Revista E - julho/2023

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Rita Lee

Ousadia e irreverência marcam vida e obra da artista

Semear saberes

Cinco artistas

falam das conexões entre aprender e ensinar

Sérgio Vaz

Poeta ilumina a cena literária periférica com a chama das palavras

Gol das mulheres

Cresce presença feminina na cobertura do futebol na mídia

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Revista E | julho de 2023 nº 1 | ano 30

Venha participar do festa!

Com mais de 500 atividades gratuitas em todas as unidades do Sesc São Paulo, o festival reúne cursos, oficinas, feiras, bate-papos e demonstrações variadas nos universos das artes e tecnologias.

sescsp.org.br/festa

CAPA: Obra Meninos assistindo a jogo de fora do estádio do Pacaembu (São Paulo, 1941), que faz parte da exposição CRIA: experiências de invenção, em cartaz no Sesc Piracicaba a partir deste mês. Com curadoria do artista visual Marconi Drummond, a mostra reúne trabalhos em vídeo, fotografia, jogos tradicionais, poesia visual e música, que celebram a criatividade.

Foto: Thomaz Farkas/ acervo Instituto Moreira Salles

Leia também a revista em versão digital na sua plataforma favorita:

Um pacto que se renova

Portal do Sesc (QR Code ao lado)

O Brasil vivia um cenário muito diferente de hoje quando, em 1946, um grupo de empresários do setor de comércio de bens, serviços e turismo criou o Sesc – Serviço Social do Comércio. Com o objetivo de promover o bem-estar de seus trabalhadores e familiares, bem como de toda a comunidade, a entidade se constituía no contexto de um mundo pós-guerra e de um país que se redemocratizava e que encarava as mudanças de um forte processo de urbanização.

APP

Legendas Acessibilidade

Unir forças em favor do desenvolvimento nacional era o ponto de convergência desses pioneiros, num compromisso documentado na Carta da Paz Social, resultante de um encontro realizado em Teresópolis (RJ), em 1945, que se tornou também a base da criação do Sesc.

Em estabelecimentos de uso coletivo é assegurado o acompanhamento de cão-guia. As unidades do Sesc estão preparadas para receber todos os públicos.

Mais de sete décadas depois, um diferente contexto se configura no país, hoje predominantemente urbanizado e com os inúmeros desafios da vida nas grandes metrópoles. Buscar caminhos para proporcionar qualidade de vida à população segue, porém, como o foco de atuação do Sesc, por meio de uma sólida e hoje publicamente reconhecida ação de caráter educativo permanente nos campos da cultura, do lazer, dos esportes, do turismo, da saúde e alimentação. Trata-se, portanto, de um pacto com a sociedade, renovado diariamente, dialogando com o tempo presente e visando sempre o bem comum.

Sesc São Paulo para tablets e celulares

A arte de ensinar

Múltiplos são os caminhos que envolvem o processo de ensino-aprendizagem.

Sobretudo fora do ambiente escolar, no qual o conhecimento é estruturado e sistematizado num fluxo historicamente estabelecido. No campo que se constitui como educação não formal, diversificam-se os formatos e os métodos de ensinar e aprender, seja pela oralidade dos griôs da tradição africana, pela prática da celebração da coletividade da cultura indígena ou pelo conhecimento ancestral que é transmitido de geração em geração num mesmo círculo familiar, os saberes são compartilhados e modificados, num movimento contínuo e perene. Nisso está também a beleza da condição humana: perpetuar-se na mesma medida em que recebe e transmite essa herança cultural. Ensinar é, portanto, também tornar-se imortal, de certo modo, vivendo no e pelo outro.

O que o motiva a ensinar? E como aprendeu?

Essas foram perguntas feitas a cinco artistas que participam, neste mês, do FestA! –Festival de Aprender, nas unidades do Sesc. As respostas estão reunidas em reportagem desta edição da Revista E, que traz, ainda, entrevista com o poeta e agitador cultural Sérgio Vaz, na qual relata seu encantamento pela literatura. Na seção Encontros, uma reflexão da educomunicadora e pesquisadora

Januária Cristina Alves sobre a importância da educação midiática no combate à desinformação. Boa leitura, bons aprendizados!

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC

Administração Regional no Estado de São Paulo

Av. Álvaro Ramos, 991 – Belenzinho

CONSELHO REGIONAL DO SESC EM SÃO PAULO

Presidente: Abram Abe Szajman

Diretor Regional: Danilo Santos de Miranda

Efetivos: Arnaldo Odlevati Junior, Benedito Toso de Arruda, Dan Guinsburg, Jair Francisco Mafra, José de Sousa Lima, José Maria de Faria, José Roberto Pena, Manuel Henrique Farias Ramos, Marcus Alves de Mello, Milton Zamora, Paulo Cesar Garcia Lopes, Paulo João de Oliveira Alonso, Paulo Roberto Gullo, Rafik Hussein Saab, Reinaldo Pedro Correa, Rosana Aparecida da Silva, Valterli Martinez, Vanderlei Barbosa dos Santos

Suplentes: Aguinaldo Rodrigues da Silva, Aldo Minchillo, Antonio Cozzi Junior, Antonio Di Girolamo, Antonio Geraldo Giannini, Célio Simões Cerri, Cláudio Barnabé Cajado, Costabile Matarazzo Junior, Edison Severo Maltoni, Marco Antonio Melchior, Omar Abdul Assaf, Sérgio Vanderlei da Silva, Vilter Croqui Marcondes, Vitor Fernandes, William Pedro Luz

REPRESENTANTES JUNTO AO CONSELHO NACIONAL

Efetivos: Abram Abe Szajman, Ivo Dall’Acqua Júnior, Rubens Torres Medrano

Suplentes: Álvaro Luiz Bruzadin Furtado, Marcelo Braga, Vicente Amato Sobrinho

CONSELHO EDITORIAL | Revista E

Adenor Serrano Domiense, Adriano Ladeira Vannucchi, Alexsandra Xavier Do Egito Costa, Aline Ribenboim, Aline Sagiorato de Castro, Ana Paula Fraay Moyses Henriques, Andréa de Oliveira Rodrigues, Barbara Caroline da Silva Ramos de Freitas, Camila Freitas Curaçá, Carlos Daniel Dereste, Carolina Vidal Ferreira, Cherrye Mendes Virote, Cinthya de Rezende Martins, Cléber de Lima Franco Tasquin, Corina de Assis Maria, Cristiane Pereira Isidio Di Berardini, Danny Abensur, Diego Polezel Zebele, Diego Vinicius Teixeira Ferreira, Eduardo Santana Freitas, Emily Fonseca de Souza, Felipe Veiga do Nascimento, Fernanda Porta Nova, Filipe Augusto Miranda, Flávia Reis Nocetti, Flávia Teixeira S. Coelho, Geraldo Cruz e Silva Neto, Gislene Lopes Oliveira, Giulia Maria de Campos Manocchi, Gustavo Henrique Prevatto Zani, Gustavo Henrique Torrezan, Gustavo Nogueira de Paula, Ivan Lucas Araújo Rolfsen, Jose Mauricio Rodrigues Lima, Juci Fernandes de Oliveira, Julia Parpulov Augusto dos Santos, Karen Cristine Pimentel dos Santos, Lígia Helena Ferreira Zamaro, Marcel Antonio Verrumo, Maria Aparecida da Silva, Mariana Lins Prado, Mariana Martelli da Costa, Marina Reis, Monique Mendonça dos Santos, Natalia de Souza Freitas, Patricia Maciel da Silva, Paula Caroline de Oliveira Souza, Pollyanna Dibbern Asbahr, Priscila dos Santos Dias, Priscila Fischernes, Rachel Amoroso Gonsalves, Rafaela Ometto Berto, Renan Cantuario Pereira, Renata Barros da Silva, Ricardo Lemos Antunes Ribeiro, Ricardo Tacioli Serafini, Roberta Santos Assef, Roberto Cristiano Santana Santos, Rodrigo Rodrigues Griggio, Rogério Wong De Oliveira, Romeu Marinho C. Ubeda, Sérgio Francisco Seabra Moreira, Silvia Cristina Garcia, Stephany Tiveron Guerra, Tamara Demuner, Thaís Cristina Kruse, Thaís Ferreira Rodrigues, Thiago Zuniga Ferri, Tonny Aranha, Valeria Mantovani de Andrade Alves, Viviane Machado Lemos

Coordenação-Geral: Aurea Leszczynski Vieira Gonçalves

Editora-Executiva: Adriana Reis Paulics • Projeto Gráfico e Diagramação: Bruno Thofer e Larissa Ohori • Edição de Textos: Adriana Reis Paulics, Guilherme Barreto e Maria Júlia Lledó • Revisão de Textos: Cláudio Leite • Edição de Fotografia: Adriana Vichi • Repórteres: Luciane de Castro, Luna D’Alama, Manuela Ferreira e Maria Júlia Lledó • Coordenação-Executiva: Fernando Fialho • Coordenação

Editorial Revista E: Adriana Reis Paulics, Guilherme Barreto e Marina Pereira •

Propaganda: Daniel Tonus e José Gonçalves Júnior • Arte de Anúncios: Ariane Ramos de Azevedo • Supervisão Gráfica: Rogerio Ianelli • Finalização: Bruno Thofer e Larissa Ohori • Criação Digital Revista E: Ana Paula Fraay • Circulação e Distribuição: Nelson Soares da Fonseca

Jornalista Responsável: Adriana Reis Paulics (MTB 37.488)

A Revista E é uma publicação do Sesc São Paulo, sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social

Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios Esta publicação está disponível para retirada gratuita nas unidades do Sesc São Paulo e também em versão digital, em sescsp.org.br/revistae e no aplicativo Sesc SP para tablets e celulares (Android e IOS).

Fale conosco: revistae@sescsp.org.br

Cinco artistas de diversas áreas, linguagens e origens compartilham inspirações do ofício de ensinar e aprender

Como ilustrações de autoria negra em livros infantis inspiram outras formas de ser e enxergar o mundo

Confira os destaques da programação do mês, entre eles o FIT Rio Preto – Festival Internacional de Teatro

Poeta e agitador cultural Sérgio Vaz, criador do Sarau da Cooperifa, celebra o despertar das potências periféricas na literatura brasileira

Enquanto a bola rola em campo, cada vez mais mulheres se destacam como narradoras, jornalistas e comentaristas de futebol

dossiê entrevista artes e tecnologias bio gráfica esportes

Do rock’n’roll ao pop, Rita Lee deixou um legado criativo de transgressão e liberdade na música, na TV, no cinema e na escrita

p.11 p.16 p.24 p.34 p.40

p.54

SUMÁRIO
Adriana Vichi (Entrevista); Ilustração de Edson Ikê para o livro Edith e a velha sentada (Pallas, 2ª edição, 2021), escrito por Lázaro Ramos (Gráfica).

Artigos de Luiz Augusto Campos e Emerson Ferreira Rocha refletem sobre a desigualdade racial no mercado de trabalho brasileiro

Slam das Minas SP e Ju Vicentis

Atriz Rosi Campos relembra personagens marcantes, refletindo sobre processo criativo e diferença de gerações na arte

Januária Cristina Alves

Casarões tombados em diferentes regiões de São Paulo abrem as portas para visitação pela memória patrimonial da capital

em pauta encontros inéditos depoimento almanaque P.S.

p.60

p.66 p.70 p.74 p.78 p.82

David Carlo Yauri Caman Dirceu Neto (Encontros); Ilustração de Ju Vicentis (Inéditos); Instituto Casa Vilanova Artigas/Foto: Drausio Tuzzolo (Almanaque).

Cataventos

H mínio Be o de C valho

A trajetória ímpar de Hermínio Bello de Carvalho gera este Cataventos , álbum que reúne novos e velhos companheiros para entoar 15 canções, sendo 13 delas inéditas, celebrando a longevidade e inquietude do poeta, figura incontornável da música brasileira. Com participações de Maria Bethânia , Joyce , Alaíde Costa , Ayrton Montarroyos , Gabi Buarque e estelar elenco.

DISPONÍVEL

NAS PLATAFORMAS DE STREAMING

Visite a loja virtual e conheça o catálogo completo sescsp.org.br/loja

/selosesc

LANÇAMENTO SELO SESC

Espetáculo Big Bang, do coletivo Biolumini, em apresentação no Sesc Itaquera, em junho, como parte da programação da sétima edição do Circos - Festival Internacional Sesc de Circo. Inspirada na origem do universo, a obra utiliza múltiplas formas de manifestações do fogo, em meio a números acrobáticos, de equilíbrio, ilusão e malabarismo.

José Maria 9 | e
Matheus
em cena

21 a 30 de julho

Venha Experimentar Música de forma descomplicada e divertida, por meio de vivências, espetáculos, instalações interativas, oficinas e muito mais!

Nas unidades: Consolação, Guarulhos, Vila Mariana, Jundiaí, Santos e Rio Preto.

sescsp.org.br/vem

A cidade está artista

São

José do Rio Preto

mais uma edição do FIT –Festival Internacional de Teatro, com 30 espetáculos nacionais e internacionais que celebram a produção cênica contemporânea

(SP) recebe

De 20 a 29 de julho, diversos artistas e companhias teatrais ocupam a cidade de São José do Rio Preto (SP), no noroeste paulista, para celebrar a edição 2023 do FIT Rio Preto - Festival Internacional de Teatro. O evento, com 54 anos de história, é um dos mais antigos festivais de artes cênicas do país, proporcionando um espaço de discussão e reflexão sobre esta linguagem artística, com uma programação que reúne espetáculos e atividades formativas voltadas à democratização da produção, acesso e fruição cultural.

Correalizado pela Prefeitura de São José do Rio Preto, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, e pelo Sesc São Paulo, o FIT é, segundo Thiago Freire, gerente do Sesc Rio Preto e coordenador geral do festival, um marco para a cidade. “É muito significativo para um município do interior de São Paulo se colocar como ponto de encontro, uma espécie de encruzilhada onde criadores com diversas origens e

diferentes preferências criativas encontram-se com públicos igualmente diversos." Para além disso, segue Freire, “é muito rico o modo como a cidade, em seus equipamentos públicos, praças, ruas e nas instalações do Sesc, mobiliza-se para receber artistas e promover o acesso das pessoas a uma programação sempre inovadora e dinâmica”, completa.

Pedro Ganga, secretário de cultura da cidade e também coordenador geral do festival, defende o FIT como um espaço de resistência. “Assim como outros festivais de teatro, o FIT é exemplo da força da escuta na cultura e na arte. É vitrine para o cenário teatral, reunindo produções variadas de diferentes países e regiões, que permite a troca de experiências entre artistas e público.”

A curadoria, composta por Fernanda Julia Onisajé (BA), Fernando Yamamoto (RN) e Tommy Della Pietra (SP), propôs uma grade

de programação composta por 30 espetáculos, representados por Argentina, Brasil, Portugal e Reino Unido. Na abertura, dia 20/7, às 20h, será apresentado, no Anfiteatro Nelson Castro, na Represa Municipal da cidade, o espetáculo De Tempo Somos, do Grupo Galpão (MG).

Confira a programação completa: fitriopreto.com.br

Thiago Freire, gerente do Sesc Rio Preto e coordenador geral do FIT

Guto Muniz
Na abertura do FIT, dia 20/7, o Grupo Galpão (MG) apresenta o espetáculo De Tempo Somos, na Represa Municipal.
“É muito rico o modo como a cidade, em seus equipamentos públicos, praças, ruas e nas instalações do Sesc, mobiliza-se para receber artistas e promover o acesso das pessoas a uma programação sempre inovadora e dinâmica"
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DOSSIÊ

Caricatura do poeta e produtor musical Hermínio Bello de Carvalho feita pelo artista Eduardo Baptistão.

PERFIS CARICATOS

Durante A Feira do Livro, realizada em junho deste ano, em São Paulo (SP), as Edições Sesc São Paulo lançaram a publicação Passageiro de relâmpagos: crônicas friccionais e perfis inexatos, um compilado de textos, em sua maioria inéditos, do compositor, poeta e produtor musical Hermínio Bello de Carvalho, que celebra mais de 70 anos de carreira. Organizado pela cantora Joyce Moreno e ilustrado por caricaturas assinadas por Eduardo Baptistão, o livro traz à tona as memórias do autor, a maioria traçando perfis de artistas que conviveram e trabalharam com ele, como Cartola (1908-1980), Pixinguinha (1897-1973), Paulinho da Viola e Dona Ivone Lara (1922-2018). Conheça em: sescsp.org.br/edicoes

Democracia em debate

Com base na proposta de 1985, do agitador cultural Caio Graco, de fornecer ferramentas do conhecimento voltadas para a formação política e literária da sociedade, o seminário Como renasce a democracia?, tem por objetivo

desenvolver uma reflexão sobre os desafios do presente e a construção de uma agenda democrática para o futuro. Organizado pelo Centro de Pesquisa e Formação do Sesc (CPF), e com curadoria da historiadora Heloisa Murgel Starling, a programação acontece no Sesc Pompeia, na zona oeste de São Paulo, nos dias 25 e 26/7.

