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Suicídio

O EFEITO SILÊNCIO

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Hist orica mente o suicídio é um ta bu pa ra o orna lismo, mas moviment os favoráveis a uma maior disc uss ão do ass unt o se most ram fundamenta is pa ra a valorização da vida

Texto e diagramação:

Vinicius Rodrigues Dutra

vini.rrosa@hotmail.com

Ilustrações: Breno Dias brenobdias@gmail.com

Se a morte em si é um assunto complicado, quando é autoinfligida se torna um dos maiores tabus. Ao longo de décadas, o jornalismo tem evitado o tema do suicídio por receio de causar o aumento do número de casos. Tal receio remonta ao século XVIII, quando o romance de Goethe Os Sofrimentos do Jovem Werther foi acusado de influenciar casos de imitação do suicídio realizado pelo protagonista do livro. Até hoje a discussão permanece, com a série de TV 13 Reasons Why, por exemplo. O efeito Werther, ou efeito contágio, é uma preocupação presente na área da saúde e que afeta a prática jornalística. Ainda assim, o assunto merece atenção. O suicídio é a segunda maior causa de morte de jovens entre 15 e 29 anos no mundo, segundo publicação de 2014 da Organização Mundial da Saúde (OMS), perdendo apenas para acidentes de trânsito. Por ano, mais de 800 mil pessoas tiram a própria vida no mundo, sendo cerca de 11 mil no Brasil. Um tema complexo como esse exige a atenção de diferentes áreas. É consenso que o esforço apenas de agentes de saúde e psiquiatras não é o suficiente para diminuir as taxas crescentes desses eventos e que a ação conjunta entre agentes governamentais e não-governamentais de diversas áreas, incluindo a mídia e a imprensa, possam diminuir esses níveis de mortalidade. Carlos Etchichury, atual editor- -chefe de Zero Hora, escreveu uma das primeiras reportagens mais aprofundadas sobre o tema no jornal. O caso do jovem Yoñlu, de 16 anos, que cometeu suicídio com ajuda de integrantes de um fórum online, em 2006, marcou um movimento de abertura do veículo para o assunto. “Acho que a matéria foi um divisor de águas na redação. Antes já se descartava o assunto de antemão. Hoje, existe o cuidado de não ficar tratando o tempo todo, mas está longe de ser um tabu”, explica. Nessa cobertura, Etchichury descobriu um dado que o deixou perplexo: por ano, no Rio Grande do Sul, cerca de mil pessoas se matam. Essa informação o motivou a produzir uma série de reportagens chamada “Tragédia Silenciosa”, publicada em 2008 em ZH. O nome faz alusão ao fato de que, por não se noticiar, não se sabe sobre essas mortes. No ano seguinte, a série foi recomendada como um exemplo de cobertura do assunto pelo Manual da Associação Brasileira de Psicologia.

Para Mônica Manir, o jornalismo utiliza a justificativa do efeito contágio para deixar de fazer matérias sobre o assunto: “Às vezes, acho que por não saber fazer, as pessoas não fazem, e são coisas diferentes”. A jornalista possui mestrado e doutorado em Bioética, foi editora e repórter especial no Estado de S. Paulo e hoje colabora com a BBC e com a revista piauí. Na edição de fevereiro de 2019 da revista, foi publicada a reportagem “Em Nome do Nada”, para a qual Mônica passou cerca de três meses apurando dados, pesquisando e conversando com pais sobreviventes. É chamada de “sobrevivente enlutado” toda pessoa próxima a alguém que cometeu suicídio.

“o orna lista te m que most rar o ac ontec iment o, se m deixá-lo de lado por pudor ou por não sa ber esc rever a respe it o”

Mônica Manir Jornalista

A jornalista aponta, por exemplo, a preocupação com o método. “Na matéria da piauí, me preocupei muito em não ficar em detalhes de como foi o suicídio da pessoa. Dei mais detalhes do que talvez se costuma dar, mas optei por isso achando que a gente não pode ficar quieto sobre suicídio de jovens. Tem de mostrar como eles estão se matando”. Mônica acredita que o método é importante, porque revela o que está acontecendo na sociedade. O dado de que uma das maiores causas de mortes por suicídio são as armas de fogo, por exemplo, influencia em uma discussão sobre facilitar ou dificultar o acesso da população às armas. “A função do jornalista é mostrar o acontecimento, sem deixá-lo de lado por pudor ou por não saber escrever a respeito”, reforça a paulistana.

