#02
SANTA art magazine Alécio de Andrade Ana Holck Cildo Meireles Felipe Barbosa Felipe Hellmeister Gabriel Mendes Isabel Garcia Jorge Guinle Marinho Mark Bresson Rosana Ricalde Vicente de Mello Xico Chaves
PICTURES OF GARBAGE
Vik Muniz
EXPEDIENTE # 2 novembro de 2008
EDITOR
Sergio Mauricio sergiomauricio@utopos.com.br
DESIGN E ARTE
Sergio Mauricio Bady Cartier badycartier@utopos.com.br
ASSITENTE DE EDIÇÃO
Andrea Carvalho Stark santaeditorial@gmail.com
CONSULTORIA EDITORIAL
André Luiz Barros Danielle Corpas Nelson Ricardo Martins COMERCIAL
Rogério Randolph santacomercial@gmail.com
CONSULTORIA DE MÍDIA
Antonio Jorge A. Pinheiro midia1@midia1.com.br
PROJETO GRÁFICO
Utópos www.utopos.com.br
COLABORAÇÃO EM PRODUÇÃO
Julia Dias Leite COLABORADORES
Alécio de Andrade Ana Holck Cauê Alves Cildo Meireles Felipe Barbosa Felipe Hellmeister Gabriel Mendes Isabel Garcia Joana Estelita Jorge Guinle Luis Brunello Luiz Zerbini Marinho Mark Bresson Rosana Ricaldi Vicente de Mello Vik Muniz Xico Chaves CONSELHO CONSULTIVO
Ana Luisa Leite Cesar Oiticica Christian Rôças Danielle Corpas Fred Hortêncio Moacir dos Anjos Nelson Ricardo Martins Pedro Karp Vasquez Roberto Meirelles Walter Carvalho Wilson Lázaro AGRADECIMENTOS
Alberto Saraiva Armando Strozenberg Balthazar de Andrade Casa do Saber Celso Fioravante Cristina Magalhães Pinto Cristina Zappa Duda Carvalho Edson Cunha Neto Erica Beninkasa Fabio Ghivelder Felipe Rodrigues Fernando Maia Fernando Prado Florêncio de Andrade Frederico Coelho Instituto Moreira Salles João Cruz Joana Estellita Lucas Blalock Luciana Caravello Luciano Trigo Márcia Manccini Marcos Prado Marina Ribas Mercedes Viegas Nanci e Osvaldo Corpas Patrícia Newcomer Pólo de Pensamento Contemporâneo Rogério Reis Sergio Burgi Sula Danowski Sylvia Martins Tatiana Ribeiro Trio Studio Vanda Mangia Klabin Waldir Simões de Assis Filho APOIOS
Artsalon online – art for new collectors www.artsalon.wordpress.com
Funarte LOGÍSTICA E DISTRIBUIÇÃO
Editora 360º IMPRESSÃO
Gráfica Santa Marta www.graficasantamarta.com.br
PAPEL
Suzano www.suzanoholding.com.br
08 20 22 38 40 52 54 60 68 72 80 84 88 94
DEPOIMENTO INÉDITO
JORGE GUINLE
A ARTE BRASILEIRA VAI AO PARAÍSO
Uma conversa com CILDO MEIRELES FOTOGRAFIAS
ALÉCIO DE ANDRADE CONDOMÍNIO
FELIPE BARBOSA Vik Muniz fez a imagem de Nossa Senhora
PICTURES OF GARBAGE
VIK MUNIZ
das Graças emergir de madeiras de móveis e portas, do ferro retorcido, dos tijolos e de pedaços de parede. Era o entulho da reforma
O NAVEGANTE
ROSANA RICALDE
da sede da Casa Daros, em Botafogo, no Rio de Janeiro. Mas a aparição lhe surgira antes, sobre uma porta daquele mesmo casarão
PRETO NO BRANCO
MARINHO
de 1866, criado como um Recolhimento das Órfãs, e cuja reforma termina em fins de 2009. “Há muito tempo minha mãe pede que
URBAN PUNS
GABRIEL MENDES METRÔ
FELIPE HELLMEISTER
eu faça uma santa. Quando a vi na Daros, tive um insight”, diz.
O resultado, um trabalho de 18 x 14 m, transformado em foto de 2,30 x 1,80 m que ilustra a capa desta SANTA, é a primeira obra
CINEMA ATMOSFÉRICO
VICENTE DE MELLO
do acervo da Casa Daros carioca (a matriz é na Suíça). Em janeiro, uma mostra no MAMRJ trará a série Pictures of Garbage, que
ELETROENCÉFALOVÍDEOSCÓPIOFONE
ilustra as páginas 40 a 51.
XICO CHAVES
Em um galpão no bairro de Parada de Lucas,
CANTEIRO DE OBRAS
ANA HOLCK
em duas semanas, Vik reviveu a santa – a mesma que apareceu em 1830 para a noviça Catarina de Labouré, das Irmãs de Caridade,
EXCHANGING GLANCES
ISABEL GARCIA
em Paris. A imagem é também a da famosa Medalha Milagrosa, alvo de peregrinação de fiéis no mundo todo. Para reanimá-la, Vik
ONDE ESTÁ O HOMEM DA CAVERNA?
MARK BRESSON
subiu alto: fotografou tudo de dez metros de altura, do teto do galpão.
SANTA art magazine
#02
É PAU, É PEDRA, LATA VELHA E URSINHO DE PELÚCIA
A
SANTA art magazine 2 é pau, pedra, pneu, lata velha, ursinho de pelúcia, refugos e entulhos. Nosso lixo civilizatório que, sob a batuta de Vik Muniz, transmuta-se em obras de arte. É de sua autoria a Nossa Senhora das Graças que ilumina a capa da SANTA 2. Também trazemos outras de suas imagens inéditas, todas feitas a partir do lixo. A obra de Vik Muniz em nossas páginas revela a verve de uma linguagem que mobiliza pela estética ilusória e pelas questões sociais, econômicas e ecológicas intrínsecas ao nosso modo de vida consumista e suicida. O número 2 da SANTA traz ainda um depoimento inédito de Jorginho Guinle. Durante 24 anos, essa gravação esteve numa velha e mofada fita de vídeo VHS. No depoimento, Jorge comenta com vivacidade e inteligência peculiares seu processo de trabalho, formula reflexões críticas e entretém o espectador com personalidade e simpatia cativantes. Na transcrição que publicamos agora, tentamos manter ao máximo a oralidade para não perdermos a verve tão espontânea que caracterizava o pintor. A SANTA 2 publica também uma parte da imensa obra de Alécio de Andrade, um genial poeta da fotografia que o Brasil pouco conhece – ele foi morar na França muito jovem e lá desenvolveu seu fecundo trabalho. Suas fotografias são puro deleite estético.
Cildo Meireles também nos dá o ar de sua graça com o seu pensamento afiado, inteligente e provocativo. O artista atira algumas farpas em várias direções e nos mostra a importância da crítica aguda e não domesticável. Seguindo em frente, paramos e olhamos para as estrelas através dos óculos cósmicos de Xico Chaves. Ele nos conta que o homem não tem idade e que entre os meteoros e o nosso sangue não existe lá muita diferença. Xico nos ensina que somos seres geológicos e que fazemos parte de toda a estrutura mineral do planeta e do espaço. Trazemos também Ana Holck – com texto de Cauê Alves sobre o trabalho da artista plástica intitulado Em Obras. E ainda: a mescla antropológica entre a street art e seus personagens urbanos circundantes, fotografados por Gabriel Alves; o preto no branco metafísico e explosivo de Marinho; as belas fotografias românticas de Isabel Garcia; o mar revolto com nomes de oceanos de Rosana Ricalde; o condomínio modular de Felipe Barbosa; o ensaio intrigante e premiado, feito no Metrô paulista, de Felipe Hellmeister; as fotografias-seqüência de Vicente de Mello em sua série Cinema Atmosférico. Por fim, uma pergunta feita por Mark Bresson a partir de uma montagem fotográfica: Onde está o homem da caverna? Se alguém souber, por favor, nos informe.
