SANTA art magazine
#07
ALEX GROSS CRISTINA SALGADO • DEBORAH ENGEL • DOZE GREEN ESTELA SOKOL • FABIO CARVALHO • FILIPE BERNDT • HELENA TRINDADE HILTON RIBEIRO • JAMES KUDO • JORGE RODRÍGUEZ AGUILAR LEONARDO RAMADINHA • LUCIANO SCHERER LUIZA BALDAN • RICARDO COELHO • RIZOMA
DIREÇÃO DE ARTE: SERGIO MAURICIO / FOTO: ANDRÉ PASSOS / TRATAMENTO DE IMAGEM: PATRICIA NORT
www.ateen.com.br
cerebelo
BRANDING EXPERIENCE MANON, Conectome Insetóide, 2011
Lanvin (Paris), 2010, técnica mista sobre painel, 61x61cm
EXPEDIENTE # 7 2011 DIREÇÃO EDITORIAL
CONSELHO CONSULTIVO
Sergio Mauricio
Nina Borges
Ana Luisa Leite Claudia Noronha Duda Carvalho Fred Hortêncio Jully Fernandes Marcos Prado Mauricio Pontual Moacir dos Anjos Nelson Ricardo Martins Pedro Karp Vasquez Waldik Jatobá Walter Carvalho Yael Steiner
COMERCIAL
AGRADECIMENTOS
sergiomauricio@santaartmagazine.com.br
DIREÇÃO EXECUTIVA
Sergio Mauricio Marcos José Magalhães Pinto ARTE, DESIGN E PROJETO GRÁFICO
Sergio Mauricio Bady Cartier
badycartier@santaartmagazine.com.br
ASSISTENTE EDITORIAL
Nina Borges
ninaborges@santaartmagazine.com.br
REVISÃO E TRADUÇÃO
santa@santaartmagazine.com.br BRANDING
Cerebelo COLABORAÇÃO DE CONTEÚDO
Marina Marchetti COLABORADORES
Alex Gross Bruno Cezario Clara Reis Cristina Salgado Daniela Name Deborah Engel Doze Green Duda Carvalho Estela Sokol Fabiana Nunes Fábio Carvalho Felipe Scovino Fernando Cocchiarale Filipe Berndt Helena Trindade Hilton Ribeiro James Kudo Joaquim Tomé Jorge Rodríguez Aguilar Josh Keyes Lavinia Bizzotto Leonardo Ramadinha Lúcia Ficta de Veras Luciano Scherer Luiza Baldan Luize Coutinho Marcelo Campos Marta Reis Paula Braga Paulo Trevisan Renato Vieira Ricardo Coelho
Agostinho Resende Arthur Borges Arthur Omar Bruno Cunha Chico Chaves Claudia Oliveira Edson Cunha Neto Eduardo Ourivio Fabrizzia Gouvea Fernanda Feitosa Fernando Prado Guilherme Magalhães Pinto Helen Pomposelli Jaqueline Vojta Joana Carvalho João Cruz João Pedro Stein Joaquim Ferreira dos Santos Julieta Roitman Manoel Leite Marcia Manccini Marcos Prado Mauricio Simões Nanci e Osvaldo Corpas Natalia Cerri Rodrigo Magalhães Sarah Vieira Magalhães Valentina Seabra Vera Greenhalgh Viviane Navarro Werner Capeto IMPRESSÃO Gráfica Santa Marta www.graficasantamarta.com.br
12 16 20 28 36 40 48 52 58 62 66 70 76 80 84 88
ESTELA SOKOL
DEBORAH ENGEL
DOZE GREEN
HILTON RIBEIRO
LEONARDO RAMADINHA
ALEX GROSS
RICARDO COELHO
JAMES KUDO
JORGE RODRÍGUEZ AGUILAR
FABIO CARVALHO
LUIZA BALDAN
LUCIANO SCHERER
FILIPE BERNDT
HELENA TRINDADE
RIZOMA | ENSAIO SANTA
CRISTINA SALGADO
SANTA
#07
art magazine
A ARTE TRANSPIRA NA ERA DO www ? Há pensamentos que definem jovens nascidos depois dos anos 80 como geração Y e os nascidos após os anos 90 como a geração Z. Vivem em plena era do World Wide Web, uma era considerada pós utópica, pós moderna, imersa no mundo digital e permeada por estímulos e toda sorte de conteúdo, que circula numa progressão geométrica, numa velocidade e tempo jamais vistos antes. Nesta época de fartura de informações, paradoxalmente, o conhecimento tenderia, na ótica destes analistas, a ficar cada vez mais superficial. Algumas vertentes destes pensamentos ainda alegam que os jovens encontram-se empobrecidos, imersos num profundo individualismo, apolíticos, consumistas, embriagados pelos seus brinquedinhos tecnológicos. Há quem diga até que são gerações mergulhadas num profundo narcisismo, que buscam apenas hedonismo, felicidade sintética, sucesso fácil e rápido. Uma geração avessa à transpiração, a menos que seja aquela produzida nas academias, que desperdiçam as infinitas riquezas cognitivas e conectivas a que são expostas e que são incapazes de produzir algo, em qualquer esfera, de relevância sócio cultural. Acusar os jovens de alienados é argumento velho. Definições são sempre perigosas e as generalizações mais ainda. O fato é que muitas obras enviadas para esta
SANTA #7, produzidas por estas novas gerações, diluem em parte estes preconceitos e confirmam a existência de artistas que se valem da arte, unem sensibilidade com inteligência, para revelar um contraponto ao propalado individualismo, com preocupações ambientais e sociais. Seja pixel ou pincel, independente do meio em que se expressem, estes jovens artistas não parecem tão alheios assim sobre arte, estética e as suas implicações transformadoras e políticas. Composta preponderantemente por artistas brasileiros, na maioria jovens, esta SANTA recebeu trabalhos de todas as partes do Brasil e de algumas partes do mundo. Para nós foi algo novo e muito bem vindo e que traduziu-se num trabalho imenso de análise e avaliação. São 7 as cores do espectro, 7 as notas musicais, 7 mares, 7 são os níveis de complexidades: forma, matéria, combinação, minerais, vegetais, animal e homem. O número sete, um número arábico que segue o seis e precede o oito, e mesmo que seja destituído de qualquer significado prévio, é o número mágico desta revista que está agora em suas mãos. Seja bem vindo à SANTA #7!
Sergio Mauricio EDITOR
cerebelo Esta Santa é dedicada a Vicente C. Martins e ao seu universo mágico. Santa - Art Magazine é editada pela Cerebelo Artes. Impressa pela gráfica Santa Marta, em papel Suzano couché matte 150 g (miolo) e DuoDesign 250g (capa e encarte).
A Santa aceita propostas de colaborações, que são avaliadas pelo seu conselho. Todas as opiniões expressas nos ensaios, matérias, entrevistas, depoimentos e artigos publicados são de inteira responsabilidade dos respectivos autores. É proibida a reprodução de imagens ou textos por qualquer meio. Endereço para correspondência: Rua Jardim Botânico, 719 / sala 23. Jardim Botânico. CEP 22470-050. Rio de Janeiro – RJ Cerebelo Artes Ltda. CNPJ: 09.448.968/0001-50. Rua Lauro Muller 116/704 parte. CEP 22290-160. Rio de Janeiro – RJ
12
Pedagogia Formal Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta, Em que as cousas têm toda a realidade que podem ter, Pergunto a mim próprio devagar Por que sequer atribuo eu Beleza às cousas. Uma flor acaso tem beleza? Tem beleza acaso um fruto? Não: têm cor e forma E existência apenas. (...) Alberto Caeiro
E S T EL A
S O KO L
Pa u l a Bra g a Às vezes em dias de luz perfeita e exata, lembro de obras de arte que me fazem entender melhor a luz, como as de Estela Sokol. Preocupa-me essa dependência que tenho da arte para conseguir enxergar o mundo. Eu nunca repararia que o gato branco, deitado ao lado da sacola vermelha de plástico, ficou cor de rosa, se eu não conhecesse uma obra que trata da cor-luz, como a obra de Sokol. O deslumbramento prazeroso não vem do gato cor de rosa, porque eu sei que não há gatos cor de rosa: vem de eu saber, de eu ter aprendido com uma obra de arte, que existem fenômenos naturais da cor e da luz que causam a mágica do tingimento dos pelos brancos. Clarabóia, obra de Estela Sokol, apresentada na última individual da artista em SP (em janeiro de 2011 no Paço das Artes), é uma peça de parede, uma grande fita circular de madeira laqueada de branco, com 180cm de diâmetro, cuja face interna é pintada com um amarelo luminoso. A parte da parede delimitada pelo círculo muda de cor, interage com a obra; agora é amarelo claro. Essa fita circular me conduz numa curva que vai do objeto de arte a um fenômeno da cor e da luz natural, e então retorna à esfera da arte. Dependo de obras assim para saber ver o mundo e ver a cor-luz da arte refletida sobre meu estar na realidade. Se é arte, muda sutilmente a cor do meu entendimento das coisas. O que é a arte construtiva senão uma arte que racionalmente constrói formas – silenciosas, não discursivas – que engendram no corpo um novo entendimento perante a realidade? Como Estela Sokol afirmou quando a visitei pela primeira vez em seu ateliê, os problemas surgem e são solucionados no fazer. Não há inspiração de nenhuma fonte misteriosa, nenhuma força criativa separada da manipulação direta dos materiais, da cor e da luz. A ideia não é adesivada ao trabalho; nasce dele, brota da construção da forma. Estela Sokol pertence a uma tradição do construtivismo que no Brasil floresceu no final dos anos 1950, nos Objetos Ativos e Pluriobjetos de Willys de Castro, nas Superfícies Moduladas de Lygia Clark, e na pesquisa da cor empreendida por Hélio Oiticica nas Invenções, Relevos Espaciais, Bilaterais e Núcleos.
