← Fotografia de San Payo. Col. Bernardo Marques, Mundo Português. Revista de Cultura e Propaganda, Arte e Literatura Coloniais, n.o 3, 1934. [Photography by San Payo. Portuguese World. Colonial Culture and Propaganda, Colonial Art and Literature, n. 3, 1934.]
CAPA
COVER: Verso de uma máscara identificada como «cópia», para assinalar que se trata de uma reprodução feita pelos escultores a trabalhar para o Museu do Dundo, e não uma peça original. Relatório Mensal do Museu do Dundo de 1957. [Back of a mask labelled “copy”, to indicate that it is a reproduction made by the sculptors working for the Dundo Museum, and not an original piece. Dundo Museum Monthly Report for 1957.]
— a partir de Portugal
Troubles with Primitivism
— a view from Portugal
Troubles with Primitivism — a view from Portugal
EDITORAS/EDITORS
Mariana Pinto dos Santos
Marta Mestre
TEXTOS/TEXTS
Egídia Souto
Joana Cunha Leal
José Neves
Margarida Cafede Moura
Maria Cardeira da Silva
Mariana Pinto dos Santos
Marta Mestre
Nuno Porto
Philippe Charlier
Rita Chaves
Tiago Saraiva
Vera Marques Alves
Wladimir Brito
Este catálogo é bilingue, mas os textos de maior extensão têm tradução no final do volume. As traduções de citações e das legendas estão feitas ao longo do catálogo. A regra de não traduzir títulos não foi respeitada no sentido de auxiliar o/a leitor/a do inglês.
This catalogue is bilingual, but the longer texts are translated at the end of the volume. Translations of quotes and subtitles are provided throughout the catalogue. The rule of not translating titles was not respected in order to help the English reader.
Algumas imagens neste catálogo têm um conteúdo estereotipado e/ou racista. Apesar de termos excluído inúmeras outras, consideramos que o tema da exposição e do catálogo não pode ser abordado sem estas imagens.
Some images in this catalogue have stereotypical and/or racist content. Although we have excluded many others, we believe that the theme of the exhibition and catalogue cannot be approached without these images.
Pode considerar-se que aquilo que ficou conhecido como «primitivismo» tem uma longa história, mas foi no fim do século XIX e princípio do século XX que se expressou de forma inequívoca. A colonização e os fascismos, e o desenvolvimento da cultura e do consumo de massas no seio do mal-estar da Europa, impulsionaram o fascínio e a fetichização em torno de culturas que foram consideradas «remotas», «primordiais», «primitivas», «ingénuas», «arcaicas», «selvagens», «primevas», entre outras designações. A apreciação e valorização por artistas, intelectuais e marchands de objectos vindos de territórios não europeus, na maioria colonizados, mas também vindos de contextos locais, como a arte popular, a par do desenvolvimento exponencial das técnicas de reprodução de imagens, fizeram irradiar a estética primitivista na cultura visual da modernidade no Ocidente. O primitivismo foi uma via para a arte se renovar e afirmar como moderna, uma prática artística do retorno às origens e dos (re)começos. Operou uma revolução estética na arte ocidental do século XX , e ao mesmo tempo esvaziou a temporalidade e a história dos objectos que considerou «primitivos», remetendo-os para um passado longínquo indeterminado. Em tempo de fascismos e imperialismos, tanto foi ferramenta nacionalista e de legitimação do projecto colonial, como ferramenta libertária e anticolonial, pois muitos intelectuais e artistas beberam no ideário primitivista movidos pela vontade de subversão da ordem social estabelecida. Porém, os estereótipos, preconceitos, e a visão homogénea sobre o «Outro», estiveram presentes nos vários usos, por vezes conflituosos e antagónicos, do primitivismo. Problemas do Primitivismo — a partir de Portugal foi uma exposição que, assente numa pesquisa ampla em arquivos e colecções portugueses, interrogou o «primitivismo» e as contradições desse processo histórico e cultural a partir deste país. De cunho investigativo e experimental, e sem pretensão de esgotar o assunto, a proposta curatorial convocou todo o museu para uma abordagem crítica através de uma polifonia de vozes nas fontes e nos autores e artistas convidados a participar.
Seguindo a estrutura da exposição, seis palavras-chave, permeáveis entre si, organizam este catálogo: Civilização, Museu, Ingénuo, «Mar Português», Jazz-Band e Extracção. Através delas, dá-se a ver não uma cronologia fixa, mas percursos e correlações diagramáticas, fluxos, tensões e sinapses entre textos e imagens, bem como a interacção entre «alta» cultura e cultura de massas, entre a história, a história da arte, a política, a antropologia e a economia, e também a estrutura ideológica, social e cultural sobre a qual assentou a disseminação de uma visualidade intensa relacionada com a ideia de «primitivo».
Os problemas do primitivismo a partir de Portugal são abordados nas suas relações com o contexto da ditadura, da colonização, do anticolonialismo e do pós-colonialismo, numa máquina visual impregnada de imagens e referências artísticas e culturais que problematiza a invenção do «primitivo» e a sua persistência até à contemporaneidade.
Marta Mestre
Problemas do Primitivismo — a partir de Portugal é uma exposição que se inscreve numa dimensão histórica complexa, onde se cruzam o modelo do «museu universal» e as suas ruínas, num tempo atravessado pela condição de crise e pela vontade de transformação. Interrogar aspectos da organização tecnológica e capitalista-colonial da modernidade e, em simultâneo, ensaiar uma nova experiência do museu, são especulações que moveram esta pesquisa. Se é certo que o título aponta para um contexto específico — a partir de Portugal —, já os problemas do primitivismo são gerais e, por isso, são aqui recolocados como questões epistemológicas: qual a experiência do «primitivismo» no quadro de uma modernidade que se fez de forma eurocêntrica? O contexto português, ainda pouco estudado sob o prisma do «primitivismo»1 , é parte dessa narrativa omnipresente e não aparece aqui na forma de um devir único ou experiência à parte das demais experiências. Apresenta-se, antes de tudo, como configuração «situada» dessa modernidade, contribuindo para ressemantizar e dilatar a mesma, para além da dicotomia «centro/periferia».
Impulsionado pela arte, mas também pela antropologia, a etnologia e as ciências médicas (com os estudos antropométricos e sua relação com teorias eugenistas), o «primitivismo» é um termo complexo e difícil de abarcar. Para o que aqui importa, refere-se ao fascínio, ao estudo e à fetichização em torno de culturas que foram consideradas «primitivas». O «mágico», «pulsional» e «pré-lógico», encontrado nos povos colonizados pelo Ocidente, mas também nos populares e crianças ou nas pessoas com transtornos mentais, serviu para situar o «Outro», no quadro das vanguardas artísticas, dos fascismos e da afirmação do Estado-Nação. A apropriação simbólica e a exploração material das culturas ditas «primitivas», por seu turno, abriu o caminho para uma interpretação do mundo em termos de «primitivo/civilizado». É neste contexto que, indo às profundezas da psique, Freud viu na ideia de «primitivo» a crença na «omnipotência do pensamento», espécie de narcisismo que se esforça para resistir às leis inexoráveis da realidade. Eis o «mal-estar» na Civilização2 . Enquanto palco principal da experiência estética do Ocidente, o «museu» foi também o espaço da experiência do primitivismo. E a história que se conta, da «descoberta» das artes primitivas por Picasso no Museu do Trocadéro, ilustra justamente a localização dessa experiência no contexto social e artístico europeu.
1 Entre os estudos de referência em Portugal, veja-se o projecto Modernismos Ibéricos e o Imaginário Primitivista (2018-2022), Instituto de História da Arte, NOVA FCSH e a publicação The Primitivist Imaginary in Iberian and Transatlantic Modernisms (Routledge / Taylor & Francis, 2024), editada por Joana Cunha Leal e Mariana Pinto dos Santos.