Sergio Mauricio EDITOR
cerebelo A Santa #2 é dedicada a Vicente C. Martins. Na Santa #1, faltou agradecer a Gabriela Medeiros a ajuda para a publicação da matéria Xadrez Toy. Santa - Art Magazine é editada pela Cerebelo Artes. Impressa pela gráfica Santa Marta. O papel utilizado foi o couché matte 150g da Suzano.
A Santa aceita propostas de colaborações, que são avaliadas pelo seu conselho. Todas as opiniões expressas nos ensaios, matérias, entrevistas, depoimentos e artigos publicados são de inteira responsabilidade dos respectivos autores. É proibida a reprodução de imagens ou textos por qualquer meio. Endereço para correspondência: Praça Pio XI Nº 6 / 102. Jardim Botânico. CEP 22461-080. Rio de Janeiro – RJ – Brasil Cerebelo Artes Ltda. CNPJ: 09.448.968/0001-50. Rua Lauro Muller 116/704 parte. CEP 22290-160. Rio de Janeiro – RJ
Foto | Arquivo
Depoimento inédito
JORGE GUINLE (1947-1987)
Em uma tarde de 1984, Jorge Guinle recebeu Sergio Mauricio em
seu apartamento no Rio de Janeiro para gravar um depoimento sobre sua obra. O editor da SANTA, na época estudante de jornalismo e integrante do Grupo Rádio Novela, recuperou agora essa filmagem, que resultou no texto transcrito nas próximas páginas.
Numa fala contínua, raras vezes interrompida por perguntas, o
artista que se firmou como uma das mais importantes expressões da pintura brasileira da década de 1980 discorre sobre seu processo de criação, revela suas principais referências, reflete sobre a situação da arte no século XX e comenta algumas de suas telas.
A obra de Jorge Guinle pode ser conferida na exposição Jorge Guinle:
belo caos (curadoria de Ronaldo Brito e Vanda Mangia Klabin). De 10 de setembro a 30 de novembro de 2008, na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre; de 22 de janeiro a 29 de março de 2009, no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Interior atávico, 1984, óleo sobre tela, 120 x 100 cm, coleção Waldir Simões de Assis Filho 9
TAKE 1
O distanciamento crítico é importante para
inspirações, sem intermédio da razão numa
[sentado sob D. Quixote dos morros, 1984, óleo sobre tela, 160 x 140 cm]
vê-las. Eu parto desse período fecundo
filtragem crítica. E não é verdade. Essa
do início da arte norte-americana – onde
filtragem crítica, esse distanciamento é que
estavam se criando novas regras que iam
vai moldando o trabalho, é a premissa do
influenciar todo o mundo das artes. Mas eu
trabalho, o receptáculo, o pedestal no qual
acho que essas telas têm o distanciamento
ele se elabora.
JORGE GUINLE - Essa tela, por
exemplo, [D. Quixote dos morros] é uma tela antiga que eu retomei e refiz. É datada de 82. Faço pouco isso. Mas me deu vontade de
pegar umas telas antigas e retrabalhá-las. Lá
um processo em andamento, estão prontas
no fundo da sala também tem outra desse
somente na medida em que o espectador
gênero. Faço uma média de seis ou quatro
vai buscando elementos para compor o
telas por mês. Essas novas foram feitas logo depois da minha individual na Galeria Luisa
trabalho, achando pontos de referência. É
Strina, em São Paulo. [Guinle havia realizado
um trabalho, inclusive, contrário ao que
até então duas exposições nessa galeria:
faço – que é de desconstrução do espaço,
“Passos diacríticos”, entre 1º e 28 de junho
dos anos 60, da pop, na medida em que são
é um contracubismo. Em vez de elaborar
de 1982; “Jorge Guinle”, entre 20 março e 20
reflexões sobre o trabalho já feito nos anos
uma definição cubista do espaço, eu já
de abril de 1984].
50. Não partem do nada, não partem do
parto
vácuo, da tela vazia, não pretendem criar um
Isso é muito importante: ver esse lado
Elas continuam o meu trabalho. São
mundo novo, mas serem constatações, uma
distanciado também – o que é difícil
telas gestuais, expressionistas. Dialogam
elaboração, a partir de tudo que eu senti e
porque, formalmente, as telas são muito pra
com o expressionismo abstrato dos anos
vivi através daquelas telas dos anos 50. Isso
fora, muito agressivas, muito dirigidas para
50, dos mestres De Kooning, Pollock, Kline
é muito importante. Porque o lado caótico,
o impacto imediato no espectador. Então,
etc. Mas com parti pris crítico, distanciado,
o lado gestual pode confundir o espectador,
ele terá que primeiro se banhar nelas, sem
brechtiniano, que obriga a uma nova leitura
ele pode achar o trabalho meramente
reflexão, sem raciocínio, e aos pouquinhos
daqueles trabalhos para se entender o meu.
uma pulsão dos meus desejos, das minhas
ir descobrindo os parâmetros do trabalho,
10
Pode-se dizer que essas telas são
do
cubismo,
desconstruindo-o.
Foto | Vicente de Mello
Em vez de elaborar uma definição cubista do espaço, eu já parto do cubismo, desconstruindo-o.
O coringa, 1984, óleo sobre tela, 220 x 150 cm, coleção particular
as leis que o governam, o mundo deles,
até a base de onde o trabalho saiu: começar
olho se movimentar de novo, para fazer
propriamente, intelectual e espiritual.
pelo fim e ir até o início.
com que o olho viva de novo e ache de novo os primórdios da criação. Eu não quero que
E esse mundo vem da poesia beat, do
Eu acredito que esse trabalho tenha
ele chegue a um produto já acabado, como
expressionismo abstrato, do jazz. Também
relevância com relação aos trabalhos que
um objeto de consumo que se encontraria
da pintura energética dos anos 80 que está
estão sendo feitos no Brasil por certa nova
nas paisagens urbanísticas do nosso século
graçando nos centros – Nova York, Londres,
geração. Só que esta nova geração está
– nos outdoors, na televisão. Essa tendência
Paris –, da música punk… Enfim, de toda
partindo de imagens mais concebidas,
à extrema codificação da imagem, que nós
uma nova sensibilidade dos anos 80. Esta é
mais concretas, mais ligadas à televisão,
vivemos, eu quero abolir. Eu quero banhar
calcada na sensibilidade dos anos 50. Daí
nossa visualidade num caos – primordial,
o lado irônico, cômico desse trabalho. Que
mas que surge justamente das experiências
não advém de uma imagem engraçada ou
feitas no nosso século. Experiências visuais
política, uma imagem identificável. Mas
que vão contra toda a visualidade (tirando a
desse distanciamento, dessa sobreposição
aventura pop) que se encontra na cidade.
de duas épocas que lutam entre si de uma maneira alegre. Seria quase como um saber,
A grande neurose, a grande desfeita,
como a ciência alegre do Nietzsche.
a pena é que não foram realizados concretamente os sonhos desses grandes
Esse mundo caótico, no fundo, não
à massa de consumo, a uma explicitação
mestres. Nem o Bauhaus conseguiu realizar
é tão caótico, tem premissas muito sólidas
mais concreta da sociedade de consumo. Eu
a sociedade perfeita, nem o Matisse, uma
–
ele se apresenta de maneira muito
critico esse lado muito gráfico dos trabalhos
sociedade harmônica, nem o Picasso, uma
mais caótica do que ele é na realidade.
atuais. Por isso, esse lado caótico é quase
sociedade cubista. Essa arte ainda não foi
O espectador vai ter que retraçar todos
que em reação ao lado limpo, gráfico, design,
institucionalizada em termos que saíssem
os passos que eu fiz, fazer o processo ao
da visualidade que se observa nas grandes
das galerias ou dos museus. Ela ficou só no
contrário; fazer uma volta, aos pouquinhos,
cidades. Em luta contra isso, para fazer o
recinto da arte. O recinto da arte é que molda 11
Foto | Vicente de Mello
The last time I saw Paris, 1984, óleo sobre tela, 150 x 170 cm, coleção Ana e Luiz Schymura
ela, é que envolve ela, como um tabernáculo.