Entre os participantes, estão a escritora Eliane Potiguara, a geógrafa Márcia Kambeba, o pesquisador Eugênio Bucci e o estilista Ronaldo Fraga. Também será realizada uma palestra com a ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia Rocha Antunes. Inscrições em: sescsp.org.br/cpf

Eduardo Baptistão
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Sobe o som

Um convite para ouvir, aprender e fazer música de forma livre, descomplicada e divertida. Neste mês, o Sesc São Paulo realiza o VEM –Venha Experimentar Música, que entre os dias 21 e 30/7, oferece 70 atividades gratuitas, entre vivências, audições, apresentações e cursos, para imersão musical e experimentação em técnicas, sons e melodias. Seis unidades –Consolação, Guarulhos, Vila Mariana, Santos, Jundiaí e Rio Preto – recebem, entre outros destaques, uma masterclass com Paulo Santos, uma vivência com o grupo Mawaca, um curso de construção de miniamplificador para guitarra e uma oficina de canções de bordar. Participe: sescsp.org.br/vem

OUTRAS PÁTRIAS

Obra mais recente do diretor Felipe Hirsch, o longa-metragem Nossa pátria está onde somos amados (2022) é exibido pelo SescTV a partir deste mês. Gravado no Museu da Língua Portuguesa, na capital paulista, durante uma série de eventos em celebração ao Dia Internacional da Língua Portuguesa, o filme é um ensaio sobre as

VAMOS PASSEAR?

Estimular a descoberta de novos lugares, familiarizar as crianças com a própria cidade e região, além de proporcionar experiências sobre a cultura de viagem fazem parte da proposta do Oba! Férias!, projeto do Sesc São Paulo que

realiza atividades de Turismo

Social voltadas ao público infantil, durante este mês. Na programação, passeios, oficinas, bate-papos, vivências e mais de 30 atividades realizadas em 27 unidades do Sesc na capital, interior e litoral. Confira a programação completa em: sescsp.org.br/obaferias

palavras que nos unem e nos afastam, e como somos formados por uma variedade de pátrias. O documentário, que conta com entrevistas que criam uma narrativa composta pela multiplicidade de origens, ideias e culturas, traz a complexidade da língua portuguesa em um momento singular do país. Estreia 29/7, sábado, às 22h, no SescTV e sob demanda em: sesctv.org.br/nossapatria

Rafael Munduruca (Vamos
Reprodução (Outras
passear?);
pátrias)
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O advogado, filósofo e atual ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, Silvio Almeida, é um dos entrevistados do documentário Nossa pátria está onde somos amados, em exibição no SescTV.
DOSSIÊ

FAÇA SUA CREDENCIAL PLENA

Pessoas que trabalham ou se aposentaram em empresas do comércio de bens, serviços ou turismo podem fazer gratuitamente a Credencial Plena do Sesc e ter acesso a muitos benefícios. São aceitos registro em carteira profissional (com contrato de trabalho ativo ou suspenso), contrato de trabalho temporário, termo de estágio e de jovem aprendiz, e pessoas desempregadas dessas empresas até 24 meses.

Para fazer ou renovar a Credencial Plena de maneira online e de onde estiver, baixe o app Credencial Sesc SP ou acesse centralrelacionamento.sescsp. org.br. Se preferir, nesses mesmos locais é possível agendar horário para ir presencialmente a uma das Unidades (compareça com a documentação necessária).

A Credencial Plena é o acesso para trabalhadores e dependentes ao uso dos serviços e programações nas Unidades do Sesc.

Sobre a Credencial Plena:

• É gratuita

• Tem validade de até dois anos

• Pode ser utilizada nas Unidades do Sesc em todo o Brasil

• Prioriza os acessos às atividades do Sesc

• Oferece descontos nas atividades e serviços pagos

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PARA FAZER OU RENOVAR A CREDENCIAL PLENA DO SESC SÃO PAULO
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Ricardo Ferreira

À luz da palavra

Poeta e agitador cultural

Sérgio Vaz ilumina as periferias paulistanas com a chama da expressão literária

Imagine alguém que trabalha muito e só quer chegar em casa e abrir um livro, fazendo da literatura e da poesia um porto seguro de alegria, tristeza e boas histórias. É isso que Sérgio Vaz vem almejando ao longo de mais de trinta anos de escrita, compartilhados em diversos livros publicados, entre eles Literatura, Pão e Poesia (Global Editora, 2011): apresentar novos mundos aos leitores e ajudar as pessoas a desenvolverem o gosto pelas palavras.

Aos 59 anos, ele organiza, desde 2001, o Sarau da Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia), no Bar do Zé Batidão, às terças-feiras, no Jardim Guarujá, zona sul da cidade. Um espaço onde “o poeta faz a gentileza de ler e a comunidade faz a gentileza de ouvir. E nessa troca de gentilezas, entra a literatura”. Escritor, agitador cultural e idealizador da Semana de Arte Moderna da Periferia, criada em 2007, Vaz lançou recentemente sua nona obra, Flores da Batalha (Global Editora, 2023), com prefácio do rapper Emicida e ilustrações do artista Mauricio Negro, sobre o cotidiano de dores e alegrias de quem mora nas periferias.

POR LUCAS ROLFSEN FOTOS ADRIANA VICHI
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No dia 15 de junho, o Sesc Campo Limpo recebeu o escritor para o lançamento da terceira temporada da série Super Libris, do SescTV, da qual ele participa como um dos entrevistados. Na ocasião, Vaz conversou com a Revista E sobre sua infância, quando jogava bola e viu florescer a paixão pelas palavras, além de falar sobre processo criativo e o despertar das potências periféricas na cena literária brasileira.

Como foi a transformação de um menino periférico que jogava bola em um apaixonado pela poesia?

Meu pai, apesar da vida simples que a gente levava, gostava de ler, e acabei imitando. Lógico que eu não compreendia nada, mas achava bonito. Ele percebeu isso e começou a comprar livros infantis para mim. Morando numa região muito violenta, um lugar aprazível eram os livros: o poder da imaginação, estar onde eu gostaria, em detrimento do espaço de violência que tinha ao redor. Comecei a ler muito cedo, mas não tinha ideia de escrever, achava que era uma coisa de intelectuais. Também não gostava de poesia, tinha preconceito de ser uma coisa difícil, que ninguém entendia direito. Gostava de ler os romances. Os livros supriram a falta de escola que eu tive.

O que foi a primeira coisa que você escreveu? Antigamente, tinha uns cadernos de perguntas e respostas no ginásio: “gosta de quem?”, “deixe um verso”. Me lembro de escrever algumas coisas que meus amigos e amigas achavam bonitas, e escrevia embaixo: “idem”. Já percebia que as pessoas achavam legal, a forma que eu respondia nunca era direta, era sempre um floreio. Já era meio malandro nas palavras. No dia a dia até que não, mas nas palavras, eu era meio malandro [risos].

Um dos espaços preferidos de Sérgio Vaz quando ele está em casa é sua biblioteca pessoal, composta por livros que ajudaram a formar sua paixão pelas palavras.

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Era o lugar da escrita esse espaço onde você se sentia seguro?

Desde cedo, as palavras atravessam a minha humanidade. Lia um livro como quem lê uma carta de amor, e cada vez que eu saía dele, saía diferente. Tinha mais vontade de viver, achava mais graça nas coisas, tinha menos medo da rua, menos medo de mim. Minha mãe se separou do meu pai muito cedo, foi embora, e cresci sem mãe.

A maioria dos jovens cresce sem pai. Pude resolver vários problemas que tinha através dos livros.

A partir de que momento você passou a se ver como autor?

Na minha juventude, até 1981, mais ou menos, eu gostava de ir às domingueiras e ouvir Marvin Gaye (1939-1984), Betty Wright (1953-2020), Jimmy “Bo” Horne. Fui servir o exército em 1983 e comecei a pegar gosto pela Música Popular Brasileira: Chico [Buarque], Caetano [Veloso], [Gilberto] Gil, Nana Caymmi, e vi que tinha tudo a ver com literatura. Comecei a analisar as letras e a querer ser poeta. Tinha um grupo de música no meu bairro, e eles diziam: “Sérgio, você não pode participar porque você não canta nem toca, mas leva jeito para escrever as letras”. Ao ouvir música popular e ler as letras do Milton [Nascimento], ouvi falar do poeta Pablo Neruda (1904-1973). Vi que a poesia dele falava sobre libertar um povo, lutar contra a ditadura. Falava de amor, mas também tinha essa pegada. Fiquei imaginando: nossa, então, eu posso escrever sobre isso. Eu tinha a ideia de que o poeta era aquele cara “viajandão”. Me identifiquei muito.

Quais sentimentos emergem de você quando olha para o mundo e começa a fazer poesia?

Achava que o mundo era injusto comigo e com as pessoas que estavam ao meu redor: minha família e meus amigos. De alguma forma, tentei escrever o mundo do jeito que gostaria que ele fosse. Como diria

Paulo Freire (1921-1997): denunciando e anunciando. Ora com uma pedra na mão, ora com um sorriso no rosto, minha poesia fala de amor ou de protesto.

Qual foi o momento em que você entendeu: “Estou no caminho certo e consegui o reconhecimento do meu trabalho como escritor” e, a partir daí, mais pessoas começaram a olhar para você?

Puxa, nunca tinha pensado nisso. Acho que ninguém nunca olhou, e quando olhou nem percebi [risos]. Diria [Paulo] Leminski (1944-1989): “Distraídos venceremos”. Acho que quando comecei a vender livro em porta de bar é que notei. Ia para a boemia do Bixiga, à noite. Levava meus livros e ficava abordando as pessoas. Achava bonito me reconhecerem como poeta, mesmo ninguém comprando meu livro, mesmo ninguém gostando.

Você é reconhecido por derrubar barreiras com a literatura periférica. Acha que ainda enfrenta algum tipo de resistência e que ainda há muito pelo que lutar?

Tem muito pelo que lutar. O Brasil é um país racista, que tem preconceito linguístico e de classe. Ainda não somos considerados escritores, as pessoas nos toleram, mas não nos respeitam. A academia finge que a gente não existe, tanto é que os saraus aconteceram de uma forma que ninguém se importou, por isso que cresceram. Quando foram ver, não dava para cooptar, porque já estava todo mundo fazendo. Hoje está cheio de saraus, de slams, batalhas de rimas. Basta ir a uma livraria e ver a quantidade de livros de literatura periférica, de literatura negra. Quais são as editoras que editam nossos livros, quais são as feiras de livros e as bienais que nos convidam para participar? Então, tem muito ainda o que vencer. Mas, se tem uma coisa que a gente

Tento de alguma forma transformar a minha quebrada em algo que tenha poesia, que talvez no dia a dia não seja tão poético, mas enxergar uma outra periferia, uma periferia possível
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[com a Cooperifa] fez, foi ter criado o nosso próprio público. A gente fomentou a literatura na periferia, ou seja, não dependemos só da classe média ou da academia para impulsionar a nossa literatura.

Você já mencionou que escreve a sua poesia para as pessoas e a partir do lugar em que elas vivem. Como é seu processo criativo?

O que eu mais gosto é de observar como as pessoas se movimentam, como se olham, trabalham, jogam futebol de várzea, como se comportam no fluxo, no samba. Se tem uma coisa que admiro, e aprendi na poesia, é observar. Tento, de alguma forma, transformar a minha quebrada em algo que tenha poesia, que talvez no dia a dia não seja tão poético, mas enxergar uma outra periferia, uma periferia possível. Dentro do ônibus, fico pensando: será que a pessoa sabe por que ela ganha um salário-mínimo?

Será que ela sabe por que pega ônibus lotado? Por que ela mora na favela e nessas condições insalubres?

Para retratar o cotidiano das pessoas, quais foram as suas referências na literatura?

A grande referência é Carolina [Maria] de Jesus (1914-1977). Quando li Quarto de Despejo [publicado em 1960], não imaginei que poderia escrever daquele jeito. Foi uma ruptura, porque estava querendo escrever como intelectual, mesmo sendo analfabeto: o conflito era que tinha de terminar de escrever algo que nem

eu entendia direito. E quando terminei, falei: é sobre isso que quero escrever. Me lembro também de ler Capitães de Areia [1937], do Jorge Amado (1912-2001). O grande livro da minha vida é Os Miseráveis [1862], de Victor Hugo (1802-1885). Tem também Um defeito de cor [2006], de Ana Maria Gonçalves, Dom Quixote [1605], do escritor espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616), Pablo Neruda. Hoje, uma grande referência como poeta é Carlos de Assumpção, Solano Trindade (1908-1974), Alice Walker, Toni Morrison (1931-2019).

Qual a importância do Sarau da Cooperifa como espaço de troca de experiências?

É quando a poesia desce do pedestal e beija os pés da comunidade. O importante do Sarau da Cooperifa é dessacralizar a literatura: sagrado não é quem escreve, é quem lê. Provar que o povo gosta de literatura, só não sabe que gosta. No sarau, o poeta faz a gentileza de ler e a comunidade faz a gentileza de ouvir. E nessa troca de gentilezas, entra a literatura.

Atualmente, você tem visto novos escritores surgirem a partir do Sarau da Cooperifa? E como é essa troca com a nova geração?

Quando você cria uma cena, desperta nas pessoas o desejo de escrever e de publicar, é porque já tem alguém que lê. A gente veio na frente capinando o mato. Olhar para trás [e ver que] as pessoas estão seguindo no mesmo caminho, é como se a gente deixasse um despacho. O que é o

Uma poeta chamada Maria Teresa Pina fala que “quando você acende uma vela, a primeira pessoa que se ilumina é você”. O Sarau da Cooperifa acendeu uma vela. No meio da escuridão da periferia, as pessoas nos encontraram e foram acendendo suas velas
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despacho? Uma vela para espantar os bichos, uma cachaça para suportar a caminhada e um rango para suportar o caminho até o quilombo. Uma poeta chamada Maria Teresa Pina fala que “quando você acende uma vela, a primeira pessoa que se ilumina é você”. O Sarau da Cooperifa acendeu uma vela. No meio da escuridão da periferia, as pessoas nos encontraram e foram acendendo suas velas.

Tem-se percebido, recentemente, uma mobilização a partir das periferias e sobre as periferias como um lugar de potência mais do que de carência, como por exemplo, na luta antirracista. A que você atribui essa mudança de perspectiva e atitude, e em que medida isso impacta a produção literária nas periferias?

Todo esse trabalho que várias pessoas fazem na periferia ao longo do tempo explodiu. Não tinha mais como esconder, tanto é que, nos últimos tempos, os livros mais vendidos são de pessoas negras. Tem Djamila Ribeiro, Conceição Evaristo, Jeferson Tenório, Salloma Salomão, Allan da Rosa, Elizandra Souza. Quando se tocaram que nós fazemos parte do povo brasileiro, falaram: "Precisamos correr para editar, conhecer quem são". E o Brasil precisa nos ouvir efetivamente. Não de uma forma exótica. Nós somos um povo que pensa. Tudo o que acontece no país tem a nossa força e o nosso suor, o nosso sangue e as nossas lágrimas, e precisa ter o nosso sorriso também.

Você circula por toda a cidade de São Paulo. Já aconteceu de encontrar frases anônimas e ficar com elas na cabeça?

Hoje vejo as pessoas tatuadas com poesias, com frases. Muros grafitados com poemas. Eu olho e falo: valeu a pena lutar. Democratizar a palavra e a literatura é isso. As pessoas não vão à livraria. E o livro não é caro, ele tem o seu valor, mas para as pessoas é caro, porque o salário-mínimo é pouco e as pessoas têm outras prioridades. O livro acaba sendo uma coisa supérflua, mas que deveria fazer parte da cesta básica. Quando vejo uma frase na rua, fico pensando: a gente precisa estar nas ruas falando do nosso trabalho. O povo brasileiro precisa de poesia o tempo inteiro.

Qual o principal motivo pelo qual você seguirá escrevendo e lutando?

Se a gente imaginar que a maioria das pessoas que moram na periferia não gostam de literatura, é lá que eu tenho que estar e trabalhar. Vejo com esperança esse meu trabalho. Não fico pensando que é árduo. Já que ninguém quer ficar aqui e fazer isso, eu vou fazer [risos].

