SANTA
#04
art magazine
ANA ELISA EGREJA ANA STEWART ANTONIO BOKEL COKE O’NEAL DUDA CARVALHO ELLIOTT ERWITT ESTHER BAUMAN GUSTAVO MALHEIROS HILDEBRANDO DE CASTRO JAQUELINE VOJTA MARIA LYNCH PATRÍCIA GOUVEA RICARDO FASANELLO ROGÉRIO REIS WALTERCIO CALDAS
ALEXANDFELIX
cerebelo
www.ateen.com.br
Ibirapitanga, instalação de Suely Farhi e Caroline Valansi, foto: Manon
Exposição “2 em 1” - Vencedor do edital / SEC Rio - 2008 - Cavalariças da Escola de Artes Visuais do Parque, RJ - agosto / setembro 2009 Artistas participantes: Barrão, Cabot, Caroline Valansi, Daniel Toledo, Daniela Labra, Domingos Guimaraens, Felipe Scovino, Luiz Alphonsus, Marta Jourdan, Rebecca Lockwood, Ricardo Ventura, Simone Michelin, Suely Farhi.
DO PROJETO À EXECUÇÃO
www.fase10.com
ESCOLA DE ARTES VISUAIS DO PARQUE LAGE cursos oficinas exposições palestras cursos gratuitos para estudantes Rua Jardim Botânico, 414 Rio de Janeiro RJ 22461-000 Brasil t +55 21 32571800
fax +55 21 32571822
eav @ eav.rj.gov.br www.eavparquelage.rj.gov.br
FOTO: LUCAS LEUZINGER FOTO LAGE - FOTO RIO 2009 DESIGN: ELEMENTO 4 / MARCOS MARTINS
08
Rosana Ricalde
+55 21 2259 1952
www.arteemdobro.com.br
QUEEN MINI MOUSE, 2009, baryta fine art paper, 100x100 e 135x135cm
EXPEDIENTE # 4 2009 EDITOR
CONSELHO CONSULTIVO
Sergio Mauricio
Ana Luisa Leite Fred Hortêncio Jully Fernandes Karla Osorio Marcos Prado Moacir dos Anjos Nelson Ricardo Martins Pedro Karp Vasquez Roberto Meirelles Walter Carvalho Yael Steiner
sergiomauricio@utopos.com.br
DESIGN E ARTE
Sergio Mauricio Bady Cartier badycartier@utopos.com.br
CONSULTORIA EDITORIAL
Danielle Corpas REVISÃO
Clarissa Penna COMERCIAL santacomercial@gmail.com
CONSULTORIA DE MÍDIA
Antonio Jorge A. Pinheiro midia1@midia1.com.br
PROJETO GRÁFICO
Cerebelo Utópos www.utopos.com.br
COLABORADORES
AlexandFelix Ana Elisa Egreja Ana Stewart Antonio Bokel Armando Freitas Filho Clara Reis Claudia Buzzetti Coke O’Neal Duda Carvalho Elliott Erwitt Esther Bauman Felipe Scovino Fernanda Lopes Guilherme Bueno Gustavo Malheiros Gustavo Soares Hildebrando De Castro Jaqueline Vojta José Eduardo Agualusa Katia Canton Luana Dachery (Way) Manoel Leite Maria Lynch Mauro Trindade Paulo Venâncio Filho Patrícia Gouvea Pedro Karp Vasquez Renner Souza (Abá Mgt.) Ricardo Fasanello Rogério Reis Waltercio Caldas
AGRADECIMENTOS
Ana Teresa Pacheco Baukurs Cadico Sollberg Cadu Villela Cesar Barreto Edson Cunha Neto Fabrizzia Gouvea Fernando Prado Flavia Lins Homero Olivetto Isabel Amado João Cruz Joana Carvalho Joana Estellita Joaquim Ferreira dos Santos Juliana Helcer Karla Burigo Liege Flora Lisiane Brito Manu Carvalho Marcia Manccini Marcelo Machado Maria Paula Fernandes Nanci e Osvaldo Corpas Nina Gaul Rogerio Randolph Sérgio Cuevas Thea Schünemann Miranda Valéria Lamego Vanda Mangia Klabin Vicente de Mello Washington Olivetto APOIO
Funarte IMPRESSÃO
Gráfica Santa Marta
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PAPEL
Suzano
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12 18 24 30 38 42 50 56 62 66 72 76 80 84 88
ESPAÇOS
WALTERCIO CALDAS INTERROGAÇÕES SOBRE A IMAGEM
COKE O’NEAL
NOUS VIVONS DANS L’OUBLI DE NOS MÉTAMORPHOSES
MARIA LYNCH QUEENS
ALEXANDFELIX A TECELÃ
JAQUELINE VOJTA O SORRISO SÉRIO DE ELLIOTT ERWITT
ELLIOTT ERWITT
A VULNERABILIDADE DOS CORPOS
HILDEBRANDO DE CASTRO QUE HÁ POR TRÁS DA LENTE
GUSTAVO MALHEIROS ANTONIO BOKEL TÓPICO
ANA STEWART DESAFIO EM PINTURA
ANA ELISA EGREJA JANELAS TRANSITÓRIAS
RICARDO FASANELLO ARTE DA MODA
ESTHER BAUMAN por DUDA CARVALHO UMA FENDA NO TEMPO
PATRÍCIA GOUVEA O VOO DE PAPEL
ROGÉRIO REIS
SANTA art magazine
#04
PARA POÇA D’ÁGUA, PISCINA É OCEANO
A
princípio considerei um desperdício usar este
tempos, permeados pela velocidade das rupturas
espaço do editorial para fazer apenas uma
e descontinuidades. O mosaico que pode, à primeira
ou
vista, sugerir uma certa falta de rumo, uma colagem
reproduzir aquilo que virou praxe nos textos deste
atemporal de linguagens, serve para revermos a validade
tipo: o cumprimento de uma mera formalidade, a
das categorizações, a demarcação tradicional de alguns
representação protocolar do papel de um guia de
territórios. A SANTA por si só representa uma espécie de
museu que tece pequenos preâmbulos sobre cada
diluição dessas lógicas. Ao fazer misturas, “sem querer
artista (nada, claro, contra os guias de museus).
querendo”, acaba por colocar em xeque a validade dessas
Considero também de pouca importância explicar as
categorizações. Seria correto seguir distinguindo esses
lógicas que permearam as escolhas daqueles que são
territórios? Não são atividades retinianas, por isso visuais?
expostos nas páginas da SANTA #4. Talvez seja mais
Não temos uma resposta clara e imediata para essas
instigante ao leitor encontrar as razões por si mesmo.
questões e talvez não seja tão importante assim alcançar
Há muito questiono a validade das explicações
respostas imediatas e definitivas. Talvez o melhor,
absolutamente racionais para aquilo que mobiliza
por hora, seja esquivar-se do palavrório, desse oceano
o mundo dos sentidos. Na construção desta revista
labiríntico de terminologias e definições que, em excesso,
existe uma busca por aquela percepção oculta, uma
podem embotar a percepção e a verve, e tentar, na prática,
espécie de terceira margem geradora do “orgasmo
despertar aquela delicada harmonia entre o intelecto e os
estético”. A SANTA tem essa pretensão de levar o seu
sentidos que dá o estalo, que faz cair a ficha.
apresentação
dos
artistas
aqui
publicados
leitor para além da costumeira poça-d’água midiática e convidá-lo a dar braçadas numa piscina gráfico-
No percurso para a edição da SANTA #4 ficou claro que
sensorial calcada principalmente em imagens e em
tínhamos uma grande quantidade de obras incríveis
alguns curtos textos.
para expor, muito diferentes entre si. Não importando em que classe artística se encaixam, todas as que estão
A mescla entre fotografia e artes visuais é
expostas aqui vieram para completar a atmosfera de
inevitável, um movimento sem retorno dos nossos
diálogo e colaboração que buscamos desde o início.
Sergio Mauricio EDITOR
cerebelo Agradecimento especial: a Dani e ao Vicente Santa - Art Magazine é editada pela Cerebelo Artes. Impressa pela gráfica Santa Marta, em papel Suzano couché matte 150 g (miolo) e DuoDesign 250g (capa e encarte).
A Santa aceita propostas de colaborações, que são avaliadas pelo seu conselho. Todas as opiniões expressas nos ensaios, matérias, entrevistas, depoimentos e artigos publicados são de inteira responsabilidade dos respectivos autores. É proibida a reprodução de imagens ou textos por qualquer meio. Endereço para correspondência: Rua Jardim Botânico, 719 / sala 23. Jardim Botânico. CEP 22470-050. Rio de Janeiro – RJ Cerebelo Artes Ltda. CNPJ: 09.448.968/0001-50. Rua Lauro Muller 116/704 parte. CEP 22290-160. Rio de Janeiro – RJ
Olhos d’água, 2008, granito, aço inoxidável esmaltado e fios de lã, 400x900x800cm, coleção Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Fotografia: Paulo Costa
12
W A L T E R C I O
C A L D A S 13
Quarto amarelo IV, 2000/2008, vinil e fios de lã, medidas variáveis, CGAC, Santiago de Compostela, Espanha 14
Certeza da incerteza, plenamente assumida e determinada. A ambição é o horizonte; o mais vazio, o mais significativo.