2 Sigmund Freud, O Mal-Estar na Civilização, Lisboa: Relógio D’Água, 2008.
Mas se hoje o museu não é mais o espaço da contemplação neutra (e nunca o foi verdadeiramente), e se a condição de crise do presente fez ruir todo o «dispositivo» moderno do museu (na verdade, uma tecnologia securitária que coloca perante o corpo social, e através de um filtro apropriado, um mundo que lhe é exterior, estranho, distante, excêntrico, perigoso, disruptivo e ameaçador), lançam-se as seguintes perguntas: como imaginar uma nova experiência para estes objectos e culturas? E indo mais longe: como organizar, na nossa subjectividade, o fascínio pelo estranho e pelo estrangeiro, sem reiterar as estruturas de violência habituais?
Diz Achille Mbembe: «O museu é um espaço de neutralização e domesticação de forças que estavam vivas antes da museificação — eram fluxos de energia.»3 Segregador na sua essência, o museu estabelece uma divisão ao produzir um corte entre o fora e o dentro. Assim, «dividir», «interromper», «separar» e depois «classificar», «ordenar», «dispor» são gestos de ficção. Produzem inevitavelmente um recorte do mundo, seja qual for a sua natureza: tanto a suposição de ser ainda possível manter o museu como lugar acima das fricções da História e imune aos conflitos sociais, como a utopia da descolonização do museu — tão necessária quanto impossível4 , e que hoje é traduzida em espectáculo5 . É possível que esta introdução pareça extemporânea à acção de um museu como o CIAJG, localizado numa cidade de pequena dimensão, Guimarães, num país periférico, Portugal, mas, porque a estrutura de saber/poder do «museu universal» é canónica, importa reflectir sobre o lugar específico deste museu, no conjunto dos discursos sobre o primitivismo e os seus problemas.
A história do CIAJG conta-se da seguinte forma abreviada. Em 2012, ano de «Guimarães Capital Europeia da Cultura»6 , inaugurou-se um centro de artes no quadro das políticas para a criação de equipamentos culturais fora dos grandes centros urbanos, iniciadas nas décadas anteriores. Determinou-se que o CIAJG acolheria o espólio de José de Guimarães, artista nascido naquela cidade. De facto, não só se trata de um dos mais importantes coleccionadores em Portugal do que, à data da sua abertura, se designou de «arte tribal», como também (e isso é muito relevante) José de Guimarães materializa um processo criativo que tem por base a apropriação e ressignificação dessas artes pela arte contemporânea. Não era a primeira vez que este espólio ou colecção surgia a público. Em diversas ocasiões fora celebrado7, afirmando a assinatura criativa de José de Guimarães no meio das artes visuais em Portugal, e coincidindo com momentos políticos como a Expo’98 e outras conjunturas de celebração que tiveram na «multiculturalidade» uma estra-
3 Achille Mbembe, Políticas da Inimizade, São Paulo: N-1 Edições, 2021.
4 Cf. Françoise Vergès, Descolonizar o Museu –Programa de desordem absoluta , Lisboa: Orfeu Negro, 2024.
5 É sob este prisma que, problematizando a vertigem do capitalismo acelerado dos nossos dias, o antropólogo Michael Taussig constata: «Hoje é a dívida que é transformada em fetiche, não a mercadoria». M. Taussig, Shamanism, Colonialism, and the Wild Man: A Study in Terror and Healing. Chicago: University of Chicago Press, 1991, p. 40.
6 Hoje tal selecção é feita «por concurso», mas em 2012 a selecção da cidade foi proposta directamente pelo Estado português.
7 O Ritual da Serpente e A Serpente no Imaginário Artístico, Museu Afro Brasil, São Paulo, 2006; África — Diálogo Mestiço, de José de Guimarães, Pátio da Galé, Lisboa, 2009.
tégia de representação de um país «europeu», «pós-colonial» e «cosmopolita». Com efeito, tal como tantos outros artistas inspirados em Picasso, também José de Guimarães, na sua juventude, contacta com as artes africanas no mesmo museu em Paris, posteriormente denominado Musée de l’Homme. Mas é nos sete anos que vive em Angola, durante a guerra colonial, primeiro entre 1967 e 1969 e posteriormente entre 1970 e 1974, que desenvolve uma linguagem onde o vocabulário Pop e as tradições tchokwe se cruzam, numa «osmose» da arte europeia e africana, prática que o artista continua até ao presente. Tenha-se, porém, em conta que a colecção de artes africanas pré-colombianas e chinesas de José de Guimarães 8 foi iniciada somente a partir dos anos de 1980 e comprada no mercado europeu especializado em objectos artísticos, arqueológicos e etnográficos. Esta informação não retira a sua inscrição imperial e colonial — patente, aliás, em todas as colecções desta natureza —, mas complexifica e mantém «em aberto» a experiência do primitivismo, dilatando-a num tempo e num espaço que nos habituámos a designar de «pós-colonial». É neste sentido que, para além de «documentar» um processo artístico que tem na base o «primitivismo», a colecção de José de Guimarães proporciona também um ângulo crítico a partir de Portugal, colocando em perspectiva o presente e o futuro, bem como o passado imperial e colonial, e as origens do Estado-Nação. Através dessa lente de aumentar, acercamo-nos das estruturas profundas de uma historicidade ocidental: a relação entre modernidade, primitivismo e colonialismo. É essa tríade que resulta visível numa exposição como esta, que extrapola para além da colecção de José de Guimarães indo ao encontro de uma visualidade intensa produzida e experienciada no contexto português; em rigor desde o Ultimatum inglês (1890) até à fotografia A Descoberta (2007), do artista angolano Kiluanji Kia Henda, marcos que balizam toda a pesquisa. Foram várias as referências que inspiraram este projecto, e existiram etapas precedentes da acção artística e curatorial do CIAJG que nutriram o «chão» reflexivo deste debate. Se, desde a primeira hora, a actividade do CIAJG mobilizou uma dimensão crítica em torno do seu acervo, cabe destacar o programa que levou a cabo entre 2020 e 2024 9, num momento de intensificação das discussões públicas sobre «reparação», «desmodernização» e «descolonização» em várias partes do mundo e em Portugal. Neste âmbito, a exposição Heteróclitos: 1128 Objectos (2022)10 procurou contribuir para estes debates ao abordar o «simulacro» e a crise dos objectos, bem como deixar evidente aspectos da sua mercantilização. Apresentando-se como uma nova montagem, esta mostra esvaziou as reservas e deu a ver a totalidade da colecção, enfatizando a sua dimensão compósita por via de uma montagem precisamente heteróclita. Acentuou-se a ideia de acumulação (recordando o «arquivo» ou o «entreposto») e dessacralizou os
8 A colecção de José de Guimarães em regime de comodato no CIAJG é composta por 1128 Objectos, distribuídos pelos seguintes conjuntos numéricos: artes africanas: 198; artes antigas chinesas: 54; artes pré-colombianas: 33; José de Guimarães: 843.
9 São exemplos as exposições individuais de Artur Barrio, Sara Ramo, Pedro Barateiro ou Yonamine, artistas que, através de estratégias distintas, propõem criar fricção no «museu/instituição».
