Alexandre Melo, André e. Teodósio, Vasco Araújo - Império (cor) - excerto

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IMPÉRIO

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Desta edição de Império fizeram-se duas tiragens: — uma tiragem normal de 400 exemplares com fotogramas do filme Impero impressos a preto e branco — uma tiragem única de 100 exemplares com fotogramas do filme Impero impressos a cores numerados de 1/100 a 100/100 e assinados pelos autores


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Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Império, André e. Teodósio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Impero, Vasco Araújo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Conversas de Roma, Alexandre Melo, Vasco Araújo, André e. Teodósio

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Tudo, Alexandre Melo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115


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Este livro inclui o texto (de André e. Teodósio) bem como uma seleção de imagens do vídeo Impero (Vasco Araújo, 2010), uma adaptação da transcrição de três conversas entre os autores e um conjunto de frases (de Alexandre Melo) reunidas sob o título «Tudo». O ponto de partida do projeto foi a constatação de coincidências entre o vídeo, em vias de realização na cidade de Roma, e uma série de reflexões, surgidas em conversas informais ou em textos dispersos, a respeito de questões centradas na ideia de poder, nas suas várias acepções. A relação entre as noções de poder e império induziu um processo de ficcionação de personagens históricas que pudessem proporcionar uma maior liberdade discursiva e especulativa. Com base nestes elementos foi organizado um conjunto de conversas destinadas a serem gravadas, transcritas e re-escritas, ainda que sem perda do seu carácter improvisado e coloquial. As conversas, tendo como tópicos orientadores o poder, o amor e a encenação, tiveram lugar ao fim da tarde, no terraço de um hotel em Roma, nos dias 21, 22 e 23 de Junho de 2010. O tom combina os registos da ficção teatral, especulação abstrata e comentário de atualidade. Não deixando de ser o que são, os intervenientes representam as suas próprias personagens e convocam, sem preocupações com o rigor histórico, as figuras de César, Otávio e Cícero. Entendeu-se que as referências a Roma e ao Império Romano e a adoção de uma metodologia híbrida na discussão e na forma de apresentação do livro, poderiam contribuir para um alargamento do espaço de interpretação e invenção também por parte dos leitores.

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(Império faz sons no fundo do poço, no escuro) Império O meu nome é Império. Império (Música Gorecki old polish Music) Império Disseram-me: Numa mão o ceptro na outra o mundo. Mas Império é aquela que anda sobre os próprios ombros. Se no princípio me custava um pouco, agora já me habituei a não perceber. Ao fim de tantos anos a trabalhar para mim, decidi fazer uma folga e trabalhar para os outros. É uma sorte não me interessar agir com maldade, embora a minha paixão me convide a fazê-lo. Avanço. Império não tem medo que não acreditem nela, que a culpem, que lhe metam medo. Império é insegura. Império tem a morte escondida algures no cérebro. (Atiram coisas de cima do poço) Rapariga 1 Tu, tu, tu! O que é que estás a fazer? Império A destruir. O natural não é suficiente. Precisamos de algo que não temos. Rapariga 2 E porque choras, menina? Império Não estou a chorar. Estou a transpirar dos olhos. Já viram muita coisa. Estão cansados. 13


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Rapariga 1 Sobe. Vem ver isto. A cada passo que damos a terra gira por debaixo dos nossos pés como uma bola gigante... Rapariga 2 … parece um número de circo. Império Que queres que vá ver? Um tal agir possesso que é contra o humano. Ensinámos os príncipes a serem tiranos, e também sei ensinar o contrário. Rapariga 2 Para. Para de rolar a bola. Rapariga 1 Já parámos. Império O perpétuo e incansável desejo de conseguir poder só cessa com a morte. Raparigas 1/2 Compra-nos uma G3! Império O traço distintivo de Império é que alguns homens podem, mais ou menos, determinar por completo a conduta de outros, mas nunca pela força. Rapariga 1 Então compra-nos um gelado… para resfriar as línguas dos que muito falam. Império Não vos vou comprar nada. Só existem duas formas de chegar ao poder, por virtude ou por fortuna! Moedas não tenho, e virtude não me salva. Império é «o grande teatro do mundo». Rapariga 1 Mas para que triunfe o mal basta que as pessoas de bem não façam nada! 14