ESPAÇOS Pa u l o Ven â n c i o F i l h o
A
exposição flutua. Só assim está pronta.
visível e praticamente indizível. Só com a
lugar no espaço se torna um local, e quer
Estamos diante de um grande sistema
espécie de materialidade lacunar que fabrica/
dizer exatamente isso: lugar de encontro. O
em interrogação. Sistema variável, relativo,
preenche o espaço com seus antivolumes. Mais
outro, com o espectador, tal como o primeiro,
imponderável, flutuante mesmo. Sempre se
certo dizer colagens no espaço. Cada vez mais
também é um trabalho; encontro inabitual que
colocando em suspensão, em teste constante.
assumem esse aspecto livre que desafia e inverte
propõe o momento da máxima concentração
Mas sempre, a cada momento que se apresenta,
toda e qualquer hierarquia e relação espacial.
possível: a triangulação exata e clara dos
preciso e inflexível, implacável mesmo. Olhamos
O reflexo é tal sombra ao contrário e diante do
fatores envolvidos. Tem início a aceleração da
ao redor e encontramos objetos que tendem a se
espelho que é como se a imagem desaparecesse.
imaginação, a adequação desta à velocidade da
aproximar da escultura. Mas quanto mais dela
O aberto é a antecipação do fechado e versa-
obra, indo ao encontro da incógnita, um ponto
se aproximam mais rumam a uma desaparição
vice. Propulsora de possibilidades imaginativas
x que antes não existia. Ponto que transita
escultural, desviam para uma outra direção
essa obra-trabalho admite nada além da precisa
simultaneamente no espaço real e mental e
imprevista. Quando desenhos saltam do papel,
e calculada organização que a constituiu. Assim
reconduz o olhar a si mesmo. Nesse instante
inconformados com a superfície. O trabalho
instaura a sua própria perplexidade, sem a
renovado, grau zero, infinito, pronto para ver, o
experimenta estar em qualquer lugar, até no
qual, também inversamente, não funcionaria.
trabalho realmente nos vê.
espaço urbano, como já fez. Talvez seja esta sua sistemática estratégia: desidentificar-se de
No lugar comum, o lugar incomum. Incomum,
qualquer categoria unívoca e permanecer sem,
não estranho, tampouco misterioso. Cada
nesse contínuo estado de coerente incerteza.
trabalho tem, no espaço, o seu lugar próprio,
Certeza da incerteza, plenamente assumida e
não outro. E o lugar próprio de cada um é
determinada. A ambição é o horizonte; o mais
também um trabalho. Acontece aí o primeiro
vazio, o mais significativo. O absolutamente
e primário evento: um simples encontro. Esse
Paulo Venâncio Filho é crítico de arte e professor adjunto de História da Arte na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre e doutor pela Escola de Comunicação da UFRJ. É autor dos livros Waltércio Caldas: manual da ciência popular (Funarte, 1982), Marcel Duchamp: a beleza da indiferença (Brasiliense,1986), Milton Dacosta: a construção da pintura (Cosac&Naify, 1999) e Primos entre si: temas em Proust e Machado de Assis (Nova Fronteira, 2000).
15
Orquestra, 2005, aço inoxidável polido e vinil, 650x180x200cm. Fotografia: Paulo Costa
Waltercio Caldas nasceu em 1946, no Rio de Janeiro. Expôs em diversos países: Kanaal Art Foundation (Kortrijk, Bélgica, 1991); Stedelijk Museum (Schiedam, Holanda, 1992), Documenta 9 de Kassel (Alemanha, 1992) e Centre d’Art Contemporain (Genebra, Suíça, 1993). Participou da exposição Latin American Artists of the Twentieth Century, no Museum of Modern Art (MoMA), em Nova Iorque, em 1993. Foi convidado para as Bienais de São Paulo de 1983, 1987 e 1996. Representou o Brasil na Bienal de Veneza de 1997. Seus trabalhos estão em acervos de alguns dos principais museus do mundo, como o MoMA e a Neue Galerie (Kassel), e em museus brasileiros, como os Museus de Arte Moderna de São Paulo e do Rio de Janeiro. Suas esculturas em espaços públicos podem ser vistas em Leirfjord (Noruega), Paseo de las Américas, em Punta del Este (Uruguay) e na Avenida Beira Mar, no Rio de Janeiro. Sua produção é analisada em diversos livros, como Aparelhos, com ensaio de Ronaldo Brito (1976), e Waltercio Caldas, com texto de Paulo Sergio Duarte (2001). É também autor de livros como Manual da Ciência Popular (1982), Velásquez (1996) e Notas, ( ) etc (2006). Dirigiu o vídeo Rio (1996). Em 2007, por convite de Robert Storr, curador geral da 52ª Bienal Internacional de Arte de Veneza, criou especialmente um ambiente chamado Half Mirror Sharp, instalado no Pavilhão Itália. Em 2008, a Fundação Calouste Gulbenkian, em Portugal, e o Centro Galego de Arte Contemporánea apresentaram duas importantes exposições do artista. Sua exposição Salas e abismos permanecerá no Museu Vale de 24 de outubro a 28 de fevereiro de 2010. Museu Vale (www.museuvale.com): Antiga Estação Pedro Nolasco s/n – Argolas – Vila Velha.
16
Eureka, 2001, aço inoxidável polido, espelho e plástico, 150x50x60cm. Fotografia: Paulo Costa 17
C O K E
18
O ’ N E A L
Blue Lanam, 2009, c-print, 97x74cm 19
Karla Galvan, 2009, c-print, 97x74cm 20
Apesar do suporte de trabalho de O’Neal ser a fotografia, ele problematiza a imagem. Seu interesse é instaurar dúvidas e estabelecer a obra de arte como um enigma.
INTERROGAÇÕES SOBRE A IMAGEM F el i p e S c o vi n o
E
xperimentar é um verbo muitas vezes
em O’Neal não é um meio para se entender o
diálogo com o outro. Sua fotografia não nos
mal conjugado no repertório das poéticas
mundo, mas a condenação do espectador ao
remete a um outro lugar, mas essencialmente
contemporâneas. Confundida entre obras
sentido, traduzido aqui como exercício sobre a
a um mergulho em nós mesmos. A intimidade
interativas que lembram parques de diversão,
natureza do real. Não sabemos se a caixa de
invadida no assalto ao armário dos remédios
bienais que “expõem” o vazio como espaço
madeira da série The Box (2005-09) é real ou
revela o privado que tanto queremos pôr a salvo.
(infundado) de reflexão sobre as práticas
não, se os personagens dessa mesma série são
Em The Box, a relação de escala entre ambiente
curatoriais ou performances que dialogam
humanos ou inventados, ou ainda se a pilha de
e personagem nos transporta para um campo
com o insosso tema da comercialização do
remédios, na série de trabalhos em que O’Neal
onde a imagem é posta em dúvida assim como
discurso do corpo, a experimentação está
voyeuristicamente fotografou, no armário de
nossa certeza de mundo. A obra de Coke O’Neal
correndo o risco de ter o seu repertório
remédios de seus amigos, foi arrumada antes
quer duvidar da realidade e indagar sobre a
diminuído ou questionado. Por outro lado,
de ter o seu instante congelado pelo artista.
experiência de habitar o mundo.
as investigações sobre a natureza do objeto
São as histórias guardadas por essas obras
de arte e a mobilidade entre ficção, verdade
que bifurcam novos caminhos na obra desse
ou mentira, criando um campo ilusório de
artista. Na conjunção entre narrativa e obra é
impermanência, fazem com que a obra do
desencadeada uma força que, em permanente
artista norte-americano Coke O’Neal dialogue
diálogo, leva-nos a interrogar sobre a natureza
com um território de probabilidades ou uma
da fotografia. Costurando esse terreno
ambiguidade de situação capaz de estimular o
investigativo/antropológico/artístico, a obra de
sentido da experimentação.