Assista ao vídeo com trechos da entrevista com o poeta e agitador cultural Sérgio Vaz, realizada no Sesc Campo Limpo.

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Tudo o que acontece no país tem a nossa força e o nosso suor, o nosso sangue, as nossas lágrimas, e precisa ter o nosso sorriso também
entrevista

Inscrições para tratamento odontológico de 19 a 26 de julho de 2023

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Inscreva-se a partir do dia 19, às 15h30, até 26 de julho.

Exclusivo para Credencial Plena

Mais informações em sescsp.org.br/odontologia

Natália Lopes

adiante! CONHECIMENTO

A arte de ensinar e aprender no ofício de cinco artistas de diferentes áreas, linguagens e origens

Para o artista indígena Pedro Karaí Ruvixa, que se dedica à produção de instrumentos sonoros, como o maracá, transmitir saberes ancestrais é um modo de valorizar a cultura de seus povos.

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comum ouvir que uma criança está “fazendo arte” ou que nos perguntem se é preciso que “desenhem” quando não entendemos algo. Percebemos nessas expressões uma conotação pejorativa atribuída ao fazer artístico, mesmo que seja inconsciente ou não intencional. Para a arte-educadora Ana Mae Barbosa, porém, a arte possibilita a organização e a expressão mentais, pois, por meio de experiências com diferentes linguagens e técnicas, nos “contaminamos”, ou seja, abrimos nossos processos cognitivos e exercitamos a criatividade.

Professora titular aposentada da Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Anhembi Morumbi, Ana Mae gosta de citar a visão do poeta e crítico de arte britânico Herbert Read (1893-1968), que acreditava na arte como um esforço humano para entrar em compasso com os ritmos constantes da vida. “Para mim, a arte teve diferentes significados ao longo do tempo. Já simbolizou encantamento e empatia. Hoje serve de consolo e proteção para que eu não me sinta vítima da vida”, conta a arte-educadora, que se

formou com Paulo Freire (1921-1997), é mestre em arte-educação pela Universidade Estadual do Sul de Connecticut e doutora em educação humanística pela Universidade de Boston, ambas nos Estados Unidos.

A pesquisadora de 87 anos, que já escreveu e organizou diversos livros sobre o tema, como Ensino da arte: memória e história (Perspectiva, 2011) e Abordagem triangular do ensino das artes e culturas visuais (Cortez, 2012), diz que não acredita no ensino da arte como transmissão de conhecimento, mas, sim, como promoção e provocação de experiências. “A recepção nesse processo, inclusive, é diferente em cada um de nós, e em cada momento da vida”, defende a professora. Sem hierarquias, o método da abordagem triangular – proposta de ensino de arte para crianças, sistematizada por Ana Mae há 30 anos – baseia-se em três eixos principais: a apreciação (leitura) das imagens, a contextualização das obras e a produção artística.

A arte-educadora acredita, ainda, no uso de espaços diversificados para trabalhar as artes visuais, na reutilização de materiais e em diferentes meios e formatos para olhar as imagens. Para além de escolas e espaços institucionais de ensino, a arte pode ser desenvolvida na educação não formal, que se faz presente em lugares de encontro, de convivência, e nos esforços de muitos profissionais que realizam projetos artísticos e ações socioeducativas.

Nas páginas a seguir, você vai conhecer cinco artistas, de diferentes áreas, origens e linguagens, que compartilham aprendizados obtidos ao longo da carreira. Quais inspirações e motivações os levam a disseminar técnicas familiares e ancestrais? Neste mês, eles integram a programação do FestA! – Festival de Aprender [Leia mais em Aprender é uma festa!], ação do Sesc São Paulo que oferece cursos, oficinas, bate-papos, feiras, demonstrações e vivências no universo das artes visuais e das tecnologias.

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CULTURA POPULAR

Taygoara Schiavinoto

escultura

Natural de Ribeirão Preto (SP), o educador e artista visual Taygoara Schiavinoto concentra suas pesquisas na cultura popular brasileira, na produção afro-brasileira e afrodiaspórica e em manifestações não tradicionais de arte. Seu primeiro contato com o universo artístico ocorreu ainda na infância, na oficina de joias do pai, que era ourives. Ao longo do tempo, compreendeu o potencial do ateliê como um lugar de formação e desenvolvimento constantes.

“O pensamento sobre a educação atravessa toda a minha trajetória, antes mesmo de eu chegar ao ensino formal. O trabalho do educador, que é um eterno estudante, caracteriza-se por uma permanente busca por pesquisa e experiência. Desde o planejamento da aula até a classe em si, o profissional percorre diversos espaços, tanto teóricos quanto práticos. Na relação com os alunos, negociam-se vontades, limites e pontos de convergência”, considera Schiavinoto.

Foi na graduação em artes visuais – escultura pela Universidade de São Paulo (USP) que o então

estudante descobriu seu interesse pela madeira como matéria-prima de suas obras. Mas foi no dia a dia, em seu próprio ateliê, que Taygoara pôde "aprimorar esses esses conhecimentos, observar artesãos mais experientes e trocar experiências com colegas. Essa vivência foi fundamental para o desenvolvimento do que aprendi e do que ensino atualmente”, relembra.

Para o artista, o Brasil tem uma rica tradição na escultura em madeira, que por muito tempo foi desvalorizada. “Esses escultores-artesãos, que muitas vezes estiveram às margens, produziram e ainda produzem obras de imenso impacto na arte contemporânea. Minha principal motivação, ao ensinar e praticar o que sei, é destacar e reconhecer profissionais que vieram antes de mim, entendendo sua importância e contribuição para o cenário artístico do país”, revela. Para o escultor, que ministra uma oficina de figas em madeira no Sesc Carmo, dia 12/7, incorporar esse grupo de escultores em seus cursos o inspira e o impulsiona. “Sigo os passos de outros educadores e artistas que também se empenham em valorizar esses indivíduos talentosos da história da arte brasileira, trabalhando juntos para romper barreiras e garantir o merecido reconhecimento de suas obras”, finaliza.

Maurício Froldi
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A madeira é a matéria-prima escolhida pelo artista visual Taygoara Schiavinoto para a criação de suas esculturas.

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REFERÊNCIA CAIÇARA

Cida Ivanov cerâmica

A ceramista Maria Aparecida Ivanov vem de uma família de italianos e russos que se uniu na Vila Prudente, bairro da zona leste da capital paulista. Seu avô materno era músico, enquanto o paterno esculpia peças fundidas em alumínio. Há três décadas, ela se mudou para São Sebastião (SP), no litoral norte, pois desejava criar as duas filhas com mais qualidade de vida. Aos 60 anos, decidiu retornar à universidade para concluir o curso de pedagogia, que interrompeu anos atrás.

CONSIGO MENSURAR A IMPORTÂNCIA HISTÓRICA E CULTURAL DO MEU TRABALHO. PERPETUAR E MULTIPLICAR ESSE CONHECIMENTO É

PARTE DA MINHA CONSTRUÇÃO COMO SER HUMANO

Mestra Cida Ivanov, ceramista

Em 2001, Cida fez um curso de cerâmica em que conheceu a professora Adélia Barsotti. “Foi naquele momento, vendo aquela senhora forte, que decidi assumir a responsabilidade de multiplicar esse saber-fazer caiçara, imerso em histórias indígenas e afro-brasileiras”, conta a artista, que também encontrou na manipulação do barro uma prática terapêutica. A partir daquele momento, Cida mergulhou no universo da cerâmica utilitária da região, para compreender a importância dessa técnica. Descobriu que, no século 19, utensílios feitos no local eram enviados em canoas para o Rio de Janeiro e para o Porto de Santos, a fim de abastecer a Coroa portuguesa. Além disso, serviam de moeda de troca com moradores de Ilhabela (SP).

Em 1906, cem paneleiras queimavam suas peças na Rua do Fogo, onde ficavam os fornos de São Sebastião. Em 2001, porém, só havia Dona Adélia, que já enfrentava dificuldades para obter matéria-prima havia mais de meio século. “Nos últimos 22 anos, sou eu a mantenedora dessa arte. Compro o barro de uma olaria em Paraibuna (SP), e meu forno é a gás. Ensino a ‘lida’, como dizia Dona Adélia, a crianças, adolescentes, adultos e idosos. Ver os olhos deles brilhando não tem preço, é algo que me completa. Por meio da oralidade e da prática, consigo mensurar a importância histórica e cultural do meu trabalho. Perpetuar e multiplicar esse conhecimento é parte da minha construção como ser humano”, conta Cida, que desde 2005 também desenvolve oficinas em escolas municipais e projetos na área de saúde mental, em Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) da cidade. Entre 11 e 14/7, ela ministra uma oficina e um curso de cerâmica identitária no Sesc Bertioga.

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Vinda de uma família de italianos e russos, a mestra ceramista Cida Ivanov fez um curso de cerâmica em 2001 e decidiu multiplicar esse saber-fazer caiçara. Halsey Madeira

POVOS ORIGINÁRIOS

Pedro Karaí Ruvixa música

Artista indígena das etnias Xucuru-Kariri, de Palmeira dos Índios (AL), Pedro Karaí Ruvixa se dedica à musicoterapia nativa e à confecção de instrumentos sonoros como o maracá. Para ele, transmitir saberes ancestrais é uma maneira de valorizar a cultura de seus povos. “Esse é um legado dos meus antepassados, que utilizam o maracá há milênios, como uma ferramenta de conexão com o sagrado, a natureza e os astros. Passar esse conhecimento adiante, portanto, é uma honra e uma forma de ser a continuação deles”, acredita.

Ruvixa explica que o maracá é usado pelos Xucuru-Kariri e por outras etnias em rituais de cura e de passagem, rezas, cantos, danças, lutas e até em brincadeiras infantis. “Faz parte das nossas tradições e da nossa resistência”, resume. O artista também toca diferentes tipos de flautas nativas, flauta doce

e tambor. Autodidata, ele conta que foi inspirado por sua ancestralidade: “O espírito toca a flauta e a flauta toca o espírito. Sou um guardião das flautas nativas.”

Após passar a adolescência ouvindo esse instrumento de sopro, Ruvixa começou a tocá-lo em 2017, quando conheceu um luthier peruano em um festival de música. “Ele fez uma flauta para mim, inspirada no modelo Siyotanka, usado pelo povo Lakota, originário da América do Norte. Segundo histórias antigas, esse instrumento surgiu em um período de muitas guerras e lutas dos povos nativos contra invasores, e veio para promover a paz”, destaca.

O artista admite que gosta de meditar ao som da flauta. “Também busco levar bem-estar às pessoas com a musicoterapia nativa, em vivências sensoriais coletivas.” De acordo com o músico, a vibração desses sons ancestrais é capaz de promover a conexão consigo e com o ambiente. “São formas de reduzir o estresse e a ansiedade, ao menos por um instante, como um bom vento que sopra levando tudo o que pesa e deixando boas sensações”, define.

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“O espírito toca a flauta e a flauta toca o espírito. Sou um guardião das flautas nativas.”. Para o artista Pedro Karaí Ruvixa, a música é uma ferramenta de conexão com o sagrado.

SABER AFRO-BRASILEIRO Cynthia Mariah joalheria e moda

Com quase 20 anos de carreira, a designer de joias, estilista e pesquisadora Cynthia Mariah começou a criar acessórios em 2004, para uso próprio. Nascida na zona sul de São Paulo, em uma família de artesãos, ela buscava adornos corporais que a representassem e, em poucos meses, já estava produzindo, sob encomenda, para parentes e amigos. “Tinha como propósito confeccionar peças únicas e exclusivas, e, conforme aumentava o entendimento sobre a minha negritude, meu trabalho também passou a carregar características culturais, identitárias e ancestrais”, conta.

A artista explica que sua criação em joalheria é pensada sob uma perspectiva que enaltece estéticas, técnicas e tecnologias pretas. Por isso, ela trabalha com elementos diversos (naturais, industriais, reciclados e ressignificados), que transmitem conhecimentos, características e legados africanos e afrodiaspóricos. “Ministro aulas desde 2012 e proponho um resgate de saberes e fazeres manuais. Busco, ainda, democratizar

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o ensino de modas decoloniais e afrocosmopolitas, pois esse segmento ainda tem uma dominação branca bastante elitista. Proponho trocas coletivas, respeito ao tempo e às especificidades dos meus alunos, pois somos todos importantes e detentores de conhecimentos”, afirma a professora, que apresenta suas coleções nas passarelas da Casa de Criadores, plataforma dedicada à moda e à arte brasileiras.

Cynthia Mariah começou a entender melhor seu trabalho em 2014, quando participou de uma oficina sobre joalheria africana no Sesc Belenzinho. Três anos depois, fez outra oficina, dessa vez no Sesc Itaquera, que a ensinou a lidar com metais e amadurecer um design autoral. Ela também estudou sobre “joias de crioulas”, enormes peças de ouro que adornavam mulheres negras escravizadas durante o Brasil colonial, especialmente na Bahia, como forma de demonstrar o poder de seus senhores. “Minhas joias hoje transitam entre passado, presente e futuro, trazendo a ancestralidade e o afrofuturismo para uma realidade afrocosmopolita”, analisa a artista, que conduz, neste mês, uma vivência de joalheria afrodiaspórica no Sesc Belenzinho, entre os dias 7 e 9/7, e residência artística de ateliê de moda no Sesc Bom Retiro, entre 11 e 15/7.

Agência Fotosite Nascida numa família de artesãos, a designer de joias Cynthia Mariah começou criando acessórios para uso próprio e logo passou a receber encomendas, pela originalidade de seu trabalho.

TECNOLOGIAS DIGITAIS

Allan Moreira eletrônica e instalações

Graduado em engenharia da computação, apaixonado por tecnologia e com experiência em eletrônica e desenvolvimento de softwares há quase 30 anos, Allan Moreira é cofundador do Estúdio Hacker e dá aulas de eletrônica analógica e digital, programação e microcontroladores. Atua também em diversos projetos sociais voltados à educação de novas tecnologias para crianças, adultos e professores. Ele recorda que sua experiência em sala de aula começou em 1998, quando recebeu um convite do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) para ministrar cursos de curta duração na área.

Ele também trabalhou por muitos anos com desenvolvimento de projetos eletrônicos voltados à segurança e automação industrial, participando de todas as etapas – desde o protótipo até a implantação. “Esse processo me fez vivenciar constantemente a espiral da aprendizagem: imaginar, criar, testar, prototipar, refletir, recriar e compartilhar.”

Segundo Moreira, a tecnologia tem evoluído muito – e rapidamente – nas últimas décadas, e hoje está presente de forma onipresente em nosso cotidiano. “Por isso, desenvolver, saber integrar e fazer o melhor uso de soluções que melhorem a nossa vida, ou contribuam para toda a comunidade, é o que me motiva a colaborar para que mais pessoas se apropriem desses conhecimentos”, afirma.

Moreira conta que sua maior satisfação é ver um saber – anteriormente restrito a engenheiros – chegar a artistas, estudantes e entusiastas que podem dar vida a suas criações. “Ao ensinar, também identifico lacunas que preciso evoluir como professor, ser humano, pai e amigo. Como dizia Paulo Freire: ‘Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender’”, cita. Neste mês, ele estará no Sesc Pompeia, entre os dias 9 e 16/7, com o curso Cidades desobedientes: ecologia do impossível , por meio do qual pretende desenvolver a criação coletiva de instalações artísticas, eletrônicas e tecnologias da articulação. Além do Estúdio Hacker, o curso conta com a participação de Victor Guerra e do Núcleo de Jovens Políticos do Fundão, grupo da comunidade de M’Boi Mirim, no extremo sul da capital paulista.

João Adriano Freitas
O projeto educativo #Robopisca, de Allan Moreira, articula conceitos de eletrônica, solda e robótica para que cada aluno monte e personalize sua própria criação.
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para ver no sesc / tecnologias e artes

APRENDER É UMA FESTA!

De 7 a 16 de julho, o Sesc São Paulo oferece mais de 500 atividades artísticas na sexta edição do FestA! – Festival de Aprender de aprendizados que ocupam, ao longo de todo o ano, a grade de cursos e oficinas em tecnologias e artes visuais nas unidades do Sesc São Paulo”, ressalta Juliana Braga de Mattos, gerente de Artes Visuais e Tecnologia no Sesc São Paulo.