10 Heteróclitos: 1128 Objectos (CIAJG, 2022). Curadoria: Marta Mestre; arquitectura: André Tavares e Ivo Poças Martins; design: Macedo Cannatà.
objectos através da iluminação e da proximidade com os visitantes. E, na «sala das máscaras» africanas, coração do museu, inverteram-se os suportes expositivos, «complicando» a sensação de fascínio que habitualmente é testemunhada pelos visitantes. Ainda no campo das referências curatoriais que inspiraram Problemas do Primitivismo — a partir de Portugal, cabe mencionar exposições como Para Uma Timeline a Haver — Genealogias da Dança enquanto Prática Artística em Portugal (Várias instituições, 2016-), Neolithic Childhood. Art in a False Present, c. 1930 (HKW, 2018), ou Histórias Afro-Atlânticas (MASP e Instituto Tomie Ohtake, 2018), assim como vários outros projectos e acções levados a cabo por artistas e activistas em todo o mundo, reclamando a mudança institucional. Foram igualmente fundamentais, no domínio da investigação académica, os estudos que tecem o modernismo ocidental num tecido mais complexo de modernidades em interacção em todo o mundo. Exemplar a esse respeito, o projecto Modernismos Ibéricos e o Imaginário Primitivista (2018-2022), levada a cabo pelo Instituto de História da Arte (FCSH/Universidade Nova de Lisboa), parceiro desta exposição.
Dizemos que Problemas do Primitivismo — a partir de Portugal é uma «exposição-ensaio», isto é, que através de um conjunto de enunciados e estratégias espaciais/arquitectónicas experimenta formas de contar uma história que é universal e situada, que diz respeito ao processo histórico e cultural português, sem abdicar de todas as ressonâncias desta especificidade no plano global.
Na verdade, ao multiplicar pontos de vista através de documentos e imagens escolhidos pelo seu valor de excepção, mas também pela sua capacidade de fazer sentido para além do seu domínio estabelecido, as histórias que se contam em Problemas do Primitivismo — a partir de Portugal têm um carácter provisório e inacabado.
É possível também reconhecer uma abordagem indisciplinada e polifónica, fruto da confluência entre investigação, curadoria e design. Exemplo disso mesmo é a ideia de «não-linearidade» expressa em todo o desenho expositivo e nesta publicação, e que permite rever nexos expectáveis (cânone/contracânone, obra de arte/reprodução, «alta»/«baixa» cultura, texto/imagem, etc.), agora sob uma óptica dinâmica e através de mais de 400 imagens e textos provenientes de autoras e autores variados e de arquivos institucionais e privados maioritariamente localizados em Portugal. A organização da exposição em «palavras-chave» (Civilização, Museu , Ingénuo, «Mar Português», Jazz-Band e Extracção), permeáveis entre si, também permitiu desdobrar uma visualidade intensa relacionada com a ideia de «primitivo» — isto sem esquecer a presença «espectral» da colecção do CIAJG, da qual nenhum item surge na exposição. Sintomático é que dois conjuntos de artesanato tchokwe levados para Portugal como souvenir por José Guimarães — a primeira e única compra que o artista vimaranense faz em território africano —, tenham a particularidade de terem sido produzidos para o consumo dos colonos e controlados pelos instrumentos oficiais ultramarinos, forma de não só enfraquecer as tradições rituais autóctones (vistas como «primitivas»), mas também introduzir objectos passíveis de intercâmbio. Esses conjuntos que se apresentam na exposição são aqui uma operação metonímica: as suas formas «ingénuas» falam da colecção «ausente» e condensam ope -
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rações da invenção e apropriação, fetichização e alteridade de África pela Europa, base mesma do primitivismo.
E porque esse mesmo primitivismo também fez circular perspectivas anticoloniais e anti-imperialistas, contra os fascismos e todas as formas de opressão, Problemas do Primitivismo — a partir de Portugal mostra, em simultâneo, histórias de emancipação como aquela que José Neves conta em «A libertação do ninthe-camatchol», no contexto da independência da Guiné-Bissau, ou que Cristina Roldão, José Augusto Pereira e Pedro Varela escrevem sobre o movimento negro em Portugal 11 . Tais perspectivas têm inscrita a ideia de que o «primitivismo» deve ser equacionado também através do «contra-primitivismo». Pela própria dimensão política e social que arrasta consigo, as vozes, gestos, protestos de quantas e quantos, na sua condição minoritária e de forma desobediente, ameaçaram o estatuto implacável, fetichista e racista que o primitivismo contém, são garante para que hoje possamos ver, nessas histórias de resistência, o fio condutor para os museus que desejamos.
Em suma, há que reverter os termos destes «problemas». Enquanto continuarmos a enquadrar o presente em termos de civilização (e/ou do seu desaparecimento ou ameaça iminentes), não nos afastaremos do conceito de «primitivo» e não nos afastaremos da experiência lacunar desse conceito. É que diante do fecho das fronteiras, especialmente na Europa, em face da crise climática e do racismo estrutural, fazer a crítica da história e das instituições é, evidentemente, muito pouco. Contudo, podendo ser um grão de areia, é um gesto necessário para sermos capazes de continuar a imaginar sem «fechar o futuro»12 . No limite, a experiência crítica do «primitivismo» só pode acontecer se for acompanhada por uma concomitante transformação do museu; e do mundo tal como o conhecemos até aqui.
12 Expressão da politóloga, curadora, autora Françoise Vergès em Decolonizar o Museu: Programa de Desordem Absoluta, Lisboa: Orfeu Negro, 2024, p. 10.
Cristina Roldão, José Augusto Pereira, Pedro Varela, A Tribuna Negra, Lisboa: Tinta-da-china, 2023.
Mariana Pinto dos Santos
«RIP
Malhas que o império tece / Se é que tece: / Portugal não apetece / Deu no que deu.»
Vitor Silva Tavares, texto para cartaz, Oficina O Homem do Saco, 35 exemplares, 2013.
Este versos de Vitor Silva Tavares foram escritos no contexto da crise em tempo de Troika naqueles anos em que em Portugal se implementaram medidas asfixiantes de austeridade para obedecer a determinações dos países do centro da Europa, mas havia também nestas palavras um reconhecimento do intrincado entrelaçar do passado no presente. «Malhas que o império tece» era o verso de Fernando Pessoa no poema «O Menino da Sua Mãe» de 1926, que dizia «Lá longe, em casa, há a prece: / “Que volte cedo, e bem!” / (Malhas que o Império tece!) / Jaz morto, e apodrece, / O menino da sua mãe».
As malhas tecidas (ou impostas) pelos impérios europeus estão longe de estar desfeitas, e talvez seja apenas possível reconfigurá-las, ou aproveitar as suas linhas para novas tessituras. Aqui associo «tecer» e «tessitura» na sua proximidade fonética1 , mas com a intenção de adicionar ao significado de tecer, entrelaçar, o sentido dessa outra palavra musical que diz respeito não só à extensão de som do mais grave ao mais agudo, mas também ao encadeamento das partes num todo.
Foi isso que esteve em causa na exposição que organizámos no CIAJG e que agora transpomos para catálogo: procurámos encadear aspectos da história da arte, da história política e económica, da história colonial e da luta anticolonial, numa montagem de textos e imagens em aberto, um todo não totalizante nem totalitário, que mostra as suas costuras, a sua construção efémera e, por isso, provisória, incompleta e reconfigurável.