Trabalhando com a sobreposição da cor em PVC transparente, na série A cor é que tem cor nas asas da borboleta, Estela Sokol vai criando, por síntese subtrativa de luz, outras cores, escurecendo seus azuis com uma intersecção no vermelho, chegando ao preto nas áreas de intersecção total de todas as cores. Os plásticos coloridos, semi-translúcidos, em cores fluoretadas que inovam a paleta do construtivismo brasileiro, encapam pequenos chassis, em sobreposições de campos de cor flutuantes que nos remetem aos jogos entre moldura e superfície de Lygia Clark. Uma fina fresta entre dois azuis revela o plástico magenta como primeira camada usada na peça. Um azul brilhante quase some de tão fino na borda do retângulo, e dobra a esquina da peça, salientando a lateral do chassis e inserindo a obra numa transição entre a pintura e a escultura. São por vezes objetos muito pequenos, com cerca de 15 cm em sua maior dimensão, e que podem ser confundidos com estudos para peças maiores, se não viessem em bando, cobrindo uma enorme parede, ao lado de pequenas gravuras, de inúmeras variações no uso do acrílico e de peças em que o plástico recebeu uma camada de emborrachamento automotivo preto, selando a possibilidade do brilho e propiciando outros estudos sobre a interação da cor-pigmento com a cor-luz. A dimensão reduzida desses objetos que nos são apresentados às dezenas, feitos à mão, com camadas de plástico sobre chassis, sugere ainda a noção de “arte menor”, de artesania, ao passo que a repetição de objetos, que diferem um do outro por pequenos detalhes, aliada ao uso de materiais como plástico, acrílico, esmalte sintético e emborrachamento automotivo, remete a um processo industrial. A síntese de industrialização, artesania e artes plásticas grita por uma leitura vinculada à Bauhaus. A decisão por instalar essa parede com dezenas de obras é outro gesto que invoca imagens célebres da arte construtiva, como a exposição 0-10 de 1915, quando o quadrado negro de Malievitch foi instalado na quina entre duas paredes, rente ao teto, ou fotografias do ateliê de Mondrian. A instalação de vários pequenos trabalhos em uma só parede reproduz, ainda, o próprio ateliê de Sokol, em São Paulo, um laboratório de experimentos com a cor-luz forrado com peças que deixam rastros de cor nas paredes brancas.
Esse laboratório foi transferido por 40 dias para a extensão branca da neve austríaca no início de 2011. Com a luz exata do sol batendo no branco-neve, Sokol captou fotografias dos rastros de objetos prosaicos de cor intensa, como bolas de latex e placas de acrílico. A cor desses objetos mancha a neve branca em algumas fotografias da série Secret Forest, ou acende-se como uma luz de neon na série Polarlicht. Como se estivesse investigando uma fonte de energia alternativa, a artista aparece em fotos da série Making off or not plantando usinas de cor no gelo. Em uma das fotos dessa série o roxo da bola de vinil parece vazar no solo branco enquanto ao longe a artista carrega um objetoreator de energia verde. Na luz perfeita e exata da obra de Sokol, a arte tem toda a realidade que pode ter. E eu, sem entender porque chamo de beleza a essa clareza de forma, entendo que é uma forma que clareia meu caos de entendimento do mundo.
Estela Sokol nasceu em 22 de outubro de 1979, em São Paulo, cidade onde vive e trabalha como artista desde 2001. Realizou diversas exposições individuais. Ganhou prêmios como I Concurso Itamaraty de Arte Contemporânea em 2011; Mostras de artistas no exterior, dentro do Programa Brasil Arte Contemporânea; Fundação Bienal São Paulo 2010; temporada de Projetos Paço Das Artes, SP, em 2009; Edital Revelação MACC, SP, em 2004; Projéteis FUNARTE de Arte Contemporânea, RJ, em 2005 e 34° Salão de Arte Contemporânea Luiz Sacilotto, SP, em 2006. Recém inaugurou a exposição A Morte Das Ofélias na galeria Anita Schwartrz no Rio de Janeiro. A mostra permanece em cartaz até 08 de outubro e o lançamento do catálogo está previsto para 05 de outubro. Paula Braga é doutora em filosofia da arte pela FFLCH-USP e mestre em história da arte pela University of Illinois. Organizou o livro Fios Soltos: a arte de Hélio Oiticica (Perspectiva, 2008) e escreve sobre arte contemporânea para revistas como Ramona (Buenos Aires), Arte al Dia International (Miami) e Concinnitas (Rio de Janeiro). Atualmente é pós-doutoranda no Instituto de Artes da UNICAMP.
Secret Forest series, 2011, impressão sobre papel algodão, 170x110cm
13
Secret Forest series, 2011, impressão sobre papel algodão, 100x160cm
Galinheiro, 2009, jato de tinta em papel fotográfico, 40x60cm
16
D E BO R A H E N GE L
17
Hazda, 2010, jato de tinta em papel fotográfico, 45x60cm
Da n i el a N a m e Deborah Engel poderia ser Istambul. Retratada inúmeras vezes pela National Geographic, revista que a artista tanto usa como ponto de partida para estas paisagens possíveis, a cidade turca une Europa e Ásia através das duas pontes que se debruçam sobre o Estreito de Bósforo, linhas sobre a água construídas para completar o desenho de seus limites urbanos. Como Istambul, a obra de Deborah parece estar sempre entre – dois pontos, duas situações, dois tempos, estados distintos. Este entre, no entanto, é transformado em através. O que à primeira vista é uma suspensão, uma dupla de parênteses apartando contrários, transformase em uma sobreposição de sutilezas que amalgama diferenças. A artista persegue esta costura de um modo muito peculiar, flertando com a transitoriedade das imagens. Investiga momentos instáveis e efêmeros desde o início de sua trajetória. Em 2009, deu um nome bastante significativo para uma série de fotografias realizada em ônibus do Rio de Janeiro: Tudo é passageiro. O título fazia a simbiose do significante – os retratados eram todos usuários do transporte coletivo, mantidos anônimos – com o significado. Com o conjunto de imagens e a maneira como resolveu chamá-lo, Deborah revelava quase uma declaração de intenções.
18
As paisagens possíveis vão ainda mais longe, projetando-se, à maneira de Istambul, para novo continente – um outro espaço-tempo que contenha suas possibilidades. Walter Benjamin afirmou que a fotografia dispensou pela primeira vez a mão do fazer artístico, transferindo a responsabilidade estética para olho, talvez o verdadeiro obturador. Neste trabalho, Deborah consegue interferir com a mão no gesto mecânico de fotografar, para reafirmar a soberania não do olho, mas do olhar – o seu e o de outros. A artista seleciona fotografias feitas para reportagens em diversas revistas, sobretudo a National Geographic. São imagens imbuídas, portanto, de um caráter documental, de um registro fidedigno e realista. Deborah junta estas fotos de vários lugares do planeta com paisagens brasileiras, criando um fio de sentido entre (a palavra insiste em voltar) uma garota chinesa e um quintal caipira. Ou a plantação de chá e a lavoura de café. Ou o sobrevôo da coruja no bosque temperado e a mata tropical. É através deste entre que se enxerga de forma mais ampla a imagem roubada, a imagem clicada e a terceira imagem – também terceira margem, como a canoa que se põe entre dois tempos no meio do rio de Guimarães Rosa. Na pororoca de sentidos criada por Deborah, entre é o através onde se repensa a longa tradição de paisagem no Brasil, a fotografia, as possíveis ressignificações e a memória das imagens.
