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Cuidados Paliativos
CUIDADOS PALIATI VOS Fazendo as pazes com a morte
Como os cuidados pa liat ivos podem aj udar quem aca bou de começar a viver
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Texto e fotos:
Andielli Silveira
andielli98@hotmail.com
Diagramação:
Ana Carolina Parise
anaaparise@gmail.com
Apesar de seus quatro anos, Gustavo tem um quarto que não é colorido e nem tem brinquedos. Não tem barulho ou correria, nem mesmo bagunça. Isso porque o quarto do Gustavo é o 6550 do Hospital da Criança Santo Antônio, da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Lá, ele e a mãe, Ingrid Lima, passam os dias entre o vai e vem das enfermeiras, a hora da fisioterapia e a visita do pai e da irmã mais velha, que tem seis anos. Essa rotina começou em novembro de 2018, quando ele foi internado através do SUS por um vazamento na sonda que o alimentava, mas não tem data para terminar. Gustavo tem hidrocefalia e paralisia cerebral, e, quando a equipe esgotou as possibilidades de alimentá-lo, os cuidados paliativos foram acionados. “Eu não queria, porque ao meu ver paliatividade era terminalidade, e eu não conseguia entender o que era o trabalho deles”, revela Ingrid.
Precisou de muita conversa com o chefe do Programa de Cuidados Paliativos da Santa Casa, o médico Rodrigo Castilho, para que Ingrid aceitasse a assistência. “Ele me perguntou o que eu via como vida pro meu filho, e isso foi um baque. Me ajudou a colocar as
com a morte
Gustavo está internado há seis meses no Hospital da Criança Santo Antônio
necessidades do Gustavo na frente das minhas.” Rodrigo conta que sua equipe geralmente é chamada de forma tardia, porque há muita resistência em ver esses cuidados como uma abordagem que prioriza a qualidade de vida. “Acham que é pra quando não tem mais o que fazer, mas nós trabalhamos as questões físicas, emocionais, espirituais e sociofamiliares dos pacientes e acompanhantes”, afirma Rodrigo.
Do início ao f im
Ingrid recebeu o diagnóstico de Gustavo com seis meses de gestação, sentiu-se desnorteada e sem saber o que fazer. Hoje, pensa que tudo teria sido diferente se tivesse um acompanhamento dos paliativos desde o ínicio. “Eu teria uma orientação sobre como lidar com a doença, estaria mais segura, porque ela devasta muito. Ninguém tá preparado pra passar por tudo isso e ver que as coisas só pioram”, desabafa. O Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) tem essa parceria entre a Medicina Fetal e o seu Programa de Cuidados Paliativos. Quando uma malformação é identificada, os pais já começam a ser acompanhados pelo Programa. “Assim eles já estão mais preparados para o nascimento, já sabem do que o filho vai precisar e como cuidar dele”, explica Lucia Monteiro, coordenadora dos cuidados paliativos do HCPA. A bisavó de Gustavo faleceu em 2017 e Ingrid relata que foi uma morte muito dolorosa. “Se ela tivesse um cuidado paliativo não teria sofrido até o último minuto da vida dela.” É isso que Lucia entende como humanização do cuidado, saber reconhecer que certas terapias invasivas e dolorosas não vão melhorar o quadro e evitá-las. “O paciente pode falecer junto com a família, sem dor, sem falta de ar. Diferente de estar entubado, morrer numa CTI, sem receber visita. Menos tecnologia e mais atenção”, defende.
Ingrid Lima Mãe do Gustavo
A Medicina do cuidado
Os cuidados paliativos podem ser utilizados em qualquer caso de doença ameaçadora da vida. A equipe monta um plano de atendimento junto ao paciente e sua família, englobando o controle de sintomas, atendimento psicológico e conversas sobre a evolução do quadro. O objetivo é a manutenção da autonomia e da qualidade de vida até o fim. No caso dos adultos, o câncer é a doença mais acompanhada pelos paliativos. Com as crianças, também há casos de alterações genéticas, malformações e sequelas cerebrais. Em novembro de 2018, o Ministério da Saúde normatizou a oferta dos cuidados paliativos pelo SUS. No entanto, para a Sociedade Brasileira de Pediatria, o assunto ainda é delicado. “Não é fácil para o pediatra, não está previsto ele perder pacientes. Mas a Medicina brasileira está tentando entender mais os cuidados paliativos”, afirma Lucia.
Nos cuidados paliativos pediátricos, a equipe busca as demandas da criança, que muitas vezes é isolada do próprio processo de adoecimento como forma de proteção. Lucia acredita ser essencial ouvir as crianças que estão aptas a opinar: “Elas são muito espertas, te dão dicas do que querem. É mais fácil que com os adultos”. No entanto, as decisões são sempre feitas com os responsáveis. Outra especificidade é o treinamento que precisa ser fornecido aos pais em caso de doenças graves em bebês ou crianças muito pequenas, para que eles se sintam seguros de cuidá-las em casa. Para as internadas, são propostas atividades lúdicas, terapia ocupacional e festas em datas comemorativas.
A conciliação
Foi justamente quando os cuidados paliativos entraram em cena que Gustavo começou a melhorar. Ingrid se viu em um espaço aberto ao diálogo, às suas dúvidas e sugestões. Disse que queria tentar a recolocação da sonda uma última vez, e a equipe concordou. O procedimento deu certo, e Gustavo voltou a se alimentar. Mas Ingrid é firme ao se posicionar contra medidas invasivas que não vão acarretar em melhora. “Acho que o cuidado paliativo é como ser mãe. A mãe quer proteger o filho, não quer que ele sofra e viva com dor”, comenta.
Ninguém sabe quanto tempo de vida Gustavo tem. Além de graves lesões cerebrais, o menino tem epilepsia, problemas respiratórios e uma traqueostomia – um orifício na traqueia para passagem de ar. O único tratamento que ainda pode causar resultado é a fisioterapia, que auxilia no desenvolvimento motor e muscular. “Mas a gente
não fica tão preocupada porque tem acompanhamento e sabe com o que tá lidando”, afirma Ingrid.
No quarto 6550 não tem brinquedos ou bagunça, mas tem paz, afeto e serenidade. Gustavo ri para as fotos. “Acho que esse é o maior gesto de amor que alguém pode fazer por um filho. Se o Gustavo não quiser mais estar aqui, o que eu tinha que fazer eu fiz”, diz Ingrid.