O carácter de montagem e de fricção entre vários elementos visuais e textuais, nas paredes, nas frases correndo junto ao tecto, e sobretudo na mesa articulada («mesa-cobra» como lhe chamámos) que percorria as salas do museu e se impunha, sinuosa, como um contra-dispositivo de exposição, procurava fazer reverberar uma polifonia de vozes entretecidas numa malha da qual faz parte a história da arte. O design da Sofia Gonçalves, que agora desenha também este catálogo, foi fundamental para conceber a exposição com essa mesa de documentos reproduzidos e desierarquizados — publicidade, citações, pinturas, revistas, livros, fotografias, cartoons — que faziam mergulhar a história da arte numa história cultural e política mais vasta. Procurámos dar a ver como a modernidade é feita dessa cultura visual, que tanto naturaliza códigos, preconceitos e estruturas de pensamento,
1 Em ensaios recentes em inglês tem-se encontrado o uso frequente da palavra «entanglement» também com estes sentidos.
como desencadeia o seu questionamento, e como os protagonistas da história da arte do século XX foram os produtores dessa cultura visual, ao desenharem capas de livros, cartazes, desenho humorístico, ilustrações de livros, ao trabalharem para encomendas públicas e privadas, e ao se assumirem como coleccionadores de artes provindas do espaço colonial ou autores de estudos e ensaios de teoria estética. Isto não significa ver um determinismo nas práticas artísticas, mas considerá-las ainda assim parte de uma experiência histórica 2 . Ao mesmo tempo, significa considerar que a arte é simultaneamente singular e plural e faz parte da experiência do mundo. Tem potência de interpretação, participação e transformação, e por isso não se confina a uma autonomia estética acima de qualquer responsabilidade social. 3
Olhando para a construção da modernidade, é preciso reconhecer que a arte e a cultura visual ocidentais fizeram e fazem parte do sistema de produção de desigualdade no mundo, mesmo que a tenham por vezes contrariado ou denunciado. O financiamento de grandes programas arquitectónicos e artísticos, de museus e instituições de ensino desde o século XIX e ao longo do século XX fez-se graças a extracção de recursos e força de trabalho em territórios colonizados (e agora complexamente neocolonizados por via económica, com vários actores mundiais implicados). O financiamento da arte hoje depende frequentemente de empresas, fundações, estados, que assentam em lógicas de exploração e extracção que perpetuam o modelo colonial num contexto pós-colonial. Constitutivo da modernidade é o problemático termo «primitivismo». Primitivismo foi uma prática artística (e não só) que operou a partir do estabelecimento de oposição entre primitivo/moderno, ou selvagem/educado, ou incivilizado/civilizado, para jogar na ambiguidade entre o valor positivo ou negativo atribuído ao primeiro dos termos dessas oposições binárias. Se «primitivo» teve conotação negativa quando relativo a «incivilizado», foi também a designação usada na história da arte para referir os pintores pré-renascentistas, no sentido de que teriam sido os «primeiros» a iniciar uma renovação na arte. No primitivismo há também esse significado de «primordial», mas com outras nuances. A ideia fundamental subjacente ao primitivismo é a de que uma determinada população, uma determinada geografia, e os objectos que produzem, têm um carácter primevo, originário, possuindo uma ligação mais directa com o mundo sem a mediação da cultura ou da tecnologia. Mas essa ideia, tendo gerado complexidades, que
2 Como escreveu Edward Said: «Não acredito que os autores [e os artistas] sejam mecanicamente determinados pela ideologia, pela classe ou pela história económica, mas estão […] profundamente envolvidos na história das suas sociedades, moldando e sendo moldados por essa história e pela sua experiência social.», Edward Said, Culture and Imperialism, Londres: Vintage (Random House), 1994, p. xxvii.
3 Sobre a ideia de experiência estética singular-plural, ver Silvina Rodrigues Lopes, O Nascer do Mundo nas Suas Passagens, Edições do Saguão, 2021. Adapto aqui para a esfera artística as ideias expressas por esta autora num outro texto a propósito de Eduardo Lourenço. Como aí escreve a autora: «A noção de cultura apresentada em Heterodoxia I parte da suposição da existência de indivíduos pertencentes ao estrato superior de um povo, génios, que constituem uma vanguarda educadora». Do mesmo modo, perpassa na história da arte a ideia de um estatuto de excepção para a arte. Silvina Rodrigues Lopes, «Eduardo Lourenço — destinação e despossessão», comunicação apresentada no colóquio «Eduardo Lourenço e o Espírito da Heterodoxia: abordagens filosóficas, literárias e artísticas» (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa / Biblioteca Nacional), 23 e 24 de Outubro de 2023. Texto facultado pela autora.
incluem resistências e possibilidade emancipatórias, assenta na profunda desigualdade e desumanização criada pelo sistema imperial e colonial, e também pelo sistema político, com desigualdades entre populações rurais (e a arte popular foi outra fonte primitivista) e urbanas 4 . Edward Said escreveu que «os textos culturais [e a arte] importaram o estrangeiro para a Europa de uma forma que tem muito claramente a marca do empreendimento imperial, dos exploradores e etnógrafos, geólogos e geógrafos, mercadores e soldados. Inicialmente, estimularam o interesse do público europeu; no início do século XX [quando os impérios começaram a desmoronar-se e as lutas de libertação de territórios colonizados se intensificaram], foram utilizados para transmitir um sentido irónico da vulnerabilidade da Europa.»5 Assim, também uma dominação estética teve lugar, e «as deslocações formais na cultura modernista, e mais notavelmente a sua ironia generalizada, são influenciadas precisamente por esses dois factores perturbadores [que são] uma consequência do imperialismo: o nativo em conflito e o facto de existirem outros impérios».6
Esta exposição e catálogo falam sobre essa dominação vista a partir de um país da periferia europeia, mas com ambições de se medir com o imperialismo europeu. A vontade de estar a par da Europa (e dos Estado Unidos da América), de fazer parte do seu estatuto mundial, não se reduz a um passado que remonte ao século XIX ou à ditadura, ela está bem presente hoje e faz inexoravelmente parte do sistema das artes.
O desejo de ser moderno e de fazer parte da civilização, de estar a par do progresso civilizacional, vem com a possibilidade de produzir o Outro e de colonizar 7, política e culturalmente8 . O «moderno» é como um clube sofisticado a que as nações periféricas europeias quiseram desesperadamente pertencer, e a narrativa da história da arte portuguesa, ora queixando-se do atraso das artes (a par do
4 Um caminho já longo de trabalho relativo a este assunto, da Marta Mestre e meu, trouxe-nos a es ta exposição. Da minha parte, estudei este tema desde 2003 sobretudo a partir dos artistas Ernesto de Sousa, Eduardo Batarda e Almada Negreiros. O tema teve outro fôlego no contexto do projecto financiado com fundos europeus coordenado por Joana Cunha Leal e do qual fui co-coordenadora Modernismos Ibéricos e o Imaginário Primitivista (2018-2022) no Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Nesse âmbito desenvolvi trabalho concreto sobre a relação colonialismo/ primitivismo para o contexto português. Agradeço a toda a equipa do projecto as discussões e a possibilidade de comparar diferentes investigações em torno do termo «primitivismo» o que possibilitou novas perspectivas e caminhos de reflexão. Ver J.C. Leal e M.P. dos Santos (ed.), The Primitivist Imaginary in Iberian and Transatlantic Modernisms, Routledge / Taylor & Francis, 2024 (Open Access). Os trabalhos ao longo de anos dos/as autores/as convidados/ as a escrever pequenos verbetes para esta exposição e catálogo, bem como vários/as autores/as citados/as, foram também fulcrais para pensar esta exposição. O longo trabalho de curadoria da Marta Mestre e o exemplo recente da sua reestruturação do CIAJG foi também precursor da exposição que apresentamos juntas.