Coruja, 2010, jato de tinta em papel fotográfico, 45X60cm
Deborah Engel nasceu em 1977, em Palo Alto, Califórnia, e cresceu em São Paulo. Vive e trabalha desde 2003 no Rio de Janeiro, onde cursou a Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Realizou diversas exposições entre elas as individuais Paisagens Possíveis, na Galeria Artur Fidalgo (Rio de Janeiro, 2010) e Tudo é Passageiro, 2009, na Galeria DConcept, SP. Em 2011 recebeu o Prêmio Artista Revelação da 16º Bienal de Cerveira, Portugal. Daniela Name é curadora, crítica de arte e jornalista no Rio de Janeiro. Mestranda em História e Crítica da Arte pela EBA-UFRJ, é autora do livro Espelho do Brasil (Casa da Palavra).
19
Atlas / Africana / Guataloupe / Hermes, 2010, guache sobre papel cartão, 91,44 x 31,12cm
20
D O Z E
G R EEN
21
War Boar, 2008, técnica mista sobre canvas, 120x166cm
22
23
G U E R R E I R O S I M O R TA I S O artista fala com uma voz única e criativa da consciência coletiva, aplicando uma abordagem simbolista em conceitos metafísicos. É um nova-iorquino nato e foi parceiro de Basquiat. Seu backgraund urbano e envolvimento no movimento de hip hop e grafite no final dos anos 70 e início dos anos 80, em Nova Iorque, o levou a uma transição das pinturas de ruas e metrôs para a criação de arte para galerias e fachadas públicas. Sua assinatura estética combina letras estilizadas e figuração abstrata – utilizando uma série de meios como tinta, guache, e pigmentos metálicos com uma qualidade cubista orgânica evoluída para sua linha de trabalho de alto contraste e fluida. A genealogia do artista inspira muitos dos temas explorados em seus trabalhos, influenciado pelas civilizações antigas e culturas indígenas, incluindo suas próprias raízes afro caribenhas. Suas figuras humanas, que lembram totens, e suas figuras animais são frequentemente baseadas em diversas divindades politeístas. Essas divindades representam sentinelas, guardiãs de verdades universais, guerreiros imortais alertando a humanidade dos perigos que a sociedade moderna manifestou, iminente no horizonte e ameaçando nos destruir. Doze Green, nasceu em 1964, Nova Iorque. Desde 1981, participa de exibições individuais, murais, colaborações e mostras coletivas.
24
Haiti, 2008, técnica mista sobre canvas, 84x 84cm
25
Siddartha, 2009, técnica mista sobre canvas, 144x216cm
Valdemar, 1976
H I LTO N
28
Valdemar, 2003
RIBEIRO
29
Berê, 1980
30
Berê, 2003
O TEMPO TODO L u i ze C o u ti n h o O objetivo da série O Tempo Todo, de Hilton Ribeiro vai além de estabelecer relações entre passado e futuro. A passagem do tempo e seus efeitos perdem importância frente àquilo que resiste à ele. Essa resistência fica patente na preservação de gestos, vícios, vestimentas, olhares, cortes de cabelo. É por meio destes elementos que seus personagens se afirmam. Algumas das personas captadas por Hilton se apresentam através daquilo que fazem. Suas profissões são mais do que extensões de sua personalidade. São uma espécie de alter ego, o outro Eu pelo qual os retratados se deixam
representar. A idéia de anonimato, ou até mesmo de indigência, parece insuportável à estas pessoas, que preferem se assumir como peixeiros, feirantes e mecânicos. Hilton trata da identidade profissional que sobrepuja o Eu autêntico por meio de composições imagéticas onde o ambiente se impõe ao indivíduo, como se observa, por exemplo, nos retratos de vendedores das bancas de frutas do Mercadão de São Paulo. Considerando o período entre um registro e outro da mesma pessoa, no mesmo ambiente e realizando uma mesma atividade, podemos concluir que estas identidades também são uma forma de resistir ao tempo.
Mas há o outro lado da moeda. Podemos perceber em outros retratos desta série que alguns rostos se apresentam menos sisudos, outros se mostram menos vaidosos, ou ainda, ver expressões e posturas de uma altivez perene, a despeito da ação do tempo sobre o físico. Desta vez, é o Eu autêntico que se sobrepõe às possíveis opiniões ou julgamentos dos outros. O tempo é mesmo algo inexorável. Hilton Ribeiro não despreza este fato. Porém, seu trabalho se ocupa daquilo que persiste: a beleza e a miséria da condição humana, que por conta de sua subjetividade não podemos ver, mas que está e sempre esteve ali, o tempo todo.
31
Damião, 1976
32
Damião, 2003
33
Costa, 1979
Luize Coutinho (São Paulo, 1983) é licenciada em História pela Universidade Guarulhos e especialista em História da Arte pela Faculdade Paulista de Artes. É professora da rede pública estadual de ensino desde 2005, mas sua paixão pelas artes visuais a levou para uma carreira paralela em galerias. Iniciou como assistente da marchand Cecília Isnard no Dconcept escritório de arte. Passou pela Galeria Nara Roesler, onde teve estreito contato com a produção de consagrados artistas, como Abraham Palatnik, Antonio Dias e Tomie Ohtake. Hoje, Luize é produtora na Galeria de Babel, onde também escreve textos críticos sobre os artistas representados.
34
Costa, 2003
Hilton Ribeiro, brasileiro, reside em São Paulo, onde tem seu estúdio. Nascido em 1952, começou sua carreira de fotógrafo em 1972. Desde então, desenvolveu seu trabalho em duas áreas: publicidade, em que é especializado em fotos de carros, e seu trabalho autoral, que consiste em projetos que revisitam lugares e pessoas criando sua cartografia sentimental.
35
LEONAR D O
Para ver do alto quando criança, pigmento mineral sobre papel de algodão, 100x150cm
36
R AM AD I N H A
37
Retrato, YAYOI KUSAMA/YAYOI KUSAMA STUDIO Inc.
38
Leonardo Ramadinha nasceu em 1977, vive e trabalha no Rio de Janeiro. Formado em Comunicação Social pela PUC, cursou especialização em Artes Visuais na Unesa e é pós-graduado em Fotografia e Ciências Sociais pela UCAM. Participou de exposições coletivas e individuais no Brasil, Argentina, EUA, Colômbia, Alemanha e Eslovênia. Em 2000 foi um dos artistas premiados pelo Prêmio Rio Jovem Artista. Em 2003 participou do Encuentros Abiertos, festival filiado ao Festival da Luz, sendo um dos vencedores da convocatória e selecionado pelo Centro Cultural da Recoleta, em Buenos Aires, para uma mostra individual no ano seguinte. De 2003 a 2006 participou de grupos de estudos coordenados pela artista plástica Denise Cathilina e pelo artista visual Marcos Bonisson. Em 2011 teve o trabalho Assim Construí meus Sonhos selecionado pelo I Concurso Itamaraty de Arte Contemporânea. É um dos editores da revista eletrônica de artes visuais Verbete.art e da Galeria Três Arte Contemporânea. O artista é representado no Rio de Janeiro pela Galeria Luciana Caravello Arte Contemporânea e seus trabalhos integram importantes coleções particulares tais como a Coleção Joaquim Paiva, Coleção Julia e Luiz Porchat e a Coleção Márcia e Eduardo Lopes Pontes e fazem parte do acervo da Pequena Galeria de Artes Cândido Mendes e do Centro Cultural Recoleta, em Buenos Aires. www.ramadinha.com.br
Assim construí meus sonhos, pigmento mineral sobre papel de algodão, 50x75cm
39
A L EX
G RO S S
Premonition, 2010, óleo sobre tela, 122x136cm
40
Viva México, 2008
42
The Surrender, 2008, óleo sobre tela, 91 x 152 cm
43
Jo s h Ke yes As pinturas de Ales Gross são assombrosamente belas. Elas cativam a imaginação e desdobram-se infinitamente em suas camadas misteriosas de significados. Seu imaginário contém ecos das obscuras estranhezas encontradas em lojas de antiguidade vintage. Algumas peças expressam a natureza lúdica e sagaz de uma sequência de animação de Terry Gilliam. Seus quadros frequentemente combinam um híbrido de referências pessoais com tons políticos e sociais, que são apresentados em um espaço sereno remanescente da pintura flamenga do século XV.