Pintura, escultura, marcenaria, artesanato, arte digital. Criação de mandalas, instrumentos musicais, brinquedos, peças têxteis e obras audiovisuais. Tudo isso – e muito mais – está presente na programação da sexta edição do FestA! – Festival de Aprender, que o Sesc São Paulo realiza de 7 a 16 de julho em todas as unidades do estado. São mais de 500 atividades em artes e tecnologias, todas gratuitas e voltadas para diversos públicos – 59 delas tendo como foco as crianças.

Para celebrar os processos de aprendizado e de experimentação, o FestA! traz cursos, oficinas, bate-papos, vivências, feiras, demonstrações, instalações visuais e exibição de filmes, entre outras ações. O objetivo é dar visibilidade a diferentes saberes e oferecer possibilidades para as pessoas aprenderem e experimentarem novas técnicas. Entre as feiras, que ocorrem em nove unidades, há exposições de artesanato, saberes tradicionais, esculturas, jogos, universo geek, artes gráficas e publicações de editoras independentes.

“O Festival de Aprender é a expressão de um tempo de festa para nós. Com ele, celebramos toda a diversidade de fazeres e

Confira alguns destaques da programação:

AVENIDA PAULISTA

Brincando de fazer brinquedo: produção artesanal de miriti Oficina para público demonstração de técnicas sustentáveis de manuseio do talo da palmeira do miriti, como corte, lixagem e pintura, e valorização da cultura paraense. Com Valdeli Costa, da Associação Arte Miriti de Abaetetuba (PA). Dias 14 e 15/7, sexta e sábado, das 11h às 13h e das 14h30 às 16h30.

24 DE MAIO

Festival jogatório

Feira que promove a aproximação do público com a produção brasileira de jogos, de diversas linguagens e plataformas.

Em 35 mesas, criadores de games digitais, analógicos e desenvolvedores mostram seus trabalhos, além de promoverem um pequeno campeonato.

Dia 8/7, sábado, das 11h às 19h, e dia 9/7, domingo, das 11h às 16h.

BERTIOGA

Rabeca de lata

Oficina com Mestre Pedro Caetano, que conta a história da rabeca e do ritmo fandango, além de ensinar crianças e adultos a criarem uma versão em lata do instrumento – tradicionalmente feito em madeira. De sonoridade única, a rabeca é confeccionada artesanalmente por caiçaras do litoral norte de São Paulo.

Dia 8/7, sábado, das 10h às 13h.

JUNDIAÍ

Feira de saberes tradicionais

Encontro de artesãos, que demonstram técnicas e compartilham seus saberes, além de exibir suas criações ao público. Dias 8 e 9/7, sábado e domingo.

Mais informações: sescsp.org.br/festa

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sob o signo da LIBERDADE

A permanente ousadia e irreverência que atravessaram vida e arte da camaleônica Rita Lee

POR MANUELA FERREIRA

Ao subir ao palco da lendária terceira edição do Festival de Música Popular Brasileira de 1967, Rita Lee (1947-2023) tinha um pequeno coração desenhado na maçã esquerda do rosto. A singela pintura, um dos inúmeros traços de autenticidade visual da artista, foi uma ideia da própria Rita. Estava acompanhada pelo cantor e compositor Gilberto Gil e os músicos Sérgio e Arnaldo Baptista, os irmãos com quem ela formava, há cerca de um ano, o trio Os Mutantes. Sorridente e tocando pratos, a jovem canalizou as atenções da plateia do antigo Teatro Record, na região central da capital paulista. Enquanto fazia os vocais de apoio da música de Gil, Domingo no Parque, Rita Lee teve certeza: nascera para estar em cena. De tão impactante, o festival está nas origens do movimento Tropicália e nas bases da moderna MPB. A ocasião seria para sempre lembrada, também, pela aparição desta estrela irrefreável, multifacetada e protagonista de transformações musicais e de comportamento inestimáveis, que sonhava não com a fama, mas em ser imortal.

“Os Mutantes foram uma revolução, tanto que, até hoje, causam muita comoção não só com o público, mas com a classe artística — uma revolução eterna, sem fim. Para quem achava que aquela revolução só tinha a ver com a química dela com Arnaldo e o Sérgio, Rita Lee foi mostrando, depois, o quanto ela era uma mutante na sua essência. Porque ela conseguiu mudar várias vezes

na vida”, observa a cantora e compositora Zélia Duncan. A intérprete — que assumiu os vocais de Os Mutantes entre 2006 e 2008, no retorno do grupo — enaltece os caminhos desbravados pela autora de clássicos como Ovelha Negra (1975) e Doce Vampiro (1979). “Rita sempre lutou pelas mulheres. Ela sempre foi uma luz, uma liderança feminista da música, com seu jeito de compor, de se impor, sem nunca baixar a cabeça para nada. Chegou a ser presa, perseguida, censurada, e nada segurou essa mulher”, complementa a cantora.

A MARCA DA TRANSGRESSÃO

Paulistana com orgulho, Rita Lee Jones de Carvalho era descendente de norte-americanos e italianos. Cresceu em um lar católico — afirmava que a mãe era “mais católica que o Papa”. Fez aulas de piano e com as irmãs, Mary e Virgínia, gostava de encenar peças no porão do sobrado da família na Vila Mariana, bairro da zona sul de São Paulo. As três deram o nome de Las Hermanas Sisters para o grupinho de teatro improvisado. “O script variava conforme nossas reivindicações [...] Subíamos no palquinho encenando As magrelas felizes, exigindo o fim de tomar óleo de fígado de bacalhau todas as manhãs, quando o Biotônico Fontoura era muito mais gostoso como ativador de apetite infantil”, recordou a artista no livro Rita Lee: uma autobiografia (Globo Livros, 2016). Adolescente, teve

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Sérgio Lima/Folhapress

Queria dar beijinhos e carinhos sem ter fim nessa moçada e dizer a ela que a barra é pesada mesmo, mas que a juventude está a seu favor e, de repente, a maré de tempestade muda, fazendo o barquinho seguir até sua ilha deserta e ensolarada de amor. Diria também para não planejarem nada a tão longo prazo, que a frustração pode assombrar; o que não significa não ter sonhos, apenas que eles não caem do céu.

Diria também um monte de clichê: que vale a pena estudar mais, pesquisar mais, ler mais. Diria que não é sinal de saúde estar bemadaptado a uma sociedade doente, que o que é normal para uma aranha é o caos para uma mosca, que uma coroa não é nada além de um chapéu que deixa entrar água, que todo dia o mundo se afoga no caos e vai ser difícil achar um lugar para observar o fim dos tempos de camarote.

Meninada, sintam-se beijados pela vovó Rita.

Trecho de Rita Lee: Outra autobiografia (Globo Livros, 2023)

seu primeiro conjunto musical, as Teenage Singers, com colegas do bairro. Aos 19 anos, fundou Os Mutantes. A saída do grupo, em 1972, foi polêmica — a intérprete era casada com Arnaldo Baptista e a separação do casal motivou, também, o rompimento musical.

O episódio foi narrado em Rita Lee: uma autobiografia com a prosa profundamente franca e irreverente típica da cantora. “Minha saída do grupo aconteceu bem nos moldes de 'o noivo é o último a saber', no caso, a noiva. Depois de passar o dia fora, chego ao ensaio e me deparo com um clima tenso/denso. Era um tal de um desviar a cara pra lá, o outro olhar para o teto, firular instrumento e coisa e tal. Até que Arnaldo quebra o gelo, toma a palavra e me comunica, não nessas palavras, mas o sentido era o mesmo, que naquele velório o defunto era eu. 'A gente resolveu que a partir de agora você está fora dos Mutantes porque nós resolvemos seguir na linha progressiva-virtuosa e você não tem calibre como instrumentista.' Uma escarrada na cara seria menos humilhante. Em vez de me atirar de joelhos chorando e pedindo perdão por ter nascido mulher, fiz a silenciosa elegante. Me retirei da sala em clima dramático, fiz a mala, peguei a Danny (a cachorra) e adiós. No meio da estradinha da Cantareira, parei no acostamento e chorei, gritei, descabelei, xinguei feito louca abraçada a Danny, que colaborava com uivos e latidos”, relatou na publicação.

EXPLOSÕES SONORAS

Antes de deixar Os Mutantes, Rita Lee lançou o icônico Build Up (1970), seu primeiro álbum solo. Em 1972, gravou o disco Hoje é o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida. Já em 1973, formou com a cantora, compositora e guitarrista Lúcia Turnbull a dupla de folk rock As Cilibrinas do Éden. No mesmo ano, Rita Lee montou a banda Tutti Frutti — um fenômeno comercial e artístico que segue influenciando gerações. “O período mais importante, ao menos em termos de consolidação de um caminho, foi aquele com a banda Tutti Frutti. Em primeiro lugar, por ter sido um claro momento de ruptura com a tradição da MPB, que permitiu o desenvolvimento de um trabalho menos preso aos paradigmas de um certo bom-mocismo, de um certo 'bom gosto universitário' e das pretensões nacionalistas daquela produção. Não se trata aqui de menosprezar a MPB, mas de apontar para os evidentes sinais de esgotamento que o gênero apresentava na segunda metade dos anos 1970, momento de florescimento do trabalho de Rita Lee & Tutti Frutti”, revela o professor e pesquisador Eduardo Vicente.

"Vejo o trabalho como uma ruptura corajosa e problemática naquele momento. O que talvez ajude a explicar os problemas que surgem com a [gravadora] Philips e a saída da empresa. Olhando em retrospectiva, foi o caminho que permitiu a Rita abordar um público mais amplo, embora me pareça complicado afirmar hoje, diante do sucesso obtido pelo álbum Fruto Proibido (Som Livre, 1975), que o trabalho buscava o sucesso comercial”, afirma o docente. Segundo Vicente, não resta dúvida de que Fruto Proibido rompe a barreira do público tradicional da MPB ao levar um discurso poético e musical bem diferente do “tradicional romântico” a um público jovem que, certamente, era bem distinto daquele que frequentou os festivais da canção da década anterior. “Finalmente, foi o grande momento de afirmação de um rock nacional que, naquele momento, limitava-se em termos de artistas de maior projeção, além de Rita & Tutti Frutti, Raul Seixas (1945-1989) e, ocasionalmente, Erasmo Carlos (1941-2022). Ou seja, foram os nomes que mantiveram a chama acesa antes da grande onda roqueira dos anos 1980”, esmiúça.

BELEZA E PROVOCAÇÃO

Com o fim do Tutti Frutti, em 1978, Rita Lee mergulhou na parceria musical com o multi-instrumentalista e compositor Roberto de Carvalho — os artistas estavam casados desde 1976 e assim permaneceram até a morte da cantora, no dia 8 de maio deste ano, em consequência de um câncer pulmonar. Tiveram três filhos: Beto, João e Antônio. Juntos, Rita e Roberto atingiram ápices criativos que resultaram em diversos sucessos, entre os quais Mania de Você (1979), Baila Comigo (1980), Cor de Rosa Choque (1982), Desculpe o Auê (1982) e Pega Rapaz (1987). Ao longo da carreira, a artista emplacou mais de 70 canções em trilhas sonoras de novelas da TV Globo. “Todas as épocas da Rita são incríveis, cheias de ousadias, inovações e sempre apontando caminhos iluminados para a gente. Mas, a fase dela com o Roberto de Carvalho é a minha preferida: cada música mais linda que a outra, com letras, melodias e arranjos sensacionais. Fizeram juntos verdadeiras obras-primas”, defende a cantora e compositora Marina Lima.

O período de intensa popularidade foi marcado, também, pela censura. As músicas Papai me Empresta o Carro (1979) e Lança Perfume (1980), por exemplo, foram classificadas como impróprias pela Divisão de Censura em Diversões Públicas da época. A cada veto, Rita e Roberto dobravam a aposta com letras que exaltavam o amor que viviam, o corpo e a sexualidade, sem timidez. “O recurso básico do conservadorismo político e econômico é tradicionalmente

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o de se aproximar do conservadorismo moral. Isso era tão presente na ditadura cívico-militar de 1964-1985 como ainda é nas manifestações mais evidentes da extrema direita atual. Assim, o enfrentamento à ditadura de 1964 não se dava somente no campo político, já que a estrutura repressiva se estendia à moral sexual, relações familiares, papel da mulher na sociedade, homossexualidade etc. De modo que, também nesse campo, era preciso enfrentar o aparato repressivo de Estado, Igreja e Família”, detalha o professor Eduardo Vicente. “Os inúmeros problemas enfrentados por Rita em relação à censura e às autoridades policiais atestam as dimensões desse confronto, e o perigo que o poder conservador reconheceu no discurso e no exemplo da artista”, acrescenta.

MUITAS EM UMA

O legado da cantora se estendeu para além da música — Rita Lee foi uma dedicada ativista da causa animal e do estilo de vida vegano. Explorou as artes plásticas, foi apresentadora de programa de entrevistas, atuou em teatro, cinema e televisão e é autora de seis livros infantis, duas autobiografias e o livro de microcontos Storynhas (Companhia das Letras, 2013). A publicação — uma reunião de pequenas histórias postadas pela cantora em sua conta no Twitter — foi ilustrada pela cartunista Laerte Coutinho. Entre as memórias que guarda da época em que desenvolveram o trabalho juntas, Laerte recorda.

“Eu fiquei empolgada, nervosa também, com medo de dar bola fora ou parecer — parecer o quê? Tivemos uns encontros ao vivo, na Companhia das Letras, e percebi com muita clareza que se tratava de alguém próxima, ou aproximabilíssima. O jeito dela de tocar nos assuntos, como se já tivéssemos falado daquilo mil vezes, foi de uma beleza para o que eu tinha a fazer”, lembra a cartunista.

A cantora e compositora Anelis Assumpção, por sua vez, exalta o legado deixado pela cantora para as mulheres artistas de antes, de agora e as que virão. “Rita nos esclarece a coragem de sermos com nossas vozes pequenas, imensas ou medianas. Nos encoraja na escrita, na performance, na postura política, ambiental, social. Na busca por liberdade de expressão de corpos e ideais sexuais, de relação, de prazer, de desejos e de outros encontros. Ela rompe muitas bolhas e isso só potencializa um campo tão criativo, onde mulheres são capazes, mas sofrem o desestímulo do mercado, sempre engessadas em formatos rasos. Rita Lee nos liberta.”

Opinião semelhante à da cantora, compositora e empresária Paula Lima. “Acredito que o recado [de Rita Lee] seja: ser, estar, viver. Aconteça, resista, lute pelos desejos e pela liberdade. Ame. Seja amada. Tenha amizade, cumplicidade, um pouco de loucura [ela insistia nos últimos discursos para que fosse realmente uma loucura sadia]. Rita ultrapassou todas as expectativas e viveu como acreditou. Fez uma vida, que é apenas uma, valer muito a pena para ela, para os dela e para nós.”

Adriana Vichi
Arte feita pelos artistas plásticos Paulo Terra, Pedro Terra e Eraldo Moura em muro na Rua Domingos de Morais, no bairro da Vila Mariana, zona sul de São Paulo, onde viveu Rita Lee.
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para ver no sesc / bio

ESSE TAL DE ROQUE ENROW

Festival Sesc Thermas do Rock celebra o gênero musical que definiu a trajetória e o legado de Rita Lee

Pouco tempo após o lançamento do disco Rita Lee (1993), a artista fez uma passagem marcante pelo Sesc Interlagos, na zona sul paulistana. Rita voltava-se, outra vez, para o estilo que a consagrou, após um hiato de três anos sem gravar e uma curta separação musical com Roberto de Carvalho. Em entrevista, antes do show, a roqueira se definiu como “uma dinossaura em extinção, porém

feliz”. E deixou escapar uma travessura à la Rita Lee: andando pela área verde do espaço, colheu flores escondida. “Peguei uns ‘geraniozinhos’ escondidos. Mas eu ganhei!”, falou, aos risos.

A partir de 13/7, Dia Mundial do Rock, os fãs da artista e de outros expoentes do gênero podem celebrar juntos o Festival Sesc Thermas do Rock, que

chega à 13ª edição oferecendo uma experiência imersiva no bosque do Sesc Thermas de Presidente Prudente, no oeste do Estado de São Paulo. O evento pretende unir gerações por meio da música e celebrar diversas vertentes do ritmo. Na programação, shows musicais, bate-papos com artistas, oficinas, ateliês e ações lúdicas. Confira alguns destaques:

THERMAS DE PRESIDENTE PRUDENTE

Festival Sesc

Thermas do Rock

Dias 13, 14 e 15/7.

Sepultura

Dia 13/7, quinta, às 21h.

Black Pantera

Dia 14/7, sexta, às 20h30.

Fresno

Dia 14/7, sexta, às 22h.