O’Neal provoca sensibilizações, mobilidades e uma criação infinita de possibilidades de
Apesar de o suporte do trabalho de O’Neal ser
apreensão de sua obra.
a fotografia, ele problematiza a imagem. Seu
Felipe Scovino nasceu em 1978 no Rio de Janeiro. É professor colaborador do Programa de Pós-graduação em Artes Visuais (EBA/UFRJ), onde também realiza seu pós-doutorado. Doutor em Artes Visuais (EBA/UFRJ), atualmente está organizando os livros Arquivo contemporâneo (7Letras) e Cildo Meireles (Azougue Editorial). Escreveu ensaios para as revistas Third Text, Arte & Ensaios e Concinnitas. Recebeu a Bolsa de Estímulo à Produção Crítica em Artes pela região sudeste (Funarte/MINC) em 2008. Em 2004, foi curador da exposição Lygia Clark na Dan Galeria, em São Paulo. Em 2007 foi curador de Lygia Clark: diários de uma artista,
interesse é instaurar dúvidas e estabelecer
Na instauração das “molduras” – seja da
no Espaço Cultural Oi Futuro, Rio de Janeiro. Em 2008 foi curador
a obra de arte como um enigma. A imagem
caixa de madeira ou do armário – não há o
(Caixa Cultural – Rio de Janeiro e Caixa Cultural – São Paulo).
adjunto de Diálogo concreto: design e construtivismo no Brasil
21
Coke Wisdom O’Neal é um artista de Nova Iorque cujo trabalho foi exibido em muitos locais pelos Estados Unidos afora, incluindo The Arizona Museum of Fine Arts (2003), Northern Illinois University Art Museum, em DeKalb, IL (2007), Chuchifritos (2008), Socrates Sculpture Park, Queens (2006), The Furman Gallery, no Lincoln Center (2002), e White Columns (2001), todos em Nova Iorque. Suas exposições individuais incluem Mixed Greens, em Nova Iorque (2003, 2005, 2007, 2009), Finesilver Gallery, em Houston, TX (2006), Evo Gallery, em Santa Fé, NM (2005), e Aaron Packer Gallery, em Chicago, IL (2004).
22
David Renk, 2009, c-print, 97x74cm 23
24
M A R I A
L Y N C H
Londres-Rio, 2009, óleo sobre tela, 200x180cm 25
NOUS VIVONS DANS L’OUBLI DE NOS MÉTAMORPHOSES Gu i l h erm e Bu en o
A
s linhas de contorno escavam o lodaçal de
da coexistência entre a pintura, a televisão, o
dispositivo. A imagem é uma etapa e um duplo
tinta. O desenho nasce abrindo veios na
computador, a publicidade, a indústria, a urbe –
de algo que permeia toda a materialização do
camada espessa de cor – ele é difícil, luta contra
o mundo, enfim) e se estruturarem numa paleta
trabalho; ela é metalinguística e metonímica.
uma matéria espessa; pode-se quase dizer
incomum. Basta pensar em algumas variações
Uma pintura cujo fim é também o reinício
que não há pincelada, mas corte; em outras,
de azul que ocupam as telas: elas possuem
contínuo, uma obsessão serena e solar capaz de
mais e mais avalanches saídas dos tubos. No
solidez, são peculiarmente compactas e, em
perguntar sempre se o que foi encontrado, em
entanto, tamanha aspereza não obstrui em
certas ocasiões, conferem uma espacialidade
vez de concluir a tela, não é antes a premissa
nada a sensibilidade particular irradiada. Tal
quase escultórica às formas.
para algo novo que a continuará, agregando significados a cada rearticulação interna. Em
duplicidade parece refletir algo que perpassa As pinturas de Maria Lynch aparentam possuir
suma, uma energia cuja razão de ser é a todo
uma iconografia simples: uma figura que ao
instante tornar-se a outro (evocando a famosa
São pinturas capazes de promover uma orgia
longo da tela, gradualmente, se transforma
máxima de Rimbaud – “je est un autre”),
temperada. Dito de outro modo, a efusão se
em outra, planos circundando diferentes
uma pintura que se faz ela mesma ao ativar
equilibra com um controle sutil e ponderado –
cantos, um cogumelo isolado contra um fundo
permanentemente a redescoberta de seu vir
as cores vibram, contêm-se na interação entre
homogêneo. Todas essas imagens correspondem
a existir.
planos chapados e outros, que permitem aceder
ao sentimento de devir incorporado pela artista.
às camadas inferiores da tela, fulgurando,
No entanto, há algo surpreendente nesse
rebaixando-se. Interessa assinalar o quanto elas
desenho áspero, pois ele, não só no fundo – mas,
são, de certo modo, “duras” e estranhamente
sobretudo, na superfície –, retém a intensidade
hipnóticas, volumosas e densas, reverberando
advinda do atrito fundador exposto nos sulcos
os diversos extratos que as cimentam. É
executados pelo pincel. O desenho nasce com
também uma exploração pictórica que lança
a pintura; ambos são contíguos, sobrepostos.
mão de cores que guardam em si outro dilema,
É uma pintura-desenho em processo que por
o de serem extremamente “pós-modernas” (são
si só participa das narrativas ali desenroladas e
cores de um outro tipo de visualidade, nascida
incorpora a mutabilidade como seu motor, seu
os trabalhos: a onipresença da metamorfose.
26
Guilherme Bueno é curador e crítico de arte, doutor em Artes Visuais pela UFRJ e diretor do MAC de Niterói. Maria Lynch, carioca, voltou recentemente de Londres, onde cursou Pós-gradução e Mestrado em Artes Plásticas, pelo Chelsea College of Art and Design. Em 2008, foi selecionada pelo Prêmio Jerwood Drawing. Após retornar ao Brasil, fez uma exposição individual na galeria Mercedes Viegas e acaba de ser umas das artistas convidadas para o Prêmio do Salão Paranaense do MAC de Curitiba, onde realizará exposição junto a outros artistas.
Armada, 2009, óleo sobre tela, 120x80cm 27
Reino, 2009, óleo sobre tela, 200x250cm 28
29
Queen Happy, 2009, baryta fine art paper, 100x100 e 135x135cm 30
A L E X A N D F E L I X 13 QUEENS
31
As Rainhas de AlexandFelix são estonteantes na sua beleza. Um painel com uma dessas Queens seria um perigo numa via pública, tamanha a atração que elas exercem sobre o nosso olhar.
QUEENS Ma n o el L ei te
N
aqueles filmes pós-apocalípticos no
época estão trabalhando para que qualquer
radicais em sua obra, em suas mad queens,
estilo Mad Max, onde uma civilização
mortal possa se adornar com uma bolsa Louis
pois seu retorno a um primitivismo lúdico,
Vuitton ao custo de umas poucas merrecas.
sua apropriação dos elementos industriais na
industrial é obrigada a reutilizar seu lixo após
composição de suas Rainhas é cúmplice de
a destruição de toda a sua capacidade de produção, sempre vemos um personagem que,
Isso recoloca a questão. Qualquer objeto pode
uma destruição, em cada um de nós, do valor
movido ou não por uma necessidade estética, se
ser um adorno, a estética é o mais operativo
do objeto para a sua recuperação estética:
adorna com todo tipo de refugo industrial inútil,
dos critérios, é a base do brilho, digamos,
enquanto estivermos no “mas... é uma caixa de
detritos que adquirem valor de ornamento por
fálico – no sentido freudiano – que o sujeito
ovos!”, estamos apenas nos divertindo...
alguma beleza que se revela somente por esse
busca ao se adornar. Despidos das nossas
deslocamento na sua finalidade.
redes significantes, dos nossos valores sociais e
Que além disso essa ficção futurística possa ser
culturais, qual rainha é mais bela? As Rainhas
uma crítica irônica a uma civilização decadente
Não seria isso a pura revelação do que significa
de AlexandFelix são estonteantes na sua beleza.
e perdulária, em franca autodestruição – eis
um adorno? Um mero objeto sem utilidade,
Um painel com uma dessas Queens seria um
uma hipótese. Mas, claro, em se tratando de
um produto industrial, a léguas de alguma
perigo numa via pública, tamanha a atração
indumentárias e da capacidade da nossa
funcionalidade, exceto a de gritar a ouvidos
que elas exercem sobre o nosso olhar. Não é isso
civilização pop de absorver e tornar inócua
surdos a importância daquele que o porta? Que
que se busca, desde nossas infâncias tribais?
qualquer crítica, pode ser apenas uma tendência fashion de gosto duvidoso para a
alguns deles sejam realmente de material raro,
32
uma “jóia”, não faz a menor diferença, pois
É interessante notar que precisamos destruir
apenas restringe o acesso ao que seria um valor
nossa civilização – retomo Mad Max e
exclusivo de uma classe. Se John Lennon não
congêneres – para reavaliar esteticamente
encerrou esta questão ao pedir que a platéia
nossos objetos industriais como simples
dos camarotes se abstivesse de aplaudir, apenas
adornos. Duchamp não precisou disso com seu
“sacudissem suas jóias”, os chineses da nossa
ready made. Talvez AlexandFelix sejam mais
próxima estação...
