mistas sobre algodão cru e voil

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or tecido urbano entende-se o conjunto de elementos – rede viária, lotes urbanos, relação entre espaços construídos e não construídos, forma e estilo dos edifícios – que, juntos e/ou relacionados, formam as cidades. O termo tecido é também utilizado na costura, designando a trama de fios que, entrelaçados, formam o objeto utilizado desde os tempos longínquos para a confecção de roupas, acessórios, indumentárias, enfim, infinitos objetos para uso dos homens. Portanto, em nosso trabalho, a escolha do tecido de algodão cru como suporte para a materialização do mapa do Triângulo Histórico de São Paulo visa correlacionar conceitos, conferindo-lhes uma nova abordagem. Sobre esse algodão cru transferimos, com lápis grafite, as linhas do perímetro escolhido (base GeoSampa 2019), em escala de 1:750. Identificamos as igrejas que formam o Triângulo Histórico com tinta aquarela marrom e destacamos com tinta aquarela cinza os diversos edifícios tombados pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP).

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Para diferenciar as poucas áreas livres e/ou verdes que se tem na região, optamos por destacá-las, sutilmente, com tinta aquarela verde. Para sobressaltar o viário urbano do perímetro estudado – em especial as vias de trânsito de veículos dos calçadões para uso exclusivo de pedestres - bordamos com ponto atrás todas as vias públicas, os quarteirões e os lotes que os compõem.

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Para arrematar o trabalho, decidimos representar as árvores e vegetações com técnicas mistas de bordado a mão, utilizando linhas e miçangas coloridas. Nessa etapa também procuramos destacar alguns elementos simbólicos do Centro Histórico, como é o caso do Marco Zero (Praça da Sé).

Figuras 41 a 46 (detalhes): Bebete Viegas, 2019

Por fim, como não poderia deixar de ser, inserimo-nos no mapa - como habitantes, visitantes, flâneurs, trapeiros – através de miçangas aleatoriamente espalhadas pelo tecido que representam todos aqueles que, de uma forma ou outra, frequentam ou frequentaram o Centro Histórico de São Paulo, no passado ou no presente. Esses serão os sujeitos que observarão as Tríades que mais adiante serão tratadas em nosso trabalho.

Figuras 47 a 49 (detalhes): Bebete Viegas, 2019

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Figura 50: Bebete Viegas, 2019

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Um segundo mapa foi confeccionado em nanquim sobre voil baseado na representação pictórica da Província de São Paulo, de 1877, de autoria de Francisco de Albuquerque e Jules Martin. Deste mapa selecionamos o viário urbano da época e as igrejas católicas existentes no Centro Histórico – a maior parte delas já demolidas. A sobreposição dos mapas revela-nos a alteração do traçado urbano que as medidas modernizadoras trouxeram ao Triângulo Histórico no último século.

Figura 51: sobreposição de mapas (voil sobre algodão cru) / Bebete Viegas, 2019

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Figuras 52 e 53: sobreposição de mapas (voil sobre algodão cru, detalhes) / Bebete Viegas, 2019

Para representar a passagem do tempo, escrevemos com tinta nanquim sobre tiras de voil, aleatoriamente, os nomes de todas ruas que compõem o Triângulo Histórico, bem como suas denominações em tempos pretéritos. Essas tiras, de um metro cada, foram unidas com botões de tamanhos variados totalizando 33 metros. Para armazená-las em nosso Relicário Urbano enrolamos todo esse conteúdo em carretéis de papel.

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III.3. Aquilo que insiste em ficar

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m nossas deambulações pelo Centro Histórico - onde o que importava era o caminho e não o destino, em percursos deixaram de ser rotas para serem devaneios – tivemos uma série de descobertas, aprendizados e vivências que até então nunca tínhamos notado. Olhar para cima, observando detalhes, características, estado de conservação dos edifícios... olhar para baixo observando a quantidade de tampas metálicas que perfuram as ruas do centro histórico, o desenho das calçadas, o material utilizado para suas pavimentações...