Geleia de Roquepepê

Dia 15/7, sábado, às 20h30.

Zélia Duncan (show em homenagem a Rita Lee)

Dia 15/7, sábado, às 22h.

(Antes dos shows, e nos intervalos, discotecagem com o coletivo Todas Podem Mixar)

Saiba mais: sescsp.org.br/thermasdorock

Estevão Salomão
O festival Sesc Thermas do Rock, realizado na unidade de Presidente Prudente (SP), é retomado neste ano após interrupção durante a pandemia de Covid-19.
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TRAÇOS DA DIVERSIDADE

Ilustrações de autoria negra em livros para as crianças inspiram outras formas de ser e enxergar o mundo POR MARIA JÚLIA LLEDÓ

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Ilustração de Rodrigo Andrade para o livro Com que penteado eu vou (Melhoramentos, 2021), escrito por Kiusam de Oliveira.

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Ilustração de Juliana Barbosa Pereira para o livro O Pequeno Príncipe Preto (Nova Fronteira, 2020), escrito por Rodrigo França.

Em Moçambique, quando alguém deseja contar uma história, diz, em voz alta: “Karingana ua karingana!”. Essa frase, em ronga (uma das línguas originárias do país africano), é utilizada pelo contador ao pedir licença para narrar enredos que, a partir daquele momento, passarão a habitar o corpo de cada ouvinte. Esse processo ancestral de incorporação simbólica também permeia as imagens que moram nas histórias contadas por um livro. Se as páginas são espaços de encontro, “um ilustrador carrega consigo muita gente”, afirma a especialista em livros para as infâncias Ananda Luz, cocuradora da exposição coletiva Karingana – Presenças negras no livro para as infâncias, que entra em cartaz em 15/7, no Sesc Bom Retiro [Leia mais em Territórios Lúdicos], reunindo 92 ilustrações de 50 artistas visuais negros dedicados à literatura para as infâncias.

Cada ilustração abraça diferentes técnicas, linguagens e significados que, segundo Ananda Luz, foram guiados pelos valores civilizatórios afro-brasileiros defendidos pela pensadora Azoilda Loretto da Trindade (1957-2015), tais como circularidade,

ludicidade, ancestralidade e comunitarismo. “A ilustração negra apresenta outras possibilidades de ser e de existir, outras muitas, porque apresentam o quanto pessoas negras e suas culturas são plurais e, por isso, têm uma infinidade de narrativas e histórias potentes para contar. E isso é imenso para todos os leitores e leitoras”, complementa Luz.

Assim descreve Josias Marinho Casadecaba, um dos artistas presentes na exposição: “O lápis das ilustradoras e dos ilustradores seria como um raio que ilumina o céu [e o texto], nos chamando a atenção para ele, enquanto sua luminosidade nos permite ver detalhes de um ambiente. E com um pouco mais de atenção, podemos perceber detalhes naquele ambiente, naquela página. São camadas de percepção que se misturam às cores, aos traços, àquelas texturas que dão vontade de passar o dedo para tentar sentir um atrito”. Deste modo, a ilustração é um convite para crianças e adultos entrarem numa roda onde o encantamento salta das páginas dos livros em imagens de autoria negra, valorizando a diversidade das situações, dos tons de pele, das vestimentas, das texturas dos cabelos e dos penteados.

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Ilustração de Zeka Cintra para o livro Oranyam e a Grande Pescaria (Mazza, 2014), escrito por Dayse Cabral de Moura. Ilustração de Dalton Paula para o livro O Jabuti não está nem aí (Caixote, 2021), escrito por Itamar Assumpção. Ilustração de Bárbara Quintino para o livro Meu nome é Raquel Trindade, mas pode me chamar de Rainha Kambinda (Pequena Zahar, 2023), escrito por Sonia Rosa.

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Ilustração de Aju Paraguassu para o livro Sejamos todos feministas – versão adaptada para jovens (Companhia das Letrinhas, 2021), escrito por Chimamanda Adichie.

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Ilustração de Beatrice Ramos para o livro Luena Gaba (Revista África e Africanidade, 2023), escrito por Ricardo Jaheem.
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Ilustração de Bárbara Quintino para o livro Menina Nicinha (Leia Mulheres Negras, 2021), escrito por Evelyn Sacramento. Ilustração de Flávia Carvalho para o livro O Rei que assobiava (Passarinho, 2021), escrito por Heloisa Pires Lima.

para ver no sesc / gráfica

TERRITÓRIOS LÚDICOS

Exposição no Sesc Bom Retiro convida o público a percorrer narrativas plurais, além de participar de oficinas, bate-papos e contação de histórias

A exposição Karingana – Presenças negras no livro para as infâncias, em cartaz a partir de 15/7, no Sesc Bom Retiro, reúne 92 ilustrações assinadas por 50 artistas negros que se dedicam à literatura para as infâncias. A visita pode ser feita num percurso guiado pela circularidade, isto é, a partir de qualquer uma das entradas do espaço expositivo. A mostra convida, ainda, para uma programação com oficinas, cursos, bate-papos, mediação de leitura e contação de história.

Para Ana Luísa Sirota, gerente adjunta do Sesc Bom Retiro, essa produção deve ser evidenciada por

sua “capacidade de materializar a diversidade de experiências, referências e subjetividades de seus criadores”. Ela destaca que houve uma “sensível ampliação do número de publicações de alguma forma dedicadas a questões étnico-raciais ou pautadas pela representatividade em sua autoria nos últimos 20 anos, também no contexto da Lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da cultura africana e afro-brasileira nas escolas”, conta.

A exposição integra o Omodé: Festival Sesc de Arte e Cultura Negra para a Molecada, que celebra as culturas afro-brasileiras com

teatro, dança, música, exibições de filmes, atividades físico-esportivas, ações formativas e bate-papos.

Karingana – Presenças negras no livro para as infâncias

Exposição coletiva com curadoria do Sesc Bom Retiro e Ananda Luz. De 15 de julho de 2023 a 28 de janeiro de 2024. Terça a sexta, das 9h às 20h. Sábados, das 10h às 20h. Domingos, das 10h às 18h. GRÁTIS.

sescsp.org.br/omode

BOM RETIRO
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Ilustração de Carol Fernandes para o livro Fevereiro (Caixote, 2023).
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esportes

Celina, já falecida, foi quem me fez ter amor pelos campos de futebol. Quando entrei na Globo e conheci alguns jornalistas, pensei: ‘Quero fazer isso. Vai me deixar perto do futebol’”.

OLHO NO LANCE

Se reportar, noticiar ou apresentar o resultado dos jogos de uma Copa do Mundo já é tarefa das grandes, o que dizer da função de comentarista, historicamente associada à figura masculina? Esse é o desafio que Ana Thaís Matos assumiu em sua carreira profissional, tornando-se a primeira mulher a comentar um jogo do Brasil em Copa do Mundo em TV aberta. Sua voz e rosto ficaram conhecidos pelos telespectadores em 2022, na Copa do Mundo Masculina de Futebol, realizada no Catar.

A comentarista teve certeza de que seguiria carreira no jornalismo esportivo ainda durante a graduação, quando também integrou o time de futsal da faculdade: “As amigas do time que já atuavam na área me convenceram. Ainda rolava dúvida sobre qual área seguir, se política, cultura ou esporte”. O interesse e a experiência no futsal acabaram sendo o diferencial que a levaram de vez ao ofício. “Joguei futsal por 15 anos e, se não estava jogando, estava torcendo e, mais tarde, trabalhando. Ou seja, sou a soma da pequena torcedora, da jovem atleta e da eterna apaixonada por futebol”, resume.

ROMPENDO ESTIGMAS

Ainda que a participação de mulheres nas funções de comunicação no mundo esportivo esteja em pleno crescimento, persiste a resistência de parte

do público, por julgar que elas não detêm o domínio sobre o tema. Segundo Giovana Capucim e Silva, mestra em história social pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do assunto, o julgamento do futebol como espaço masculino foi construído há décadas, mas, aos poucos, vem sendo rompido. “Essa concepção se transforma, e mesmo que as mulheres sofram mais críticas do que os homens, elas se mantêm nesses espaços. Suas presenças são fundamentais e instigam a presença de mais mulheres daqui para o futuro”, defende a autora do livro Mulheres Impedidas – A proibição do futebol feminino na imprensa de São Paulo (Multifoco, 2017).

A pesquisadora avalia que houve uma mudança importante nesse cenário, especialmente a partir de 2015. “De lá para cá, temos um movimento de mulheres que já

TEMOS UM MOVIMENTO DE MULHERES QUE

JÁ ESTAVAM NARRANDO E COMENTANDO, POR

EXEMPLO, SAINDO DOS ESPAÇOS ALTERNATIVOS E OCUPANDO A GRANDE MÍDIA. (...) É IMPORTANTE

PORQUE, MESMO AOS POUCOS, ESTAMOS

CONSEGUINDO ROMPER COM ESSA IDEIA DE QUE O FUTEBOL É UM ESPAÇO DE RESERVA MASCULINA

Giovana Capucim e Silva, pesquisadora e escritora

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estavam narrando e comentando, por exemplo, saindo dos espaços alternativos e ocupando a grande mídia. Isso as coloca mais visíveis ao grande público que consome futebol no país. E é importante porque, mesmo aos poucos, estamos conseguindo romper com essa ideia de que o futebol é um espaço de reserva masculina”, reforça.

A chegada e consolidação da internet também foram fatores que permitiram a ampliação da presença feminina no futebol, movimento que posteriormente foi refletido nas mídias tradicionais, chegando à televisão. “As redes sociais foram as responsáveis por essa mobilização, através dos movimentos feministas. A rede permitiu e deu voz às

mulheres e meninas que sempre amaram o futebol e nunca tiveram espaço nos meios tradicionais de comunicação. Além disso, acredito que passamos a nos indagar o porquê de não acompanharmos o mundial feminino como acompanhamos o mundial masculino”, analisa a narradora de futebol Luciana Mariano.

A comentarista Ana Thaís Matos associa esse aumento da participação das mulheres a um contexto de mobilização mundial por ampliação de direitos no campo da discussão de gênero e no combate a preconceitos. Para ela, essa mudança traz novas perspectivas para o universo antes tão masculinizado do esporte.

Luciana Mariano, pioneira na narração de futebol em TV aberta, conta que, quando começou, não havia nenhum incentivo à prática por mulheres.

“Queremos contar a história a partir do nosso ponto de vista, da nossa vivência, experiência, diálogos e vocabulário. Como eu sempre digo, quem sabe o que é melhor para as mulheres são as mulheres. Então, nosso engajamento tem sido, e sempre foi, fundamental para sedimentar nossas conquistas”, aponta.

Já a jornalista Denise Thomaz enxerga benefícios para além das quatro linhas do campo, expandindo a conquista das mulheres em outras frentes. “Reivindicar direitos e deixar claro que mulheres são capazes de qualquer coisa é fundamental. O crescimento de interesse pela modalidade passa também por sua divulgação”, finaliza.

Autorretrato
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esportes / para ver no sesc

EM CAMPO!

da Copa, o Sesc São Paulo oferece atividades que celebram a presença feminina no futebol, como cursos, bate-papos e exibições de jogos

No mês em que jogadoras de diferentes países se reúnem para disputar a Copa do Mundo Feminina de Futebol, na Nova Zelândia e na Austrália, unidades do Sesc São Paulo realizam diversas atividades que celebram a presença das mulheres nesse esporte. São bate-papos, cursos e oficinas que refletem sobre a presença das mulheres no futebol, seja no campo, na condição de jogadoras, ou em outras funções relacionadas à modalidade. Além disso, algumas unidades oferecem, também, a exibição dos jogos da competição mundial.

“A Copa do Mundo Feminina de Futebol é uma oportunidade ímpar para promover e valorizar a presença das mulheres nos lugares ocupados predominantemente pelos homens, para além dos campos”, afirma Carolina Seixas, gerente da Gerência de Desenvolvimento

Físico-Esportivo do Sesc São Paulo. “A partir dessa verdadeira ‘vitrine esportiva’, é possível suscitar discussões, trazer exemplos de conquistas e de caminhos a serem percorridos e conscientizar sobre as diferenças. Ao longo do período dos jogos, preparamos uma programação diversa e inclusiva. Vale lembrar que o Sesc oferece o espaço e as condições para o desenvolvimento do esporte para todas as pessoas", complementa.

Confira alguns destaques da programação:

PINHEIROS

Esporte diverso - O futebol feminino no Brasil Bate-papo virtual sobre o atual momento do futebol feminino e perspectivas para o futuro. Com

a ex-jogadora Sisleide Lima do Amor, a “Sissi”, a empreendedora social Sidinéia Chagas e a jogadora Miraildes Maciel Mota, a “Formiga”. Dia 18/7, terça, das 20h às 21h30. GRÁTIS.

Donas da bola: bate-papo sobre histórias e conquistas do futebol feminino

Conversa sobre obstáculos, percalços, desafios e lutas da modalidade. Com a ex-atleta da seleção brasileira Solange Bastos e a árbitra da FIFA Tatiana Sacilotti. Dia 19/7, quarta, das 19h às 21h. GRÁTIS.

Comunicadoras do esporte: comunicação, narração e entrevista

Curso ensina técnicas de comunicação para o desenvolvimento de habilidades de narração esportiva. Com condução dos jornalistas Milla Garcia e Anderson Cheni. De 19/7 a 17/8, quartas e quintas, das 18h às 21h. GRÁTIS.

SOCORABA

Narração e comentários esportivos

Curso teórico e prático com dicas sobre preparo do jogo, análise e formação tática dos times, propondo reflexões sobre a ocupação das mulheres no jornalismo esportivo. De 27/7 a 10/8, quintas, das 19h30 às 21h30. GRÁTIS.

Saiba mais: sescsp.org.br/copanosesc

CBFThais Magalhães
No mês
Durante a Copa do Mundo Feminina de Futebol, realizada entre julho e agosto, jogos da seleção brasileira serão transmitidos em algumas unidades do Sesc São Paulo. MOGI DAS CRUZES VILA MARIANA
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Festival dedicado às crianças com apresentações de teatro, dança e música, exibições de filmes, exposição, atividades físico-esportivas, ações formativas e bate-papos.

ATÉ 30 DE AGOSTO DE 2023

SESC BOM RETIRO

sescsp.org.br/omode

desigualdadesNO MERCADO DE TRABALHO

No Brasil, a inserção – assim como a ascensão – no mercado de trabalho é desigual, dependendo de uma série de fatores, como escolaridade, classe, cor e gênero. A população negra, por exemplo, tem menor representatividade e reconhecimento, como bons cargos e salários. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apresentados no ano passado, e que integram a segunda edição do levantamento Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, demonstram essa realidade. Em 2021, mais da metade dos trabalhadores brasileiros (53,8%) era formada por pretos e pardos, mas os dois grupos, somados, ocupavam apenas 29,5% dos cargos gerenciais. E, entre aqueles que estão empregados, os brancos recebem um salário, aproximadamente, 74% maior que o de trabalhadores pretos, e 68% acima da quantia recebida por autodeclarados pardos.

Segundo Emerson Ferreira Rocha, professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), a desigualdade racial no mercado de trabalho brasileiro pode ser explicada por dois fatores. “Os atributos e recursos adquiridos, dentre os quais podemos destacar a escolaridade; e o tratamento diferencial

que as pessoas recebem, em função da raça, quando competem por posições no mercado de trabalho”. Sendo assim, “combater essas formas de discriminação, que existem e persistem à margem do que é publicamente declarado, assim como das normas e dos procedimentos formais, é um dos nossos grandes desafios para o futuro”, defende Rocha.

Para além do quadro de desigualdade racial, Luiz Augusto Campos, que é professor de sociologia e ciência política na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), destaca a necessidade de uma leitura ainda mais ampla, uma vez que o mercado de trabalho pode ser considerado o principal espaço de reprodução das desigualdades, e elas dificilmente se reduzirão sem um compromisso das esferas pública e privada. “Em todo o mundo, políticas de ação afirmativa baseadas em critérios de classe, raça, gênero etc. são adotadas por empresas, algo ainda raro no Brasil”, ressalta Campos.

Neste Em Pauta, Rocha e Campos analisam as múltiplas faces das desigualdades no mercado de trabalho brasileiro e apontam caminhos para entendermos a complexa rede de desafios lançados à sociedade.