44
Signals, 2009, óleo sobre tela, 150x185cm
45
Original Sin, 2011, óleo sobre tela, 137x142cm
46
Alex Gross vive e trabalha em Los Angeles, Califórnia. Em 1990 recebeu, com honras, o bacharel em Fine Art pelo Art Center College of Design, em Pasadena. Desde então já teve seis exposições individuais em diversas galerias, e participou de dezenas de mostras coletivas em todo o mundo. No verão de 2007 sua primeira retrospectiva foi realizada no Grand Central Art Center em Santa Ana, Califórnia. Em 2000, Alex recebeu a prestigiada bolsa para artistas da Fundação Japão. Ele passou dois meses viajando pelo Japão colecionando revistas, posters e fotos vintage japonesas. Em 2004 teve seu primeiro livro, Japanese Beauties, publicado pela Taschen, uma compilação de imagens da propaganda japonesa entre 1900 e 1970. Em 2006, a Chronicle Books publicou a primeira biografia do artista, A Arte de Alex Gross. Ela contém 192 páginas e mais de 90 imagens de suas pinturas, desenhos e gravuras. No outono de 2010 seu segundo livro de fine art, Discrepancies, foi publicado. A sétima exposição de Alex Gross vai ser realizada a partir do dia 25 de fevereiro de 2012, na Galeria Jonathan LeVine, em Nova Iorque. Josh Keyes nasceu em Tacoma, Washington. Recebeu o título de bacharel em Fine Art, em 1992, pelo School of the Art Institute of Chicago e de mestre em Fine Art, em 1998, pela Yale University. Atualmente vive e trabalha em Portland, Oregon.
47
Rua Vergueiro, 2001, fotografia analógica, 70x100cm
48
R I C AR D O
C O E L HO
49
EM TRÂNSITO L ú c i a F i c ta de Vera s O caos duplo de São Paulo a partir do centro de sua própria tragédia é o tema desta série de fotografias, ou seja, o trânsito em dia de chuva. Neste ensaio que se iniciou no ano 2000, Ricardo Coelho reduz a distância existente entre a fotografia e a pintura, obrigando o observador a se aproximar para restituir a clareza da percepção quanto ao meio utilizado. Ao se aproximar quem olha reconhece o meio fotográfico, porém, distancia-se definitivamente da imagem. Os títulos literais das fotografias, como “Rua Vergueiro” ou “Av. Prof. Noé de Azevedo”, ao invés de nos restituírem a possibilidade do reconhecimento do espaço representado, funcionam como uma dupla ironia jogando para além da superfície o reconhecimento do lugar representado.
Ricardo Coelho, nasceu na cidade de São Paulo em 1974. Atualmente, é doutorando em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da UNESP, professor do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Artes Aplicadas da UFSJ. Foi curador e designer das exposições Sentidos do corpo (2011) e Paisagens Sonoras (2010). Participou dos seguintes eventos: Arte Pela Amazônia – Arte e Atitude, Fundação Bienal de São Paulo - 2008; CINESUL 2003: Festival Latino-Americano de Cinema e Vídeo (Rio de Janeiro e São Paulo); III Mostra do programa de exposições - Centro Cultural São Paulo - 2002; Em trânsito – individual de fotografias, FUNARTE – SP - 2002; Exposição México Imaginário - Casa das Rosas – 2002; 2º Prêmio Cultural Sérgio Mota - 2001; Vídeo Brasil 2001, SESC Pompéia.
50
Av. Prof. Noé de Azevedo, 2001, fotografia analógica, 70x100cm
Favela na Marginal Tietê, 2008, fotografia digital, 100x150cm
51
Série Caveira, 2011, acrílica sobre tela, ø 180cm
52
JAM E S
K U D O
53
Sem título, 2009, acrílica sobre tela, 200x120cm, coleção
54
55
Série Janelas, 2007, óleo sobre tela, 30x30cm, coleção particular
TOPOFILIA Ma rc el o C a m p o s Natureza, arquitetura, padronagens. O uso da imagem empreendido por James Kudo articula-se entre construções e ameaças. Ladeando garças e galhos de vegetações variadas, vemos serras elétricas e espingardas. A floresta intuída no empastelado violáceo ao fundo da pintura evidencia a nebulosa construção industrial, uma usina. Segundo o artista, na cidade onde nasceu, uma parte da paisagem fora submersa pela construção de uma hidroelétrica. James Kudo trata destes assuntos de maneira ímpar. O que poderia ser melancólico, acusatório, aviva-se em cores e efeitos luminosos. Ora trata a natureza como imitação (destino inevitável), ora as arquiteturas são caixas, como se processadas pelo desenho industrial. O artista nunca nos dá acesso ao mundo ideal, já que tudo está mimetizado como estampas. Ainda assim, o caráter edênico de um lugar “topos” habita pretensões utópicas. Se quisermos a narrativa, teremos que nos contentar com possibilidades associativas, metafóricas, nunca a literalidade. O negrume da floresta coaduna-se com partes de uma construção em madeira artificializada. A recorrente emulação de mimetismos, imitando veios de madeira como superfícies adesivas, por
56
exemplo, contribui para criação de dualidades entre denúncia e aceitação do imponderável. A indústria que exercera o desmatamento é a mesma que cria as superfícies falaciosas, substituindo madeira por efeitos. O patrimônio industrial, afirmará Pierre-Jeudy, constitui-se como entrave para as cidades. Por que preservar o que causou a destruição? Na exposição Topofilia, primeira individual de James Kudo na Zipper Galeria, temos variados exemplos da potência de um artista atento a distintos mecanismos de criação. A pintura, brincando entre planaridades, efeitos de superfície, imagens prototípicas, deixa-se contaminar por referências da moda e da tradição. Memória e maquiagem. Assuntos densos. Alegrias artificiais. Sobre uma pedra achada há anos, uma imagem intrigante, uma linha branca natural. Kudo elabora, então, a extensão da linha como contorno para o desenho de uma casa. O que há de exuberância na pintura, neste trabalho sintetiza-se com força e delicada precisão escultórica. Como na poesia de Waltércio Caldas, a imagem lida com materiais de aparência contrastante, contraditória, mas que a vontade construtiva transborda elemento
em espacialidade. James, assim, continua o desenho, integrando e trazendo para si a pedra que “entranha a alma”, como já nos alertara João Cabral. Os livros são “objetos transcendentes”, afirmara Caetano Veloso, “mas podemos amá-los com amor tátil”. Um dos caminhos mais interessantes da exposição Topofilia é o conjunto de livros apropriados, antigos, rodeados por cogumelos feitos em madeira e pintados com guache. As peças aparentam convivência harmoniosa, novamente, entre o que pode ser a evidência de uma destruição, um desfazimento. James aplica os cogumelos e retoma o que no livro é natureza. Ali o processamento das árvores, na produção do papel, não impediu a vida das formas, a seiva das madeiras combinouse com a umidade do ar. E assim, brotam-se, como flores, fungos, imagem apocalíptica, espetacular. A arte de James Kudo convive com a vanitas, afirmação de que a vida é finita. Enquanto isso, natureza, paisagem, processamento industrial espelham-se uns aos outros. E nos resta acreditar na ilusão. A contradição, o contra-senso são as matérias-primas para a criação artística.
Série Janelas, 2007, óleo sobre tela, 30x30cm, coleção particular
James Kudo nasceu em Pereira Barreto (SP), em 1967. Vive e trabalha em São Paulo. Graduou-se em Design Gráfico pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo em 1990 e estudou na Art Student League, em Nova York, de 1992 a 1994. Dentre suas várias exposições destacam-se as individuais nas galerias Zipper (São Paulo, 2011), Laura Marsiaj (Rio de Janeiro, 2009), PromoArt (Tóquio, 2008 e 2004), Dan Galeria (São Paulo, 2001) e coletivas no SESC Pinheiros (Realidades / Desenho Contemporâneo Brasileiro, 2011), Museu de Arte Moderna de São Paulo (Projeto Parede: Grupo Cada-ver, 2011), Memorial da América Latina (Entre Oceanos - 100 Anos de Aproximação entre Japão e Brasil, 2008), Pinacoteca do Estado de São Paulo (Nipo Brasileiros no Acervo da Pinacoteca, 2008), Centro Cultural Banco do Brasil (100 Anos de Arte Nikkey do Brasil, 2008) do Rio de Janeiro e Brasília, Kawasaki Museum (Creative Art Session, 2008, Kawasaki, Japão), Gunter Braunsberg Galerie (Entre Hemisférios, 2002 Nuremberg, Alemanha), Ibero-Amerikanisches Institut, PK (Wege Marken, 1995, Berlim, Alemanha). James Kudo possui obras nas coleções da Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, Museu de Arte Miura (Matsuyama, Japão), Hyogo Museum of Art (Kobe, Japão), Instituto Itaú Cultural e Coleção SESC. Marcelo Campos é Professor Adjunto do Departamento de Teoria e História da Arte, Coordenador da Graduação em Artes do Instituto de Artes da UERJ e Doutor em Artes Visuais pelo PPGAV da Escola de Belas Artes/ UFRJ. Curador de diversas exposições.