Eu acho que essas são as linhas
que nichos dentro dela que eu retrabalho,
Ela se acha ainda no templo, ainda não saiu
principais, gerais, que me movem espiri-
onde toda a minha obsessão da pintura
às ruas de Pompéia, de Roma. Ainda está
tualmente. Eu começo a tela sempre sem
vai se fixando, vai se mostrando. Então, é
disciplinada e codificada e guardada por
pré-concepção nenhuma. Algumas manchas
muito engraçado observar as partes rapi-
vestais temerosas de que ela tenha uma certa
jogadas, uma organização espúria – e aos
damente executadas da tela e as partes
projeção mais social e política.
pouquinhos vão se formando elementos, vão
retrabalhadas, focalizadas, buriladas, que
se formando áreas de cor, vão se formando
contrastam com esses grandes espaços,
Isso é um fato importantíssimo.
possíveis atos a serem realizados na tela. A
gestualmente executados.
Porque toda essa arte do século XX pretendia
primeira parte da concepção diretamente
12
ter efeitos sociais – se não imediatos, pelo
Eu uso uma goma que fixa a tinta,
menos como utopias futurísticas. Isso não
que seca rapidamente e permite, então,
aconteceu. Essa arte ficou só confinada ao
uma segunda mão, no dia seguinte, sobre
domínio da cultura. Isso move também as
aquilo que eu fiz. É um processo de trabalho
ações da nova geração de artistas, e daí a
que permite rapidez e também dá uma
descrença no fator utopista da nova arte. Ela
consistência à textura, criando um all over
parte de posições já feitas para adulterá-las,
brilhante no quadro, permitindo que todas
para criar justaposições inesperadas, esse
as partes tenham a mesma intensidade
seria o processo. Ela é descrente do progresso
gravada na tela acontece de maneira
– pelo menos táctil, em superfície. Isso
da arte – um dos dogmas da pintura do século
imediata,
pensamento,
também permite, além de uma execução
XX. É uma posição um pouco decadente mas
uma maneira totalmente aleatória, aos
rápida, captar o gesto em todo seu frescor.
que oferece muitas surpresas e rejuvenesce
pouquinhos vai se formando uma noção
E também uma certa limpeza nas cores.
todo o linguajar, rejuvenesce a imagem nesse
sobre o que vai se fazer. A segunda camada,
Eu posso trabalhar com cores primárias,
final do século XX. Aí está a sua pujança, seu
a segunda parte do meu trabalho é que vai
com tons puros, com amarelos… sem sujar
lado brincalhão, seu lado infantil, emotivo,
determinar a tela. É a construção a partir da
as cores. Eu acho importante esse brilho
subjetivo – aliado a uma reflexão sobre a
desconstrução. Uma certa fixação em certas
da tela, essa virgindade da cor, toda sua
pintura do século XX.
áreas da tela que vão se definindo, e quase
inocência, sua pureza.
sem
grande
Foto | Vicente de Mello
10 anos de solidão, 1983, óleo sobre tela, 160 x 180 cm, coleção João Sattamini
TAKE 2
Eu senti que precisava, então eu dei um
preciosas, a burilá-los. A trabalhar certos
[de pé, em frente a Interior atávico, 1984, óleo sobre
preenchimento, trouxe aqui para casa.
nichos que iam dando contraposição à
tela, 120 x 100 cm]
Estava uma b… Não estava aquilo que eu
parte mais solta do trabalho, que são
pretendia fazer. Voltou pro ateliê. Aí, de
as pinceladas que eu estava explicando
JORGE GUINLE – Antes da minha
repente, eu começo a elaborar, a sentir.
anteriormente, feitas de maneira rápida e
exposição em São Paulo [na Galeria Luisa
Vieram uns amigos meus, ficaram lá
gestual. Aí eu páro e me concentro nesses
Strina], eu comecei essa tela. Ela estava
vendo eu pintar… Infelizmente, non posso
nichos. São realmente buracos dentro de
lá no fundo do ateliê, eu senti: “porra, tá
mostrare questo processo de creazione,
uma realidade que fica na superfície da
precisando de alguma coisa, gente!
Tá
non hai tempo, né? Pero... E aí eu fui aos
tela. Eu acho isso interessante, cria um
muito pobrezinha, tá muito desossada!” Eu
pouquinhos preenchendo, sentindo o
contraste. Também existe o contraste
peguei ela e comecei a vestir. Já tinha feito
clima; peguei esses nichos aqui, comecei
entre as cores: dos vermelhos com os
uns linhos de reconhecimento, já tinha uma
a retrabalhá-los, a realmente mergulhar
verdes, dos amarelos com azuis, cores
estruturação diagonal, uns pontos mais
dentro desses buracos – desse buraco
complementares – sabemos todos, desde
fortes de cadmo amarelo, de vermelho.
negro, dessa nebulosa – e, como pedras
Israel Pedrosa, como funciona a cor.
13
Eu critico esse lado muito gráfico dos trabalhos atuais. Por isso, esse lado caótico é quase que em reação ao lado limpo, gráfico, design, da visualidade que se observa nas grandes cidades. Em luta contra isso para fazer o olho se movimentar de novo, para fazer com que o olho viva de novo e ache de novo os primórdios da criação.
E então era preciso captar o clima.
Dei um clima, nessa tela, de interior. Seria
ASSISTENTE DE CÂMERA - Qual o
nome do quadro?
quase o interior do Matisse, aqueles famosos
ficou esse título. Esta eu acho que eu vou chamar “O quarto”. Ou então “Interior”… “Interior primaveril”… Não sei exatamente
interiores que ele fez em Nice nos anos 20.
JORGE GUINLE - O nome do quadro?
ainda. [O título definitivo é Interior atávico.]
Tem essas joie de vivre nessa tela, eu acho,
Não sei. Acho que vou chamar “O quarto da
Agora, esse trabalho me agrada por causa
essa alegria. Podemos ver quase uma janela
felicidade”. Não sei exatamente, eu tenho
dessa euforia dele, por causa desse clima
aqui, uma cama de odalisca aqui, muito
que pensar mais sobre isso. O título vem
que ele capta e por todas as questões que
confortável, um livro no chão, uns legumes,
eu coloquei anteriormente para vocês. Que
um osso – para dar o elemento dramático
mais eu posso falar dessa tela? Poderia até
– e também uma pequena tela aqui, talvez
pegar uma outra tela.
uma outra aqui. Isso tudo concorre para dar o clima. Mas o assunto veio posteriormente
Essa aqui [O Minotauro, 1984, óleo
ao trabalho, não veio antes. Eu não comecei:
sobre tela, 100 x 100 cm]. Tu não viste nada
“Vou fazer um ateliê rústico do Matisse” –
antes de ver essa tela, é essa mesmo. Olha, essa
nem seria capaz, né?
tela – já é uma estruturação bem diferente. O que eu gosto dela, que vocês vão manjar
SERGIO MAURICIO - O amarelo tem
muito depois, é uma longa elaboração que
logo, é essa parte toda indefinida no centro
eu faço aos poucos. De repente bate um
– que rege todas as outras partes definidas.