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Discriminação racial e desrespeito

Quando discutimos discriminação racial, a grande preocupação é sobre como o racismo afeta a vida das pessoas em sociedade. Um dos efeitos do racismo é a desigualdade, entre negros e brancos, na renda obtida pelo trabalho. Trabalhadores negros, nos mais diferentes segmentos ocupacionais, de trabalhadores manuais a especialistas, auferem renda menor se comparados aos trabalhadores brancos. Simplificando bastante as coisas, mas sem perder o que há de essencial sobre a desigualdade racial no mercado de trabalho, podemos dizer que essa desigualdade é explicada por dois conjuntos de fatores: a) atributos e recursos adquiridos, dentre os quais podemos destacar a escolaridade; e b) o tratamento diferencial que as pessoas recebem, em função da raça, quando competem por posições no mercado de trabalho. A discriminação racial tem a ver com esses dois fatores, não apenas com o último.

Primeiramente, quando falamos sobre atributos e recursos adquiridos, é preciso entender que as pessoas não os adquirem estando isoladas de seu contexto social. Fiquemos com o exemplo da educação formal. Se uma pessoa vai ou não concluir o ensino médio, se ela vai ou não ingressar em um curso superior, e qual curso superior ela vai fazer, depende muito dos recursos (materiais e imateriais) disponíveis ou não em sua família, da localidade em que essa pessoa nasce e cresce, de diferenças de tratamento em função do gênero, da cor da pele etc. Sabemos, por exemplo, que crianças negras recebem menos atenção, menos cuidado afetivo e são menos estimuladas no ambiente escolar. Características mais pessoais, como resiliência e talento, cumprem, sim, um papel relevante. Mas a influência do contexto social é inescapável. Não é tarefa simples estipular o tamanho dessa influência.

Há muitos estudos quantitativos sobre o tema, mas as métricas utilizadas variam de acordo com o tipo de informação e com a metodologia adotada em cada pesquisa. Podemos, contudo, dizer que fatores relacionados ao contexto social, como aqueles arrolados anteriormente, explicam pelo menos 50% das diferenças educacionais entre os brasileiros. Um dos resultados disso é que pessoas negras têm, em média, menores níveis de escolaridade que pessoas brancas. Especialmente, pessoas negras concluem com menor frequência um curso superior e, quando concluem, tendem a estar concentradas em cursos com menor prestígio econômico. Condições iniciais menos vantajosas e discriminação no próprio ambiente escolar contribuem para esse cenário.

A política de cotas no ensino superior tem colaborado para reverter esse quadro? A verdade é que existem ainda pouquíssimas pesquisas sobre a inserção dos beneficiários das cotas raciais no mercado de trabalho. No entanto, sabemos de algumas coisas sobre os beneficiários das cotas raciais no ensino superior. Talvez a mais importante delas seja que o desempenho acadêmico dos cotistas não está abaixo do desempenho dos outros estudantes. Com as cotas raciais, portanto, mais pessoas negras estão ingressando no mercado de trabalho em condições de competirem por melhores posições.

A política de cotas, então, oferece o caminho definitivo para promover a equidade racial no mercado de trabalho? De fato, essa política combate as desvantagens educacionais historicamente experimentadas pela população negra. Mas, o que dizer sobre o tratamento diferencial que as pessoas recebem, no mercado de trabalho, em função da sua cor? Quando comparadas a pessoas brancas com o mesmo nível de capital humano, pessoas negras têm menor chance de ocupar boas posições e, quando as ocupam, tendem a auferir menor renda. Isso vale, especialmente, para postos que envolvem o exercício de autoridade, como funções de gerência ou comando. Diante disso, os pesquisadores chegam a uma conclusão relativamente simples: se, com os mesmos atributos relevantes para o exercício de suas funções, pessoas negras são, em média, menos premiadas, a discriminação racial afeta a

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competição no mercado de trabalho. Há outras evidências que corroboram essa interpretação.

A esse propósito, realizamos entre 2019 e 2020, uma pesquisa [Percepções Raciais no Distrito Federal, coordenada pelos professores Joaze Bernardino Costa, Bruna Cristina J. Pereira e Emerson Ferreira Rocha, da Universidade de Brasília] para saber se pessoas negras são tratadas com menos respeito em diferentes ambientes sociais, dentre os quais o local de trabalho. Não fizemos isso perguntando se elas sofrem racismo, ou se veem outras pessoas sofrerem. Os brasileiros, de maneira geral, elaboram respostas ambíguas, ou mesmo contraditórias, a esse tipo de questão.

Isso tem a ver com um conjunto de ideias confusas, mas bastante difundidas, sobre o racismo. Talvez a principal delas seja a de que, embora partilhemos certos estereótipos sobre as pessoas negras, que se expressam, por exemplo, em piadas e coisas do gênero, não existe, de fato, racismo no Brasil, onde as pessoas negras seriam até estereotipadas, mas não discriminadas. Outra ideia, semelhante, é a de que não existe racismo porque negros e brancos convivem nos mais diversos espaços, inclusive constituindo famílias. Essa ideia assume que a única forma de racismo existente é a separação total entre negros e brancos, o que não se sustenta diante dos fatos. O racismo pode existir e existe nas diversas interações entre as pessoas. O fato de pessoas negras e brancas interagirem entre si não significa que o racismo não interfira nessas interações. Por serem muito difundidas essas ideias, a maior parte das pessoas tem dificuldade para identificar situações de discriminação racial. Mesmo que as vivenciem. Mesmo que as vejam.

O que fizemos, na nossa pesquisa, foi perguntar às pessoas sobre várias situações de desrespeito no

ambiente de trabalho. Elas, então, respondiam o quão frequentemente se viram em cada tipo de situação ao longo de suas vidas. A partir dessas respostas, construímos uma escala refletindo o quanto as pessoas sofreram desrespeito no ambiente de trabalho. Num segundo momento, verificamos se a pontuação das pessoas nessa escala de desrespeito estaria associada à cor delas. Deste modo, notamos que pessoas negras, em média, sofrem mais desrespeito no ambiente de trabalho do que pessoas brancas. Isso se verifica mesmo quando comparamos negros e brancos com o mesmo nível de escolaridade. Em outras palavras, se as pessoas negras sofrem, em média, mais desrespeito, isso não parece se dever ao fato de estarem menos preparadas para exercerem suas funções.

O resultado se mantém, ainda, quando comparamos negros e brancos cujos pais têm a mesma escolaridade. Dessa vez, o que verificamos é que a extração social também não parece ser o que explica o maior desrespeito com as pessoas negras. Em resumo, é evidente que existem diferenças de tratamento no mercado de trabalho em função da cor das pessoas, mesmo essas diferenças sendo formalmente vedadas. É evidente também que essas diferenças se dão em desvantagem das pessoas negras. Combater essas formas de discriminação que persistem à margem do que é publicamente declarado, assim como das normas e dos procedimentos formais, é um dos nossos grandes desafios.

Emerson Ferreira Rocha é professor no Programa de Pós-Graduação em Sociologia, coordenador pedagógico da licenciatura em ciências sociais e presidente do Núcleo Docente Estruturante do Departamento de Sociologia, todos esses da Universidade de Brasília (UnB).

em pauta 63
Se, com os mesmos atributos relevantes para o exercício de suas funções, pessoas negras são, em média, menos premiadas, a discriminação racial afeta a competição no mercado de trabalho

Já é lugar comum repetir que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. No entanto, esse clichê nos faz perder de vista a forma multifacetada de nossas desigualdades e, sobretudo, a complexidade das políticas desenhadas para mitigá-las. Noutros termos, o Brasil não apenas é um país profundamente desigual, mas também aquele onde mais desigualdades se interseccionam de modos complexos e, portanto, onde políticas redistributivas demandam desenhos igualmente intrincados.

Por isso, não faz sentido questionar se a desigualdade no Brasil é de classe, raça, gênero, religião etc. A rigor, todas essas dimensões se interseccionam. Sabemos que a classe social de origem é o fator preponderante na determinação das chances de vida de um indivíduo, isto é, a posição social da família onde nascemos vai pesar sobremaneira nas nossas chances de ascender ou decair socialmente, mesmo nos casos em que indivíduos específicos têm acesso a uma maior instrução, por exemplo. No entanto, a origem econômica não explica todos os obstáculos que uma pessoa enfrentará no decorrer de sua trajetória.

Desde o fim da década de 1970, diferentes estudos vêm mostrando que pessoas pretas e pardas tendem a ter metade das chances de melhorar de vida do que pessoas brancas. Isto é, mesmo se compararmos dois indivíduos de uma mesma classe de origem, os pretos e pardos têm, em média, 50% das chances de ascender dos brancos. Pesquisas mais recentes, porém, sugerem que essas diferenças aumentam quanto mais subimos na pirâmide social. Ao que parece, não há uma grande diferença nas chances de melhorar de vida entre brancos e negros das classes baixas. Porém, essa diferença cresce justamente no topo da pirâmide: uma pessoa negra de classe média enfrenta muito mais dificuldade de migrar para a classe alta do que um branco de classe média.

Todas essas disparidades são atravessadas por desigualdades de gênero. É curioso notar que mulheres possuem hoje em dia um nível educacional médio superior ao dos homens. No entanto, elas costumam receber piores salários para desempenhar funções similares. Isso não quer dizer apenas que empresas discriminam as mulheres deliberadamente, mas também que elas estão alocadas em atividades subalternas dentro de uma mesma profissão. Dentro da medicina, por exemplo, homens são maioria nas especialidades mais rentáveis, como neurologia, enquanto mulheres se concentram na clínica geral.

Essas desigualdades se associam de um modo tão imbricado, que é redutor separá-las em parágrafos distintos. Mulheres negras, por exemplo, não ape-

O lugar das ações afirmativas
em pauta 64
Não existe uma forma simples de lidar com todas essas desigualdades juntas. Daí a importância da ideia de ação afirmativa, entendida aqui como um modo de fazer política pública que foque em mais de uma dimensão das desigualdades ao mesmo tempo

nas sofrem com a soma das desigualdades de raça e gênero: os dados indicam que elas são submetidas a desigualdades e discriminações particulares. Embora o acesso a espaços de poder político tenha aumentado para negros e mulheres nas últimas décadas, as mulheres negras permanecem mais sub-representadas que esses dois grupos. Elas também permanecem sub-representadas na atividade profissional com direitos mais precários: a de trabalhadoras domésticas.

Não existe uma forma simples de lidar com todas essas desigualdades juntas. Daí a importância da ideia de ação afirmativa, entendida aqui como um modo de fazer política pública que foque em mais de uma dimensão das desigualdades ao mesmo tempo. As políticas públicas redistributivas mais bem-sucedidas no Brasil são justamente aquelas mais sensíveis ao caráter multifacetado de nossas desigualdades.

O recém-recriado Programa Bolsa Família, por exemplo, é visto como uma política de redução da pobreza, mas ele considera também as desigualdades de gênero e geração ao privilegiar as mulheres como titulares do benefício e as crianças como objetos de grande parte das condicionalidades (frequência escolar, vacinação etc.). As políticas de cotas no ensino superior também possuem um desenho multifacetado. Elas são, sobretudo, políticas de classe, já que seu público prioritário são estudantes de escola pública e baixa renda. Só dentro dessas cotas econômicas é que se aplicam cotas raciais, algo nem sempre visível no debate público.

Ainda assim, as desigualdades brasileiras dificilmente se reduzirão sem um compromisso dos entes privados. Em todo o mundo, políticas de ação afirmativa baseadas em critérios de classe, raça, gênero etc. são adotadas por empresas, algo ainda raro no Brasil. As tão debatidas ações afirmativas nos Estados Unidos, por exemplo, são adotadas basicamente no mercado de trabalho privado. São as multinacionais, aliás, as suas maiores defensoras judiciais. Na África do Sul, o governo adota ações afirmativas, mas também premia empresas que tenham medidas de equidade para vários grupos.

Por isso tudo, é preciso fazer com que a iniciativa privada entenda a centralidade das ações afirmativas em vigor, não apenas no setor público, mas sobretudo no mercado de trabalho mais amplo. Isso envolve não apenas um diagnóstico de como desigualdades raciais, de classe e de gênero se manifestam numa empresa específica, mas na incorporação de critérios afirmativos nas seleções e contratações realizadas. O mercado de trabalho é o principal espaço de reprodução das desigualdades brasileiras e, ao mesmo tempo, relativamente resistente a medidas desse tipo.

Políticas afirmativas se aplicam hoje a diferentes espaços, dentre os quais o ensino superior, as eleições, as contratações do serviço público. No entanto, poucas medidas impactam o mercado de trabalho, em parte porque suas dinâmicas escapam do controle governamental estrito, em parte pelo alto grau de informalidade que impera em seu interior. Sem medidas de redução dessas desigualdades no mercado de trabalho, nossas desigualdades não apenas permanecerão imensas, como também seguirão atingindo de modo desigual grupos distintos.

Luiz Augusto Campos é professor de sociologia e ciência política no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) e coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa). É colunista do Nexo Jornal e autor de publicações como Raça e eleições no Brasil (Zouk, 2020) e Ação afirmativa: conceito, debates e história (EDUERJ, 2008).

O mercado de trabalho é o principal espaço de reprodução das desigualdades brasileiras
em pauta 65

CRÍTICA leitura

Jornalista e escritora, Januária Cristina Alves fala sobre a importância da educação midiática na formação de leitores críticos, éticos e cidadãos desde a infância

Apaixonada por ler, escrever e contar histórias, a paulistana criada no interior pernambucano Januária Cristina Alves resolveu, aos 12 anos, mandar uma carta a um suplemento infantil de um jornal do Recife (PE). Foi incentivada pela mãe, que era assinante do diário, a datilografar o texto à máquina. Em 15 dias, sua história foi publicada, e logo a garota se tornou colaboradora regular do periódico. Foi quando decidiu que queria ser jornalista.

Com o diploma, Januária trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde e Diário do Grande ABC, além de revistas como Claudia e Superinteressante, ambas da Editora Abril. Na Folha, ficou 13 anos colaborando na formação de professores. E, quando em 2010, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) introduziu

um currículo de formação de professores em alfabetização midiática e informacional, foi uma das primeiras pessoas a formar turmas no Brasil.

De volta à academia, Januária obteve o título de mestre em comunicação social pela Universidade de São Paulo (USP). Também escreveu mais de 50 livros infantojuvenis, e já recebeu dois prêmios Jabuti, um prêmio Abril de Jornalismo e um Vladimir Herzog de Direitos Humanos. Educomunicadora, colunista do Nexo Jornal e coapresentadora do podcast Curti, e daí?, é ainda coautora de Como não ser enganado pelas fake news (Moderna, 2019) e assina o prefácio de Manifesto pela Educação Midiática (Edições Sesc São Paulo, 2022), do pesquisador inglês David Buckingham. Pelas Edições Sesc, publicou também, em 2017, o Abecedário de

personagens do folclore brasileiro, obra finalista do Jabuti e referência para a criação da série Cidade Invisível, da plataforma de streaming Netflix. Neste Encontros, Januária Cristina Alves fala sobre educação midiática, combate à desinformação e os desafios apresentados pelas tecnologias digitais.

EDUCAÇÃO MIDIÁTICA

A educação midiática nasceu como alfabetização midiática. A Unesco até bem pouco tempo atrás a

Para a educomunicadora Januária Cristina Alves, "não vamos conseguir avançar na definição de liberdade de expressão sem ter a lei do nosso lado".

Dirceu Neto
POR LUNA D’ALAMA

chamava de alfabetização midiática e informacional. Em primeiro lugar, temos um problema mundial, em que metade da humanidade está conectada e a outra metade, não. Ou seja, apenas metade da população tem acesso às mídias impressas ou digitais. No Brasil, vimos esse problema com as crianças durante a pandemia de Covid-19. A gente teve um atraso muito grande e, entre outros aspectos, houve falta de acesso a celular e computador. Então, como é que eles teriam aula online? Nós temos uma geração que domina a tecnologia, os aparelhos, mas ainda

não sabe acessar uma informação qualificada. Ainda não temos leitores críticos e competentes.

A educação midiática se propõe a dar o acesso à informação, ensinar como as coisas funcionam e propiciar uma leitura crítica, para que as pessoas possam entender o mundo, ter uma participação cidadã e compreender por que estão acessando, curtindo, compartilhando tal conteúdo.

A preocupação da educação midiática é formar não só um leitor crítico, mas alguém que produza, compartilhe e consuma um conteúdo responsável.