57
Candonga, 2009-2010, madeira de demolição e esmalte acrílico, 65x20x7cm
58
J OR GE R O D R Í GU E Z AGU I L A R
Dissidentes, 2009-2010, madeira de demolição - Dimensões variáveis
59
R E M Í P E D E S M U TA N T E S F ern a n do C o c c h i a ra l e No começo dos anos 2000 a obra de Jorge Rodríguez-Aguilar nutriase dos repertórios populares urbanos de sua Colômbia natal. Esses repertórios específicos, no entanto, não diferiam essencialmente de outros da América Latina e, até mesmo, da África. Por analogia podemos, então, afirmar que suas obras desse período não evocavam apenas a situação colombiana, ou a brasileira, mas um certo tipo de tensão maior, comum às cidades destes dois continentes, nos quais uma parte da produção é voltada não só para a fabricação de bens destinados às camadas de baixa renda, como também para a produção de equipamentos necessários para pequenas atividades comerciais de ambulantes, camelôs e de toda sorte de vendedores de rua e subempregados: carrocinhas, tabuleiros de variadas funções, carrinhos de mão e displays familiares às ruas das pequenas, médias, grandes e mega cidades destas regiões do planeta. Esses trabalhos de Jorge elaboravam, pois, a potência poética específica desses objetos do consumo popular. Entretanto, apenas uma parte deles era apropriada diretamente dos circuitos de produção de utilitários, já que os equipamentos do comércio de rua, usados como displays pelo artista, não foram adquiridos, mas por ele recriados. Os produtos assimilados ou reconstruídos por Rodríguez-Aguilar nessa fase de seu trabalho não podem, portanto, ser simplesmente entendidos como um elogio ao artesanato, posto que sua origem é a manufatura. Tampouco devem ser tomados como sintoma de um apreço acrítico pelo design pois estão aquém de sua lógica, já que resultam da consagração prática de certas atividades econômicas comuns ao salve-se quem puder das elites latino-americanas. São trabalhos que possuem um estatuto vago (posto que poético). Não correspondem nem a um extremo (artesanato), nem a outro (design) mas à interseção dos dois. O conjunto dos trabalhos agora mostrados, chamado por RodríguezAguilar de Remípedes Mutantes, possui também, como seus objetos do início da década passada, um sentido que brota da exploração poética de campos de hibridação silenciosos criados pelo artista, nas obras. Seus trabalhos esvaziam polarizações ou antinomias caras aos discursos do senso comum tais como: a oposição entre artesanato popular e indústria ou, no caso dos Remípedes, a oposição entre cultura e natureza, aqui neutralizada pelo teor mutante das peças desse novo conjunto.
A mutação, no entanto, não é somente a referência poética destas obras. Elas resultam de uma mutação anterior ocorrida em seu próprio processo de trabalho. Se os objetos produzidos a partir da lógica urbana do consumo popular latino-americano possuíam um teor político explícito, as esculturas atuais tratam agora de outro mito colado ao imaginário mundial a respeito de nosso continente: um lugar onde natureza e cultura se interpenetram. Diferentemente dos objetos anteriores, quase sempre enquadrados pelos tabuleiros e, por isso, ainda contidos num suporte, ainda que não convencional, os Remípedes se inscrevem como corpos soltos no espaço. As mutações que resultaram nos Remípedes já estão insinuadas no teor híbrido de sua designação. Parte das esculturas aqui apresentadas possuem uma morfologia reveladora. São visivelmente derivadas do desenho básico do remo de um barco. A mutação em pauta é a de um artefato vital à história da humanidade, um produto da cultura, um artefato que ganha vida ao se transformar num quase organismo, nem vegetal nem animal. A utilização de madeiras diversas, predominante nesses artefatos, esquenta seu teor orgânico e, combinada ao título da série, nos propõe alguns desafios. A transformação poética de objetos produzidos pelo homem em entidades mutantes sem função utilitária, posto que se tornaram entes quase vivos, não nos deixa dúvidas. Trata-se aqui, se focarmos apenas o título dado por Rodríguez-Aguilar a esses trabalhos, de uma operação de naturalização da cultura, de mutação de um objeto funcional para um dispositivo exótico da tropicalidade. Mas existe uma reversão do caminho sugerido pela designação desse conjunto de trabalhos. Ela se dá no próprio ato de produzi-las. Os objetos do começo dos anos 2000 e as esculturas atuais diferem também num aspecto crucial. Enquanto aquelas estavam marcadas pela apropriação ou pela produção de objetos morfologicamente determinados por um contexto cultural específico (pobreza e violência) as esculturas Remípedes Mutantes ainda que explorem a naturalização só existem a partir da invenção poética e de sua concretização pela ação do artista. Não decorrem, portanto, de um processo de seleção natural, mas de uma operação artístico-poética que devolve estes mutantes à sua origem cultural.
Jorge Rodríguez-Aguilar nasceu em 1960 na cidade de Barranquilla, Colômbia e vive desde 1998 no Rio de Janeiro, Brasil. No começo dos anos oitenta vai para os Estados Unidos e inicia uma temporada de oito anos de formação em artes plásticas com especialização em escultura contemporânea. Nos anos noventa participa em vários salões nacionais na Colômbia e tem exposição individual nas galerias Garcez Velásquez, em Bogotá, e na Galeria Ruta Correa, em Friburgo, Alemanha. Trabalha durante dez anos com a galerista Ruta Correa e participa anualmente com esta galeria da Feira de Frankfurt, na Alemanha. Em 1991 ganha bolsa no Delfinas Studios, em Londres, onde trabalha e expõe durante um ano. Na Colômbia, em 1996, integra a Expedição Humana, um grupo interdisciplinar com o qual realiza diversas viagens pesquisando a estética popular e tribal nas comunidades quilombolas e indígenas em diferentes regiões do país. Radicado no Brasil desde 1998, expõe pela primeira vez no mesmo ano na Galeria Mercedes Viegas, no Rio de Janeiro. Com a vida no Brasil, sua produção, sempre construída por ele mesmo, ganha novas formas abstratas, mais sutis, mas sempre incorporando metáforas visuais tais como “remos/ tentáculos” e “sinos” em fusão com “instrumentos agrícolas”, articulando inconsciente, arte e natureza com as questões ambientais da sobrevivência no mundo contemporâneo em acelerada transformação.
Fernando Cocchiarale – Crítico de arte e curador. Graduado em Filosofia pela PUC-Rio, onde lecionou na graduação e pós-graduação em História da Arte e da Arquitetura no Brasil. Publicou diversos artigos e livros, entre os quais Abstracionismo Geométrico e Informal (Funarte, 1987), com Anna Bella Geiger. Foi curador do MAM-RJ (2000-2008) e do Programa Rumos Itaú Cultural Artes Visuais (1999-2003), entre outros.
60
Remulê, 2009-2010, madeira, 210x23x3,5cm
61
Série Macho Toys - Natureza Morta nº 6, 2010, montagem fotográfica digital de foto de soldados sobre foto de aquarela de natureza morta antiga, reprodução fotográfica (c-print) de imagem digital, tiragem de 5, 40x30cm
62
FAB I O
C AR VAL H O Ma c h o Toy s
A série Macho Toys surgiu como uma reflexão sobre os elementos que constituem os estereótipos de gênero e sexualidade, sobretudo nas culturas ocidentais machistas, como por exemplo os brinquedos que são presenteados às crianças, e as brincadeiras encorajadas e permitidas para cada sexo: bonecas, jogos de chá e jantar em miniatura, e outras atividades delicadas para meninas; bolas, carros, armas, soldados e brincadeiras mais ativas e de força para meninos. A série Macho Toys opera justamente na superposição e no conflito entre os estereótipos de masculinidade e virilidade, como o soldado, o halterofilista e o cowboy, e elementos tradicionalmente atribuídos ao universo feminino, em particular os padrões decorativos florais, a louça de porcelana, os scrapbooks vitorianos e a decoupage decorativa. Os trabalhos do grupo Natureza Morta são compostos por reproduções de antigas pinturas e aquarelas de arranjos florais, nas quais soldados de brinquedo e soldados reais foram inseridos.