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Rapariga 2 … que se deixem andar. Império Um mundo despolitizado é um mundo desmistificado. Paremos com esta ficção! A essência do humano é o desejo. Meninas, que desejam ser? Raparigas 1/2 Império. (Imagens da cidade) Império O meu nome é Império e vou mostrar-vos o que vi. Não foi nada bonito. Dei um passo e depois dei outro. Quando dei por mim vi-me a andar num condomínio que me magoava. Janelas viradas para outras janelas que davam para divisões iguais àquela em que eu estava. Praças que ecoavam sem parar um só mesmo discurso. Colunas-sequóias que empalavam o mais curvo dos seres. Um lugar branco assim mantido à custa de mãos que se deformaram. Eu, Império, num Estado que me deixou neste estado! Magoada, sim. Por quem? Por aqueles que queriam ter consciência do poder. Eram belos, limpos e bons, mas autênticas máquinas de guerra. Aguentámo-los. Protegemo-nos debaixo deles. Livrámo-nos e procurámos. Mas o cómico da tragédia deste drama farsesco é que o que se procura nunca se encontra. Aquele, ali, é o Visionário. O mobilizador. Vende esperanças. Usa pulseiras. Aquel’Outro o organizador. Aproveita bem os recursos. Torna possível a realização das coisas. Reparem como varre. Aquele que está a telefonar é o Afiliativo, o que consegue um clima de harmonia imprescindível quando há que limar arestas. Temos acolá o Democrático, o que estimula a participação de todos. Vejam como lê o jornal. Por fim, encostado à coluna com a sua mochila, o Autoritário, o que decide rápida e incisivamente. Aquele que é contratado em situações críticas para eliminar o receio e a incerteza. Império Aprender a obedecer é difícil, mas esquecer que obedecemos ainda mais. E o que eu digo é que a vontade geral é a que realiza o que deve 15


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Impero 2010 Vídeo 16/9 Duração: 17’39” Texto: André e. Teodósio Actriz: Mónica Calle Vozes: Mónica Calle, Massimo Angeloni, Anna Bernardi, Valeria Polla Dimensões variáveis


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CONVERSAS EM ROMA Alexandre Melo | André e. Teodósio | Vasco Araújo


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Alexandre Melo

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21 de junho de 2010

Hoje, o meu dia começou às 10 da manhã. Bebi um expresso duplo no Café de Paris que dizem, e está lá escrito, ser o Café da dolce vita. De seguida entrei num táxi e indiquei: «Vamos para o Coliseu!». Fui saudado à chegada. Estavam muitas pessoas. Porque estão ali todos juntos no Coliseu? Porque estou eu com eles? Foi o princípio do dia. É interessante o modo como entramos dentro de um monumento como o Coliseu. A forma como os outros nos olham. A relação que se estabelece nessa afirmação e que os outros estabelecem connosco. Qual é a consciência que eles têm do lugar? O que é que aquele lugar lhes transmite de forma a que realmente sintam o que ele representa? Até porque eles pagam! Agora paga-se, antes não; ia-se de livre vontade. Agora paga-se para usufruir de qualquer coisa. Aquelas pessoas pagam para ver o quê? Que experiência querem ter? Não é propriamente da questão de pagar ou não pagar que eu estou a falar. Para além do livre arbítrio e de terem vontade de ir o que é que aquilo lhes significa? Tudo isto é uma versão filtrada. Pagam para ver uma coisa filtrada. O que é que estão ali a fazer? Interessa-me a forma como estas pessoas encaram a memória daquele lugar. Não a memória física do que ali aconteceu mas a memória do que aquele lugar representa. Quando ali entro, tenho uma 41


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22 de junho de 2010

Às vezes pergunto-me, e isto é mesmo verdade, se eu me pertenço a mim próprio. Que estou eu aqui a fazer? Ter um corpo é a parte física. A questão da fisicalidade é uma chatice porque nos limita. O problema é que se nós estamos aqui a fazer qualquer coisa, então pertencemo-nos a nós próprios ou somos pertença dos outros? Porque o que nós estamos sempre a fazer é para os outros. Construímos tudo para os outros. Construímos um Império para os outros, construímos as ideias para os outros, falamos para os outros. O que de facto devemos fazer para nós próprios é também uma coisa que se prende com a questão da fisicalidade que é, por exemplo, comer. Quando tu partilhas o teu corpo e a tua alma, sobretudo a tua alma, estamos a falar do amor, que tipo de sentimento é que tu tens em relação a ti perante aquela coisa? Voltando a Roma é mesmo importante perceber isto que me parece claro e que é: Roma ao contrário é amor. E amor ao contrário? Não é Roma. É o quê? É horrível! Mas é horrível em que sentido?