5 Edward Said, Culture and Imperialism, Londres: Vintage (Random House), 1994, pp. 242-243.
6 Idem, p. 242.
7 Essa ideia de que «estar a par da civilização» é poder usufruir do privilégio de colonizar é referida por Naomi Klein no seu mais recente livro a propósito do direito a colonizar a que Israel (escudado num argumento sionista) reivindicou como reparação pelo extermínio levado a cabo na Segunda Guerra Mundial: «Era como se a procura da igualdade estivesse a ser reformulada, não como o direito a não ser discriminado, mas como o direito a discriminar. O colonialismo enquadrado como reparação de um genocídio. […] Exercer sobre os outros a mesma outrificação que foi exercida sobre nós é, evidentemente, psicologicamente intolerável.» Naomi Klein, Doppelganger, Farrar, Straus and Giroux, 2023, p. 301.
8 Veja-se, nos seus textos reproduzidos neste catálogo, como Diogo de Macedo chama de «portuguesas» às artes das então colónias, vendo aí uma oportunidade de o país ficar a par da moderna arte europeia e seu gosto primitivista.
económico e social), ora celebrando aproximações a modelos vindos do «centro», assim o revela. Arte e civilização, arte enquanto civilização9, é uma das associações em que se baseia a narrativa da história da arte ocidental, mesmo se artistas no final do século XIX e ao longo do século XX (até hoje) tenham posto em causa a ideia de civilização e procurado um «mundo originário, primevo» que lhes permitisse romper com prescrições morais e sociais, e, pelo caminho, renovar a linguagem artística que queriam em ruptura com as convenções e normas do passado. Essa foi, paradoxalmente, uma característica da modernidade: produzir o Outro e afirmar a modernidade quer por se distinguir do Outro, quer por apropriar o Outro, isto é, torná-lo seu para se renovar esteticamente. Por esse motivo, esta exposição e seu catálogo partem da premissa de que não é possível pensar a modernidade artística sem colocar na equação o «primitivismo» e isso significa que não é possível pensar a modernidade artística sem convocar diferentes campos de saber, interligando história da arte, antropologia, história económica, política e social. A variedade de vozes no espaço expositivo permitiu criar fricções, afinidades e conflitos, ou curto-circuitos10, nas narrativas habituais que se encontram nas exposições de arte. Isso implicou uma curadoria criativa, que configurou ligações em aberto entre elementos provindos de cronologias e contextos diferentes, localizados através de uma extensa pesquisa levada a cabo pelas curadoras assistidas pela incansável Margarida Moura, e, em alguns casos, com sugestões de académicos, curadores e artistas, a quem agradecemos. Procurámos contribuir para perturbar lógicas, ainda universalistas, da ideia de arte através de seis palavras-chave operativas que organizaram a exposição e organizam este catálogo: Civilização, que relaciona o tropo da arte-enquanto-civilização com o argumento de «missão civilizadora» do sistema colonial desde final do século XIX; Museu, enquanto espaço não-neutro de produção de valor artístico; Extracção, associando a acumulação primitiva necessária ao desenvolvimento do capitalismo à narrativa do desenvolvimento da arte, incluindo a extracção cultural, e convocando quatro obras contemporâneas que abordam essa relação; Ingénuo, um termo usado como equivalente a «primitivo» para designar artes africanas, ameríndias e artes populares europeias; «Mar Português», palavras de versos de Fernando Pessoa e depois de uma obra de Cruzeiro Seixas, mas que povoaram a produção artística nacional com um imaginário de conquista e dominação; Jazz-Band abordando a exotização e erotização que marcaram a «moda» de África que perpassou a Europa na primeira metade do século XX, num fascínio quer eivado de preconceito, quer possibilitando tomadas de consciência anticoloniais.
9 «A noção de civilização implica muitas vezes um telos que se serve a si próprio: um padrão de progresso supostamente universal pelo qual todas as sociedades podem ser julgadas, mas que é mais bem representado pelos modelos europeus. […] Sugere frequentemente um padrão normativo de realização e promove, particularmente quando utilizado pela direita, um sentido de divisões sociais e culturais profundas e duradouras. [No século XIX, e até bem dentro do século XX,] a palavra tinha uma aura quase sagrada, era talvez a noção central subjacente à compreensão da Europa da sua história e da sua relação com o resto do mundo.» David O’Brien, «Introduction: What was civililisation?», Civilisation and Nineteenth-Century Art. A European Concept in a Global Context (ed. David O’Brien), Manchester University Press, 2016, p. 1.
10 Termo usado por uma visitante, Hannah Bastos, numa visita guiada, a quem agradeço a estimulante conversa.
Falamos de um ponto de vista de um país do sul da Europa com um passado imperialista e colonial e ao mesmo tempo imerso na lógica de rivalidade desigual entre países europeus, com uma discrepância Sul-Norte bem evidente. Mostrámos obras e documentos que fazem parte desse contexto, interrogando-o, comentando-o ironicamente, ou reiterando-o, a partir de um museu periférico na cidade nortenha de Guimarães, dedicado a um artista que passou grande parte da sua vida a coleccionar arte africana11 . Julgamos ser o melhor lugar para lançar estas interrogações e curto-circuitos, perturbando a distinção, habitualmente bem marcada em exposições, do que deve pertencer à esfera da arte.
Já depois de inaugurada a exposição, saiu em português o livro de Françoise Vergès, Decolonizar o Museu: Programa de Desordem Absoluta. Nele a autora propõe um «pós-museu» contrariando a lógica do museu europeu e norte-americano que impõe o seu modelo como universal bem como as suas lógicas expositivas. Não creio que tenhamos chegado a essa possibilidade com esta exposição, mas, no entanto, ela contribui uma pequena parte, a partir da periferia, na desordem necessária nas práticas curatoriais e historiográficas, mostrando as camadas múltiplas de que é feita a história da arte. Não é, pois, uma exposição (e catálogo) de «pacificação»12 , mas sim uma exposição que procura ensaiar uma desaprendizagem para abrir espaço a reaprender 13 .
11 A última reorganização da colecção deste museu, Heteróclitos: 1128 Objectos (2022, curadoria de Marta Mestre com a colaboração de André Tavares na reconfiguração da arquitectura do espaço expositivo museológico), abre a colecção de José de Guimarães a todas as interrogações e debates, e propõe o museu como lugar desses questionamentos.
12 Françoise Vergès faz uma crítica feroz a «propostas de anti-racismo neoliberal e de multiculturalismo pacificador». Decolonizar o Museu: Programa de Desordem Absoluta (tradução de Pedro Elói Duarte), Orfeu Negro, 2024, p. 39.
13 Aqui sigo Françoise Vergès (que por sua vez convoca Ariella Aïsha Azoulay no livro Potential History: Unlearning Imperialism, Verso, 2019). Ver Françoise Vergès, op.cit., pp. 50-54. Mas também Silvina Rodrigues Lopes: «Aprender (adquirir hábitos, conhecimentos e crenças indissociáveis do irrepresentável aprender-a-viver) e desaprender (recusar o que diminui a potência de devir, de implicar-se no mundo, nos equilíbrios e desequilíbrios que o façam mais justo, mais respeitador das singularidades) participam da (des)apropriação diferenciante, aquela que responde aos acontecimentos, que neles participa e os examina.» «Do ensino como ofício inquieto», op. cit., p. 132.
Civilização
Aimé Césaire, Discurso sobre o Colonialismo, 1955
Walter Benjamin escreveu famosamente que «não há documento de civilização [Kultur] que não seja também um documento de barbárie». Desde o século XIX que «Civilização» foi um termo central para a percepção da Europa de si mesma e da sua relação com outros continentes. Foi também um termo indissociável da construção da modernidade. A distinção entre «civilização» e «barbárie», ou «primitivo», estabeleceu uma hierarquia entre povos, argumentando-se que a Europa teria uma suposta «missão civilizadora», que serviu de justificação para ocupar, explorar, extrair, pilhar. No caso português, o Acto Colonial de 1930 estabeleceu as colónias como parte do território nacional em nome dessa «missão civilizadora» e instituiu o estatuto do indígena em oposição ao do civilizado, permitindo o trabalho forçado e estabelecendo uma hierarquia racial baseada no grau de «falta de civilização».