clique. Outro dia eu pensei, de repente, sobre
Desse vácuo, desse caos, dessas pinceladas
JORGE GUINLE - Tem, lógico, bicho.
uma tela: é “O olho da fechadura”, é isso! [O
que não definem p… nenhuma, vão surgindo
É o quarto do Van Gogh, naquele quarto
título definitivo é Pelo olho da fechadura.]
várias figuras que a contrapõem. Essa bacia
famoso [Quarto em Arles, 1889, peça do
Porque tinha um círculo e tinha uma cena,
com o bicho, a cabeça do bicho devorado;
acervo do Musée d’ Orsay], Van Gogh usa
quase uma transação entre duas pessoas.
essa mão segurando; essa dançarina aqui;
amarelo. Amarelo, vermelho, cores espirituais
Então eu senti o clima: a pessoa olhando
essa outra recostada; esse espelho – enfim,
que voltam à visão interior do ser humano.
pelo olho da fechadura meu trabalho. E
tudo isso eu chamo “O Palácio de Minerva”.
alguma coisa a ver com Van Gogh?
14
Foto | Vicente de Mello
Pelo olho da fechadura, 1984, óleo sobre tela, 180 x 150 cm, coleção particular
O título vem muito depois, é uma longa elaboração que eu faço aos poucos. De repente bate um clique. Outro dia eu pensei, de repente, sobre uma tela: é “O olho da fechadura”, é isso! Porque tinha um círculo e tinha uma cena, quase uma transação entre duas pessoas. Então eu senti o clima: a pessoa olhando pelo olho da fechadura meu trabalho. E ficou esse título.
15
Foto | Vicente de Mello
É um interior também, como a outra tela, mas apresentado de uma outra maneira, talvez até mais sutil. Eu gosto muito desse vácuo onde surge até um cordão umbilical preto, da figura superior com a dançarina. Enfim, todo esse mundo caótico se organiza. Um mundo organizado a partir de um caos inicial: essa forma branca. Eu acho que essa é a estruturação da tela.
Quando a tela é boa sempre existe
uma idéia, sempre existe um ponto de partida, uma coisa a que você pode se ater. O clímax logo se estabelece – o diálogo, né? E fica claro.
Eu gosto muito da pincelada também
rápida, assim untuosa, gostosa da tela… Eu acho essa tela até melhor do que a outra. Acho que ela propõe uma visão mais
Passarela, 1983, óleo sobre tela, 220 x 195 cm, coleção Cristina Burlamaqui 17
Foto | Vicente de Mello
intimista e ao mesmo tempo mais clara da problemática do meu trabalho. Eu gosto muito dos tons também, raros pra mim, tons que eu não uso tanto, mais apagados: marrons, cinzas e certos violetas. Existem poucos tons realmente fortes. Somente esse vermelho em cima, que dá um certo brilho. Esse violeta talvez… Esses verdes, diretamente esguichados do tubo, também criam uma certa vibração cromática. Mas o trabalho em si tem um lado mais intimista – filtré, comme on dirait en français, vous comprennez, filtré. Um lado mais curtido. Eu diria que é uma das minhas telas prediletas.
Eu vou mandá-las para Curitiba, para
a inauguração de uma galeria [Simões de Assis Galeria de Arte], que vai acontecer dia 14 de junho, espero vocês lá. Eu acho que essas duas telas são as últimas que eu fiz.
Diurno, 1983, óleo sobre tela, 220 x 160 cm, coleção particular 18
A ARTE BRASILEIRA VAI AO PARAÍSO Uma conversa com
Cildo Meireles Luis Brunello
Quem o vê de bermuda, boné e
além da mostra agendada nos Museus
ou mesmo da dele, como Waltércio Caldas,
com uma tábua na mão, à cata de um cão
Serralves, no Porto, e Reina Sofia, em Madri,
Barrio ou Umberto Costa Barros, fazia arte
raivoso que parece ameaçar a integridade
em 2010-11 – marcam a continuidade da
de nível internacional. “Isso continua até
de uma vizinha, na vila onde fica seu ateliê,
mais bem sucedida carreira internacional
hoje”, conclui. O que varia, para ele, é o amor
no Rio de Janeiro, bairro de Botafogo (“Ao
de um artista brasileiro hoje.
e o ódio à arte conceitual, que se alternam:
lado de onde eu nasci, a Casa de Saúde
20
“A reação ao conceitual foi o hiper-realismo
São José. Sempre que passo ali, volto ao
Pode-se dizer que Cildo anteviu
e o neo-expressionismo, todos de pintura. A
grau zero da minha vida”, brinca), não
o momento atual brasileiro, de altíssima
pintura vive momento de valorização. Mas
imagina que no dia seguinte ele estaria
cotação mundial de artistas de estilos
daqui a pouco muda”, prevê.
em Londres dando retoques finais na
tão díspares quanto Beatriz Milhazes e
grande retrospectiva de sua obra na Tate
Os Gêmeos. “Quando eu falava, em 1975,
Modern Gallery (que vai até 11 de janeiro
que qualquer lista dos dez artistas mais
com a obra Tropicália, de Hélio Oiticica,
de 2009). A mostra é apenas um indício da
importantes dos últimos 20 anos sem
na mostra Nova Objetividade Brasileira,
projeção internacional de Cildo Meireles,
nomes brasileiros estaria furada, tinha
se tornaria o nome mais conhecido em
esse carioca de 60 anos que se tornou o
quem me chamasse de Policarpo Quaresma
vida, depois do da dupla hoje mítica (e
elo de uma imensa rede internacional de
(o personagem nacionalista criado por Lima
valorizadíssima entre os colecionadores)
críticos, curadores, diretores de museus
Barreto)”, diz. Imaginar um Cildo xenófobo,
Hélio e Lygia Clark. “Tinha alguma afinidade
e artistas. Cildo é também o elo do tão
hoje, chega a ser cômico. Ainda mais quando
com o Hélio, éramos filhos do Neo-concreto,
festejado prestígio da arte contemporânea
se ouve uma certa farpa direcionada a
a
brasileira no exterior. “Tudo começou com
críticos e curadores tupiniquins: “No Brasil,
Concreto. E convivemos em Nova York. Mas
a mostra Information, no MoMA, em 1970.
infelizmente
cabeças,
Hélio e Lygia foram influências até certo
Escolheram obras minhas, do Hélio Oiticica,
bem formadas, mas que pararam no
ponto. As maiores referências são Duchamp,
do Artur Barrio e do Guilherme Vaz. No
modernismo”. O recado atinge tanto quem é
Orson Welles e Piero Manzoni”, diferencia.
ano seguinte, fui morar em Nova York, e o
obcecado pela Semana de 22, quanto quem
De Orson gosta mesmo é de A Guerra dos
Hélio estava lá. Na Bienal de Veneza de 76 o
defende que se jogue a arte conceitual,
Mundos, a leitura teatralizada de trecho
curador já incluiu vários artistas brasileiros,
filha de Duchamp, no lixo da História. Sem
da obra de H.G. Wells pelo rádio, em 30
o que se repetiu na Bienal de Paris do ano
razão para queixas a essa altura da carreira,
de outubro de 1938, causando pânico nos
seguinte”, lembra. Os dois prêmios que
Cildo, pai de Pedro e Orson, vê com irônica
ouvintes. “Foi um belo momento em que
Cildo acaba de ganhar, um das mãos do rei
serenidade ambas as posições: “A relação de
ficção e realidade se misturaram. É uma
Juan Carlos, da Espanha, o Velásquez (90
neto com avô é sempre mais tranqüila do
obra-prima do século XX”, diz.
mil euros), e o outro do New Museum nova-
que a de filho com pai”, resume, referindo-
iorquino (100 mil dólares – total: cerca de
se ao vovô modernismo e a papai conceitual.