Manoel Leite é psicanalista lacaniano e mestrando em psicanálise pela UERJ. maneleite@gmail.com
Queen Sandwich, 2009, baryta fine art paper, 100x100 e 135x135cm 33
34
Queen Rocket, 2009, baryta fine art paper, 100x100 e 135x135cm 35
Alex Gertschen (1968) e Felix Meier (1969) nasceram em Lucerna, na Suíça. Alex estudou Fotografia na Escola de Arte de Berna; Felix fez sua graduação em Design Gráfico na Escola de Artes de Lucerna. Em 2001/2002 realizaram duas exposições individuais em Lucerna, nas galerias Das Ding e Partikel; em 2006, fizeram uma exposição individual na galeria Acte 2 Photo, em Paris, e suas fotos foram exibidas na feira internacional de fotografia Paris Photo. No mesmo ano, publicaram o álbum de fotos Alexandfelix – Fotosolar – two photographers – ten years. A partir de 2007, participaram de exposições coletivas em diversas galerias, entre elas, a galeria de Utrecht, em Utrecht, e as galerias de Scaloguye, Lacada, Orange County Center e Museu da Fotografia, todas em Los Angeles. Em 2009, o mais recente trabalho da dupla, Thirteen queens, foi premiado em inúmeras competições, na categoria fine art: Werkbeitrag, prêmio do Conselho de Lucerna; fase final de seleção do Prêmio Ewz; medalha de ouro de excelência no supercircuito do Prêmio Trienberge; segundo lugar na categoria fine art de pessoas do Prêmio Px 3; fase final do Prêmio Wiesbadener Fototage; fase final do Prêmio Hasselblad Masters; segundo lugar na categoria fine art de pessoas do Prêmio IPA. Em 2009, suas fotografias foram publicadas na revista Eyemazing, edição de verão, reportagem e capa.
36
Queen Spoon, 2009, baryta fine art paper, 100x100 e 135x135cm 37
J A Q U E L I N E 38
Perfeito é não quebrar a imaginária linha, 2008, 1,00x1,80m, colagem de tecidos com tinta acrílica e costuras em arame. Foto: Antônio Caetano
V O J T A 39
Paisagem Imaginante, 2008, 1,60x2,70m, colagem de tecidos com tinta acrílica e costuras em arame. Foto: Daniel Venosa
A TECELÃ Jo s é E du a rdo Ag u a l u s a
N
a infância de Jaqueline Vojta há uma
tecido remanescente, dando-lhe outras formas,
tempestade, uma água escura fustigando a
tecelagem. Escrevo “há”, e não, “havia”,
um outro uso, salvando-o do abandono e do
floresta; ali estende-se uma praia nua, batida
pois a infância não passa nunca, é um lugar
esquecimento. Estende uma tela no chão e
pelos ventos; mais ao longe podemos ver um
ao qual regressamos constantemente, abrimos
vai colando sobre ela fragmentos de tecido,
morro, um casario, cruzes plantadas em breves
uma porta e entramos nele, quer para fugir ao
que a seguir tinge com tinta acrílica. Atenção
outeiros. Paisagens imaginárias que abrem
presente, quer para o compreender melhor.
às costuras! Nos trabalhos mais sombrios,
para paisagens reais. Na arte de Jaqueline,
Jaqueline costura os panos com arame, que por
como na natureza, nada se perde, tudo se
Jaqueline abre essa porta secreta e vai à
vezes pinta de dourado, ou expõe ao tempo e
transfigura e move – uma tela leva a outra, e
infância buscar as pontas das peças de tecido
à umidade, deixando que a ferrugem os devore
esta à próxima.
que saiam do tear rasgadas e sujas. Começou
como um sutil incêndio.
por pintar sobre elas composições abstratas, em tons suaves; passou depois a colar outros
As costuras alastram como desenhos. Olho para
tecidos sobre essas primeiras composições,
eles e do que me lembro é dos estandartes e
criando
densidade,
mantos de Arthur Bispo do Rosário, ou de
que constituem hoje uma das mais óbvias
Lampião, entre uma ofensiva e outra, sob o duro
características do seu trabalho.
sol do sertão, bordando os seus paramentos e
uma
textura,
uma
bornais. A arte é um jogo de lembranças, um
40
A fábrica fechou, em 1998, após a morte do
colar de miçangas, cada conta nos contando
pai. O desejo de Jaqueline é de ir trabalhando o
uma história diferente. Aqui é um dia de
José Eduardo Agualusa é escritor e nasceu em Huambo, Angola, em 1960. Estudou Silvicultura e Agronomia em Lisboa, Portugal. Os seus livros estão traduzidos para mais de vinte idiomas. Entre eles estão Estação das chuvas (1996), Nação crioula (1997), O ano em que Zumbi tomou o Rio (2002), O vendedor de passados (2004), que em 2007 recebeu o prestigioso Prêmio Independent de Ficção Estrangeira, As mulheres do meu pai (2007) e Barroco tropical, seu mais recente romance, lançado em 2009. Escreve crônicas para a revista portuguesa LER e para o jornal angolano A Capital. Também escreveu peças de teatro. Divide seu tempo entre Angola, Portugal e Brasil.
Ouro Preto, 2008, 1,50x2,00m, colagem de tecidos com tinta acrílica e costuras em arame. Foto: Antônio Caetano
Jaqueline Vojta nasceu em 1966, no Rio de Janeiro. É formada em Economia pela PUC/RJ, e em 1998 estudou Artes Plásticas na Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage, onde participou das coletivas O Ovo e Noite de Autógrafos. Em 2000, participou da exposição Ateliê Finep, no Paço Imperial. Entre os anos de 2001 e 2006, morou em Nova Iorque e, em 2004, concluiu o mestrado em História da Arte no Hunter College – City University of New York. Nesse período, participou das coletivas Art Link – International Young Art e P(ART)ies, em Nova Iorque, e da mostra Posição 2004, na EAV, no Rio de Janeiro. De volta ao Brasil, em 2007, apresentou a individual Tramas, no Centro Cultural da Justiça Federal. Atualmente, participa da exposição Trilhas do Desejo – Rumos Itaú Cultural. Vive e trabalha no Rio de Janeiro.
41
E L L I O T T
42
E R W I T T
USA, Wyoming, 1954 43
44
USSR, Bratsk, Siberia, 1967 45
Elliott Erwitt é um fotógrafo de raro talento: o de comentar por seis décadas a fio esse mundo humano demasiado humano sem perder a compaixão e o senso de humor.
O SORRISO SÉRIO DE ELLIOTT ERWITT Pedro K a rp Va s qu ez
P
ara muitos, a Magnum é o Olimpo da
Nixon enfiando o dedo no peito de Khrushchev
sintetizam os sentimentos de arrebatamento e
fotografia documental. Se assim é, Elliott
é o resumo perfeito das tensões do tempo da
enlevo que somente o auge da paixão é capaz de
Erwitt pode ser considerado um de seus
Guerra Fria. A foto do homem negro bebendo
proporcionar; ao passo que o amigo dos noivos
semideuses. Não daqueles semideuses raivosos
água no precário bebedouro reservado aos
que sorri para si mesmo, como se revivesse na
e vingativos, sempre a lançar raios e pragas
colored, tendo no primeiro plano um bebedouro
memória momentos que porventura a noiva
sobre os mortais que lhes desagradam, e sim
maior e mais moderno restrito aos white, é o
gostaria de esquecer e o noivo preferiria jamais
um semideus compassivo e bonachão, que
emblema da América dividida pelo racismo.
conhecer, é um engraçadíssimo comentário
ama a humanidade e sabe rir das suas tolices e
Autor de tantas outras imagens antológicas,
acerca dos caprichos do amor.
infantilidades.
Elliott Erwitt permanece aguçado e ativo aos oitenta anos de idade, tendo documentado as
Elliott Erwitt é um fotógrafo de raro talento: o
Erwitt é o maior fotógrafo de cães da história,
festividades de posse do primeiro presidente
de comentar por seis décadas a fio esse mundo
já tendo dedicado quatro livros a esses nossos
negro dos EUA. Na ocasião, produziu mais uma
humano demasiado humano sem perder a
amigos e espelhos, entre os quais o impagável
imagem singular e esperançosa, mostrando
compaixão e o senso de humor.