Fábio Carvalho, artista carioca em atividade desde 1994, já realizou oito exposições individuais em galerias comerciais e em instituições culturais, bem como já participou de mais de 60 exposições coletivas. Integrou importantes projetos de mapeamento da produção emergente no Brasil na década de 1990, com destaque para Antarctica Artes com a Folha, Rumos Visuais/Itaú Cultural, Projeto Macunaíma/Funarte, Projéteis Funarte de Arte Contemporânea - RJ, Salão Nacional de Artes Plásticas/MAM-RJ e Salão MAM-Bahia de Artes Plásticas. Fez exposições por quase todo o território nacional, e já integrou mostras em Nova York, nos EUA; Berlim, Frankfurt e Guelnhause, na Alemanha; Londres e Cardif, no Reino Unido; Praga, na República Tcheca; Budapeste, na Hungria; Porto e Cerveira, em Portugal; Havana, em Cuba, Buenos Aires, na Argentina e Cuenca, no Equador. Tem mais de 60 obras em coleções públicas e particulares, como o Centro de Arte Contemporáneo Wilfredo Lam em Havana, Cuba, e a coleção Gilberto Chateaubriand/MAM-RJ, entre outras.
63
Série Macho Toys - Natureza Morta nº 2, 2010, montagem fotográfica digital de foto de soldados sobre foto de pintura de natureza morta antiga, reprodução fotográfica (c-print) de imagem digital, tiragem de 5, 30x24cm
Série Macho Toys - Natureza Morta nº 3, 2010, montagem fotográfica digital de foto de soldado de brinquedo sobre foto de pintura de natureza morta antiga, reprodução fotográfica (c-print) de imagem digital, tiragem de 5, 40x30cm
Sem título (da série Tugúrios), 2009, impressão a jato de tinta em papel de algodão, 100x125cm
66
LU I Z A
B AL DA N
67
QUALQUER LUGAR F el i p e S c o vi n o A obra de Luiza Baldan parece nos empurrar para uma zona difícil de ser localizada. Arrisco-me a dizer que ela pretensamente se situa entre o silêncio e o (largo) intervalo entre a espera e o esquecimento. Um território preenchido pelo indício de que algo acabou de acontecer por ali ou há muito é preenchido apenas por memórias. São situações imprecisas assim como é incerto chamar de fotografia, o trabalho de Baldan. São imagens de qualquer lugar. Em alguns momentos aproximam-se de pinturas, seja pela presença de uma janela alegórica, seja pela dualidade entre figura e fundo posicionando-se numa estabilidade provisória. Ampliando essa discussão, a luz não é adereço mas personagem central nas narrativas de Baldan. Ela adentra o espaço e por ali permanece. É como se a imagem quisesse assegurar a permanência do elemento “mais” transitório e pontual da natureza (a luz). Existe algo tão próprio de nós (um lar, uma barbearia, um estacionamento) que em suas obras sofre uma suspensão de tempo e espaço; tornam-se estranhos, silenciosos, isolados. Silêncio aqui não está diretamente ligado à ausência humana (até porque “ele” acabou de passar por ali) nem a economia de gestos mas ao caráter ambíguo de presença e solidão que Baldan emprega nas imagens. Silêncio como possibilidade do espectador decifrar aquela cena tão cheia de vestígios em um aparente vazio, e cabe aqui ressaltar, propositadamente natural, sem efeitos cênicos. Em imagens permeadas de trânsitos, suas obras são lugares provisórios. Seja pela espera de alguém que acabou de sair ou nunca virá ou pela tentativa de anular, a todo o momento, os vestígios do que acabaram de “ser”. Há uma espécie de mistério a ser decifrado. A imagem ou lugar escolhido por Baldan não oferece a mínima possibilidade de ser ocupado ou habitado, simplesmente pelo fato de que ele é um qualquer lugar; um território nostálgico que se faz presente apenas como depositário de signos e
68
memórias. Como obra aberta, seus lugares situam-se entre tempos e territórios, preenchidos por silêncios e vazios que se oferecem para serem desvendados pelo espectador, agora na figura de um hóspede, detetive ou intruso. É nessa intersecção, com ausência de fronteiras claras, entre desconforto, estranhamento e reconhecimento que nos colocamos diante das imagens de Baldan. Faz-se presente uma espécie de arqueologia do habitar mas que ambiguamente nunca é ou pode ser um exercício ou um lugar para essa função, porque assim ele não deseja ser.
Luiza Baldan, nascida no Rio de Janeiro em 1980, é mestre e bacharel em Artes Visuais pela UFRJ e Florida International University. Desde 2009 realiza residências artísticas em diversos pontos da cidade do Rio de Janeiro, como no edifício Rapozo Lopes (Santa Teresa), na Península (Barra da Tijuca) e no Pedregulho (Benfica). Do seu currículo destacam-se as individuais no Centro Universitário MariAntonia (SP), Plataforma Revólver (Lisboa, Portugal) e Galeria Olido (SP), as coletivas “O Lugar da Linha”, “Nova Arte Nova” e “BAC!”, a menção da Fundação Iberê Camargo, e os prêmios Marc Ferrez de Fotografia da Funarte, 1ª Mostra de Fotografia do Centro Cultural São Paulo, 37º Salão de Santo André, Color Express Award e Brown L. & Marion Whately Scholarship. Atualmente vive e trabalha no Rio de Janeiro e é representada pelas galerias Mercedes Viegas e Oscar Cruz. www.luizabaldan.com Felipe Scovino é professor da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Escola de Artes Visuais do Parque Lage. É autor dos livros Arquivo Contemporâneo (7Letras, 2009), Cildo Meireles (Azougue Editorial, 2009) e Carlos Zilio (Museu de Arte Contemporânea de Niterói, 2010). É coautor de Coletivos (Circuito, 2010). Foi ganhador da Bolsa de Estímulo à Produção Crítica (Minc/Funarte) em 2008.
Sem título (série Tugúrios), 2009, impressão a jato de tinta em papel algodão, 100x125cm
Sem título (série Inóspitas), 2009, impressão a jato de tinta em papel algodão, 150x215cm
69
Experiência Extra-Corpórea, 2010, acrílica sobre tela, 100x200cm
70
LU C I ANO
S C H E R E R
71
FÉ NO MISTÉRIO Essas são umas das poucas certezas que possuo acerca de minha percepção dentro do campo artístico. Acredito no não dito, nos indícios, na dúvida e no estranhamento. É necessária uma retirada das pesadas vestes conceituais para um contato profundo e não preconceituoso com o âmago da criação artística. Eu acredito no resgate da arte popular e da pintura naif. Até aonde pode-se alcançar afora das escolas existentes e das instituições de ensino? Essa estrada sinuosa e obscura, onde são concebidos os fantásticos ex votos e os pesadamente simbólicos retablos mexicanos é o que considero como minha universidade. A carência de técnica tradicional,
72
a dedicação, a crença e o envolvimento espiritual são diretrizes desse processo que me interessam. Possuo profundo interesse na indumentária e arte sacra, justamente pelas questões de busca pela compreensão do desconhecido, do mistério da metafísica; mas também pela sua simbologia, que represento de forma auto-proclamada por acreditar no sagrado individual sincrético, além das tradicionais e fechadas doutrinas. Me interessam também questões da natureza primordial, sobre a qual tenho um pensamento holístico, onde tudo
é um, homem, animal, planta e também arquitetura relacionando-se hibridamente rumando ao equilíbrio existencial. Equilíbrio este regido pela vida e pela morte, presentes em todas as inter-relações, opostos necessários a manutenção da existência. Multidimensões, encontros em planos distintos, invocações de deidades criadas, transe e ritual como desafio da representação do que não pode ser representado, o que está além da consciência visual.
Running Wild, 2011, acrílica sobre tela, 60x120cm
Luciano Scherer nasceu em 1987, em Santa Vitória do Palmar - RS. Expôs individualmente pela primeira vez em 2010, na Galeria Thomas Cohn, em São Paulo. Já realizou mostras coletivas em galerias nacionais e internacionais (Choque Cultural em São Paulo, Anno Domini em San Francisco e Copro Gallery em Los Angeles ), também em instituições como o Pavilhão das Cultural Brasileiras, em 2010, na mostra Transfer.