R$ 400 mil), são provas cabais da trajetória
Desde os 70, portanto, Cildo via que a turma
a fama e o respeito internacionais de Cildo
invulgar. E a itinerância da mostra da Tate
anterior a sua geração, gente como Hélio,
confirmam outra frase que ele adora: a
por Barcelona, Houston e Los Angeles –
Lygia Clark, Lygia Pape ou Amílcar de Castro,
arte é um pais à parte. E o Brasil sempre
existem
ótimas
O rapaz que em 1967 se encantava
dissidência
carioca
ao
movimento
Hoje, de forma bem anti-nacionalista,
está em déficit no quesito “santo de casa”,
artistas a cada mês, ao longo do ano, com
como a dele, criador da instalação Volátil,
em outra prova de resistência pátria à
obras produzidas em São Paulo ou sobre
em que o público entra numa sala escura,
arte contemporânea nativa – essa mesma
São Paulo?, sugeriu. “Acharam interessante,
pisando em areia fina (na verdade, talco
que tem atraído hordas de colecionadores
mas mudar a mentalidade bienálica não é
industrial), sente cheiro de escapamento de
americanos, europeus e até chineses, mesmo
fácil”, diz. Hoje não só a Bienal de Medellín,
gás e vê um candeeiro ao fundo, à espera
em tempos de crise mundial. “No Brasil, o
mas a própria Bienal paulista, em parceria
de uma explosão – que nunca acontece.
artista tem que construir o estádio, plantar
com a FAAP, distribui mostras e residências
Ou de Missão/Missões, em que o visitante
a grama, montar o pódio, fabricar a taça
de artistas ao longo do ano.
pisa em moedas e vê ossos pendurados
e só então levantá-la. Aqui nós gostamos
sobre sua cabeça (essas e outras estarão
do zero, ou seja, de começar sempre do
Um episódio ainda na longínqua Bienal
na retrospectiva da Tate Modern). “Quando
zero. Nos Estados Unidos e na Europa, faço
de 1967 fez Cildo notar certo impasse da
voltei ao Brasil, nos anos 70, um amigo que
uma exposição e dez anos depois críticos,
mega-mostra. Depois de se maravilhar com
tinha sido preso político disse que, na prisão,
curadores e o público, todos se lembram,
as 200 telas de Edward Hopper, estrela da
com um celofane de cigarro na mão, o único
aquilo vira referência”, compara. Para
representação americana naquela mostra,
objeto meio lúdico ao qual ele tinha acesso
Cildo, criador das notas de “Zero Cruzeiro” e
sentou-se para descansar um pouco. Viu
ali, ficava pensando o que eu inventaria
do “Zero Dollar” em meados dos anos 70, o
duas senhoras bem vestidas passando por
a partir daquilo. Ele disse que se divertia Foto | Pedro Motta
problema é mais amplo. É também cultural. “Quando cheguei na Bienal de Medellín, no aeroporto tinha um rapaz com uma placa escrita ‘Maestro Meireles’. Pensei que tinha um regente no vôo. Mas era pra mim”, lembra, indicando o respeito dos países de língua espanhola pelas artes. “Claro, uma cultura que tem como referência Velásquez, Goya, El Greco, Picasso...”, compara.
Um
ícone
maior
da
tradição
brasileira na arte contemporânea, a Bienal Internacional de São Paulo, está em pleno processo de se repensar, e até de questionar seu formato e atuação. Outra vez, mesmo com seu jeito discreto (é raríssimo vê-
Desvio para o vermelho, 1967-84
lo em vernissages ou demais badalações artísticas), Cildo diz ter previsto certo
várias obras com certa rapidez, fazendo
com aquele tipo de liberdade imaginativa”,
problema de gigantismo. Em meados
comentários
repente,
diz. Para Cildo, é essa liberdade, ligada
dos anos 70 foi convidado pela diretoria
elas param diante de uma instalação de
à democratização dos meios (“Qualquer
da Fundação Bienal para uma conversa
Oldemburg: um quarto com todos os
objeto ou material pode virar obra-de-arte,
informal. Argumentou que a Documenta, na
móveis com fundo branco e listas pretas
isso é uma maravilha”, diz), que sempre o
cidade alemã de Kassel, com apenas 30 mil
típicas da zebra. Ficam em silêncio e Cildo,
atraiu na arte contemporânea. “Duchamp
habitantes, durava cem dias e atingia cerca
intrigado, se aproxima da dupla. Depois de
lutou contra a arte da retina, do olhar, e
de 1 milhão de visitantes. São Paulo estava
quase um minuto, uma delas fala: “Lindo!
liberou energias insuspeitadas. Mas vivemos
chegando a 20 milhões de habitantes, na
Maravilhoso! Será que já tem para comprar
um mundo de valorização de imagens, e a
época. O público da Bienal, imenso, não
em São Paulo?”
pintura é a mãe desse mundo. Além disso,
apressados.
De
conseguia ver direito, com calma, as mais
o lobby da indústria de telas e tintas não é
de 240 obras, e os artistas que expunham
Mesmo com a ascensão da pintura,
coisa pouca”, diz, chamando atenção para
também não ficavam muito satisfeitos
Cildo Meireles lista razões para o interesse
um ponto pouco pensado. Afinal, não é para
com isso. Por que não fazer mostras de dez
– ou seria frisson? – em torno de obras
isso que serve um artista contemporâneo? 21
Fotografias
ALÉCIO DE ANDRADE A imagem é um ser vivo, como os demais seres. E quer penetrar em teu espírito, habitá-lo como hóspede afetuoso. Carlos Drummond de Andrade
Rio de Janeiro, 1963. Acervo Instituto Moreira Salles 22
23
Não pode haver melhor uso da fotografia do que este de alimentar-nos da porção perdida de nossa alma. Uma arte vinculada com a mais fugitiva e perene das realidades poéticas, eis o dom sublime de Alécio de Andrade. Carlos Drummond de Andrade
24
Rua Dauphine, Paris, 1975. Acervo Instituto Moreira Salles
25
Paris, 1976. Acervo Instituto Moreira Salles 26
Caroline Murat, Paris, 1966. Acervo Instituto Moreira Salles 27
Cais de Conti, Paris, 1975. Acervo Instituto Moreira Salles
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O baú abre-se, e tua infância te saúda, com inocência de fonte. Carlos Drummond de Andrade
29
Olha, descobre este segredo: uma coisa são duas – ela mesma e sua imagem. Repara mais ainda. Uma coisa são inúmeras coisas. Carlos Drummond de Andrade
Salvador Dalí, pintor espanhol, e François-Marie Banier, fotógrafo e escritor francês, hotel Meurice, Paris, 1971. Acervo Instituto Moreira Salles 30
31
Mario Pedrosa, escritor e crítico de arte brasileiro, Centro Nacional de Arte Contemporânea (CNAC), Paris, 1975. Acervo Instituto Moreira Salles 32
Museu do Louvre, Paris, 1969. Acervo Instituto Moreira Salles
33
Washington Square, Nova York, 1973. Acervo Instituto Moreira Salles 34
Pierre Cardin, estilista francês nascido na Itália, Paris, 1970. Acervo Instituto Moreira Salles 35
Quando Alécio de Andrade (Rio de Janeiro, 1938 - Paris, 2003) expôs suas fotografias pela primeira vez, conquistou um admirador muito especial: o poeta Carlos Drummond de Andrade. Sobre aquela exposição de estréia, em 1964 na Petite Galerie, Drummond escreveu: “Acontece que vale mesmo a pena ver as fotos de Alécio. Se você não sair de lá com uma especial ternura pela vida, então, meu caro, desista de considerar-se gente; o provável é que você seja apenas objeto falante, e mesmo isso...”. Seria essa uma das poucas exposições de Alécio de Andrade no Brasil. O fotógrafo estabeleceu residência na França, onde criaria a maior parte de sua obra. Fotografou crianças, gente na rua, nos museus e na arte. A primeira retrospectiva de sua obra foi promovida, recentemente, pelo Instituto Moreira Salles. Em 2008, Alécio de Andrade completaria 70 anos. A SANTA – em reverência – lembra a poética do artista. Todas as epígrafes são da crônica “O Retratista de Crianças”, de Carlos Drummond de Andrade.