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No sentido em que se tu começas do Universal para o Particular o oposto desse Particular não é voltar ao Universal. É Nada. E o Império é tudo incluindo o Nada. Não é Nada. Repete, por favor, a frase por onde começaste. Roma ao contrário é Amor mas Amor ao contrário é horrível. Isto é porque quando decides desse Universal tirar um Particular, quando tens o prazer ou a crença nesse Particular não consegues voltar para o Universal. E quando esse Particular passa a ser o contrário há uma limitação em se tornar tudo. Isto conduz-nos, embora de um modo diferente, à pergunta que me puseste ontem. Se César amava tudo, se Roma é tudo, então como é que pode amar Brutus? É exato: Roma ao contrário é amor, mas amor ao contrário é horrível. Mas quando vocês dizem que é horrível, é horrível porquê? Tens razão, se calhar podemos discutir a palavra. Talvez seja errado usar a palavra horrível. Eu acho é que essa palavra não é conceptualizável. Por isso é que eu disse horrível. Tu não consegues conceptualizá-la. Mas eu gosto da palavra horrível e realmente o antagonismo para amor não é desamor nem é ódio. Para mim é ser horrível. Eu só gostava de perceber se nós estamos todos na mesma sintonia do que é o horrível em relação ao amor ao contrário. A primeira vez que eu ouvi a frase achei que era uma frase perfeita porque joga com dois registos de linguagem. Roma ao contrário é amor; esta observação, que se coloca num nível de abstração supremo, faz sentido porque estamos a falar de categorias absolutas, universais. Depois continua: amor ao contrário. E de repente não sabes como con70


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tinuar e recorres a outro nível de linguagem, que é o nível de linguagem mais prosaico, corriqueiro, e dizes: é horrível! Quando olhas para uma pessoa que está a experimentar uma camisa dizes: isso é horrível. Para despachar. Para despachar o assunto do amor ao contrário, coças a cabeça dez segundos e dizes que é horrível! Agora resta saber se amor ao contrário não é Roma porque Roma não é horrível ou porque a não-experiência do amor é horrível. Tens de passar pela experiência do amor para chegar ao horrível. Isto é, não podes saltar do Roma para o horrível. Claro que sim. Mas a questão aqui é saber se o problema é Roma ou é um problema do amor. É um problema do amor como sendo o contrário de Roma. Mas por que é que Roma ao contrário é amor? Isso nós demonstrámos ontem. Julgo que César explicou isso bastante bem quando disse: Eu só quero o mundo e tu. Isso mostrou que o único contrário possível de Roma, que é tudo, é o tu que é aquilo a que se chama amor. Por isso morreu, porque disse: «Eu só quero o mundo e tu.» Ao dizer o mundo diz Roma, ao dizer tu diz o contrário de Roma que é amor. E morreu porque quando quis o contrário, o amor, colocou-se um problema. Tu, tornou-se um problema. Problema constituído por esta nomeação no lugar que sendo Tudo não tem problemas. César não pode lidar com problemas. O problema é esse. Quando é confrontado com o problema que ele próprio desencadeou ao dizer Tu, ao dar esse estatuto a esse designado, como é que vai lidar com o problema? Através da dialética? Mas a dialética é uma coisa absolutamente desprezível e, evidentemente, jamais um imperador, César, poderia usar a dialética. Quando tentou a dialética ter-se-á perguntado o que seria o contrário do 71


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amor. Percebeu, neste caso literalmente, que o contrário de amor, que aquilo em que Tu se transformou, era horrível. No caso dele, a morte. Exatamente. É esse o maior problema no comunismo ou no nazismo. O que eles fazem é tentar transformar o amor em Roma, outra vez. Não é possível. Escolher um Particular dentro do Universal e querer universalizá-lo, não é possível. Jamais será Universal. Usei o título «Super-Encenação ou a morte do herói» numa conferência no México e a reação das pessoas foi engraçada. Os críticos de arte e os historiadores que lá estavam perceberam, os outros não e começaram a ficar irritados. Pode ser um discurso bastante pretensioso e passo a vida a justificar porque é que acho que uma peça é boa ou uma peça é má. Então o que eu digo é que só é possível apresentar seja que tema for em arte contemporânea se houver a tentativa do Universal. Partir do Universal para ir para o Particular. Porque nunca é possível passar do Particular para o Universal. Talvez seja possível uma vez que o faço imensas vezes mas é muito mais difícil. Tem de haver um estratagema muito bem feito e alicerçado em determinadas coisas para isso se entender. Por isso é que estou sempre a perguntar-me: pertenço-me a mim? Porque na realidade eu faço parte do Universal e fazendo parte do Universal eu já não me pertenço a mim, eu já só sou um corpo. E o que é um corpo? Essa formulação é perfeita porque sintetiza num outro plano temático, que é aquele que hoje nos ocupa, muitas das coisas que dissemos ontem. O particular só tem razão de ser se manifestar a sua vinculação a algo de universal, de absolutamente abstrato, ou para usar uma metáfora de que eu não gosto, de mais profundo. Aí podemos partir do Particular para o Universal. Desculpa interromper mas não me quero esquecer disto: A Super-Encenação só pode ser vivida e sobretudo entendida na universalidade. 72