E nessas andanças, novas (e ricas) possibilidades de representação da cidade foram se mostrando interessantes à pesquisadora: as marcas, as formas das letras e dos logotipos, as tipologias dos nomes dos edifícios, a imponência de adornos em alguns espaços e a singeleza de outros. Insígnias de personalidades que se “imortalizaram” na cidade e que até hoje estão nas ruas, portas, nas fachadas dos edifícios, em maçanetas, sacadas, enfim, que ainda podem ser rastreadas pela cidade. Mas não é só. Também notamos identificação dos autores das obras (arquitetos, engenheiros e/ou construtores) em revestimentos externos dos edifícios e reparamos que as tampas de tubulações subterrâneas ostentam nomes e logotipos de diferentes empresas, em geral marcas de concessionárias de serviços públicos, que dentro de suas “invisibilidades” são tão imprescindíveis para a cidade... Era preciso, pois, encontrar um jeito de significar esses elementos, de alcançar-lhes as essências. A forma escolhida foram decalques de paredes, confecção de carimbos em EVA e estênceis de acetato com antigas radiografias, onde extraímos aquilo que julgamos ser a essência de cada um desses símbolos. Portanto, um compartimento de nosso Relicário Urbano foi reservado para a guarda destes elementos.

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III.4. O que os olhos (não) veem

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abemos que um dos critérios para fundação de cidades era a proximidade de rios. Até início do século XIX o abastecimento de água era feito de modo precário, por carroceiros que a vendiam de porta em porta ou em chafarizes e bicas construídos pela cidade. Só no Convento e Santuário São Francisco havia três bicas d’água que eram cuidadas pelos religiosos. O primeiro chafariz público foi por eles construído, em 1744, no local onde hoje fica a Rua Santo Amaro. Em 1877 foi criada a Companhia Cantareira de Esgotos e em 1881 começa a funcionar o Reservatório da Consolação. A distribuição de água às residências paulistanas só seria de fato iniciado um ano depois. Com olhares mais atentos detalhes da cidade descortinam-se para nós. Uma grata surpresa foi a descoberta de que sob as ruas do Ouvidor e São Francisco passam bacias dos rios Itororó e Anhangabaú, respectivamente. Não se trata apenas de uma curiosidade, mas sim da conscientização de que muitos leitos de rios não deixaram de existir simplesmente porque foram tamponados; eles continuam lá e se manifestam quando instados (excesso de chuvas, enchentes). Por isso entendemos ser importante destacar em nosso trabalho os rios invisíveis no nosso perímetro, quem sabe até para que tenhamos maior responsabilidade sobre nosso papel na sociedade, de cidadãos e de eleitores, que em pleno século XXI, continuam tratando os rios como locais de despejo de dejetos de toda ordem... Com relação às placas de ruas de São Paulo observamos que, em decorrência da Lei Municipal nº 14.223/2006, também conhecida como “Lei Cidade Limpa”, as placas do Centro Histórico foram substituídas por novas, com cores diferentes daquelas que usualmente são dispostas pela cidade. No Centro Histórico as placas são brancas com inscrições em preto; nas demais vias da cidade elas são azuis com inscrições em branco. Por acreditar que essa questão deveria ser objeto de um olhar mais atento, não só pelo Poder Público, mas também pela sociedade como um todo, dedicamos um objeto especial para referenciar as bacias dos rios Itororó e Anhangabaú mencionadas e as placas brancas das ruas do Ouvidor e São Francisco. […] É necessário estar presente, presente à imagem no minuto da imagem: se há uma filosofia da poesia, ela deve nascer e renascer por ocasião de um verso dominante, na adesão total de uma imagem isolada, muito precisamente no mesmo êxtase da novidade da imagem. (BACHELARD, 2003, p. 01)