Son of Bitch. Contudo, não se inscreve entre
centenas de convidados com os braços erguidos
os amargurados que mais se aproximam
para clicar com câmeras digitais o casal Michelle
dos animais para melhor se distanciar da
e Barack Obama.
humanidade. Erwitt sabe humanizar o animal sem bestializar o ser humano, porque consegue
Suas imagens dos apreciadores de arte,
misturar na dosagem certa talento e senso de
como as aqui reproduzidas, são de uma
humor, combinando-os com um profundo
sagacidade ímpar e já deram ensejo a um livro
respeito pela vida e por todos os seres vivos.
interessantíssimo, Museum Watching. O amor – o mais difícil dos temas – tem sido trabalhado
46
Grande cronista, grande humorista, Elliott
de forma esplêndida por Erwitt. Os apaixonados
Erwitt é também um grande jornalista. A foto de
refletidos no espelho retrovisor diante do mar
Pedro Karp Vasquez é escritor e fotógrafo, formado em Cinema pela Université de la Sorbonne e mestre em Ciência da Arte pela Universidade Federal Fluminense. Autor de 20 livros, trabalha como editor, pesquisador e curador independente. Na década de 1980, atuou como administrador cultural, tendo sido responsável pela criação do Instituto Nacional da Fotografia da FUNARTE, bem como do Departamento de Fotografia, Vídeo & Novas Tecnologias do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
SPAIN, Madrid, 1995, Museu do Prado 47
USA, New York City, 2000 48
Elliott Erwitt nasceu em 26 de julho de 1928, em Paris, França. Filho de pais russos, passou sua infância em Milão, na Itália, e emigrou para os Estados Unidos com a família em 1939. Trabalhou em um laboratório de fotografia enquanto estudava no Los Angeles City College. Em 1948 mudou-se para Nova Iorque, onde estudou filme na New School of Social Research. Foi fotógrafo das forças armadas americanas de 1951 a 1953, mesmo ano em que foi convidado por Robert Capa a integrar a Magnum Photos. Sua reputação internacional se fez, no início, devido a uma imagem histórica de Nikita Khrushchev e Richard Nixon discutindo, entre outras de uma exposição industrial, em 1959. Erwitt continuou a viajar o mundo e trabalhou para campanhas publicitárias. Desde 1970, também fez filmes documentários e já produziu dezessete especiais de comédia e sátira para a Home Box Office. Suas fotografias de situações inusitadas revelam seu talento e senso de humor únicos. Fez inúmeras exposições por quase todo o mundo e já tem programada para janeiro de 2011 sua retrospectiva na Pinacoteca do Estado de São Paulo, no Brasil. Foi presidente da Magnum por duas vezes. Elliott Erwitt é representado com exclusividade na América Latina pela Galeria de Babel.
USA, North Carolina, 1950 49
H I L D E B R A N D O D E
50
C A S T R O
Sem título, 2008, pastel seco sobre papel, 171x150cm, coleção particular, São Paulo 51
Sem título, 2008, pastel seco sobre papel, 182x155cm, São Paulo 52
A VULNERABILIDADE DOS CORPOS K ati a C a n to n
H
ildebrando de Castro sempre se interessou
programas de entretenimento que parecem
plásticas, que esses seres adquirem uma
por corpos – corpos em suas superfícies
resgatar um eterno espírito lúdico, objetos de
estranha humanidade.
e pedaços, seus desdobramentos e órgãos,
design que transformam todo tipo de material
suas camadas e tecidos, suas imperfeições. No
funcional em brinquedinhos divertidos.
decorrer do tempo, articulou esse seu interesse
Um boneco com ar tradicional, boné vermelho, camisa rosa e bermuda azul abaixada, faz
desenvolvendo uma espantosa destreza técnica.
De fato, existe humor na obra de Hildebrando,
sexo anal com um veadinho, quase sorridente,
Autodidata, o artista exibe grandes desenhos
mas esse é um humor negro. No mínimo, é um
que estiliza o personagem Bambi. O cenário
feitos com pastel.
humor repleto de ferocidade crítica, apontando
– arvorezinha florida, graminha e plantas –
certeiramente para o estado de banalização em
parece de glacê, feito para decorar um bolo
que tudo parece imerso.
de festa de criança. O susto demora o tempo
Com talento e curiosidade renascentistas, Hildebrando seguiu a trilha de seus próprios
que o olho leva para notar o ato sexual, quase
problemas artísticos e, conforme a percorria,
O artista aponta a arma da arte para a ferida de
ampliava os instrumentos de sua linguagem.
uma sociedade em que a infantilização do adulto
Vivendo em Nova Iorque, passou a pintar com tinta
se equiparou à erotização precoce da infância.
Um bonequinho bebê, desses em que damos
a óleo de parede, expandiu seus jogos de brancos,
E onde nada escapa à mercantilização.
corda para vê-lo engatinhar, torna-se bem
pretos e cinzas, passou a desfocar imagens.
embutido nessa cena que parecia tão pueril.
mais sinistro à medida que é desenhado Aqui, bonecos alargados em grandes dimensões
sem a roupinha, o corpo revelado nas suas
Hoje, em seu ateliê em São Paulo, ele mostra
e, ao mesmo tempo, descontextualizados
perfurações, deixando à mostra os mecanismos
como voltou a trabalhar com o pastel. À
sobre o branco do papel, são mergulhados em
das ferragens.
primeira vista, os bonecos coloridos parecem
desconfortáveis ritos de passagem1.
comentar de forma bem-humorada uma
A Barbie, boneca-emblema da beleza feminina,
infantilização geral da vida adulta. Afinal,
É através da dor ou do prazer, demarcados
ainda que inatingível em suas proporções reais,
nunca se viram tantos parques temáticos,
performaticamente sobre peles de superfícies
aparece aqui com uma das pernas substituídas
Sem título, 2008, pastel seco sobre papel, 200x150cm, coleção particular, Rio de Janeiro 53
por uma prótese metálica, seu corpo sustentado
ambiguidade ou pela falta, celebram esse
dá certo quando toda experiência subjetiva se
por muletas. Mesmo assim, ela continua sexy,
sentir pós-humano, a que o filósofo italiano
tornou impossível: não é o meu corpo que alça
com seu vestidinho verde curto e justo, realçado
Mario Perniola se refere:
voo num êxtase, tampouco o seu... É justamente este sentir neutro de um corpo que não pertence
pelo cinto cor de rosa . 2
(ele) tem seu ponto de partida no homem, em seu impulso
Finalmente, o artista junta dois ícones da mídia, num ritual sado-masoquista. A Tiazinha,
para o artificial, que o constituiu como tal, separando-o dos animais, em sua vontade de fazer coincidir a máxima virtualidade com a máxima efetividade (como
ex-personagem de programa de auditório, com
no dinheiro), em sua irredutível tendência para uma
seu biquíni mínimo, ressaltando as formas
experiência excessiva4.
a ninguém, mas cuja sensibilidade não nos é acessível, que o torna algo sempre disponível, a ponto de suscitar uma excitação infinita6.
curvilíneas e avantajadas, máscara nos olhos e chicote em punho, dirige-se ao personagem
Os bonecos de Hildebrando de Castro são todos
Tinky Winky, considerado o mais afeminado do
intoxicados pelo excesso. Mergulhados em sua
grupo dos Teletubbies3.
extrema ambivalência, eles são ao mesmo tempo impessoais, pois possuem corpos disfuncionais,
Essas narrativas estão todas imersas em um
cuja utilidade primeira – entreter crianças – é
belo e perturbador cenário, onde fotos ganham
subvertida por uma inversão de papéis, e, ao
movimento, grandes desenhos acompanham
mesmo tempo, incrivelmente sedutores. Perniola
versões tridimensionais e miniaturizadas de
chama esses objetos de corpos sem órgãos5.
seus conteúdos, brincando com escalas e revelando apuro técnico e pluralidade nas versões dos acontecimentos.
nenhuma vontade, que não obedece a nenhum projeto, que está livre de qualquer vínculo,
surpreendentes,
em
que
De acordo com Manfred Lurker, autor do Dicionário de Simbologia, “ritual de passagem é um termo cunhado em 1909 pelo etnólogo francês Arnold van Gennep para designar analogias estruturais em torno de nascimento, iniciação, casamento, morte etc. Seu objetivo comum é assegurar a passagem de uma pessoa para um novo estágio da vida (Martins Fontes, 1997, p. 604). 1
2
O corpo sem órgãos, que não pertence a
Situações
Katia Canton, PhD em Artes Interdisciplinares pela Universidade de Nova Iorque e livre-docente em Teoria e Crítica de Artes pela ECA/USP. Docente, curadora e atual coordenadora da divisão de Educação do Museu de Arte Contemporânea da USP. Autora de inúmeros livros de arte, com ênfase no público infanto-juvenil.
seres
parece diluir-se num fluido que não tem nada
inanimados são carimbados pelo sexo ou
de vital ou de espiritual... Não é nem uma
pelo sangue, pela morte ou pelo desvio, pela
experiência, mas, sim, um experimento que só
O artista acredita que a Barbie seja de fato uma mãe solteira.
Trata-se de um programa britânico, dirigido a crianças bem pequenas, em que os personagens são caricaturais e repetem constantemente suas ações, para ajudá-las a memorizar situações.
3
4
O sex appeal do inorgânico (Studio Nobel, 2005, p. 47).
5 O conceito de “corpo sem órgãos”, aqui, tem sentido diverso do utilizado por Gilles Deleuze, a partir de Antonin Artaud, que se referia a uma porosidade e uma plasticidade que ultrapassariam os limites biológicos do corpo. 6
Ver as pp. 49 a 51 de O sex appeal do inorgânico (Studio Nobel, 2005).
