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Viuvez

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Paranormal

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Até que a morte

A pe rda, o lut o e a constante busca pe la felicidade das viúvas que pe rderam se us compan heiros de vida na velhice

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Texto e diagramação: Ana Carolina Parise anaaparise@gmail.com

Fotos: Caroline Oliveira

e Luísa Tessuto

carolineoliveirasva@gmail.com luisatessuto@hotmail.com

Depois de 43 anos de casamento, Elusa perdeu o marido Joel para o câncer

A morte é a única certeza que se tem na vida. As pessoas nascem, crescem e morrem. Faz parte do ciclo vital. Pesquisas do IBGE apontam que a expectativa de vida das mulheres é maior que a dos homens no Brasil. Consequentemente, são as mulheres brasileiras que vivenciam mais a viuvez. Dados levantados pelo mesmo instituto mostraram que, em 2014, mais de 50% das mulheres com 70 anos ou mais já eram viúvas no país.

Não há formas de se preparar para perder aquele com quem se compartilhou uma vida, afetos, experiências, e com quem se construiu um amor. Se tornar viúva não é um processo fácil. Porém, a perda e a viuvez podem ser um convite para a criação de uma nova realidade, agora sem o companheiro.

nos separe

despedida do primeiro e único amor

Mulher independente. Essa é Madalena Jessi Teles Santos, chamada carinhosamente de Madá. Aos 83 anos, ela vive o processo da viuvez depois de 60 anos de casamento. Perdeu Darço Pacheco Santos, seu companheiro de vida, há menos de um ano.

Madá nasceu em Porto Alegre e cresceu num quilombo ao lado dos pais e irmãos. Conheceu seu primeiro e único amor na porta da igreja, numa tradicional missa de domingo. Depois de nove anos de namoro e sete meses de noivado, ela e Darço oficializaram o casamento no dia 8 de janeiro de 1958.

Contrariando os costumes da época, Madá nunca baixou a cabeça para ninguém. Nunca se curvou nem às vontades de Darço. Se queria fazer algo, fazia. Mesmo com as brigas, a relação era baseada em muito companheirismo e amor.

Madá, que trabalhou durante toda a vida, primeiro como costureira, depois como manicure, largou tudo para cuidar de Darço quando este adoeceu. Foram 15 anos de cuidado, frequentando hospitais, comprando remédios, até que, em 2018, ele se foi. Mesmo assim, Madá não tem medo da morte. “A morte para mim é uma coisa maravilhosa”, afirma a aposentada. Há uma razão para pensar dessa forma: como grande admiradora de sua mãe, Madá passou a vida toda ouvindo dela que morrer é uma coisa boa. De acordo com ela, a morte é uma tranquilidade para quem cuida e para quem vai.

Isso não significa que ela não sinta falta de Darço. Apesar de achar que superou bem a perda, Madá afirma que fica um vazio. O momento em que mais sente falta de seu companheiro é quando chega em casa. “Falta a troca, a companhia, com quem conversar”, conta.

Contudo, ela não se lamenta. Hoje, busca qualidade de vida. Muito querida em seu bairro, ela sai de casa para se distrair. Atualmente, frequenta o Sesc em Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, onde faz teatro, yoga, tai chi chuan, participa de encontros e palestras e, consequentemente, mantém inúmeras amizades. Ainda morando na mesma casa, Madá cuida das tarefas domésticas, escuta rádio, lê livros, preservando a sua independência. Ela sente que, mesmo com a perda, seu passado foi bom. Não teve filhos com Darço e não se arrepende. Não tem vergonha de onde cresceu, da sua cultura, nem da criação que teve dos seus pais. Sem o seu parceiro de vida, hoje Madá só quer aproveitar essa fase agridoce, mas inevitável, da velhice.

O assustador peso da morte

Vinda de Caçapava do Sul, a 260 quilômetros de Porto Alegre, com sua mãe e seus 13 irmãos para Canoas, na Grande Porto Alegre, Elusa Tolfo de Carvalho conheceu Joel Maidana de Carvalho em um baile na cidade. O que ela não sabia é que de uma simples dança numa noite qualquer nasceria um casamento de 43 anos que renderia três filhos.

Elusa e Joel casaram jovens; 20 e 21 anos, respectivamente. Naquela época, era comum que nas relações as mulheres fossem submissas aos homens, e assim Elusa foi, diferente de Madá. “Aonde ele queria eu tinha que ir, mas se eu quisesse ir em algum lugar e ele não, então tá, tudo bem”, relembra. Hoje com 66 anos, aposentada, Elusa não se arrepende de como foi a relação. Segundo ela, Joel era um homem muito família, que se dedicava muito à ela e aos filhos.

O começo do fim foi repentino. Há quatro anos, ela e o marido estavam voltando da praia quando Joel teve um mal súbito. No hospital, foi descoberta a razão: câncer. Trabalhando em um bar de uma faculdade, Elusa também largou tudo para cuidar do parceiro durante o tratamento. “Ficou seis meses doente, e eu fiquei no hospital com ele sempre ajudando, e aí ele faleceu”, conta.