Por outro lado, a história da arte nasceu, enquanto disciplina, de uma posição eurocêntrica que estabeleceu a equivalência entre arte e civilização, e com ela nasceu um elemento-chave civilizacional: o museu, etnográfico ou artístico. A narrativa do progresso da arte moderna andou de mãos dadas com a narrativa do progresso civilizacional, e incluiu, paradoxalmente, a apropriação do «primitivo» pelos artistas «civilizados» como instrumento para inovar a arte para lá da representação do real. Em Portugal, a história da arte escrita por José-Augusto França expressou inequivocamente a ideia de arte enquanto civilização, atribuindo valor civilizacional à arte segundo o seu percurso por etapas evolutivas, até atingir a abstracção.
1 MÁRIO CESARINY, «Ma langatana Valente», revista Phases n.o 4, Paris, 1973. Incluído em As Mãos na Água a Cabeça no Mar, Assírio & Alvim, 1985. [“M alangatana Valente”, 1973.]
2 MALANGATANA, Porque a alma vive eternamente, 1970. Óleo sobre tela, 104,3 x 78,5 cm. Col. CAM — Centro de Arte Moderna Gulbenkian, Lisboa. [Because the soul lives eternally, 1970. Oil on canvas.]
«É assim que, não mergulhando senão nas suas próprias forças e só escutando a voz mágica familiar (seu pai fora um “homem-medicina” e Malangatana associara-se como ajudante de feiticeiro aos ritos e operações do xamã), se torna o primeiro (em força e em data) pintor “absolutamente moderno” do complexo cultural nativo da África Oriental “portuguesa”.»
“This is how, immersing himself only in his own strength and only listening to the magical voice of his family (his father had been a ‘medicine man’ and Malangatana had associated himself as a sorcerer’s assistant with the rites and operations of the shaman), he became the first (in strength and date) ‘absolutely modern’ painter of the native cultural complex of ‘Portuguese’ East Africa.”
3 AMÍLCAR CABRAL , inter venção lida na ausência de Amílcar Cabral na reunião de Peritos sobre as noções de raça, identidade e dignidade, UNESCO, Paris, 3-7 Julho 1972. [sp eech read in his absence at the Meeting of Experts on the Notions of Race, Identity and Dignity, 3-7 July 1972.]
4 Le Frondeur, Liège, Bélgica, 20 Dezembro 1884. [20 D ecember 1884.]
«[O] insucesso total da política de “assimilação progressiva” das populações nativas é a prova evidente […] da capacidade de resistência dos povos dominados a uma tentativa de destruição ou depreciação do seu património cultural. […] Submetidas ao domínio político e à exploração económica, [as massas] encontram na sua própria cultura o único reduto susceptível de preservar a sua identidade. Reprimida, perseguida, humilhada, traída […], refugiada nas aldeias, nas florestas e no espírito das gerações vítimas de dominação, a cultura sobrevive a todas as tempestades para retomar, graças às lutas de libertação, toda a sua faculdade de desenvolvimento. […] A luta da libertação é a mais complexa expressão de vigor cultural de um povo.»
5 «Ch acun reçoit sa part», L’Illustration, Paris, 1885.
“[T]he total failure of the policy of ‘progressive assimilation’ of native populations is a clear proof (…) of the capacity of dominated peoples to resist an attempt to destroy or depreciate their cultural heritage. (...) Subjected to political domination and economic exploitation, [the masses] find in their own culture the only stronghold capable of preserving their identity. Repressed, persecuted, humiliated, betrayed (…), taking refuge in villages, forests and in the spirit of generations who have been victims of domination, culture survives all storms to regain, thanks to liberation struggles, its full capacity for development. (...) The liberation struggle is the most complex expression of a people’s cultural vigour.”
6 PIERRE FRANCASTEL, Arte e Técnica nos Séculos XIX e XIX, Edição Livros do Brasil, sem data (1954) (trad. Humberto D'Ávila e Adriano de Gusmão). [Art & Technology in the Nineteenth and Twentieth Centuries, 1954 (MIT Press, 2000, transl. Randall Cherry).]
7 HENRIQ UE AUGUSTO DIAS
DE CARVALHO, Expedição Portugueza ao Muatiânvua 1884-1888. Etnografia e História Tradicional dos Povos da Lunda. Lisboa: Imprensa Nacional, 1890. Biblioteca Nacional de Portugal. [Portuguese Expedition to Muatiânvua 1884-1888. Ethnography and Traditional History of the Peoples of Lunda 1890.]
«Sou levado a crer que o progresso ininterrupto do homem branco — e só dele — ao longo de milhares de anos explica o seu predomínio de facto sobre o planeta, um privilégio que obteve em virtude não de uma predestinação racial mas de conquistas históricas e sociais. Só as sociedades ocidentais provaram ser adaptáveis […] Toda a história do homem ensina que as únicas sociedades grandiosas são aquelas nas quais a adaptação ocorre não através da acomodação empírica a condições externas, mas através de um bem pensado domínio dos materiais. A grandiosidade da raça europeia reside no facto de, uma vez mais, ter assumido o poder, nos últimos dois séculos, […] sobre todos os valores colectivos, de que a arte é, indubitavelmente, uma forma de expressão.»
8 José Redinha coord., Cunene 73, Luanda, 1973.
“I am led to believe that the nonstop progression of the white man — and of him alone — over thousands of years explains his de facto ascendancy over the planet, a privilege he has obtained by virtue not of racial predestination but of historical and societal gains. Only Western societies have proved adaptable; (…) Man’s entire history teaches that the only great societies are those in which adaptation occurs not by empirical accommodation to exterior conditions, but by wellthought-out domination of materials. The greatness of the European race lies in the fact that it has once again assumed power, in the last two centuries, (…) over all collective values, of which art is undoubtedly a means of expressing.”
45 Fotografia de Uliano Lucas. Ca rtazes de anúncios de férias em Moçambique nas paredes de Lisboa, Maio de 1974. Reprodução gentilmente autorizada pelo autor. [Photograph by Uliano Lucas. Posters advertising vacations in Mozambique on the walls of Lisbon, May 1974. Reproduction kindly authorised by the author.]
46 MICHAEL HARDT,
TONI
NEGRI, Assembly, Oxford University Press, 2017.
«As práticas extractivistas actuais apresentam-se como um arquivo histórico que contém todos os passados do capital, desde as formas mais antigas às mais recentes de produção e acumulação de valor, métodos antigos e pós-modernos de exploração e controlo, com grandes diferenças geográficas e culturais.
[…] A acumulação primitiva e a subsunção formal e real ajudam-nos a articular a forma como a centralidade actual da extracção nas suas várias faces — desde a extracção de petróleo e minerais até à captura financeira do valor produzido através da cooperação social e das formas de vida populares — não indica nem mais um passo numa história linear nem um regresso cíclico ao passado. […]. O desenvolvimento capitalista é definido por múltiplas temporalidades, misturando métodos pré-capitalistas e capitalistas mais antigos com as mais recentes tecnologias de produção e controlo.»
“Today’s extractivist practices present something like a historical archive that contains all the pasts of capital, from the oldest to the newest forms of producing and accumulating value, ancient and postmodern methods of exploitation and control, with wide geographical and cultural differences.
(…) Primitive accumulation and formal and real subsumption help us articulate how today’s centrality of extraction in its various faces—from the extraction of oil and minerals to the financial capture of value produced through social cooperation and popular forms of life—does not indicate either a further step in a linear history or a cyclical return to the past.