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Por isso é que o herói tem de morrer. Exatamente. O herói morre sempre. A morte dele é relatada pelos outros. Por exemplo, numa ópera as pessoas passam a vida a dizer que os tenores ou as sopranos é que são importantes. O heroi não! Porquê? Porque morre no fim. Quem é que contou a história? Os outros. Quem que é que consagrou o corpo de César? Marco António. O discurso de Marco António consagrou o corpo de César. Eu amo da minha maneira. O amor que eu tenho pelos outros, a minha relação com os outros, não é válido para ti nem para ti. Esse amor só é válido quando for alicerçado no universal porque senão vocês não entendem. Por isso é que eu escrevi outra frase também sobre o amor e Amor que são coisas diferentes. Há um provérbio que afirma que «amor com amor se paga». Sobre este assunto podemos dizer que «Amor com o amor se apaga.» Perfeito. Nem vale a pena comentar. É exatamente isso. Portanto já explicámos o que é que quer dizer horrível e em que é que estamos de acordo quanto ao que quer dizer horrível num certo nível de abstração. Mas agora na diferença entre Amor e o amor, a questão que se põe é esta: É possível o amor por uma pessoa, ou só é possível Amor? O problema que eu ponho é o da possibilidade. Para além da possibilidade prática que já é bastante complicada, estou a falar da possibilidade teórica e conceptual de o amor por uma pessoa. O meu amor por ti! Isto é possível do ponto de vista conceptual? Esta formulação tem algum sentido do ponto de vista lógico, conceptual? Por isso é que perguntei que horrível é esse? Porque é precisamente aí no fim desta frase maravilhosa que o André inventou, e que nos cria todos estes problemas, que se perde a universalidade. 73


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Porque voltamos à mesma coisa. Para acabar: Amor é tudo. E o amor por alguém é o quê? Porque o sujeito de um amor por alguém é quem? Sou eu? Mas o que sou enquanto estou a ser o sujeito de um amor por uma pessoa? Que papel estou eu a fazer? Papel de parvo! Por isso é que eu mudei a frase inicial que era: Sendo Roma ao contrário Amor, por que é que Amor ao contrário é fodido? Cortei-a porque fodido não cabe fora do amor. Fodido, no sentido prosaico de estar fodido, tem também um sentido sexual. O que é esse amor? Será que posso dividir o amor dessa sexualidade? Digo isto também para introduzir o nosso próximo tema: o sexo. O amor particular pode ser gerido de dez mil formas. Que amor é esse? E se é possível em potência, sê-lo-á em substância? E se esse amor é possível o que é que ele é? Pode ser só uma coisa sexual! Pode ser só uma coisa afetuosa! Pode nem sequer existir. Pode ser inventado? Ele é inventado e ele é real. Todas estas questões não se levantam no Amor como conceito geral, universal. Nada disso se levanta. Porque efetivamente ele é evidente. Esta é a única maneira como consigo descrever esse amor universal: É evidente. E não sendo o outro amor evidente não me parece pertinente questioná-lo também de uma forma prosaica. Então que amor é esse? O problema que tinha essa primeira frase com «o contrário de amor é fodido» era que estavas a estabelecer uma relação dialética. Para além de ser um trocadilho, uma coisa de gosto discutível, estavas a estabelecer uma relação dialética e ainda por cima uma antinomia banal entre o amor e o sexo. O problema gerador desse equívoco é epistemológico: sempre que se tenta pensar em termos dialéticos está-se logo atolado porque não há dialética. Só há Tudo. Absoluto. Pode haver absolutos gerais e absolutos particulares. Mas é preciso trabalhar muito bem esta distinção em termos não dialéticos. Esta história da passagem do fodido para o horrível é na mesma emocional. Há uma dimensão emocional e carnal, mais emocio74