Sem título, 2008, pastel seco sobre papel, 171x150cm, coleção particular, Rio de Janeiro 54
Hildebrando de Castro nasceu em 1957 na cidade de Olinda, Pernambuco. É autodidata. Em 1994 fez sua primeira exposição individual, na galeria Camargo Vilaça, em São Paulo. A partir do ano seguinte, expõe individualmente em galerias no Brasil e no exterior (Casa Triângulo, São Paulo; Léo Bahia, Belo Horizonte; Earl McGrath Gallery, Nova Iorque; Faygold Gallery, Atlanta) e em instituições como o Centro Cultural Banco do Brasil, Paço Imperial do Rio de Janeiro, Itaú Cultural, MAM, entre outros.
Sem título, 2008, pastel seco sobre papel, 200x150cm, coleção particular, Brasília, D.F 55
Bonecas, 1998, fotografia analógica em preto e branco, negativo formato 6x7cm, coleção Backstage
G U S T A V O
M A L H E I R O S
QUE HÁ POR TRÁS DA LENTE Gu s tavo S o a res
B
astidores, de Gustavo Malheiros, é um ensaio instigante como tudo que aborda as coxias ou a parte de um espetáculo que fica oculta do público.
Nesta era de reality shows que vivemos, com tantos e tantas fazendo o possível para que nada fique despercebido, a idéia de revelar bastidores cobriu-se por um manto diáfano. Nossos olhos, apesar de ainda curiosos, foram treinados para desconfiar daquilo que se diz real e espontâneo. Só que em suas fotos históricas, Gustavo Malheiros inverte essa lógica – fotos históricas porque são de 15 anos atrás, quando muitos nomes da atual moda brasileira davam seus primeiros passos. Futuras tops, ainda adolescentes, aguardam pacientemente sua vez na passarela. Lendo gibis da Turma da Mônica, sem poder disfarçar os bocejos nem sua inocência. São momentos emocionantes. Ver, entre dezenas de lindos rostos e corpos, meninas que ainda não tinham se transformado em fenômenos mundiais. Olhando para a câmera sem fazer pose, sem fazer biquinho, sem fazer nada. Esperam por alguma coisa ainda desconhecida para elas, mas óbvia para nós, espectadores uma década e meia mais tarde: reconhecimento. O que vemos nas fotos são, portanto, muito mais que bastidores de desfiles de moda. São os bastidores da carreira de algumas das mais belas mulheres que o Brasil produziu.
Gustavo Malheiros, fotógrafo formado pela School of Visual Arts (Nova Iorque) em 1994, vem focando seu trabalho nas áreas editorial (livros e revistas) e publicitária. Ainda como assistente, trabalhou para o fotógrafo Bruce Weber em diversas campanhas fotográficas em Nova Iorque (Calvin Klein, Gianni Versachi, revista Interview). Já como fotógrafo autônomo, foi responsável por criar imagens para diversas campanhas publicitárias. Na área editorial, fotografou para as revistas Oi, Vogue Brasil, Vogue Espanha, e Trip. Publicou os livros O coração do Brasil, Barra da Tijuca, Anônimos famosos, Embarcações brasileiras, O livro das águas, Ilhas brasileiras, Amazônia, Foi no carnaval que passou, Todos os tons do Cerrado e Pedra e luz, todos com imagens próprias. Realizou exposições e lançamentos dos livros Ilhas brasileiras e Amazônia no Canning House (Londres) e, recentemente, no Foto Rio, expôs seu mais recente trabalho, o livro Pedra e Luz, no Centro Cultural da Justiça Federal. Neste ano foi selecionado entre os dez finalistas da categoria Portraits do Prêmio Masters da Hasselblad e convidado para expor na Itália, no Turin Photo Festival. Gustavo Soares é redator publicitário e escritor. Tem passagens pela Publicis, W/Brasil, Leo Burnett e Talent, com diversos trabalhos destinados ao universo feminino, para marcas como Natura, Avon e Procter & Gamble. Pela Arte Ensaio Editora escreveu Olhos no mar, livro-documentário com mulheres de marinheiros do Brasil e do mundo, e O livro da água, obra infantil.
58
PraCima, 1997, fotografia analógica em preto e branco, negativo formato 6x7cm, coleção Backstage
Corrente, 1997, fotografia analógica em preto e branco, negativo formato 6x7cm, coleção Backstage 59
Gibi, 1996, fotografia analógica em preto e branco, negativo formato 6x7cm, coleção Backstage
Sintonia, 1996, fotografia analógica em preto e branco, negativo formato 6x7cm, coleção Backstage 60
Vida, 1998, fotografia analógica em preto e branco, negativo formato 6x7cm, coleção Backstage
A N T O N I O B O K E L
Fim da Crise, spray e técnica mista sobre tela, 200x200cm 63
64
Masculino, 2008, spray e técnica mista sobre tela, 220x180cm Itaetê, 2006
Antonio Bokel, nascido no Rio de Janeiro em 1978, desde muito cedo começou a pintar, influenciado pela arte Naïf brasileira e tendo como mestra uma senhora autodidata que lhe ensinou os primeiros passos da arte. Em 2001, foi para Florença, Itália, onde estudou e fez sua primeira exposição. Formou-se em Desenho Industrial, no Rio de Janeiro, e começou a incorporar as técnicas digitais à sua bagagem de pintura. Em 2004, junto com a estilista Amanda Mujica, criou a marca SoulSeventy, unindo arte, moda e manifesto. Cria personagens que saem das telas e vão para as ruas fazendo o caminho inverso ao do grafite. Em 2008 expôs na galeria Servando Cabrera Moreno, em Cuba. Atualmente, é agenciado pela galeria londrina Blind Angle (dividindo catálogo com artistas como Banksy e Takashi Murakami) e pela carioca Box 4. Também conta com uma representação em Madri.
Feminino, 2008, spray e técnica mista sobre tela, 220x180cm Andaraí, 2005
65
Pamela e Paloma no morro de São Carlos, 2006, negativo Reala 6x6cm 66
A N A
S T E W A R T
As cores, em alto contraste, sobre a pele negra, enquanto o arranjo delicado da pequena trança do cabelo de uma das moças como que replica, na vertical, o que se vê ao lado, agudo, ameaçador, no cano de chumbo. 67
TÓPICO Ar ma n do F rei ta s F i l h o
A
na é de uma beleza unânime e instantânea. Por sua causa, devia surgir uma nova cepa de paparazzi que
a fotografasse – de rosto lavado, ou não – sem parar, às claras, desde que o fizessem pousando suavemente, isentos de implicância, em todas as horas do dia. Esta é a minha Ana, a minha amiga que tem o codinome de Mônaco, que se autoexplica. A outra, Stewart, é a de todos, a que está atrás da máquina, atrás dessas fotos: rigorosa, feita de coração e técnica, dormindo na mira, com o dedo no disparador, flagrando, nesta sequência, o trópico, o calor sensual do Rio.
O azul que desbotou na conta certa na folha da janela, os olhos, o sorriso monalisa e a pose não calculada que lembra certas composições cuidadosas de Edward Weston. 68
Jovem da Serrinha, 2004, negativo Reala 6x6cm 69
A bica areada pelo resto de sol que captou e o banho perolado, no meio da tarde, ao tempo, entre as folhas fauves, de recortes matisseanos, a exuberância das flores e o jazz das sombras, entrando em rajadas.
Ana Stewart, fotógrafa, nasceu em 1966, no Rio de Janeiro, onde se formou pela PUC em Comunicação Social. Trabalhou na sucursal dos jornais O Estado de São Paulo e Folha da Tarde. Foi morar na França em 1989, onde trabalhou com cinema (ficção e documentário) e fez mestrado (License) em Ciências Sociais. De volta ao Brasil, fez still de filmes e abriu um estúdio fotográfico. Vem desenvolvendo há alguns anos essa série de retratos em favelas do Rio de Janeiro. Curadoria: Isabel Amado. Armando Freitas Filho é poeta e acaba de lançar pela Companhia das Letras seu mais novo livro: Lar. Sua obra reunida está em Máquina de escrever, publicado pela Nova Fronteira em 2003. Ganhou por três vezes o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, com os livros 3x4 (1985), Máquina de escrever e Raro mar (2006). Recebeu o Prêmio Alphonsus de Guimaraens, concedido pela Fundação Biblioteca Nacional, com Fio terra (2000).