ECOSSISTEMA INFORMACIONAL

Com o advento da internet, mudou-se muito o ecossistema informacional. Lembro, quando era pequena, que meus pais gostavam de ler jornal e diziam: “Saiu no jornal, é verdade!”. O jornal era uma instituição e a imprensa tinha credibilidade, porque se esperava que as notícias fossem checadas e rechecadas. Não que não tivessem erros, sempre houve, era um trabalho feito por humanos. Porém, a partir do momento em que as redes sociais entraram na nossa vida, qualquer pessoa

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encontros

tem acesso à informação e pode publicá-la. Brinco que somos todos “jornalistas”. Qualquer um que tem uma câmera, filma e posta, e foi aí que começou o grande imbróglio das fake news e de todas essas questões. Além disso, as plataformas estão envolvidas até o pescoço nesses conteúdos, porque são elas que dizem o que vai ou não para o ar. Então, a gente precisa responsabilizá-las também, pois não dá para se ter educação midiática sem a colaboração das plataformas. São poucos os países que realmente tiveram sucesso nisso até hoje. Na Finlândia, por exemplo, 98% da população não cai em fake news É uma coisa linda, mas eles têm uma população que confia muito nas suas instituições, no governo, na imprensa. Portanto, está muito ligado a criar um ecossistema informacional confiável. A gente tem este desafio pela frente.

CHAMADO À RESPONSABILIDADE

Hoje, a gente tem uma quantidade enorme de meios de informação. Aliás, é este o problema: fontes demais para qualidade de menos. Você pode fazer a sua página de rede social, mas tem que entender o algoritmo, onde a sua mensagem está sendo veiculada, por que usar hashtag e para que ela serve. É o que a gente chama de transparência algorítmica. Além de produzir conteúdo, temos que compreender o modo de produção e, principalmente, os interesses por trás de tudo isso. Por isso, todos os atores envolvidos na educação midiática têm que ser chamados à responsabilidade para combater a desinformação. Não é à toa que países do mundo inteiro estão batendo cabeça sobre como se regulam as mídias, porque isso toca numa questão muito delicada, que é a liberdade de expressão.

A INTERNET FOI CRIADA SOB

ESSA ÉGIDE [DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO], UM LUGAR ONDE [NA TEORIA] TODOS SÃO IGUAIS, TÊM O MESMO DIREITO DE ACESSAR, FALAR, SE EXPRESSAR.

É um conceito tão amplo quanto complexo. A internet foi criada sob essa égide [da liberdade de expressão], um lugar onde [na teoria] todos são iguais, têm o mesmo direito de acessar, falar e se expressar. Só que a realidade mostrou que não é bem assim. Inclusive, nas plataformas, essa estrutura de poder é bastante evidente. Não vamos conseguir avançar na definição de liberdade de expressão sem ter a lei do nosso lado. A gente tem no Brasil o Marco Civil [da Internet], que é modelo para o mundo inteiro. Não estamos desgovernados nem desamparados, só que temos visto um uso das redes para fins que não são éticos nem cidadãos. Então, é preciso que isso seja regulado de alguma maneira.

LONGUÍSSIMO PRAZO

O professor [inglês] David Buckingham [autor do livro Manifesto pela Educação Midiática (Edições Sesc São Paulo, 2022)] não acredita em solução simples para a educação midiática. Educar meninos e meninas a ler notícias e interpretar informações e fatos é uma ação a longo prazo, eu diria a longuíssimo prazo. Você não torna uma pessoa consciente e crítica, não forma um repertório leitor, senão numa vida toda. A educação midiática começa desde a mais tenra idade, quando você lê para uma criança, quando ela aprende a escrever, e a gente vai exercitando essa formação de repertório. Quanto mais textos essa criança lê e escreve, mais exposta estará a situações comunicativas e, com isso, vai saber distinguir um texto de ficção de um factual. Nessa idade, a gente espera que já exista um repertório leitor, se não formado, pelo menos em formação. Nunca vivemos antes

QUE
SÓ QUE A REALIDADE MOSTROU
NÃO É BEM ASSIM
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uma epidemia de desinformação, que literalmente matou pessoas. Não temos precedentes nem receita, mas não podemos desistir, porque temos visto os danos que o uso inadequado desses sistemas informacionais tem causado à saúde, à democracia, a todas as áreas. Então, precisamos agir.

POLÍTICAS PÚBLICAS

Estamos todos imersos neste mundo mediatizado. [Isto é], conhecemos o que acontece ao nosso redor por meio do que a mídia escolhe nos mostrar. Então, a gente precisa criar um repertório leitor que faça com que a gente também selecione as informações de que necessita. Porque a gente se informa para tomar decisões boas, úteis ou funcionais. E, se a gente não sabe que tipo de decisão quer tomar, o que interessa, não consegue ser um consumidor de mídia consciente. Esse não é um trabalho para um governo, mas para todos nós, para a sociedade. Deve ser uma política pública constante, consistente e a longo prazo, para que isso se torne, de fato, parte do nosso cotidiano. Se todo dia a gente acorda, abre o celular ou o jornal para se informar, a gente tem que começar a refletir sobre essa atitude. Somos seres que buscamos informação, mas informação não é conhecimento. Conhecimento é aquela informação que é degustada, selecionada, e que tem utilidade.

NOVAS TECNOLOGIAS

Não sou futuróloga, mas acho que assim como tudo que é novo, a gente já viu esse filme. O cinema iria acabar com o rádio, depois a televisão chegou para acabar com

o cinema, e está tudo aí, inclusive o jornal. Então, acho que a gente vai conviver com o ChatGPT e se adequar. Ele não precisou chegar para acabar com profissões como a de taquígrafa [profissional capaz de escrever em alta velocidade, reproduzindo com abreviações as palavras de um orador] ou datilógrafa, por exemplo. As coisas vão evoluindo, é natural, e não acho que isso deva ser motivo para a gente se desesperar. O que vejo que o ChatGPT traz é a questão da pesquisa e da autoria. Essa é uma geração que não suporta a dúvida e, por isso, copia e cola o primeiro resultado do Google. Então, acho que a gente precisa recuperar uma prática muito importante da escola, que é a pesquisa. Ter uma hipótese, ir atrás, traçar um caminho. É algo que a gente faz muito em trabalhos acadêmicos, mas que, antigamente, se fazia na escola, até porque só havia enciclopédia. Existia uma alegria do conhecimento, um prazer da descoberta, o próprio exercício de construir perguntas, que se perdeu neste imediatismo. Tem também a questão da autoria, de você escrever, se expressar. Isso máquina alguma vai fazer. Além disso, nossa juventude nunca escreveu tanto, mas posta num determinado formato, com número de caracteres [preestabelecido]. Até que ponto isso é criativo? Se a gente seguir esse caminho, o ChatGPT poderá ser usado de outra maneira, como uma referência, e não como a única saída para a gente produzir textos e conhecimento.

CONTEÚDOS INFANTIS

A gente sabe que tudo migrou muito para o digital. Os próprios jornais quase não têm mais edição impressa. No caso da Folha de

S.Paulo, eles ressuscitaram a Folhinha num outro formato, dentro do jornal, que a meu ver não tem que separar [em suplemento], até para a criança se habituar e conhecer toda essa arquitetura informacional, como é que o jornal se organiza. Então, tem sido interessante ver como estão tratando as matérias, acho que está muito adequado. A gente tem também a revista Qualé?, para crianças do [Ensino] Fundamental I, vendida por assinatura – basicamente para as escolas. Há o jornal Joca e algumas outras tentativas de se fazer jornal ou conteúdo jornalístico para crianças. Não é fácil, porque o conteúdo acaba muito escolarizado. Mas, o texto jornalístico está nas diferentes mídias, e é sempre possível conversar sobre qualquer assunto com uma criança, desde que você vá construindo esse caminho de leitura com ela. Todas as iniciativas são válidas, e acho muito bacana essa leitura em conjunto, tanto de livros como de informativos, porque isso vai formando o repertório do leitor.

Ouça, em formato de podcast, a conversa com a educomunicadora e escritora Januária Cristina Alves, que esteve presente na reunião virtual do Conselho Editorial da Revista E, no dia 24 de maio de 2023. A mediação é de Marina Pereira, jornalista e editora de conteúdos digitais da Revista E

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MANIFESTA

POR SLAM DAS MINAS SP ILUSTRAÇÕES JU VICENTIS inéditos

Quando a útera slam das minas me gestou foram meses e meses até nascer

e antes de ser poeta já era slam das minas me carregaram no colo nutriram a minha escrita

até que eu finquei meus dois pés no mic e nasci olhei em volta e me vi cheia de histórias poesia e memória de cada vez que essa slam me foi casa sou grata e carrego cada feitiço que lançamos no palco no mundo essa slam me fez

brotei com palavras ainda que engasgadas fui caminhando com elas e percebendo slam das minas é mundo onde todes podem existir

Por Ibu Helena

Escrevo enquanto voo Sustentando-me no fluxo constante das criativas amigas, parcerias Que o mundo poesia Me deu

Chorando enquanto vendo lenços me recordo do tempo

Em que escondia meus escritos, Meus diários, meu eu

Escrevo enquanto vou Flor da moita autodidata

Sons e literatura

Distancio do ideal físico

Do senso estético, constante

Fuga

Minha voz rasga censuras

Minha escrita costura paz

faz as pazes com a vida

Fito-a com dignidade

Sensata e sagaz

Eu vou.

Livre e leve, Carregando minha própria bagagem

Aqui encontrei o lugar em que vale pertencer

Por Aflordescendente

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A flor que nasce quando uma slam brota semeia versos que lutam e amam por dias mais justos.

Nesse chão não pisa robôs de mito, escrotos de jaleco, a cisgeneridade masculina tóxica que mata.

Recue seus privilégios do caminho que estamos passando com a nossa voz.

Em nome das mães, dos pais de útero, pelas crias, por todas as corpas borboletas.

Pedimos licença e a bença, das Iabás, Maria Mulambo, ciganas e encantadas, para ocuparmos os livros, o Congresso e as memórias.

Por Carolina Peixoto

desde 2016 plantando novas narrativas de semente lírica e atravessamentos literários, caminharemos, políticas em pé! bocas e mais bocas abertas na utopia slam das minas. salário à nossa altura, comida na nossa mesa, respeitem nossas crias. nos representaremos vivas! no palco ou no palanque e se disserem não tanques de guerra, armamento poético na cabeça dos sem meta. aqui se constrói futuro. de minas, monas e monstres que fizeram da voz e do corpo arma e armadura que é cura, mas não se engane com nosso oráculo porque caneta quando encontra obstáculo também pode matar.

Por pam araujo

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inéditos

Somos corpes-poema com a língua afiada e na ponta da caneta vivências, e assim como exu nós abrimos caminhos, e isso é bem mais que falar sobre temas.

Realizamos recorte de gênero, por entendermos que é necessário falar sobre vidas, e o encontro de nossas escritas é sobre afronte, mas também é sobre cura de feridas.

Que nossas falas-diversas, abrace quem estiver de peito aberto, nos faremos acolhimento para quem estiver longe e pra quem estiver por perto, colaremos juntas na busca de unir-versos. E levantem-se todos os gêneros dissidentes, pois isso é mais que um manifesto, é manifesta!

Por Apêagá

Força motriz que consta somos a Slam das Minas, monas e monstres!

pam araujo é escritora, produtora cultural e organizadora da Slam das Minas SP. Integra o coletivo Poetas Ambulantes, é sócia da Baderna Literária e autora dos livros Buraco (Baderna Literária, 2017) e Hídrica, palavra em estado de mergulho (Casa Philos, 2021).

Carolina Peixoto é poeta, produtora cultural, sócia da Baderna Literária, integrante da Slam das Minas SP e do coletivo Poetas Ambulantes. Autora dos livros MEXE A MÃO (2018), DEZluas (2017) e BOLA, LÁPIS E PAPEL (2013).

Apêagá é poeta-escritora, slammer, slamaster, performer e produtora cultural. É pioneira na cena poetry slam no Ceará, tendo idealizado o Slam da Quentura e o Slam CE. Seu primeiro livro é Me Faço Tempestade Para Não Caber em Redemoinho (Substânsia, 2022).

Ibu Helena é pedagoga e encontrou sua arte no sarau e no slam. Além de integrante da Slam das Minas SP, é autora de três zines: Sobre tantas coisas, Toda gota é mar comigo e Tire os sapatos antes de entrar.

Aflordescendente é artista independente, poeta, compositora, MC e slammer atuante na cena desde 2017. Faz parte dos coletivos Kush Crew Batalhas de Rima e Slam das Minas SP.

Ju Vicentis é ilustradora, designer gráfica e artista visual. Já integrou o time do projeto Defesa Pessoal pras Minas e participou da organização de saraus em São Paulo.

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NOS CAMPOS DE ROSI

Acostumada a transitar entre os palcos do teatro e as telas do cinema e da TV, atriz Rosi Campos relembra personagens marcantes e reflete sobre suas experiências artísticas

POR GUILHERME BARRETO E LUNA D’ALAMA A atriz em cena no espetáculo Hamlet com Pimenta (2014)

Foi com uma tia professora, chamada Bárbara, que a menina Rosângela Campos teve seu primeiro contato com o teatro. Na cidade de Santa Cruz das Palmeiras, interior paulista, a tia estendia lençóis no varal e convidava as crianças da família a encenar histórias em frente à cenografia improvisada. A atriz Rosi Campos levou a sério as brincadeiras e, hoje, coleciona décadas de vida dedicadas ao palco, à televisão e ao cinema. Foi por meio da tela grande, inclusive, que ela se apaixonou pela arte, enquanto estudava jornalismo na Universidade de São Paulo (USP). Só não optou pelo curso de cinema porque, no auge da pornochanchada, não seria fácil convencer seu pai. Naquela época, Rosi ia ao Cine Bijou (hoje Cine Satyros Bijou), no centro de São Paulo (SP), quatro vezes por semana, e logo entrou em grupos de teatro. Passou pelo Mambembe, Ornitorrinco e Circo Grafitti, nos quais consolidou técnicas para composição de suas personagens: “Observava muito. Às vezes, começo com uma coisa física; em outras, com algo do figurino, da música”, conta.

Nascida em Bragança Paulista (SP) e fã de atrizes como Bette Davis (1908-1989), Fernanda Montenegro e Berta Loran, Rosi segue dividindo sua carreira entre o audiovisual e o teatro. Em 2022, interpretou a avó da protagonista na série juvenil No mundo da Luna, além de encenar os espetáculos A Flor do Meu Bem-querer, com Juca de Oliveira, e O Vison Voador, texto

britânico adaptado por Marcos Caruso. Autodeclarada “gente como a gente”, Rosi, que ficou famosa como a Bruxa Morgana, no programa Castelo Rá-Tim-Bum (1994-1997), e a Mamuska, na novela Da Cor do Pecado (2004), diz que circula pela capital paulista a pé ou de metrô, vai à feira e ao supermercado. Neste Depoimento, Rosi – que estampou a primeira capa da Revista E, em julho de 1994 –, fala sobre as aproximações e divergências das linguagens artísticas, internet, construção de personagens e reflete sobre as diferentes gerações de artistas no Brasil.

linguagens

Acho que todas as linguagens artísticas têm suas particularidades, todas são difíceis. Porque a televisão é uma técnica completamente diferente do teatro, e o cinema também. Trabalhei mais no teatro e na TV, mas, por mim, faria cinema a vida inteira. Amo tantos filmes. O Anjo Exterminador (1962), A Bela da Tarde (1967), ambos do Luis Buñuel (1900-1983), Apocalipse Now (1979), do Francis Ford Coppola, Encurralado (1971), de Steven Spielberg... Eu, inclusive, fiz jornalismo porque naquela época, 1974, só tinha pornochanchada, então não dava para falar para o meu pai que iria fazer cinema. Estava tudo fervilhando, o movimento hippie, a Guerra do Vietnã, os movimentos estudantis, a ditadura. E a gente no meio disso tudo. Foram 25 anos de novela, e sempre com o teatro em paralelo. Tanto que nunca morei no Rio de Janeiro,

porque estava sempre fazendo teatro em São Paulo aos finais de semana. O teatro cura, transforma, facilita a sua vida. Dá disciplina, formação, você se entende mais, transforma seu defeito em qualidade. O teatro acolhe todo mundo. E você tem que ler muito, estudar línguas. Se vai fazer uma psicóloga ou uma advogada, tem que estudar psicologia ou direito. Mas, infelizmente, o teatro quase não faz mais parte da vida das pessoas. O público jovem gosta de stand-up, é difícil pegar a moçada. Uma pesquisa da Folha [de S.Paulo] mostrou que o teatro não é uma opção de lazer hoje. Além disso, houve uma geração de artistas que não vai existir mais: Marília Pêra (1943-2015), Eva Todor (1919-2017), Aracy Balabanian. A gente teve o privilégio de vê-las em cena. Por outro lado, hoje em dia temos uma geração de musicais que é incrível. Na nossa época, a gente mal sabia cantar duas músicas e dar três passinhos.