As orientações

Os manuais de redação dos jornais brasileiros limitam-se a poucas orientações sobre como noticiar suicídios. O manual de redação da Folha de S. Paulo, por exemplo, orienta a não se omitir a causa da morte de personagens, ainda que não se deva descrever o método utilizado. O Manual de Redação e Estilo do jornal O Globo recomenda que não se noticie o suicídio de desconhecidos, exceto em casos fora do comum. Para Mônica, as orientações precisam ser atualizadas e devem focar no que de fato é

inapropriado na cobertura desses casos. “Acho que não falar, neste momento, não se justifica. O suicídio precisa ser falado”, argumenta.

As três principais publicações no sentido de orientar jornalistas no assunto são Prevenção do suicídio: um manual para profissionais da mídia, publicado pela OMS em 2000; um manual da Associação Brasileira de Psiquiatria; e uma cartilha do Ministério da Saúde de 2017, parte da agenda de ação estratégica para 2017-2020. Informar onde buscar ajuda é uma das principais dicas dos manuais para a imprensa.

Essas publicações apontam os cuidados na hora de noticiar esses casos: evitar a palavra suicídio em chamadas e manchetes, evitar a colocação da matéria em primeira página, não fornecer detalhes do método letal nem fotos, além de aproveitar a oportunidade para conscientizar a população sobre prevenção são algumas das recomendações.

Com base nessas orientações, o professor de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Rogério Christofoletti aponta uma cobertura errante pela mídia no caso do ex-presidente do Peru Alan García. O ex-mandatário se suicidou momentos antes de ser preso preventivamente, devido a investigações de propina da construtora Odebrecht. “A cobertura veio contaminada pelo fato de o suicídio ter acontecido sobre o tecido da Lava-Jato, sobre os muitos julgamentos moralistas de condenação da corrupção”, afirma o professor. Essa sobreposição de diferentes editorias, ou diferentes áreas do jornalismo, tratando esse assunto sem a devida reflexão, geraria trabalhos inferiores. “Decisões complexas sobre como cobrir e como noticiar não podem ser tomadas por uma única pessoa. O jornalismo é uma atividade coletiva, que se exerce em equipes, com

ajuda

O Centro de Valorização da Vida oferece uma rede de apoio pelo site www.cvv.org.br e pelo telefone 188, gratuitamente. papéis sociais distintos, mas interligados, o que leva a tomadas de decisões coletivas”, complementa o professor.

Por quê?

Interessada sobre o assunto, a jornalista Mauren Xavier concluiu na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em 2019, a dissertação de mestrado “Por quê? Uma análise dos discursos sobre suicídio no jornalismo diário”. A chefe de reportagem do jornal Correio do Povo mapeou as notícias que continham a palavra suicídio na Folha de S. Paulo em 2017. Ela reuniu 93 conteúdos jornalísticos informativos sobre o assunto, entre eles manchetes, reportagens e notas, e buscou identificar quais discursos estavam presentes. Apesar de haver conteúdos sobre prevenção, a maioria das publicações era de cunho criminal, ou seja, notícias sobre pessoas que se suicidaram.

O problema presente em parte dessas matérias, segundo Mauren, é o discurso que tenta “justificar” o suicídio.

“Quando uma pessoa se mata, não há um motivo, são vários. É uma complexidade muito grande, e dentro disso tem o gatilho, que é o empurrão que falta, mas não a causa total. E daí, quando tu traz um discurso reducionista, tu justifica o caso. Quando tu reduz, tu aumenta o preconceito”, explica. “A imprensa, dentro do papel de responsabilidade social, tem a obrigação de cobrar medidas do poder público, por exemplo. Se tiver em surto, como lido com esse assunto? Se for em um posto de saúde, alguém vai me ajudar? No momento em que tu passa a falar sobre suicídio, tu abre brechas para poder cobrar, para dizer que parte dessas mortes poderiam ser evitadas”.

O tema deve ser tratado como uma pauta de saúde pública, que necessita ações de políticas públicas para reduzir seus altos números. É necessário falar sobre, desde que feito da forma correta. Para isso, os jornalistas recorrem ao trabalho coletivo, a profissionais da saúde e aos manuais. Apenas assim será possível superar esse tabu.

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