70
Ângela do Rocha, 2003, negativo Reala 6x6cm 71
Pitt (hunting dogs), 2009, ost, 150x150cm, colecão particular 72
A N A
E L I S A
E G R E J A
73
Natureza Morta com 3 faisões sobre renda preta, 2008, ost, 200x150cm, coleção particular
DESAFIO EM PINTURA F ern a n da L o p es
T
em algo de estranho naqueles espaços. As
passamos um dia, ou nunca vamos passar, vão
reproduzir o mundo. E reproduzir para ela é
paredes estão colocadas em ângulos que
sendo colados uns nos outros. As perspectivas
apresentar esse mundo de novo, mas, desta
não coincidem com a posição do chão. Não
se embaralham, as referências se perdem e as
vez, em pintura – que pareça pintura e não
há sombras, mesmo que haja uma luz, e esta
sombras somem em trabalhos que ao mesmo
realidade. Para isso, os elementos do quadro
não se comporta de maneira normal no espaço
tempo querem estar próximos da realidade.
recebem tratamentos diferentes. O azulejo tem pinceladas mais ralas, enquanto os cachorros,
construído na tela. Entrar no trabalho de Ana Elisa Egreja não é tarefa fácil. Orgulhoso,
Aqueles que não se contentarem só com a
agora personagens com cada vez mais
imponente, ele não se entrega de maneira fácil.
imagem terão outra boa surpresa encontrando
personalidade, vêm carregados de tinta. Para
Mesmo que conseguisse entrar, dificilmente
também a pintura. Fazer essa passagem exige
Ana Elisa Egreja, a imagem não é uma simples
você ficaria de pé ali dentro.
esforço do espectador, e da artista, para manter
desculpa para ter o que pintar – e por isso
essa ambiguidade. Como usar grossas camadas
mesmo ela não tem medo de mostrá-la. Nesses
Cada tela revela possibilidades de espaços
de tinta e ainda assim manter a definição
trabalhos, as imagens não se transformam em
construídos, ou, melhor dizendo, colados.
da imagem? Há um limite. Um pouco mais e
pintura e, sim, são construídas com ela.
Cachorros encontrados em sites de busca e
aqueles contornos não segurariam tanta tinta.
bancos de imagens na internet, tecidos vindos
74
da coleção de retalhos da artista, azulejos
Existe ali um desafio de pintura, uma valorização
encontrados ao acaso e pisos por onde já
do fazer. A artista está interessada em como
Fernanda Lopes é jornalista, mestre em História e Crítica de Arte pela Escola de Belas Artes da UFRJ e autora do livro A experiência Rex – “Éramos o time do Rei” (Alameda, 2009).
James Bond, 2009, ost, 90x110cm
Ana Elisa Egreja, artista plástica, nascida em São Paulo, em 1983. Formou-se no ano de 2005 em Artes Plásticas pela FAAP e desde então tem se dedicado à pintura. Seus trabalhos levantam questões sobre a pintura decorativa e o conceito de colagem. Ano passado juntou-se com outros 7 pintores e fizeram o grupo 2000 e 8. Juntos, realizaram o sonho de apresentar uma exposição de jovens pintores – a convite do SESC Pinheiros/SP –, com direito a elogios da crítica. Entre suas exposições mais importantes destacam-se o 15° Salão da Bahia, no MAM-BA, e o Prêmio Energias na Arte, do Instituto Tomie Ohtake. Em ambos, teve sua obra premiada. Atualmente, Ana Elisa prepara sua primeira individual, prevista para 2010, na Galeria Laura Marsiaj – RJ. www.anaelisaegreja.blogspot.com
75
R I C A R D O
F A S A N E L L O
Janelas transitórias # 76
Antes das lanternas mágicas e do nascente cinema dos circos e das feiras populares, foi o trem que proporcionou uma das primeiras telas com imagens em movimento contínuo.
JANELAS TRANSITÓRIAS Ma u ro Tri n da de
T
rens sempre foram um tema querido entre
das vias, sem vegetação, casas ou qualquer
em direção ao futuro pode aqui ser substituída
os fotógrafos, do qual Richard Steinheimer
vestígio de presença humana. A menos que
pelo artista contemplativo cercado pelas
foi o grande cultor. As locomotivas fumacentas,
se interprete o ensaio como uma denúncia
imagens do mundo, sem se saber ao certo se o
os comboios elegantes e as linhas de trilhos a
foto-jornalística do impacto industrial sobre a
que se move é a paisagem ou o vagão. Mesmo
criar na fotografia um campo expressivo de ação
Natureza e da degradação urbana, as fotos se
o que há dentro e o que está fora se misturam
e velocidade foram tematizados por artistas tão
tornam vazias, com poucos trens, imprensados
em uma única visão, num jogo de reflexos que
diferentes quanto os irmãos Lumière, Cartier-
entre o céu e o solo enegrecidos. A neutralidade
duplica a própria fotografia e inverte o sentido
Bresson e Alfred Stieglitz.
das fotos, despidas de elementos afetivos, retira
do olhar. As Meninas também andam de trem.
do que é visto pela janela do vagão o foco do Mas o modal ferroviário – para usar uma
interesse da fotografia. Não há nada para ver. A
linguagem cara aos economistas – não é o forte
não ser a própria fotografia.
Mauro Trindade é professor e jornalista. É doutorando em História e Crítica de Arte pela EBA/UFRJ.
brasileiro. Na terra das grandes rodovias, a iconografia das estradas de ferro é quase sempre
Antes das lanternas mágicas e do nascente
documental e saudosista, com ensaios que
cinema dos circos e das feiras populares, foi o
denunciam o abandono e a beleza esquecida
trem que proporcionou uma das primeiras telas
das grandes máquinas do passado.
com imagens em movimento contínuo. Nessas Janelas transitórias voltamos a essa noção
78
Essa ausência de intimidade com os trens
primária. Mais do que fotogramas, são “vídeos
aumenta
Janelas
estáticos”, expressão com a qual Fasanello define
transitórias, ensaio de Ricardo Fasanello.
a fotografia digital. A imagem-movimento
São instantâneos registrados numa viagem
congela-se em um frame, um fragmento do
ferroviária entre Miami e Nova Iorque, na qual
tempo sem cronologia. É momento. Não é
o artista retratou a paisagem desvalida ao longo
memória. A metáfora da locomotiva avançando
a
estranheza
ante
as
Ricardo Fasanello nasceu em 1966 na cidade do Rio de Janeiro, trabalhou no Jornal do Brasil por três anos e meio, até 1992, quando mudou-se para Nova Iorque. Lá, trabalhou como assistente e depois tornou-se fotógrafo associado do Henry Bull Studio. De volta ao Brasil, fundou a agência Strana e trabalhou no mercado editorial, fotografando para as maiores publicações nacionais. Trabalhou por três anos como fotógrafo da agência francesa Gamma, no Brasil. Participou de seis edições do Arte de Portas Abertas, em Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Em 2007, expôs no Salão de Arte Contemporânea de Ribeirão Preto e, no ano passado, foi selecionado para o Salão de Arte Contemporânea Luiz Sacilotto, em Santo André, onde ganhou o Prêmio Aquisição. Também no ano passado recebeu menção honrosa no Urban Space 08, em Berlin, Alemanha. O artista tem várias exposições coletivas e três importantes individuais. Em 2003, expôs seu trabalho Período especial – Retratos de Cuba, no Centro Cultural da Justiça Federal, e, em 2004 e 2005, o trabalho Recombinando famílias, na galeria ArteXArte, em Buenos Aires e em Córdoba, na Argentina. Tem ainda trabalhos vendidos para colecionadores.
Janelas transitórias # 70
Janelas transitórias # 73 79
E S T H E R POR
B A U M A N
DUDA CARVALHO
MODELO
Luana Dachery (Way) MAKE-UP
Renner Souza (Abá Mgt.) 80
Plataforma de críticas e questionamentos sobre função e forma, há algum tempo a moda tem se apropriado de elementos artísticos, refletindo aproximações entre esta e a arte.
ARTE DA MODA C l a ra R ei s
S
egundo o filósofo alemão Walter Benjamin,
vez mais equidistante da moda comercial. Da
sociais e culturais que tais criações parecem
no livro Passagens, quanto mais efêmera é
série pura ousadia fashion-filosófica-artística.
traduzir. Oportunidades essas que, cá entre nós, as boas obras-primas devem sempre nos
uma época, tanto mais ela se orienta pela moda. Minimalistas e geométricas, as enigmáticas
primeira entrada do desfile (espetáculo!) de
peças da estilista Esther Bauman, igualmente,
verão 2010 da Acquastudio se fez na passarela
mais parecem ter saído do acervo de um dos
Cerebral e peculiar, a coleção da Acquastudio,
do último Fashion Rio, uma certeza irrefutável
top museus do mundo. Suas indumentárias
acima de tudo, parece dar boas-vindas a
ali se pôs: a moda nem sempre é sinônimo de
são um contraponto que protagoniza e faz
uma moda ousada e inspiradora. Muito
algo meramente transitório ou descartável. Ali
pensar no impacto da moda conceitual em
além do universo da moda, as criações de
definiu-se o espírito de toda a coleção. Mas,
detrimento do consumismo descartável da
Esther fazem parte também da arte, filosofia,
afinal, que moda é essa dos tempos atuais?
moda comercial. Marco de uma superação
design e arquitetura. Assim como uma boa e,
conceitual em passarelas cariocas, as peças-
especialmente, interessante criação deve ser.
