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2O trem e os imigrantes
O trem e os imigrantes
A característica de centro irradiador de desenvolvimento econômico ganhou impulso em Campinas com a expansão da produção cafeeira e a implantação do sistema ferroviário, a partir da década de 1870. A cidade vive, então, uma fase de contínuo crescimento, que suscitou o aparecimento de companhias de serviços públicos (iluminação a gás em 1875; luz elétrica em 1886; bondes e telefones em 1884) e investimentos em saneamento básico, com a construção da rede pública de água e esgoto na última década do século 19. A aristocracia rural consolidada no antigo ciclo do açúcar e, agora, dedicada à cultura cafeeira, deixa as fazendas e passa a residir no núcleo urbano de Campinas. O fl orescimento da cidade induz ao surgimento de escolas e de atividades culturais – em 1850 é inaugurado o Teatro São Carlos, com 62 camarotes e 250 lugares na platéia –, além de casas de saúde e estabelecimentos congêneres – a Santa Casa de Misericórdia abriu suas portas em 1876.
Em 21 de março de 1872, com o capital de 3 mil contos de réis propiciado pelos lucros constantes dos cafeicultores da região, fundou-se a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, com sede em Campinas. A implantação de uma malha de transportes rápidos e modernos delineava o destino político, o alcance estratégico e a fi nalidade econômica da cidade.
Plataforma da Estação Ferroviária de Anhumas. Campinas (SP), 2007
Maria-fumaça no pátio da Estação Anhumas. Campinas (SP), 2007
A ferrovia veio para acelerar o movimento em direção ao progresso. Sobre isso escreveu o engenheiro Max Vasconcellos, em A estrada de ferro Central do Brasil (Litho-Typographia Pimenta de Mello, Rio de Janeiro, 1928):
“Estrada de ferro no Brasil é causa de progresso e não conseqüência dele; citaríamos centenas de exemplos de localidades ou regiões cujo progresso nasceu ou se desenvolveu com a chegada do trem, desbravador dos sertões. Mas basta recordar o oeste de São Paulo. Quando éramos alunos de Geografi a (e isso não foi no reinado do Sr. D. João VI), víamos a carta do Estado de São Paulo com uma porção de linhas férreas, quase todas traçadas em direção norte e interrompidas por outra porção de rodelas negras, que eram as cidades ou vilas. Do lado, porém, de oeste, aparecia no mapa uma vasta mancha amarela, como o desânimo, cortada por uma legenda de letras muito gordas, que diziam: ‘Região desconhecida e habitada pelos índios’. Isto (...) foi antes de a Sorocabana e a Noroeste terem atravessado a região. Os fi os condutores do progresso chegaram às margens do [rio] Paraná e aquela região ‘desconhecida’ em 15 anos tornou-se uma Canaã procurada, povoada, cultivada e tão ‘conhecida’ que foi administrativamente demarcada em ricos e prósperos municípios. (...) Linha de ferro, no Brasil, é condição precípua para a entrada da civilização no riquíssimo e vasto território sertanejo, habitado por esparsos núcleos de população inculta, mas que ansiosa e acolhedoramente esperam ouvir o silvo da locomotiva, sinal certo e infalível da aproximação do progresso.”
Com a nova companhia trabalhando a todo vapor, em maio de 1873 era concluído o trecho de 34 quilômetros entre Campinas e Jaguary, atual Jaguariúna. Três meses depois, os trilhos chegavam a Mogi Mirim, num total de 41 quilômetros – uma obra que mereceu a honra de ser inaugurada pelo imperador D. Pedro II, em 27 de agosto de 1873. Também nesse ano entrou em operação o ramal de Amparo, numa extensão de 30 quilômetros. E, em janeiro de 1878, a estrada de ferro chegou a Casa Branca, a 172 quilômetros de Campinas.
No embalo do progresso econômico e da necessidade de garantir o escoamento da crescente produção cafeeira, a Companhia Mogiana investiu nos planos de levar seus trilhos ao Triângulo Mineiro e ao sul de Minas Gerais. O ramal de Poços de Caldas foi concluído em 1886, o Rio Grande foi atingido em 1888 e o ramal de Franca, em 1889.
No último quartel do século 19, a atividade econômica com base no trabalho escravo dava mostras de exaustão e, em paralelo, deixava aflorar intransponíveis dilemas morais. O governo central já havia adotado uma política de incentivo à imigração, por meio da doação de lotes de terra, com vistas à ocupação dos territórios do sul do país por pequenos proprietários rurais. Primeiro chegaram os alemães e, a partir de 1870, os italianos – ambas nacionalidades que se tornaram majoritárias entre os imigrantes das então províncias de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
A crise do sistema escravista, acentuada nos anos 1880, acelerou um intenso movimento imigratório estimulado pelo governo imperial, agora com foco na substituição da mão-de-obra escrava das lavouras de café e tendo São Paulo como principal ponto de atração. Campinas acolheu muitos imigrantes, que com o passar dos anos inseriram-se profundamente na cultura local e ali fincaram raízes sólidas.
Tanto para chegar a Campinas quanto para alcançar os locais onde iriam morar e trabalhar, era o trem o principal meio de transporte.
Mapa com o traçado da ferrovia que liga Campinas à cidade de Jaguariúna. Campinas (SP), 2007