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III.4. Tríades: colagens do Triângulo Histórico

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urante as pesquisas e as caminhadas pelo Centro Histórico observamos uma série de tríades, em diferentes situações ou locais, que trouxeram ao trabalho uma simbologia bastante especial a começar pela denominação conferida ao local: Triângulo Histórico. A partir delas fomos mapeando outras tantas observadas ao longo do caminho, a saber: Igreja do Carmo

Mosteiro São Bento

Convento São Francisco

Carmelitas

Beneditinos

Franciscanos

Passado

Presente

Futuro

Começo

Meio

Fim

Pai

Filho

Espírito Santo

Religioso

Institucional

Residencial

Informação

Linguagem

Percepção Ambiental

Coração

Cruz

Âncora

Poder Executivo

Poder Legislativo

Poder Judiciário

Poder

Prosperidade

Virtude

Ordem Visível

Ordem Geométrica

Ordem Arquitetônica

Literatura

Ciência

Arte

Sagrado

Público

Privado

Lealdade

Caridade

Batismo

Confirmação

Eucaristia

Corpo

Alma

Espírito

Trabalho

Leitura

Oração

Esperança

Caridade

Obediência

Humildade

Castidade

Em vista dessa percepção e fazendo um apanhado do material anteriormente produzido, optamos por narrar nossa experiência no Centro Histórico a partir das “tríades” das ruas. Partimos dos nomes das ruas escritos nas tiras de voil, separando-os de três em três, seguindo a ordem em que haviam sido manuscritos. Para cada um desses grupos de “Tríades” atribuímos um número romano de I a XVII (escolha essa realizada em razão da forma como os artigos de leis são dispostos em nossos códigos) e com elas contamos histórias do Triângulo Histórico - ora baseado em fatos reais, ora com nossas próprias impressões pessoais - através de composições imagéticas utilizando técnicas diversas: colagens, pintura com giz pastel sobre impressão fotográfica, bordado livre sobre papel, recortes, desenhos em nanquim, dentre outras. Isso porque As transformações econômicas e sociais deixam, na cidade, marcas

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ou sinais que contam uma história não verbal pontilhada de imagens, de máscaras, que têm como significado o conjunto de valores, usos, hábitos, desejos, crenças que nutriram, através dos tempos, o cotidiano dos homens. (FERRARA, 1999, p. 202).

Para destacar as “marcas ou sinais” deixados no Centro Histórico de São Paulo, convidamos o leitor a apreciar a série de imagens compostas a partir da nossa divisão das ruas em tríades (encarte anexo). Desde já alertamos que elas foram apenas uma das tantas possibilidades que teríamos para representar nossas ideias, vez que tais composições são infinitas, pois não há apenas um elemento de cada rua destacada capaz de representá-la. Além do mais, para formarmos as tríades dividimos as ruas a partir da primeira delas escrita em nossa tira de voil. Se começássemos da segunda e a partir dela propuséssemos uma nova divisão em 3, o conjunto seria completamente distinto e as histórias dessas “novas” tríades também... Portanto, outras experimentações poderão ser realizadas, com novas tríades, novas marcas, outros sinais, diferentes histórias que caberiam tão bem ou até melhor do que essas que apresentamos nesse momento. Conforme dito em outras oportunidades, o presente trabalho não encerra qualquer hipótese: ele é apenas uma das muitas formas pelas quais é possível representar o perímetro escolhido da cidade de São Paulo ou de qualquer outra cidade. Se ao final o leitor se sentir motivado a olhar para algo que antes não houvera notado nesta ou em sua própria cidade, já teremos alcançado nossa meta. Fica aqui, então, nosso convite para que desfrutem das imagens e das histórias contidas no encarte anexo a esse livro. Alertamos que a leitura não é linear, nem tampouco segue a ordem proposta. A numeração foi dada apenas como forma de organização do volume, mas que poderá ser redistribuída e/ou numerada conforme interesses daquele que estiver com o material em mãos.