Plataforma de críticas e questionamentos
esculturas da Acquastudio carregam, por sua
sobre função e forma, há algum tempo a moda
vez, o frescor e a liberdade de uma verdadeira
A dobradinha moda e arte, difinitivamente, é
tem se apropriado de elementos artísticos,
experiência estética. A invasão de elementos
das mais interessantes e bem sucedidas. A moda,
refletindo aproximações entre esta e a arte.
filosóficos e da arte nas indecifráveis criações
enfim, nunca foi tão surpreendentemente
Representante da vanguarda contemporânea da
da estilista, por si só, enchem os olhos de quem
artística.
moda britânica, Hussein Chalayan é um que há
não segue tendências passageiras. É coisa para
tempos percorre as meditações sobre esse longo
quem gosta de experimentar.
namoro da moda com a arte. Não à toa, este ano,
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proporcionar.
Relativizando esse entendimento, quando a
o rapaz ganhou uma exposição (!) exclusiva no
Vestidos estruturados com barbatanas, crinol,
Design Museum, em Londres. Por lá, móveis se
formas espiraladas e circulares, gomos e
transformaram em roupas; um vestido surgiu
gigalaços dão todo o tom de uma estação
a partir de materiais usados na construção de
futurista repleta de complexas noções culturais.
aeronaves; e 15 mil cristais Swarovski deram
Para vestir e/ou apenas admirar. Certamente,
vida a um outro modelo de roupa. O que se viu
uma estimulante manifestação do livre pensar
na mostra foram experimentações, influências,
crítico, concomitantemente, aí se coloca.
inspirações e uma identidade cultural só dele –
Trata-se de um convite para um interessante
muito próxima da arte contemporânea e cada
mergulho filosófico sobre diferentes questões
Clara Reis nasceu em 1985, no Rio de Janeiro. Estudante de Jornalismo da Puc/RJ, foi redatora do site Radar55 e mergulhou em diversas semanas de moda para o site do canal de televisão a cabo GNT. Atualmente é repórter do portal feminino Bolsa de mulher. Esther Bauman, estilista, atua há 20 anos no mercado de vestidos de festa. Atualmente comanda a marca Acqua Studio. Duda Carvalho é fotógrafo, nascido em 1968. Recebeu o Prêmio Hasselblad Master em 2003 e entre publicações feitas no exterior inclui ensaio em Polaroid no livro Graphis Nudes III (EUA). Já expôs em coletivas, como na Funarte (1997) e no Tokyo Metropolitan Museum of Photography (2002). Atualmente está sendo representado pela Global Assignment by Getty Images. www.dudacarvalho.com
P A T R Í C I A
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G O U V E A
Fenda#1.1, 2003, fotografia p&b, 60x60cm, coleção Hilal Sami Hilal 85
Fenda#2.1, 2004, fotografia p&b, 60x60cm
Fenda#3.1, 2003, fotografia p&b, 60x60cm
UMA FENDA NO TEMPO A R Q U É T I P O S F E M I N I N O S D E V I D A E M O R T E N A S I M A G E N S D E PAT R I C I A G O U V Ê A
C l a u di a Bu zzetti
F
enda s.f. abertura longa e estreita; racha;
Essa referência, dada pela própria fotógrafa,
prolongando o tempo do vencimento da
frincha; fissura. Uma sugestão, à meia-
nos indica um caminho para ler a história de
película com uma longa exposição. Sobrepondo
voz, nos acompanha olhando as imagens. Uma
Fenda, que aos poucos torna-se quase um nome
o tempo ao tempo, tenta superar os limites
referência ao feminino que é quase impossível
próprio – uma outra deusa que aparece nos
do meio fotográfico. Uma ideia bergsoniana
de ser ignorada, um fil rouge, uma chave de
fotogramas e que logo desaparece, deixando
do tempo, que não existe como instante, mas
leitura. Patricia Gouvêa explora nessas imagens
uma pista, além de alguns “pertences”.
como duração – conceito que se torna ainda mais interessante para se pensar a fotografia.
um universo de arquétipos e dispõe elementos fundamentais que definem uma pesquisa pessoal
O ponto de partida dessa viagem foi “um lote
sobre a fotografia e sobre o seu próprio gênero.
de filme médio formato, em preto e branco,
Muitas são as questões fundamentais no âmbito
com prazo de validade vencido há pelo menos
da fotografia. Mas uma parece central no percurso
A referência principal, além dos modelos e
10 anos”. E um livro como inspiração, da artista
do trabalho de Patricia Gouvêa: o Tempo. E nessa
das idéias que pertencem à nossa consciência
Francesca Woodman. Essa série, criada entre
coletiva, é a deusa nórdica da vida e da morte:
2003 e 2004, foi realizada com uma câmera
Hel. Sua tarefa é muito interessante, pois ela
sem fotômetro, a Rolleiflex, e nos apresenta um
ajuda os mortos a rejuvenescer, até eles estarem
lugar de intimidade da artista.
série ela leva ao extremo seu interesse principal, pois investe na ideia de instantâneo fotográfico – que congela e retém –, de morte e vida eterna, como a própria deusa Hel.
prontos para renascer: o tema da reencarnação,
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que não pertence só ao mundo oriental, mas que
Com esse material, Patricia decide “fazer uma
aparece também em nossa própria cultura.
experimentação sobre o limite do filme”,
Claudia Buzzetti (Plymouth, GB, 1978) é historiadora e crítica independente de fotografia. Formada pela Università degli Studi di Bologna, vive e trabalha atualmente no Rio de Janeiro.
Fenda#3.2, 2003, fotografia p&b, 60x60cm
Fenda#3.3, 2003, fotografia p&b, 60x60cm
Patricia Gouvêa nasceu em 1973, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha. Cursou a ECO/UFRJ, por onde também é mestre em Tecnologias da Comunicação e Estéticas da Imagem. Em 2002, ganhou o prêmio de melhor trabalho com a série Imagens posteriores no Encuentros Abiertos de Fotografía de Buenos Aires, principal festival de fotografia da América Latina. Em 2003, realizou sua primeira individual na então Galeria Lana Botelho Artes Visuais (atual Galeria 90 Arte Contemporânea). Em seguida, realizou exposições individuais e participou de coletivas no Brasil, Argentina, Colômbia, Equador, França, Itália e Suécia. Tem obras em coleções institucionais (MNBA/RJ) e privadas (Joaquim Paiva, BR; Solita Mishan, EUA; Cesar Gavíria, CO) e nos acervos das galerias Arte em Dobro, TEMPO, Valu Oria e da galeria virtual ArtSalon. É diretora artística do Ateliê da Imagem desde sua fundação e integrante do coletivo Grupo DOC. Mantém o site www.patriciagouvea.com
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90
R O G É R I O R E I S
Sur le Jardin du Luxembourg 2 89
Sur le Jardin des Tuileries
O VOO DE PAPEL
M
arrimage, nome criado pela fusão das palavras francesas marriage (casamento) e image (imagem), vai
mostrar imagens montadas pela sobreposição de pares de fotografias feitas por franceses e brasileiros sobre a cidade de Paris. O lado francês tem como curador Alban de la Fontaine e o trabalho apresentado aqui é anterior à fusão proposta pelos curadores. Trata-se de uma homenagem ao nosso Santos-Dumont na forma de performance lúdica, fazendo “voar” um protótipo do 14-Bis nos céus de Paris, ao vivo, sem Photoshop.
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Sur le Jardin du Luxembourg
Sur l’Odeon
Autour de la Tour Eiffel
Rogério Reis é fotógrafo, vencedor do Prêmio Nacional de Fotografia da Funarte (1999) pela coleção publicada no livro Na lona, retratos de um carnaval, (Aeroplano 2001). Suas séries dos Surfistas de trem do ramal de Japeri (1988) e Microondas (2005), sobre a barbárie dos fora da lei, foram expostas e adquiridas pela MEP – Maison Européenne de la Photographie (Paris, 2007). Em 2006, desenvolveu Travesseiros vermelhos – Red pillows, um estudo sobre os sobreviventes da chacina de Vigário Geral (acervo AfroReggae). No FotoRio deste ano apresentou Av. Brasil 500, um ensaio autobiográfico sobre os escombros da antiga sede do Jornal do Brasil. O voo de papel, uma performance nos céus de Paris, faz parte do projeto Marrimage, desenvolvido pelos curadores Marco Antonio Portela (Brasil) e Alban de la Fontaine (França), a propósito do ano da França no Brasil. www.rogerioreis.com.br
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cerebelo 94
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