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Antonio Bulhões, escritor brasileiro, Santa Teresa, Rio de Janeiro, 1973. Acervo Instituto Moreira Salles
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38
Condomínio
FELIPE BARBOSA A obra de Felipe Barbosa sempre se singularizou pela repetição seriada e modular de um mesmo elemento básico. Ao somar, multiplicar e combinar de formas diversas um mesmo elemento básico, ele cria novos objetos e novas interpretações para esse elemento, sem no entanto descaracterizá-lo ou afastá-lo inteiramente de sua função inicial. Obviamente, essa função básica é alterada, mas, de certa forma, sua essência permanece, não só presente como reiterada pela multiplicação. É claro que esses novos elementos não têm função concreta e objetiva de utilização, apenas a evocam, como um testemunho de origem, uma lembrança indelével de sua função precípua. Só que o resultado final é um objeto. Objeto plástico, artístico, cerebral e não-funcional, e, com freqüência, impregnado de humor sutil e reflexivo. O milagre que Felipe opera com a multiplicação dos módulos é o da transmutação de um objeto utilitário num objeto não-utilitário, um objeto estético, uma obra de arte. Franklin Espath Pedroso
Felipe Barbosa nasceu em Niterói, Rio de Janeiro, em 1978. É artista plástico com formação universitária em Pintura pela EBA/UFRJ. Em 2001, foi contemplado pelo programa Taller Exposición de Pintura Iberoamericana, na cidade de Madri, Espanha. Nesse mesmo ano, integrou o grupo Atrocidades Maravilhosas no “27º Panorama da Arte Brasileira” no Museu de Arte Moderna de São Paulo, e a exposição “Vento Contentamento” no Centro de Arte UFF, em Niterói. Em parceria com a artista Rosana Ricalde, participou de três seleções do Prêmio Interferências Urbanas, no Rio de Janeiro, em 2000 e 2001. Artista selecionado pelo Programa Rumos Visuais (2001- 2003), recebeu bolsa residência pela Citè Internacionale des Arts, França. Felipe Barbosa vive e trabalha no Rio de Janeiro.
In the dogs house, obra participante da exposição “Nova Arte Nova” - Centro Cultural Banco do Brasil RJ 39
VIK MUNIZ Pictures of Garbage
Atlas (Carlão), 2008, fotografia, 231.2 x 180.4 cm 40
Marat (Sebastião), 2008, fotografia, 231.2 x 180.4 cm 43
The Bearer (Irmã), 2008, fotografia, 231.2 x 180.4 cm 44
Mother and Children (Suellen), 2008, fotografia, 231.2 x 180.4 cm 47
Woman Ironing (Isis), 2008, fotografia, 231.2 x 180.4 cm 48
Vik Muniz é pintor, desenhista e fotógrafo. Nascido em São Paulo, no ano de 1961, vive e trabalha em Nova York desde a década de 80. O artista paulista cria fotografias a partir de imagens sobre superfícies, utilizando materiais inusitados como chocolate, cabelo, sucata, poeira, brinquedos, entulhos e lixo. As obras de Vik Muniz estão nos principais museus de arte contemporânea do mundo e presentes nos acervos dos mais importantes colecionadores. Recentemente, Vik Muniz lançou em português o livro Reflex, Vik Muniz de A a Z (editora Cosac Naify), obra na qual compartilha memórias, conselhos e reflexões sobre a arte, acompanhados por 187 de suas imagens. O material apresentado na SANTA faz parte da série Pictures of Garbage, que estará no Tokyo Wonder Site, museu da cidade de Tokyo, a partir do dia 22 de novembro de 2008. Algumas de suas obras também estarão em exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 2009. www.vikmuniz.net
The Sower (Zumbi), 2008, fotografia 231.2 x 180.4 cm 51
O navegante
ROSANA RICALDE Possa eu contar em veros versos vários, No jargão da jornada, como dias duros Sofrendo suportei. Terríveis sobressaltos me assaltaram E em meu batel vivi muitos embates, Duras marés, e ali, noites a fio, Em vigílias sem fim fiquei, o barco Rodopiando entre os recifes. Frio-aflitos Os pés pela geada congelados. Granizo – seus grilhões; suspiros muitos Partiram do meu peito e a fome fez Feridas no meu brio. Para ver Quanto vale viver em terra firme, Ouçam como, danado, em mar de gelo, Venci o inverno a vogar, pobre proscrito, Privado de meus companheiros; Gosma de gelo, granizo-grudado, Sem ouvir nada além do mar amargo, A onda froco-fria e o grasnido do cisne No meu ouvido como um gruir de ganso, Riso de aves marinhas sobre mim, Pés d’água entre penhascos, contra a popa, Plumas de gelo. E às vezes a águia guaia Com borrifos nas guias. Nenhum teto Protege o navegante ao mar entregue. É o que não sabe o que vai em vida mansa, Rico e risonho, os pés na terra estável, Enquanto, meio-morto, mourejando, Eu moro em móvel mar.
O Navegante (The Seafarer) pertence ao domínio oral anglo-saxão, com texto fixado por um monge no século X. Ezra Pound, que verteu um grande trecho da obra para o inglês, disse em ABC da Literatura que realizou a tradução “para que possam mais ou menos ver onde a poesia inglesa começa” – tradução de Augusto de Campos, baseada na versão inglesa de Pound.
Mar verde, desenho com nome dos mares sobre papel aquarelado, 2008 52
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MARINHO Preto no branco
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Marinho é um cara que pensa desenhando e pintando, como se o comando dado pelo cérebro fosse imediatamente, simultaneamente, entendido e reproduzido pela mão. Ele materializa o pensamento antes que qualquer critério possa enquadrá-lo, o que torna esse pensamento claro como o dia. Um dia em um outro planeta, é verdade, mas dia. Um dia preto e branco onde a noite pode ter cores. Eu daria o nome de Planeta P/B (mesmo a cores). Lugar de onde ele vem, onde toda letra é um desenho em nanquim preto sobre fundo branco. Lugar onde tudo que o homem fez até hoje começou. De lá pra cá, pouca coisa mudou, e o que tem mudado vem da força que o alimenta, que alimentou Basquiat e Leonilson e alimenta Vitor Arruda, Rita Wainer – entre outros poucos loucos. Luiz Zerbini
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Marinho é artista plástico, nascido no Rio de Janeiro em 1980. Depois de muito desenhar em seus cadernos escolares – fato que lhe rendeu diversas advertências –, iniciou sua arte nas ruas, interferindo no mobiliário urbano de várias cidades, com a peculiaridade de não utilizar spray. Seus trabalhos são pinturas, desenhos e objetos em tinta acrílica, nanquim e caneta, em papel canson e lona. Já expôs em galerias e em feiras – nacionais e internacionais – como Basel (2007), Basel Miami (2006/2007), Arco (2007) e SP Arte. Foi um dos artistas retratados no livro The Art of Rebellion 2: World of Urban Art Activism do fotógrafo alemão Christian Hundertmark. Atualmente trabalha em Berlim, Alemanha.