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que te adoro. Se houvesse quórum nesse amor como evidência então sim dir-te-ia eu amo-te. Há uma resposta fácil que a ambos posso oferecer. Naturalmente, sem precisarem de me perguntar nada. É uma resposta muito fácil: Amo! É isso! Essa é a questão. Passando para uma linguagem mais terrena: eu realmente amo as pessoas. Só não amo quem me atraiçoa. E quando eu estava a perguntar-te se me amas... é claro que eu também te adoro. Como adoro César, Roma. Amar é uma condição livre. Eu posso dizer eu amo. Eu que não estou dentro de mim sou amor e projeto-me nos outros em amor. Isto é uma linguagem pirosa e estúpida mas é a verdade. Não há outra. Por isso é que eu não posso dizer-te que te amo porque tu estás a tentar cristalizar uma coisa, uma forma abstrata, quando eu estou a ser o mais concreto possível. Eu posso responder-te abstratamente que te amo mas não corresponde efetivamente à evidência. A evidência não me permite dizer que te amo. Não há quórum nessa evidência. Que quórum? Interior ou exterior? Exterior. Eu francamente não entendo o que será um quórum exterior. O que significa a palavra quórum na economia do discurso? Hoje já a usaste muitas vezes. Foi uma palavra que alguém usou no táxi e da qual eu me apropriei no sentido de harmonia.

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No sentido de ser algo que é reconhecido por todos ou, pelo menos, reconhecível por todos. E que tem várias funções. Para mim o quórum é essa harmonia que não é a harmonia do solista. Que é um público? Não é um público. É um quórum. Aqueles que desempenham um papel à volta do protagonista e que aceitam a evidência. A definição literal de quórum é muito boa. Quer dizer que há um número suficiente de pessoas para que um ato tenha legitimidade. Exatamente, legitimam. Por isso é que eu estava a perguntar se é um quórum interior ou exterior. Exterior. O interior não é preciso legitimar porque é evidente. Para que o ato exista tem de haver um número mínimo de participantes. Então para que é que tu precisas de um quórum exterior para me amar? Para passar do abstrato para o concreto é preciso que haja contexto e o contexto é sempre social. Mas a palavra contexto é diferente de quórum. Porque quórum aqui implica outras pessoas. E contexto não, os contextos até podem ser só de uma pessoa. Tu continuas a querer trabalhar num interior quando o que eu quero é que esse interior resvale para o exterior. 100


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Se exteriorize em forma, em ato. Porque senão, acontece voltarmos novamente à possibilidade cristã de pegar num interior e particularizá-lo à minha maneira. Eu não quero que particularizes à tua maneira. Se há uma evidência que é interior tem que haver quórum exterior. Por que é que continuamos a defender a ideia da Super-Encenação como uma ideia abstrata e interior quando ela é evidente e deve ser exterior? Recuso-me a aceitar que o amor seja uma impossibilidade. Eu quero passar na rua e poder beijar e dizer amo-te, ter comportamentos devassos ou estar bêbedo e cantar à noite, sem que ninguém me venha chatear com as suas pequenas micro-encenações. Tudo isto porquê? Porque cada um está convencido de que a evidência interior é particularizada numa coisa exterior. Portanto a Super-Encenação tem de ter uma forma. Quando foram feitas umas perguntas mais diretas e concretas o André disse: Então mas faz-se o quê? E tu disseste: Continua-se! Mas podemos dizer: Continua-se a fazer o quê? Ou a não fazer o quê? Continuamos. Somos. Roma, tudo. Mas a fazer o quê? Eu hoje estou profundamente místico e só consigo responder a isto de uma maneira: continua-se o caminho! Mas o caminho não é solitário. E o caminho faz-se andando trálarálará. Cheio de pedras e cascas de banana. E as bifurcações? O que é que se faz quando se chega às bifurcações? Fecha os olhos e segue. Se errou volta atrás e vai para outro lado.

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Mas se fechas os olhos não corres o risco de ficar cego? Não. Nunca. Porque o universo envia-nos as coordenadas certas. Vê lá não voltes a deixar cair os olhos. Mas eles mudaram-nos para verdes. No fundo, estás a usar o Poder. Não estás a disponibilizá-lo a ninguém, estás a usá-lo. Esquecendo agora o aspeto mais místico, penso que quando uma pessoa coloca um problema… Estou a pôr-me ao sol para ficar mais bronzeado para as minhas encenações. Aquele teu bronzeado de camionista, as bombas de gasolina? Aquele que tiver telhados de vidro que atire a primeira pedra! Eu sei que vocês hoje estão a embirrar comigo. Não. Tu estás é a armar-te em pouco devasso. Devias ser mais devasso. Está muito puro hoje. Está todo em interior. E o exterior como é que é? O exterior cuida-se. Isso é muito Foucault. Não aceito isso.