73
74
Omni Plantae, 2011, acrílica sobre tela, 50x80cm
75
76
FI L I PE
BE R N D T
Sem título, 2008, fotografia, 80x120cm
77
FOCO INCOMUM Pa u l o Tre vi s a n A fotografia nasceu sob o signo do registro, mas, já nos seus primórdios, Talbot, por exemplo, realizava a sua transcendência por meio do mergulho da técnica nas questões da natureza da imagem. Dessa forma, a fotografia alçava voo para o campo da criação e da elaboração complexa e sofisticada da imagem; entrava no universo da arte. Por veredas semelhantes, Filipe Berndt em suas obras supera a questão do mero registro e caminha para a construção artística, contudo optando por estabelecer um ponto de discussão que está aparentemente sobre a fronteira da fotografia como registro e como arte inventiva. Muitas vezes, o assunto de suas imagens – lugares e pessoas comuns em situações corriqueiras, como crianças brincando no playground, policiais trabalhando em frente a uma praia ou turistas se refrescando nas águas de um rio – pode sugerir certa banalidade na situação revelada; porém uma segunda mirada é exigida, e uma observação mais analítica e aberta à leitura poética da combinação dos elementos registrados deve ser feita. Descobre-se então o olhar sutil e peculiar do artista ao captar certos momentos. As cores e a composição fazem também com que esses registros ganhem força e singularidade. A luz que Filipe trabalha em suas fotos é sempre aberta e ampla, o que resulta em um aparente clima de estúdio, embora as imagens sejam capturadas in loco, sem a utilização de recursos, como refletores e rebatedores. A cor, elemento distintivo em seu trabalho, parece de maneira saturada, brilhante, mas sempre harmônica na composição, em sua distribuição e em seu equilíbrio. A relação criada entre a iluminação natural difundida dos lugares e a vivacidade cromática de todos os pontos registrados tende a achatar os planos e cria uma imagem de características artificializadas, que, por vezes, evoca a linguagem comumente explorada em propagandas e comunicação de massa e remete às imagens trabalhadas em programas de tratamento de imagens. Essa
78
interferência na percepção da construção do espaço e na distribuição das cores pelo campo enfocado, assim como as situações sutilmente observadas e captadas, elevam essas fotos para além do mero registro e as inserem no campo da discussão da construção da imagem e de sua apreciação. O que nos parece o registro de algo trivial passa, em razão dessa atenta e refinada elaboração, para o campo do engenho e do conhecimento profundo da fotografia como linguagem. Nesse ponto, embora em um primeiro momento possam enganar um observador distraído, as imagens de Filipe Berndt estabelecem o jogo da criação por meio de um raciocínio com o olhar, o que desloca suas imagens da mera retratação de temas para o campo infindável da investigação aguda e da imaginação inventiva, tiram-nas do óbvio e as arremessam no campo do incomum.
Filipe Berndt nasceu e reside na cidade de São Paulo. Em 2007, passou a trabalhar com fotografia e vídeo e, um ano depois, foi convidado para expor a série Ed. Prestes Maia em duas mostras internacionais: Festival della Creativitá, em Florença, Itália, e São Paulo 300mm, em Madrid, Espanha. Além disso, já participou dos principais salões de arte contemporânea do país, ganhando em 2009 o Prêmio Aquisição no 37o Salão de Arte Contemporânea Luiz Sacilotto. Atualmente, faz pós-graduação em história da Arte e é representado pela Central Galeria de Arte Contemporânea. Em seus trabalhos recentes, Filipe Berndt tem lidado com as questões da autenticidade da natureza e sua artificialização e do impacto humano sobre a paisagem. Paulo Trevisan graduou-se em História e obteve o título de mestre em Artes na ECA-USP. Pesquisador e professor universitário de História da Arte, dedica-se ao estudo e à divulgação da arte brasileira contemporânea. Como curador, realizou as mostras Corpus in Obra (2010), Vistas Suspensas (2010) e Integração – action: São Paulo/Québec (2011), entre outras.
Sem título, 2007, fotografia, 80x120cm
Sem título, 2008, fotografia, 80x120cm
79
HEL E NA
T R I NDAD E
POÉTICA DA LETRA
Diálogo, poema visual, hastes de rolo de pintura + esferas de tipos de máquinas de escrever elétrica, 5x35x15cm
42 80
É um jogo. Vale fazer muitas perguntas e até mesmo responder com interrogações. Vale fingir concordar ou discordar. Vale repisar os rastros das respostas para apontar contradições. Vale demolir certezas ainda que para formular outras convicções. No terreiro desta disputa, restam impressos impenetráveis palimpsestos. Se a eficácia deles se dá, é no íntimo dos contendores ou na distância entre eles.
43 81
...em cena uma ferramenta-trocadilho. Cada letra segue a outra, qualquer que seja o sentido, na operação de separar e diferir. É preciso o gesto duplo que anima ao mesmo tempo impressão e fratura.
Poema a Derrida, poema visual, arco de serra + tipos de máquinas de escrever, 43x13x3cm
82
Helena Trindade vive e trabalha no Rio de Janeiro. Graduada em arquitetura pela UFRJ, iniciou livre formação artística na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, onde participou dos núcleos de Desenho, Escultura, Gravura, Teórico e de Aprofundamento em Pintura. Em Nova York, Helena cursou Gravura na Art Students League, Teorias da Arte Contemporânea na School of Visual Arts e na New York University. Em 2003 concluiu mestrado em Linguagens Visuais na Escola de Belas Artes da UFRJ. Em 2006 inicia seus estudos em Filosofia na PUC - Rio, onde se pós-graduou em Arte e Filosofia. Sua produção compreende instalações, site specifics, poemas-objeto, vídeo, fotografia, desenhos e gravuras. Desde 1992 realiza, no Brasil e no exterior, exposições coletivas e individuais fora do circuito comercial. Helena foi convidada a desenvolver seus projetos em algumas das mais prestigiosas instituições brasileiras tais como o Paço Imperial, FUNARTE, Museu da República, Centro Cultural São Paulo, Espaço Cultural Sérgio Porto, Oi Futuro, Solar Grandjean de Montigny e SESC Paulista. Participou ainda de exposições na Universidade de Coimbra, na École d’Art d’Avignon durante o Anée du Brésil en France, na Metrospace da Prefeitura de East Leasing-Michigan, na Mostra Paralela Oficial da XXVI Bienal de São Paulo, no Museu da Pampulha, no Centro Cultural Helio Oiticica e contribuiu para a Documenta XII Magazine e para a University of Maryland Art Radio. Visite a exposição LETRA na Oi Futuro de Ipanema (até dia 11 de Setembro) e assita o vídeo http://www.youtube.com/watch?v=I8Zxk0zDOfg
83
R I Z O M A E N S AIO S AN TA direção de arte:
Ma n o n |
fotografia:
Du da C a r va l h o |
texto:
C l ar a R e is
No meio, como uma conjunção entre as coisas, está o Rizoma. Orgânico e intervalar, se apresenta nas tramas da existência e na coextensividade de tudo. Na natureza e na essência dos múltiplos singulares, com uma cadência única, cada um penetra no outro. Numa lógica circunstancial mil caminhos levam a todos os lugares. A tônica se revela na encenação intimista e entrelaçada em diferentes direções e dimensões. É nas individuações, não pessoais e nem de coisas, que o risco do abstrato se impõe. Os conceitos tem vários aspectos. A ressonância está nos olhos de quem vê. * Ensaio livre baseado no livro Mil Platôs de Gilles Deleuze e Félix Guattari.
84
85
espetáculo de dança: bailarinos:
R i zo m a |
diretor e coreógrafo:
R en ato Vi e ir a
Bruno Cez ar i o, L avi n i a Bi zzo tto, Jo a qu i m To m é, F abi a n a N u n e s |
Manon, carioca, artista visual e diretor de arte. Duda Carvalho, fotógrafo, estudou design gráfico na PUC-Rio. Premiado no Hasselblad Master em 2003 (Suécia). Tem trabalhos em publicações como: I Need a Guide, revista S/Nº, Santa Art Magazine, O Globo, Graphis Nudes e Graphis Photo. www.dudacarvalho.com Clara Reis é carioca e se formou em jornalismo pela PUC-Rio. Foi repórter do site Radar55 e do portal Bolsa de Mulher, colaboradora da Vogue Brasil e cobriu diversas semanas de moda para o site do GNT.