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GABRIEL MENDES Urban Puns
Abel asfixiado, Lisboa, 2006
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Gabriel Mendes é carioca. Aos 20 anos ingressou na Parsons School of Design para estudar fotografia. Atualmente, mora em Nova York onde fotografa para revistas e empresas nos Estados Unidos, Portugal, Argentina e Itália, além de desenvolver seus projetos pessoais de fotografia. www.gabrielmendesphotography.com Joana Estellita é designer com MBA em Marketing. Atua como freelancer em projetos executivos de arte – como produtora e curadora. Já produziu no “00 cozinha contemporânea” os artistas Gabriel Mendes, Rafael Inácio, Walter Rosa, John Valle e Antonela Kann. Atualmente, é assistente da galerista Mercedes Viegas.
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O Urban Puns – trocadilhos urbanos – surge desta procura em misturar moda com documentário, jornalismo com editorial. Em 2005 Gabriel começou a fotografar os murais grafitados de Manhattan e do Brooklyn e o que a princípio era um diário visual acabou se tornando um projeto antropológico onde os habitantes da cidade se integravam aos grafites como peças de um quebracabeça urbano. Feito todo na rua e com luz natural, é um projeto sobre pessoas urbanas, seus comportamentos, seus trajes e o que representam os muros erguidos nas cidades onde vivem. Murais coloridos, grafites pixados e propagandas em série são o palco. Os personagens são desconhecidos e pedestres, escolhidos a dedo por Gabriel para posarem em frente ao cenário escolhido. O estudo em sua cidade natal, o Rio de Janeiro, trouxe outro sabor ao Urban Puns que se tornou o registro carioca dessa explosão do efêmero. Mas sendo a sua cidade, o que antes eram passantes anônimos, passam a ser os amigos de sempre; o jornalístico se torna íntimo, mas o trocadilho é o mesmo! Cada foto clicada por Gabiru, apelido conhecido pelos amigos, se completa quando existe uma troca entre o personagem e o seu fundo, uma narrativa visual ilustrando atitude, metáforas, detalhes e coincidências sobre o até então despercebido. Joana Estellita
Fantoche milenar, New York, 2005
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Gêmeos, São Paulo, 2006
Van Gogh, Los Angeles, 2007
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FELIPE HELLMEISTER Metrô
Metrô 1, 2008
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Metrô 2, 2008
Metrô 3, 2008
Metrô 4, 2008
Metrô 5, 2008
Metrô 6, 2008
Metrô 7, 2008
Metrô 8, 2008
Metrô 9, 2008
Metrô 10, 2008
Eu venho de todas as partes, e para todas as partes vou. Arte sou entre as artes e no monte, monte sou. José Martí
Felipe Hellmeister ganhou o Prêmio Porto Seguro de Fotografia 2008, na categoria São Paulo. Sua exposicão estará aberta ao público de 11 de novembro a 14 de dezembro de 2008, das 10:00 às 18:00, no Espaço Porto Seguro de Fotografia, Alameda Barão de Piracicaba, 740, São Paulo.
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C
I
N E M
Subtraída ponte é finita vista, série Cinema Atmosférico 72
A
A T
M
O
S
F
É
R
I
C
O
VICENTE DE MELLO
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A série Cinema Atmosférico busca sensações descritas por imagens diante do encontro do espectador com filmes congelados. Uma referência ao que está ocorrendo no panorama da fotografia contemporânea; o vocabulário do cinema invadindo a produção das imagens, operando e se desdobrando com uma amplitude cada vez mais evidente; o cinema como forma de pensamento. O efeito do movimento plástico, a aparição e realidade do que se vê, o que foi antes e talvez não será o depois, seria a duração da imagem a partir de sua fixação: é o novo estado da imagem. Vicente de Mello
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IX de Mahler, série Cinema Atmosférico 75
A última viagem ao ser amado, série Cinema Atmosférico 76
Vicente de Mello nasceu em São Paulo em 1967. Vive e trabalha no Rio de Janeiro. Fotografa arte para museus, artistas e editoras. Já reuniu seu trabalho de pesquisa fotográfica em diversas séries: Topografia imaginária (1994-1997), Moiré (1995), Noite Americana (1998-2006), Bestiário (1997), Vermelhos Telúricos (2001), Galácticas (2006). A série Quantas ASAS têm um Pixel? (2007-2008) é a sua primeira incursão na fotografia digital. Áspera imagem é o título do livro editado em 2006, que reuniu parte de seu trabalho, acompanhando a mostra Moiré. Galáctica.Bestiário, apresentada no Oi Futuro, no Rio de Janeiro, e na Maison Européenne de la Photographie, em Paris. Foi com essa mostra que – quando exibida na Pinacoteca do Estado de São Paulo – Vicente de Mello ganhou o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) de melhor exposição de fotografia do ano de 2007. A exposição O Cinematógrafo – que além de Cinema Atmosférico inclui a série Epílogo/Limite – estará aberta à visitação em 2009, também com a produção de um livro. Em cada uma das 32 obras do Cinema Atmosférico, há uma frase-indício de um roteiro – autoria de Vicente de Mello e Alberto Saraiva. www.vicentedemello.com
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NELSON FELIX
novembro > dezembro 2008 Rua Abreu Fialho 11 - Jd. Botânico - Rio de Janeiro - tel.: 21 3874-2830 / 3874 2796 www.hapgaleria.com.br 79
XICO CHAVES
Nova matéria, 1987, minerais, pigmentos, resina acrílica s/tela
Arqueologia do futuro do DNA, 2007, poliuretano expandido, minerais, plásticos
Eletroencéfalovídeoscópiofone Xico Chaves O processo de formação da terra é alta-
A tinta artificial é química, tóxica, faz mal
com o planeta e, consequentemente, com
mente complexo. Eu pinto e faço objetos e
à saúde. Essas cores são perma-nentes. Se
ele, se destruir montanhas, cachoeiras, ani-
instalações com esses materiais porque são
o trabalho será permanente, eu não sei,
mais, florestas. Eu não teria coragem de ar-
estáveis e me seduzem. A cor é estável, nós
porque a terra tem idade e um dia acaba
rebentar uma montanha, seria um crime.
somos instáveis de espírito imponderável.
tudo. E quando acabar tudo já fomos pelo
Um óxido de ferro vermelho, ou ocre, ou
espaço. Por isso, a gente olha sempre as es-
Este discurso ecológico é apenas um lado do
trelas, o universo...
meu trabalho. Na verdade preciso de uma
amarelo, passarou por um período de fixa-
espécie de eletroencéfalovídeoscópiofone
ção de sua cor, ou seja, de consolidação da
Trabalho com material que já foi destruí-
ou um ello, para traduzir o que procuro no
cor. Um processo milenar através da radia-
do, retirado de dentro das minas ou de
diálogo do ser humano com o todo onde
ção solar, transmutação, por chuva, pressão,
qualquer lugar, há quarenta anos, talvez
convivo. Meu trabalho é crítico, às vezes
oxigênio e outros elementos e fenômenos
milênios. Faço conexões. Procuro poé-
satírico, por meio destes e de outros mate-
que interagem para sua existência. Nos-
ticas. Aprendi com minha avó. O mate-
riais, qualquer material e matéria industrial
so sangue é vermelho por causa do ferro.
rial destruído reconstrói uma infinitude
ou mesmo imaterial, ou invisível, que uso
Hemácias. Hematita (ferro). Na terra ele é
cósmica... Estou recriando, de alguma ma-
para o carnaval, para minha filha Joanna,
predominante e na maioria dos meteoros.
neira, uma outra historia. Sempre tenho
para jogar fora, para expressar uma idéia,
essa impressão.
ou para nada.
não houve um processo natural de fixação
O ser humano faz parte de um todo infinito
A idade do ser humano é incalculável. Não
demorado em sua história.
equilíbrio, o seu desequilíbrio pode acabar
temos idade.