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sem desvirtuar o lugar onde estamos. Estás num sítio, não desvirtuas o sítio onde estás mas isso possibilita-te fazer outras coisas. Isto vai tornando aquela nova coisa num sítio completamente abstrato onde as pessoas se vão sentindo cada vez mais livres. E isso implica muitas coisas. Implica o sacrifício de algumas pessoas, aquelas que não querem e implica ainda outra coisa, e esta é para ti: o sacrifício de alguns amigos. Constatei com muito agrado que a formulação que acabamos de ouvir é quase coincidente com a formulação que já tinha sido antes utilizada para definir Super-Encenação: Super-Encenação é apenas a maneira de viver e de entender a vida que permite ser livre. Não interessa o que tu fazes, interessa o que te possibilita fazer. O que interessa é a maneira como o teu modo de viver te torna livre, cria possibilidades. Acho que finalmente o Zizek foi citado de uma forma correta que é em paralelo com uma astróloga. Tens toda a razão. E agora uma coisa completamente prosaica: o Obama é um daqueles casos importantíssimos na humanidade. Importantíssimo. Mas é uma encenação. E uma encenação que está quase a perder o quórum. Não interessa. Mas possibilita uma garantia. Possibilitou. Não importa aquilo que faz. Possibilitou, fica possibilitado. Nesse aspeto é irreversível. O mais importante é a possibilitação.

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Discordo. Não foi uma encenação por uma razão: Foi uma conquista que abriu caminho. Foi o que ele disse, foi uma possibilitação. Assim sendo não é uma encenação, é uma Super-Encenação. As encenações podem possibilitar. Se começarmos de baixo para cima o que tu estás a dizer é que há encenações que possibilitam a existência de quórum para a Super-Encenação, que ajudam à constituição do quórum da Super-Encenação. Se calhar é esse o segredo. Começar de baixo para cima? Começar por encenações menos más ou menos más do que as outras? Se calhar de facto têm razão e agora tenho de dar o braço a torcer. Se calhar em vez de cima para baixo vamos de baixo para cima. Fazemos encenações menos más que as outras. E quem sabe se elas não possibilitam que haja quórum para que se viva de cima para baixo… Que lindo! Acho que isto devia ser mesmo o fim! Acho que não devíamos dizer mais nada Então pronto, está acabado!

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TUDO Alexandre Melo


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Porque estás a chorar? Porque não sou igual aos outros. • Poder é o que temos. Deixamos de ter o que usamos. • Fraco é ser forte na força, forte é ser forte na fraqueza. • Numa mão a humildade, na outra a generosidade. • Mendigo, presidente de república, cristo, um qualquer. • Até onde a vista alcança, tudo raso. • Todos iguais do lado de fora dos olhos do Imperador.

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• Quem sabe quem é único do lado de dentro dos olhos do Imperador. • O meu coração foi atirado ao chão. Tenho evitado que o pisem, mas ninguém se curvou para o apanhar. • Se não tenho o que quero terei tudo o que quiser. • A forma do que quero é o meu querer. • O Sol voltará a brilhar sobre um corpo mas algumas lágrimas estão ainda a secar no caminho. • Não há nada no fundo dos olhos. Só em frente. • Só quero ver aquilo que veem os olhos de Samuel. • Quero ver os meus olhos nos teus olhos. 118


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© SISTEMA SOLAR, CRL (DOCUMENTA) RUA PASSOS MANUEL, 67 B, 1150-258 LISBOA © ALEXANDRE MELO, ANDRÉ E. TEODÓSIO, VASCO ARAÚJO (2012) 1.ª EDIÇÃO, OUTUBRO 2012 ISBN 978-989-8618-21-4 REVISÃO: ANTÓNIO LAMPREIA DEPÓSITO LEGAL: 350444/12 IMPRESSO NA GUIDE — ARTES GRÁFICAS, LDA. RUA HERÓIS DE CHAIMITE, 14 2675-374 ODIVELAS


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IMPÉRIO

Alexandre Melo André e. Teodósio Vasco Araújo

IMPÉRIO

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