(…) Capitalist development is defined by multiple temporalities, mixing precapitalist and older capitalist methods with the newest technologies of production and control.”
47 ILÍDIO CANDJA CANDJA
O Vento Sopra do Sul, 2014-2023. Instalação. Técnica mista sobre tela. Cortesia do artista
[The Wind Blows from the South, 2014-2023. Installation. Mixed technique on canvas.]
ENG p. 404
Na sua pintura multifacetada, Ilídio Candja Candja (Maputo, Moçambique, 1976) faz reverberar a herança cultural que partilha com aqueles que o precederam. Ruidosas e caóticas, as pinturas de Candja Candja são, normalmente, composições que resultam de colagens de telas mais antigas, produzindo um tipo de composição alheio aos cânones da pintura. Por esse motivo, a temporalidade do seu trabalho aponta para um afrofuturismo, um imaginário pós-apocalíptico que mescla tradição e tecnologia e que imagina outros mundos possíveis. Na instalação O Vento Sopra do Sul, as pinturas formam um extenso mural. Nas palavras do artista: «Do sul saem e são extraídos todos os recursos, vento esse que leva tudo para o outro lado, mudança essa que só é possível ver, sentir e apalpar do lado da moeda. Moeda essa refiro-me a prosperidade, riqueza acumulada, capital, seja ele cultural, etnográfico, científico, etc.»
48 «Misericórdia do Porto censura ex posição no Centro Hospitalar Conde de Ferreira», texto de Luís Miguel Queirós. Jornal Público, 20 Maio 2023.
[“Misericórdia do Porto censures exhibition at the Conde de Ferreira Hospital Center”, text by Luís Miguel Queirós. Público newspaper, 20 May 2023.]
«As determinantes económicas que, na Europa, haviam constituído uma das causas da era dos Descobrimentos levam o europeu a fixar-se em África. Do simples comércio de mercadorias, entre as quais o homem negro, o europeu passa à exploração da terra. Mas não tem, como o afro-negro, o objectivo de produzir o indispensável à alimentação. Cultiva ou faz com que o afro-negro cultive produtos de exportação. [...] Das contradições criadas resulta que, dia a dia, se acentua a devastação da terra africana […]»
Amílcar Cabral, Estudos Agrários de Amílcar Cabral. Instituto de Investigação Científica Tropical & Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa , 1988
MARTA MESTRE (Beja, Portugal, 1980) é cur adora e pesquisadora em arte contemporânea, com trabalho desenvolvido em instituições culturais em Portugal e no Brasil. É formada em História da Arte (NOVA FCSH). Desde 2020, é directora artística do Centro Internacional das Artes José de Guimarães. Foi curadora no Instituto Inhotim, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e na Escola de Arte Parque Lage, no Brasil. Foi curadora de exposições em várias instituições culturais nacionais e internacionais, tais como O Fantasma da Liberdade (2024), Anozero Bienal de Coimbra; Desvairar 22 (2022) e Farsa (2019), ambas no Sesc São Paulo (São Paulo, Brasil); Philippe Van Snick: Dynamic Project (2022) no S.M.A.K. (Ghent, Bélgica). É membro do CIMAM— Comité Internacional de Museus e Colecções de Arte Moderna. Participa regularmente em comissões e júris de Artes Visuais e Colecções, como Centro de Arte Moderna — Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa), Prémio PIPA (Rio de Janeiro), Criatório (Porto).
MARIANA PINTO DOS SANTOS (Lisboa, Portugal, 1975) é historiadora da arte e curadora independente. É investigadora do Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA (Lisboa). É professora convidada também na NOVA. É autora do livro Vanguarda & Outras Loas. Percurso Teórico de Ernesto de Sousa (2007). Foi curadora de exposições para vários museus, e tem publicado sobre a narrativa da história da arte, modernismos e circulação de vanguardas. O seu último livro, co-editado com Joana Cunha Leal, foi The Primitivist Imaginary in Iberian and Transatlantic Modernisms (Routledge / Taylor & Francis, 2024). É coordenadora do Arquivo Documental Almada Negreiros-Sarah Affonso (NOVA FCSH). Fundou, com Rui Miguel Ribeiro, as Edições do Saguão em 2017.
MARGARIDA CAFEDE MOURA (Santarém, Portugal, 1997) é historiadora da arte e curadora independente, actualmente doutoranda em História da Arte Contemporânea na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa. Concluiu o Mestrado em História da Arte Contemporânea na mesma faculdade, com a dissertação Produção Artística em Rede: A Mail Art de Ernesto de Sousa (2022). Em 2023, publicou o capítulo «A arte postal de Ernesto de Sousa: uma vanguarda de solidariedade», no livro Ernesto de Sousa
1921-2021: Uma criação consciente de situações/Uma situação consciente de criações. Em 2024, foi assistente de curadoria na exposição Problemas do Primitivismo — a partir de Portugal.
SOFIA GONÇALVES (Lisboa, Portugal, 1977) é designer e docente de design de comunicação na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. No seu doutoramento — Página enquanto heterotopia ou espaço de convergência do design com a edição — investigou a página enquanto representação do pensamento editorial. A sua actividade explora as relações entre as práticas editoriais e o design de comunicação, bem como a reflexão em torno das economias da publicação e respectivas políticas editoriais. Fundou, com Rui de Almeida Paiva, a editora Dois Dias.
ILÍDIO CANDJA CANDJA (Maputo, Moçambique, 1976) é artista visual, com formação na Escola Nacional de Artes Visuais de Maputo. Tem vindo a expor colectivamente e individualmente em Portugal, Moçambique, Espanha, EUA, Reino Unido, entre outros. Destacam-se as seguintes exposições e participações: O Fantasma da Liberdade – 5.ª Anozero Bienal de Coimbra, 2024; Resonance of Form: a Tribute to Sarah Baartman, This is not a White Cube Gallery, 2024; A Magnificência. Luz e Fusão, Galeria São Mamede, 2022; Octopus & Myopia, Galeria Quadrum, Lisboa, 2019.
ELO VEGA (Huelva, Espanha, 1967) é artista visual e investigadora. Professora na Universidade de Málaga. O seu trabalho aborda questões sociais, políticas e de género a partir de uma perspectiva feminista antipatriarcal, através de projectos artísticos que são ao mesmo tempo dispositivos de crítica da cultura como instrumento político. Concebe a prática artística como um instrumento de investigação experimental que tem como objectivo fundamental a produção de pensamento crítico. A sua obra foi exposta em instituições como o Museu Reina Sofía (Madrid), MACBA (Barcelona), IVAM (Valência), CAAC (Sevilha), CAM de Santiago do Chile ou a Real Academia de Espanha em Roma.
ROGELIO LÓPEZ CUENCA (Málaga, Espanha, 1959) é artista visual. A sua prática artística concentra-se na análise dos meios de comunicação de massa, na construção das identidades e na crítica cultural, trabalho que desenvolve por meio de publicações, cursos, oficinas, exposições, intervenções em espaços
públicos urbanos, na TV ou na Internet — www.malagana.com —, recorrendo a procedimentos próprios tanto das artes visuais como da literatura ou das ciências sociais. Os seus trabalhos mais recentes são projectos colaborativos que abordam a manipulação da história e da memória colectiva. Em 2022, o Governo da Espanha concedeu-lhe o Prémio Nacional de Artes Plásticas.
LUDGERO ALMEIDA (Santo Tirso, Portugal, 1989) é artista visual e investigador. Baseia o seu trabalho em arquivos, documentação fotográfica, relatos históricos e memórias afectivas. Desde 2012, tem exposto em Portugal, Espanha e Brasil, em instituições como a Universidade de Goiás e o Instituto de Artes da UNESP, em São Paulo, Rampa e Silo Espaço Cultural, no Porto, e CAAA em Guimarães. É bolseiro de doutoramento da FCT e investigador integrado doutorando no Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.