Às vezes, a cor industrial se esvai porque
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Nova matéria, 1987, minerais, pigmentos, resina acrílica s/tela, 0,50 x 0,50 m
Xico Chaves já expôs individualmente no Brasil, Estados Unidos, França, Espanha e Itália. Participou de várias exposições coletivas ao lado de Amilcar de Castro, Lígia Pape, Rubem Valentim e Jorge Guinle. No ano de 1992, o vídeo Xico Chaves - Trajetória de uma pintura, de Felipe Lacerda e Patrícia Bromirsky, com música de Jards Macalé, narrou sua história na pintura e foi premiado em festivais e mostras no Brasil e no exterior. Além de artista plástico, Xico Chaves tem importante atuação como letrista, poeta, produtor cultural, pesquisador e jornalista.
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ANA HOLCK Canteiro de obras
Da série Canteiro de obras nº 13, 2006
84
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EM OBRAS Cauê Alves
Na metade da década de 1970, o governo federal
mais do que sabido que o projeto moderno não chegou
iniciou as obras do que seria a maior usina hidrelétrica
a se realizar completamente no Brasil. E o trabalho de
inteiramente brasileira: a Usina de Tucuruí, instalada no
Ana Holck, concebido com certo recuo histórico, talvez
rio Tocantins, no Pará. Concebida em meio à retórica de
nos forneça elementos que nos permitam compreender
um país que afirmava sua auto-imagem como se ainda
a dificuldade de sua efetivação. O próprio fato de a Usina
estivesse na iminência de integrar o seleto clube das na-
estar em obras, e essas obras terem sido mais longas do
ções desenvolvidas, sob a égide de um Estado endividado,
que o planejado, reforça a compreensão do inacabamen-
mas que investia em grandes projetos que sustentariam
to do projeto moderno. Por mais que alguns ângulos e en-
o crescimento econômico para a região norte e, assim,
quadramentos sejam vertiginosos e não completamente
propiciaria a modernização definitiva do Brasil, a Usina
convencionais, o trabalho da artista aponta para am-
de Tucuruí, depois de sucessivos adiamentos causados
bigüidades entre projeto e realização, entre construção
pela crise econômica em que o país mergulhou, só pôde
e desconstrução ou entre o permanente e o provisório,
ser inaugurada nove anos depois, em 1984.
que são bastante reveladoras. As conexões que a artista estabelece entre a malha de ferro da construção e que
A série Canteiro de Obras, de Ana Holck, realizada
posteriormente é coberta pelo concreto, e a grade sobre-
com base nas fotos tiradas por volta da virada da década
posta feita por ela, nos permitem repensar a relação en-
por seu pai, um engenheiro calculista que trabalhou
tre o aparente e o escondido ou, a partir da sobreposição
intensamente no projeto da Usina, revela aspectos de
de novas camadas, entre imagem e realidade.
nosso contraditório e retardatário processo de modernização. As fotografias não dissimulam a monumentalidade
Além de uma resignificação de um arquivo pes-
da construção, metáfora do próprio gigantismo do “país
soal e de uma nova atribuição de valores, Canteiro de
do futuro”, um país com proporções continentais. Mas,
Obras recoloca nossas contradições formadoras: a en-
se por um lado há nas imagens vestígios de uma utopia
genharia, o projeto e a dureza do ferro são justapostos à
moderna e de crença no progresso tecnológico e na racio-
irregularidade, à fragilidade e à falta de apoio das linhas
nalidade como caminhos infalíveis para a superação do
que a artista desenha diretamente sobre as ampliações e
atraso de uma nação que estaria ainda na infância, há
que depois são refotografadas.
também, no trabalho de Ana Holck (e talvez o aspecto envelhecido e a predominância de tons sépia na imagem
Nesse processo, desenho e fotografia se fundem e
reforcem isso), uma explícita justaposição de linhas e de
ocorre um entrelaçamento entre o primeiro plano com a
estruturas não tão rígidas e que dão uma aparência me-
grade e o espaço fotografado. A montagem em caixas de
nos sólida e um tanto instável à construção.
luz, backlights, muito usadas em anúncios e propagandas pela cidade, dialoga tanto com a imagem que o país
A despeito de todo otimismo que nos anos de
fazia e divulgava de si mesmo, como com a realidade
1970 já havia sido praticamente abandonado, a não ser
vivida nas ruas, que já não tinha nada da limpeza formal
pelo discurso ufanista do governo ditatorial brasileiro, é
dos grandes projetos urbanísticos modernos.
Ana Holck é carioca nascida em 1977. A artista plástica é arquiteta formada pela UFRJ, com mestrado e doutorado nas áreas de História Social da Cultura e Linguagens Visuais. Já expôs em coletivas e individualmente em diversos espaços de arte: Paço das Artes (SP), Galeria Virgilio (SP), Paço Imperial (RJ), Museu de Arte Contemporânea (Niterói,RJ), Museu de Arte Moderna (RJ), Centro Hélio Oiticica (RJ), Centro Cultural São Paulo (SP), Museo de Arte y Diseño Contemporáneo (San Jose, Costa Rica). Em 2005, Ana Holck foi contemplada com o prêmio Projéteis de Arte Contemporânea, concedido pela FUNARTE. Atualmente, expõe no Centro Cultural Banco do Brasil na mostra Nova Arte, que apresenta diversas expressões artísticas brasileiras do século XXI. www.anaholck.com Cauê Alves é professor de História da Arte no curso de Arquitetura e Urbanismo da Escola da Cidade e na Faculdade de Comunicação da FAAP. É curador do Clube de Gravura do Museu de Arte Moderna de São Paulo e colaborador em diversas publicações sobre arte e cultura. Foi membro do Conselho Consultivo de Artes do MAM-SP (2005-2007), um dos curadores da exposição “MAM[na]OCA: arte brasileira do acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo” (2006-2007) e curador da mostra “Quase líquido”, no Itaú Cultural (2008). Esse texto foi originalmente publicado no catálogo da temporada de projetos do Paço das Artes, em São Paulo, 2006.
Da série Canteiro de obras nº 10, 2006 86
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ISABEL GARCIA Exchanging Glances
Em todo amor há pelo menos dois seres, cada qual a grande incógnita do outro. É isso que faz o amor parecer um capricho do destino, aquele futuro estranho e misterioso, impossível de ser descrito antecipadamente, que deve ser realizado ou protelado, acelerado ou interrompido. Zygmunt Bauman
A cidade e a mulher, Exchanging Glances
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O cyber café, Exchanging Glances
O homem e a cidade, Exchanging Glances 90
Eu existo pelo teu olhar, Exchanging Glances
A rua deserta, Exchanging Glances 91
O vestido em pedaços, Exchanging Glances
Isabel Garcia nasceu no Rio de Janeiro em 1954. Formou-se em Cinema e em Comunicação Social. Começou trabalhando como fotojornalista até abrir estúdio próprio no Rio de Janeiro no ano de 1983. Em 1980, foi contemplada com Menção Honrosa, na categoria Cor, pelo Nikon Photo Contest International. Colaborou para diversas revistas de moda e campanhas publicitárias. Mudou-se para a França em 1992, onde continuou seu trabalho com moda, realizando catálogos e fotos para publicidade. Em 1993, foi contemplada com o Prêmio Abril de Jornalismo, na categoria Foto Externa. Isabel Garcia vive atualmente em Nova York.
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MARK BRESSON Onde está o homem da caverna?
Homem da caverna, Túnel Dois Irmãos, Rio de Janeiro, 2002
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