castelo

Tive muita sorte porque acabei pegando um dos maiores projetos da televisão brasileira, que é o Castelo Rá-Tim-Bum, de uma qualidade incrível. Ele todo foi feito com professores, com vários especialistas. Os músicos eram incríveis, o pessoal do cenário, do figurino. Tanto que a gente teve o reencontro do Castelo [lançado em fevereiro de 2023, no Youtube] e finalmente conseguiu saber como muitas coisas eram feitas, porque eu, por exemplo, gravava isolada. O pessoal gravou um ano e meio a mais do que eu, que gravei

Ary Brandi
75 | e depoimento

90 programas em três meses praticamente: eram três cenas por dia. Às vezes, eles demoravam uma semana para fazer um único programa, porque tinham todos os quadros, os passarinhos, os músicos, os bailarinos, os dedinhos, as fadinhas. Era uma farra, uma delícia. Foi realmente um sucesso muito grande. Vai fazer 30 anos [em maio de 2024]. Cao [Hamburguer], Flavio de Souza, Anna Muylaert, uma equipe enorme e de muita qualidade, em todos os sentidos. A gente fez achando que ia ser mais um programa, mas o sucesso foi tão grande que dava 10 [pontos] de Ibope na TV Cultura. Sei que foi até para Cuba. Fiz também três peças e um filme sobre a Morgana.

ambiente

[Como testemunha ocular da História do Brasil e do mundo, a Bruxa] Morgana estaria preocupada com tudo isso que está acontecendo, principalmente com o meio ambiente, com a consciência que as pessoas têm que ter. Não sei o que acontece, todo mundo joga coisa no chão, faz sujeira, não toma conta das

coisas, acha que aquilo não é seu, mas tudo é seu: a rua, o ônibus em que você anda, a praia aonde você vai. Isso é uma coisa que me preocupa muito: a maneira como as pessoas tratam o nosso ambiente. Eu acho que a Morgana também se preocuparia muito com isso.

personagens

Faço às vezes pela figura, por pessoas que conheci. A gente observa muito. Às vezes, começo com uma coisa física; em outras, com algo do figurino, da música. Nossos grupos de teatro [como Mambembe, Ornitorrinco e Circo Grafitti] também não partiam de textos prontos. A gente sempre fazia pesquisa, que é a maneira mais difícil de fazer uma peça. Em 1980, queríamos falar sobre sexo e montamos [a comédia] Foi bom, meu bem?, com texto de Luís Alberto de Abreu [e direção de Ewerton de Castro]. Falamos com [a então sexóloga, atual secretária de Relações Internacionais de São Paulo] Marta Suplicy, [o psiquiatra e escritor] Flávio Gikovate (1943-2016) e outros especialistas. Todo mundo se reunia, fazia altos bate-papos, e depois as

peças. Com Bella Ciao [de 1982, dirigida por Roberto Vignati], também foi assim. Alguns atores iam para os sindicatos do ABC Paulista para conversar com o pessoal. No espetáculo Você vai ver o que você vai ver [de 1989, dirigido por Gabriel Villela], não eram textos de teatro, mas do [poeta e escritor] surrealista francês Raymond Queneau. A gente sempre complicou, em vez de simplificar. Era uma maneira diferente de falar, de fazer teatro, não usando o que já estava pronto.

internet

Fiz algumas coisas pela internet [durante a pandemia], mas não gostei muito porque achei meio chato. Teve gente que se deu superbem, porque foi vista até na Dinamarca e na Rússia. Realmente [por esse lado] é uma experiência muito legal, de você poder estar no mundo todo, mas para o teatro é estranho. A gente gosta da pessoa ali, fisicamente. Fora que na internet todo mundo quer ser celebridade. Então, tem uns trabalhos que valem a pena, mas outros, não. E tem gente que acha que só porque tem uma câmera vai

TRANSFORMA SEU DEFEITO EM QUALIDADE. O TEATRO ACOLHE TODO MUNDO e | 76
O TEATRO CURA, TRANSFORMA, FACILITA A SUA VIDA. DÁ DISCIPLINA, FORMAÇÃO, VOCÊ SE ENTENDE MAIS,
depoimento

fazer uma coisa incrível. Falta um pouco de informação hoje em dia. Elas acham que estão inventando o teatro, o cinema, a roda. E a gente já viu tanta coisa, né? Nós já vimos espetáculos deslumbrantes, grandes diretores, grandes atores, grandes filmes, diretores de cinema. A nossa geração toda foi feita com filmes.

gerações

Envelhecer é um processo natural, faz parte da vida. E a gente tem que aproveitar essa idade. Nós [da minha geração] não estamos mais voando como libélulas, mas temos muita experiência, isso que é legal. A gente viveu momentos incríveis no Brasil, com pessoas maravilhosas. Tive a chance de encontrar meus ídolos na TV Globo: Tony Ramos, Ary Fontoura, Arlete Salles e Susana Vieira [com as quais gravou o filme Amigas de Sorte (2021), de Homero Olivetto]. A geração anterior à minha fez televisão, rádio, circo, cinema. O Milton Gonçalves (1933-2022) fez e dirigiu diversos filmes, teve o Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006)... Pessoas que misturaram a vida com a arte. Hoje, há um pessoal mais jovem que é muito bom, aplicado.

Assista ao vídeo com trechos do Depoimento da atriz Rosi Campos. Rosi Campos na comédia musical Cabaret Luxúria, dirigida por Bruno Perillo, Helen Helene e Pedro Paulo Bogossian.
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Ary Brandi

ALMANAQUE

Ô de casa!

De portas abertas, casarões tombados em diferentes regiões da capital convidam a uma visita pelos corredores da memória patrimonial paulista

POR MARIA JÚLIA LLEDÓ

Ao flanar pelas ruas de São Paulo (SP), observamos janelas, portões e jardins de casarões de outras épocas. Desejamos ser convidados a entrar para tomar um café ou quem sabe sentar-se à sombra de uma árvore ao lado de Lasar Segall (1891-1957); passear por entre a coleção de obras de arte de Ema Klabin (1907-1994); escolher um livro na prateleira do escritório de Vilanova Artigas (1915-1985); brindar à mesa da sala de jantar com Lina Bo Bardi (1914-1992); ou simplesmente contemplar o ângulo com que o sol das três da tarde incide sobre o vitral da fachada da Casa da Don’Anna.

Esses imponentes imóveis, que um dia abrigaram conversas, festas de família e horas de trabalho, podem ser visitados em diferentes bairros pela cidade. Alguns aguardam os últimos retoques, como a Casa das Rosas, na Avenida Paulista, que deve reabrir nos próximos meses. Outros se tornaram espaços culturais, cápsulas de memórias e legado de ilustres moradores que, neste Almanaque, abrem as portas para embarcarmos numa viagem pela história da arte e da arquitetura paulistas.

ERA UMA CASA

MUITO MODERNISTA

Flávio de Carvalho (1899-1973) teve seu estilo definido como “romântico revolucionário” pelo arquiteto

Le Corbusier (1887-1965).

Entre seus projetos está a Vila Modernista, inaugurada em 1938, onde é possível visitar, desde março

de 2023, a única residência que foi inteiramente restaurada em sua versão original. Novo espaço permanente para realização de exposições e eventos de artes visuais na capital, a Casa SP–Arte ocupa este projeto residencial que fica na zona oeste. Caracterizado por um guarda-sol de concreto na parte frontal,

a casa ainda mantém, em seu interior, os ladrilhos hidráulicos assinados por Flávio de Carvalho.

Casa SP-Arte

Alameda Ministro Rocha

Azevedo, 1.052, Jardins. Visitas de quarta a sábado, das 11h às 17h. GRÁTIS sp-arte.com/casa-sp-arte

Leonardo Finotti
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ÍCONE ENVIDRAÇADO

O primeiro projeto da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi fica na zona oeste de São Paulo. Construída entre 1950 e 1951, a Casa de Vidro foi residência de Lina e do marido, o jornalista Pietro Maria Bardi (19001999), e é considerada um ícone da

arquitetura moderna. Sua fachada de vidro não só permite a entrada de luz, como também uma ampla visão de mais de 200 espécies da Mata Atlântica. Tombada em 1987 como patrimônio histórico, foi transformada no Instituto Bardi / Casa de Vidro e, desde 2015, é aberta à visitação, além de fomentar ações de design, arquitetura e artes.

Instituto Bardi / Casa de Vidro Rua General Almério de Moura, 200, Morumbi. Visitas de quinta a sábado, das às 10h, 11h30, 14h e 15h30. Grátis para crianças (de até 10 anos). instagram.com/institutobardi

Henrique Luz

ALMANAQUE

ENTRE O CLÁSSICO E O MODERNO

A residência que pertenceu à mecenas Ema Gordon Klabin é composta por elementos clássicos e modernos em 900 metros quadrados. Com projeto arquitetônico de Alfredo Becker (1851-1937) e paisagismo de Burle Marx (1909-1994), o imóvel foi inaugurado em 1961, reunindo um acervo de mais de 1.500 peças, entre pinturas, gravuras e esculturas colecionadas por Ema. Sua casa ainda era espaço para jantares e saraus frequentados por diplomatas, políticos, empresários e artistas. Na década de 1970, ela resolveu transformar o imóvel num museu aberto ao público e, para isso, criou a Fundação Cultural Ema Gordon Klabin, que iniciou suas atividades em 1997 e, 10 anos depois, abriu as portas para visitação.

Casa-Museu Ema Klabin

Rua Portugal, 43, Jardim Europa. Visitas de quarta a domingo, das 11h às 18h. Grátis (sugestão de contribuição voluntária). emaklabin.org.br

LEGADO DE ARTIGAS

Telhado em forma de asa de borboleta, janelões de vidro e fachadas pinceladas de vermelho, azul e amarelo. A construção que fica na zona sul da capital é uma obra de 1949 do arquiteto e urbanista João Batista Vilanova Artigas, com jardim criado por Burle Marx, e que foi moradia da família Artigas até 2016. Tombada e revitalizada em 2017, a casa abriu as portas para visitação há cinco anos, como Instituto Casa Vilanova Artigas (ICVA), preservando o legado de um dos maiores nomes da arquitetura brasileira.

Instituto Casa Vilanova Artigas

Rua Barão de Jaceguai, 1151, Campo Belo. Visitas de quarta a domingo, das 12h às 17h. Grátis. instagram.com/casaartigas

Nelson Kon (Casa-Museu Ema Klabin); Drausio Tuzzolo (Instituto Casa Vilanova Artigas).

PAREDES CULTURAIS

Depois de residirem em Paris, entre 1928 e 1932, Lasar Segall e sua esposa, a escritora Jenny Klabin Segall (1899-1967), decidiram morar na zona sul de São Paulo. No terreno, tanto a casa quanto o ateliê do artista foram projetados por Gregori Warchavchik (1896-1972), concunhado de Segall e precursor da arquitetura moderna no Brasil. Dez anos após a morte do artista, em 1967, o espaço se transformou no Museu Lasar Segall e, em 1985, o projeto foi incorporado à Fundação Nacional Pró-Memória, compondo, hoje, uma das unidades do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Com acervo museológico, documental e fotográfico, o imóvel está aberto para visitas, exposições, cursos e outras atividades culturais.

Museu Lasar Segall

Rua Berta, 111, Vila Mariana. Visitas de quarta a segunda, das 11h às 19h. Grátis. instagram.com/museu_lasar_segall

MEMÓRIAS ELÍSIAS

Testemunha dos tempos em que o café era a principal atividade econômica no Brasil, a residência do casal Anna Silva Telles e Octaviano Alves de Lima Filho foi projetada pelo arquiteto Ramos de Azevedo (1851-1928), o mais renomado de São Paulo no século 20. Construído entre 1912 e 1914, o casarão está localizado nos Campos Elíseos, na região central. Com mil metros quadrados de área construída, e outros mil de jardim, a residência tem vitrais assinados por Conrado Sorgenicht (1835-1901), o mesmo responsável pelos vitrais da Catedral da Sé. Reformada em 1944, o casarão assumiu um estilo modernista e, atualmente, a Casa da Don’Anna abriga eventos e visitas guiadas.

Casa da Don’Anna

Rua Guaianases, 1149, Campos Elíseos. Visitas aos sábados e domingos, das 11h às 17h. Grátis para crianças (de até 4 anos).

casadadonanna.com.br

Natus Photos (Casa da Don’Anna) 81 | e

Educação e propósito

No percurso da vida, encontrei a minha vocação e entrei nesta jornada com certa inquietação e muitas expectativas. Hoje, tenho a honra de compartilhar minha história, repleta de desafios, aprendizados e momentos de pura transformação. Sou um educador que encontrou na educação seu propósito de vida.

Em 1994, em meio a uma crise política e econômica que o Peru enfrentava, saí à procura de novas oportunidades no Japão e, posteriormente, no Chile. Desembarquei no Brasil em 1999, com o coração cheio de sonhos e esperanças. Sabia que estava prestes a começar uma nova fase repleta de desafios. Foi no ano seguinte, em 2000, que dei meus primeiros passos como educador. A emoção e a ansiedade se misturaram quando entrei na sala de aula pela primeira vez, ciente de que tinha nas mãos uma missão valiosa: despertar nos alunos a curiosidade e o interesse pelo aprendizado.

Ao longo dos anos, descobri que minha aptidão para o ensino ia além da sala de aula. Encontrei no Sesc uma forma única de incitar a criatividade e a inovação. A cada descoberta, projeto, curso e oficina no antigo programa Internet Livre, a oportunidade de abrir horizontes e possibilitar que alunos tivessem suas vozes valorizadas em um mundo que, frequentemente, suprime suas individualidades.

Com o surgimento do programa Tecnologias e Artes, o meu compromisso não se restringiu apenas às oficinas e cursos. Sentia um chamado para ir além: levar a educação e a cultura a todos que pudessem se beneficiar delas. Foi assim que me envolvi em projetos em rede, cursos de desenvolvimento artístico, projetos educativos com idosos, e de tecnologias assistivas para deficientes visuais e crianças com TEA (Transtorno do Espectro Autista), nos quais encontrei um terreno fértil para cultivar a inclusão e a valorização de cada indivíduo. Ali, no ETA (Espaço de Tecnologias e Artes), criamos espaços seguros, onde o amor e o acolhimento são as bases de toda interação.

Então, chegou o momento em que pude compartilhar meu conhecimento por meio do curso Gestão de Projetos Socioculturais, durante o difícil momento de desemprego de artistas, arte-educadores e problemas

econômicos causados pela pandemia de Covid-19. Foi uma mudança necessária, uma forma de ampliar a minha atuação e capacitar empreendedores da cultura e da arte para gerarem iniciativas de mudança em seus projetos e torná-los eficazes e eficientes. Cada aula foi uma oportunidade para compartilhar não apenas habilidades e técnicas de empreendedorismo, mas os valores profundos de empatia, compaixão e respeito.

Cada momento desta jornada esteve sempre marcado por muita emoção. Lembro os sorrisos nos encontros online, a alegria de cada participante em ter idealizado, construído e finalizado o próprio projeto, a aprovação em leis de incentivo, as lágrimas de superação e os abraços virtuais que compartilhamos pelo caminho. Acredito firmemente que a educação vai além do conhecimento acadêmico, trata-se de relacionamentos, um abraço que acolhe e incentiva cada indivíduo a florescer.

Neste ano, esse mesmo projeto acaba de ser adaptado e agora faz parte da ação em rede Lab Valoriza, coordenada pela Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania e a Gerência de Artes Visuais e Tecnologia do Sesc, com o objetivo de acolher pequenos empreendedores, estimular ações, gerir projetos, promover criação e uso de ferramentas inovadoras, bem como de inclusão digital e de ampliação do conhecimento tecnológico.

Eu sou grato ao Sesc pelas experiências adquiridas e pelos projetos educacionais oferecidos. Como educadores, temos o propósito principal de fortalecer essas ações transformadoras. Ao unir nossos esforços com determinação e comprometimento, construiremos um futuro repleto de oportunidades, no qual o poder da educação, impulsionado pelo propósito, ultrapassa fronteiras e traz a promessa de uma sociedade melhor.

David Carlo Yauri Caman é peruano de nascimento, naturalizado brasileiro. Formado em letras, gestão empresarial e tecnologias educacionais, é pós-graduando em gestão de projetos e educador em Tecnologias e Artes no Sesc Catanduva (SP).

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Confira a programação completa: sescsp.org.br

JULHO 2023

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