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III.6. Termos finais

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stamos prestes a finalizar o volume, mas muito distantes do fim. Aliás nosso tema não começou na página um e não finalizará na última palavra deste texto, pois não há um ponto final a ser colocado na cidade, esse organismo vivo, pulsante, incansável. Aqui falamos de São Paulo, mas acreditamos que nossas provocações possam ser transportadas para qualquer cidade, qualquer país, qualquer cultura.

O ser humano em essência é único e a velocidade não deve ter mais sentido que as experiências, o resultado não deve pesar mais do que o processo. Temos a tendência de esperar pelo fim das coisas, deixando de lado o percurso e com isso vamos nos acostumando àquilo que a vida nos apresenta, sem nos questionarmos se é efetivamente o que procuramos e/ou validamos... “a gente se acostuma, eu sei, mas não devia” (COLASANTI, :1996, p. 9) Minha avó costuma dizer que a boa costureira era conhecida pelo avesso das roupas, pelo apreço às minúcias e pelo capricho nos arremates. Minha mãe diz que, hoje, uma boa chuleadeira é difícil de encontrar, até porque poucos, hoje, sabem o que é chulear... mas nada disso importa, desde que retomemos nosso contato com aquilo que realmente nos motiva seguir adiante, lúcidos das escolhas que fazemos. Durante os meses de realização do presente trabalho concedemo-nos a oportunidade de sair do costume para lançarmo-nos em busca de uma outra forma de representar a cidade, não necessariamete inédita, apenas diferente. Mas para que isso acontecesse foi preciso lançarmo-nos para uma nova “experiência”, tal qual Perec (2016) sugeriu quando se lançou na “Tentativa de esgotamento de um local parisiense”. Para nós, assim como para Perec, o local mapeado não era novo, nova era a nossa forma de vê-lo e representá-lo: […] ver é movimento de corpo, comunicando assim que ângulo de visão não é um ponto fixo, mas movimento de corpo do observador. Em outras palavras, ângulo de visão só tem sentido se justaposto ao movimento do corpo/olhar do observador que, de resto, é também a ação exigida ao leitor, anunciando que ler é perceber a montagem como princípio de relações construtivas, porque relações de pensamento e de sentido, em que a ação mental permite a materialização das dobras e redobras das ideias como relações. […] (CARAMELLA, 2007, p. 224)

Não há conclusões, mas sim revelações: sempre há algo novo ou uma nova forma de abordar determinado assunto, a ver sob determinado prisma a cidade, viver de uma forma diferente daquela que estamos tão acostumados... O imprescindível, pois, é “estar

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presente, presente à imagem, no minuto da imagem” (BACHELARD, p.01) e dela extrair elementos para as relações construtivas possíveis. Esperamos que a experiência vivida pelo leitor através de nossos olhares possa juntar-se às suas próprias vivências e a tantas outras, infinitas, tal como as de Kublai Khan ao ouvir as histórias de Marco Polo: [...] Marco entra numa cidade; vê alguém numa praça que vive uma vida ou um instante que poderiam ser seus; ele podia estar no lugar daquele homem se tivesse parado no tempo tanto tempo atrás, ou então se tanto tempo atrás numa encruzilhada tivesse tomado uma estrada em vez de outra e depois de uma longa viagem se encontrasse no lugar daquele homem e naquela praça. Agora, desse passado real ou hipotético, ele está excluído; não pode parar; deve prosseguir até uma outra cidade em que outro passado aguarda por ele, ou algo que talvez fosse um possível futuro e que agora é o presente de outra pessoa. Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos. - Você viaja para reviver seu passado? - era, a esta altura, a pergunta do Khan, que também podia ser formulada da seguinte maneira: - Você viaja para reencontrar seu futuro? E a resposta de Marco: - Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá. (CALVINO, 1990, p. 28)

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