Entretanto, Elusa não teve tanto tempo para sentir a dor da viuvez. Dois anos depois, seu genro descobriu-se com câncer também, e está atualmente em tratamento. Logo em seguida, seu filho do meio foi diagnosticado com a doença e, para a dor da aposentada, não resistiu. O luto de Elusa durou três anos, juntando duas grandes perdas. “Não

“Fica r sozinho não é solidão”

Guite Zimerman Assistente social

esqueci nunca, a dor de perder o marido é horrível, e a de um filho é pior”. Apesar de saber que é algo natural, o choque da morte do parceiro, junto com a de um filho, acabou colocando Elusa em um quadro depressivo.

Hoje, morando em Canoas há 50 anos, a caçapavana vive a vida que sempre quis. Frequentando o Sesc há quase um ano, levada por iniciativa da filha, Elusa se encontrou novamente. “Eu sou feliz do jeito que eu sou, ocupo meu tempo com coisas para eu ser feliz”, diz. Deixando para trás a casa antiga com tudo dentro, atualmente Elusa mora sozinha em um apartamento no térreo, perto dos filhos, com quem combina regularmente de tomar chimarrão. Já bisavó e com muitas novas amigas, a aposentada, mesmo com a dor, vive a vida pensando em sua felicidade. “É uma dor que tu vai te acostumando, superando”, diz ela, que todo dia frequenta o SESC, faz ginástica no parque e se sente livre para fazer o que mais desejar.

Reestruturando a vida

Segundo Guite Zimerman, quatro coisas a ajudaram a superar a fase do luto depois de perder seu companheiro: família, otimismo, vontade de se reerguer, e, por fim, um animal de estimação. Ter uma família unida, que dá a ela o suporte necessário, foi essencial, assim como a vontade de voltar a ser feliz. Mas o que realmente mudou a vida de Guite após a perda foi a pequena Sheine, companheira da assistente social há quatro anos. A shih-tzu ilumina a casa de Guite de tal forma que acaba com qualquer indício de solidão.

Guite foi casada por 56 anos com o conhecido psicanalista de Porto Alegre David Zimerman. Uma relação de pura cumplicidade, na qual um completava o outro. Há cinco anos, perdeu o parceiro que estava em tratamento contra um câncer de mandíbula. Durante

três anos, ela elaborou seu luto, buscando reestruturar toda sua vida para que conseguisse ser feliz mesmo sem a presença do marido. A viuvez assusta. “Se perde uma pessoa querida, que te deu uma vida boa, e que tu gostaria de continuar”.

Apesar disso, Guite buscou aquilo que a faria viver bem. Hoje, é feliz ao lado da Sheine, morando sozinha em um apartamento no bairro Bela Vista. Muito apegada aos filhos e netos, destaca a importância de ter uma família unida, além de também manter os laços de amizade. Com 80 anos, a viúva de David está sempre se estimulando, seja ajudando outras pessoas, fazendo viagens ou descobrindo-se em novas atividades. Olhando para trás e vendo tudo que construíram juntos, Guite tem a sensação de dever cumprido e, justamente por isso, não teme a morte. “Quem teve uma infância feliz, uma adolescência feliz, uma adultez feliz, um casamento feliz, não tem medo da morte”, aponta ela.

Viuvez: um f im ou um recomeço?

Guite Zimerman trabalhou mais de 30 anos com assuntos relacionados à velhice. Assistente social com especialização em gerontologia, sempre teve como foco ajudar os velhos a envelhecer bem, e são sobre isso os dois livros dela, Velhice: Aspectos Biopsicossociais e O Velho do Século XXI. Além disso, Guite também foi uma das colaboradoras do livro Como Trabalhamos com Grupos, escrito pelo seu falecido marido, David Zimerman, e pelo psiquiatra Luiz Carlos Osorio.

“Ficar sozinho não é solidão”, pontua Guite, “as pessoas em geral se acomodam, o velho não se dá o luxo de ser feliz”. Perder o companheiro de vida não é fácil, mas também não significa que a vida acabou. “Se tu quer ser feliz, tu tem que procurar ser feliz, ninguém te dá a felicidade”, afirma ela. A morte não é sofrimento, e nem deve significar o fim de tudo. Para Guite, o importante é buscar aquilo que faz bem, é preciso adaptar-se às situações, e são as atitudes que fazem toda a diferença.

Cada pessoa tem seu tempo, e esse momento deve ser respeitado. O luto após a perda é essencial para que as viúvas consigam, a partir daí, se reerguer e ressignificar a presença daquele companheiro em suas vidas. Não é mais uma vida a dois, tem de se aprender a viver a um. O que Madá, Elusa e Guite têm em comum? Nenhuma esqueceu, mas nenhuma desistiu de viver. A morte nada mais é do que um aprendizado. “Não adianta chorar pelo leite derramado”, já diria a expressão popular – e Guite também. Portanto, o primeiro passo é ir à luta e buscar aquilo que te faz feliz.

Madá, Elusa e Guite reestruturaram suas vidas após a perda de seus companheiros

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