16 86
figunino:
M ar t a R e is
87 65
CR I S T I NA
S ALG AD O
A V I S TA N UA Vista foi instalada no espaço do cofre da Casa França-Brasil, Rio de Janeiro, antiga alfândega, entre setembro e novembro de 2010. Esse trabalho esteve exposto simultaneamente à montagem, no grande espaço central da Casa, da obra histórica Éden, de Hélio Oiticica, apresentada pela primeira vez na Galeria Whitechapel, Londres, em 1969. Seu primeiro título foi Saída de incêndio, que trazia conexão bastante específica, da qual, espantosamente, eu não havia me dado conta no primeiro momento, com o terrível episódio envolvendo o acervo do artista com quem, digamos, iria dividir a cena na instituição onde a obra seria instalada. As expressões de todos a quem comunicava o título do trabalho me deixaram, finalmente, claro esse artifício do mim (de fato, engenhoso!). Por muitos motivos, entre eles a diplomacia e o afeto, dispus-me a buscar outro nome já com a obra em produção, o que perturbou profundamente meu processo de trabalho e provocou aparentemente pequena, mas estrondosa mudança no projeto inicial. Vivi grande aflição quanto ao reequilíbrio na estrutura da qual o título é importante componente. Encontrar outro título perfeito como Saída de incêndio seria impossível. Essa obra era absolutamente site specific, e essa condição foi, portanto, participante do trabalho desde seu início mais tenro (e, pelo visto, aquém de meu controle), ainda que o processo escultórico envolvido possua sempre importantes aspectos que transcendam essa especificidade – e essa é uma outra estória. A convivência com a obra de Hélio Oiticica como especificidade maior do site, suplantando até as condições mais ou menos objetivas do cofre, foi se anunciando com a questão do título. Saída de incêndio havia surgido como clarão. Permitia, imagem ultradensa que era, sintetizar múltiplos significados que se revelavam gradualmente, como a busca desesperada de uma saída para um interior mais confinado; a convulsão – ou o gozo – como saída mais extrema, ou ainda: na hora do aperto, a saída pela própria via da arte. Vista, o título que tomou seu lugar e reconfigurou o trabalho, surgiu a fórceps. O olho – que veio junto com o título e suas múltiplas configurações – foi convocado a partir de meu arsenal de significantes vazios, que rondam à espera de serem carregados de significado. E serviu bem. Sua aparição não teve o clarão do incêndio (uma questão
de processo), mas acabou por sinalizar mais uma vez que a especificidade maior do site, sem que eu percebesse de imediato, era a convivência com o Éden de HO. Claire Bishop declara textualmente que a premissa de interatividade da arte relacional é observada como lhe conferindo uma inerente superioridade em relação à contemplação ótica. Esta seria passiva e desengajada, enquanto aquela promoveria um efeito emancipatório de implicação política (Claire Bishop. Installation Art. London: Tate Publishing, 2005. P.118). Vista, com algumas exceções, recebeu principalmente um público que vinha à procura das históricas experiências sensoriais de Hélio Oiticica. Estas eram compartilhadas por grupos de amigos, estudantes e famílias. Ao sair do Jardim do Éden, muito ativadas, essas pessoas chegavam à Vista em busca de mais sensações e se deparavam com um trabalho exposto apenas ao seu olhar. Alguns se esfregavam na obra, outros a apertavam ou beliscavam. Vi uma pessoa bater repetidas vezes com o dedo indicador em riste no olho (parte do trabalho) que parecia olhá-la, como que para perfurá-lo – era, entretanto, um objeto de resina resistente e não foi danificado. O título parecia então desdobrar-se dialeticamente, confirmando a especificidade – sobretudo, daquele trabalho. Considero contemplação, passiva ou não, e mergulho fusional temas fundamentais em arte. A indústria cultural, a religião e pessoas carismáticas trabalham bastante bem com eles. Talvez, em Vista, a contemplação passiva, até com alguns delírios, tenha sido possível. Mas havia limites: grandes parafusos mostravam com clareza como o drapeado da superfície era obtido, e, certamente, ofereciam algum desconforto a quem buscava aconchego; o próprio tecido, ao alcance das mãos (nervosas, gulosas, agressivas) dos “espectadores”, se revelava totalmente na sua natureza de pele artificial. Vista foi um trabalho feito principalmente para a função visual (que, sabemos, envolve mais que a mecânica ótica), de longe e de muito perto, o que não acho pouco nem menor. Desejo, olho e tato estariam em cena, medindo-se. Bishop, portanto, não pode ser lida simplistamente. Grande nua na poltrona vermelha foi feita e instalada pela primeira vez nas Cavalariças da Escola de Artes Visuais do
Parque Lage, em 2009. Entre novembro de 2010 e março de 2011 foi remontada na Galeria Funarte de Belo Horizonte. De fato, espaços e atmosferas diferentes produzem Nuas diferentes, mas o que é específico para a Grande nua não é seu local, mas sua nudez. E o que a Grande nua compartilha com Vista é a nudez. Todos os corpos que construo são nus, mesmo quando vestidos, porque a nudez a que me refiro é de outra ordem, que não a do tecnicamente pelado – por isso, ela vale também para Vista. Simbolizar a nudez é necessário. A aparição importante na Grande nua, junto com o título novamente, foi o estabelecimento da relação com o Grande nu na poltrona vermelha, de Picasso (1929), porque se trata de um corpo nu exposto, como um modelo aos olhos do pintor. A torção de nu para nua faz parte dessa aparição porque muda tudo: ativa aquilo que é o objeto do olhar, como que alterando o fluxo “natural” do “posar nua para o pintor que pinta nus”. [Lembro a foto de Brassaï (1939): Matisse, sentado, papel e lápis a postos, observa de perto a modelo nua, talvez esboçando uma nova pintura.] Daí que apenas em uma de suas camadas, Vista era uma obra intrinsecamente relacionada ao seu contexto. Sua especificidade de local mais primordial é – em tempo presente – tanto quanto para a Grande nua, a economia do olhar. É dali que falo. Pergunto-me, em relação a Vista, em que exata medida a perspectiva de outra vizinhança produziria um trabalho diferente?
Cristina Salgado nasceu em 1957, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha. É professora no Instituto de Artes na UERJ e no departamento de Artes e Design da PUC-Rio. Doutora em Artes Visuais – EBA/UFRJ. Foi artista residente no Yorkshire Sculpture Park e pesquisadora RioArte. Expõe desde 1980 e trabalhou com as galerias Petite Galerie, Subdistrito Comercial de Arte, Baró Senna e Anna Maria Niemeyer. As exposições individuais mais recentes foram no Paço Imperial do Rio de Janeiro, Cavalariças da Escola de Artes Visuais do Parque Lage e Casa França Brasil. Participou de inúmeras exposições coletivas (como Panorama da Arte Brasileira-MAM/SP e Caminhos do Contemporâneo-Paço Imperial, Rio de Janeiro e O Corpo na Arte Brasileira – Itaú Cultural/SP). Ganhou o Premio Funarte de Arte Contemporânea 2010 – Ocupação dos Espaços Funarte – BH.
Vista, 2010, Instalação, Casa França-Brasil, tecido emborrachado, parafusos, tapete, prótese ocular, 3,60x1,60x1,60m
88
Vista, 2010, Instalação, Casa França-Brasil, tecido emborrachado, parafusos, tapete, prótese ocular, 3,60x1,60x1,60m
90
UMA REVISTA ÚNICA.
w w w. s a n t a a r t m a g a z i n e . c o m . b r
NORMAS PARA ENVIO DE COLABORAÇÕES A SANTA recebe propostas de colaborações pelo e-mail santaeditorial@gmail.com. A revista reserva-se o direito de não submeter previamente o material diagramado à avaliação dos colaboradores selecionados.
exposição – nesse caso, os dados da publicação original (instituição, cidade, editora, ano) devem ser informados em nota.
IMAGENS Na ocasião da proposição de trabalhos para publicação, devem ser encaminhados arquivos em formato JPG, em baixa resolução. Junto com estes, deve seguir, em arquivo de Microsoft Word, uma breve nota biográfica sobre o artista, relacionando principais exposições, publicações, prêmios etc.
O texto deve obedecer à seguinte seqüência: Título (caixa alta), nome do autor (caixa alta e baixa), corpo do texto, breve nota biográfica sobre o autor.
As imagens em baixa resolução devem ser acompanhadas de listagem de legendas, conforme o seguinte padrão: Título em negrito, ano, técnica, medidas em centímetros – Coleção (se for o caso). As imagens posteriormente selecionadas para publicação devem ser encaminhadas por e-mail, em arquivos TIF, com 300 dpi e 36 cm de altura. TEXTOS Os textos devem ser enviados por e-mail em arquivo de Microsoft Word com margens laterais de 3 cm, fonte Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 e entrelinha entre parágrafos. São aceitos artigos (até 5.500 caracteres com espaço) e entrevistas (até 18.000 caracteres com espaço) em língua portuguesa; inéditos ou publicados anteriormente apenas em materiais como catálogos de
Expressões em destaque, palavras estrangeiras e títulos de obras devem vir em itálico. Citações devem vir entre aspas, seguidas, entre parênteses, da referência bibliográfica completa (Nome e sobrenome do autor. Título do artigo. Título do livro em itálico. Cidade: Editora, ano. Página). Notas devem ser reduzidas ao mínimo, numeradas e colocadas no pé de página. DIREITOS AUTORAIS Na mensagem em que forem enviadas as propostas de colaboração deve constar o seguinte texto: “Eu, NOME COMPLETO/NOME ARTÍSTICO/DOCUMENTO DE IDENTIDADE, declaro estar ciente de que esta proposta de publicação do trabalho NOME DO TRABALHO na revista SANTA ART MAGAZINE implica a cessão imediata e sem ônus dos direitos de publicação para a revista. Para publicações posteriores do material em outros veículos, permanecem reservados os direitos do autor, sem qualquer ingerência da revista. DATA E LOCAL.”
cerebelo
92
anúncio SANTA MARTA