URIEL ORLOW (Zurique, Suíça, 1973) é artista e investigador. Vive e trabalha entre Londres, Lisboa e Zurique. Expôs o seu trabalho em várias exposições internacionais, como a Bienal de Veneza, Manifesta e bienais em Berlim, Dakar e outras. Apresentou o seu trabalho em exposições e galerias em Londres, Lisboa, Zurique, Madrid, Paris, Pequim, Nova Iorque, Chicago, entre outras. As suas publicações recentes incluem Conversing with Leaves (2020), Soil Affinities (2019) e Theatrum Botanicum (2018). É professor em Zurique, Londres e Lisboa. Em 2023, recebeu o Grand Prix de Arte Suíça/Prix Meret Oppenheim.
MARLENE MONTEIRO FREITAS (São Vicente, Cabo Verde, 1979) é coreógrafa, estudou dança na P.A.R.T.S., em Bruxelas, na Escola Superior de Dança e na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Co-fundou o grupo de dança Compass, em Cabo Verde, e a P.O.R.K., em Lisboa. Trabalhou com Emmanuelle Huynh, Loïc Touzé, Tânia Carvalho, Boris Charmatz, entre outros. Criou as peças Bacantes — Prelúdio para Uma Purga (2017), Jaguar, com a colaboração de Andreas Merk (2015), De Marfim e Carne — As Estátuas também Sofrem (2014), Paraíso — Colecção Privada
(2012-2013), (M)imosa, com Trajal Harrell, François Chaignaud e Cecilia Bengolea (2011), Guintche (2010), A Seriedade do Animal (2009-2010), A Improbabilidade da Certeza (2006), Larvar (2006) e Primeira Impressão (2005). Em 2017, a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) atribuiu a Jaguar o prémio de melhor coreografia. Em 2018, a Bienal de Veneza atribuiu o Leão de Prata na categoria de Dança. Recebeu o prémio Chanel Next Prize na sua primeira edição, em 2021.
VERA MANTERO (Lisboa, Portugal, 1966) é coreógrafa, bailarina, performer e está há mais de trinta anos na vanguarda da dança contemporânea. Estudou dança clássica com Anna Mascolo e integrou o Ballet Gulbenkian entre 1984 e 1989. Após um período de estudos em Nova Iorque, rompeu em definitivo com a dança clássica, afirmando-se como um dos nomes centrais da Nova Dança Portuguesa. O seu trabalho como coreógrafa, iniciado em 1987, tem percorrido toda a Europa e países como Argentina, Uruguai, Brasil, Canadá, Coreia do Sul, EUA e Singapura. Em 1999, fundou O Rumo do Fumo, estrutura de criação e produção artística que se singulariza pela experimentação e transversalidade de disciplinas artísticas.
NUNO PORTO (Coimbra, Portugal, 1965) é antropólogo e curador das colecções africanas e da América do Sul no Museu de Antropologia da Universidade de Columbia Britânica em Vancouver, Canadá, e professor associado no Departamento de História de Arte, Artes Visuais e Teoria da mesma universidade. Com trabalho desenvolvido em Angola, Brasil, Cabo Verde, Canadá e Portugal, a sua investigação publicada e/ou em exposição mistura a curadoria de colecções, a experimentação expositiva e o ensino/aprendizagem/improvisação com o propósito de actuar em prol de uma cidadania informada e inclusiva e dedicada a naturalizar práticas de justiça social.
RITA CHAVES (Magé, Brasil, 1956) é professora associada de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa na Universidade de São Paulo. Doutora em Letras pela Universidade de São Paulo,
foi professora visitante na Yale University, em 1996/1997 e na Universidade Eduardo Mondlane. Integrou o Conselho Curatorial do Museu da Língua Portuguesa em São Paulo. É autora de A Formação do Romance Angolano (1999) e de Angola/ Moçambique — Experiência Colonial e Territórios Literários (2022). Organizou obras editadas em Angola, Brasil, Itália, Moçambique e Portugal.
TIAGO SARAIVA (Lisboa, Portugal, 1972) é professor de História na Drexel University em Filadélfia, tendo sido também investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. A sua investigação cruza a história das ciências e tecnologia com a história política, história transnacional e história ambiental. É autor de Porcos Fascistas: Organismos Tecnocientíficos e a História do Fascismo, que ganhou o Prémio Pfizer de livro do ano da History of Science Society em 2017; e co-autor mais recentemente de Moving Crops and the Scales of History, vencedor em 2024 do prémio Sidney M. Edelstein da Society for the History of Technology e do Bentley Book Prize da World History Association. É co-editor da revista History and Technology
VERA MARQUES ALVES (Lisboa, Portugal, 1969) é an tropóloga. Foi professora auxiliar convidada da Universidade de Coimbra (2011-2015), leccionando na licenciatura de Antropologia e no mestrado de Antropologia Social. É autora de Arte Popular e Nação no Estado Novo (2013) e A Política Folclorista do Secretariado da Propaganda Nacional (2013). Recentemente co-organizou um dossier na Revista Etnográfica dedicado às apropriações contemporâneas do artesanato (2022) assinando o texto «A condição transnacional da valorização da arte popular na primeira metade do século XX». O tema da sua tese de doutoramento procede do estudo desenvolvido em torno dos «usos nacionalistas da arte popular portuguesa» (2008).
PHILIPPE CHARLIER (Paris, França, 1977)
é médico legista, arqueólogo e antropólogo. É director do Laboratório Antropologia, Arqueologia, Biologia, UFR des Sciences de la Santé (UVSQ / Paris-Saclay). Antigo director do Departamento de Pesquisa e Investigação no Museu Quai Branly Jacques Chirac. É especialista em rituais mágicos e religiosos em torno da morte e é autor de cerca de trinta e cinco livros. Apelidado de «Indiana Jones dos cemitérios», aplica técnicas da medicina legal à arqueologia. Autenticou a cabeça de Henri IV e revelou o envenenamento por mercúrio de Agnès Sorel, favorita de Carlos VII. Realizou vários documentários sobre estes temas. É curador de várias exposições em torno da temática da morte.
EGÍDIA SOUTO (Porto, Portugal, 1979) é professora associada de literatura africana e história da arte na Universidade Sorbonne Nouvelle. É doutorada em Arte, Literatura e Civilizações dos Países Lusófonos. É responsável
pela parte portuguesa do colégio doutoral franco-luso-alemão intitulado Representar o Outro: Museus, Universidades e Etnologia. A sua investigação centra-se na relação entre pintura e poesia, antropologia e arte, etnografia, arte extra-europeia e a política dos museus europeus. Colaborou vários anos com o Museu do Quai Branly-Jacques Chirac e o Museu Africano Dapper. É curadora de várias exposições em torno da arte e da antropologia.
JOANA CUNHA LEAL (Lisboa, Portugal, 1969)
é professora do Departamento de História da Arte da NOVA FCSH, onde ensina teoria, historiografia e história da arte contemporânea. Dirigiu o Instituto de História da Arte da NOVA FCSH entre 2016 e 2022. Estuda os modernismos e as vanguardas históricas ibéricas desde 2010, data em que lhe foi atribuída uma bolsa Fulbright. Foi também bolseira do Stone Summer Theory Institute em 2010 e 2011 (SAIC). Foi IR de dois projectos financiados pela FCT: Modernismos do Sul (2015) e Modernismos Ibéricos e o Imaginário Primitivista (2018-2022). É co-editora, com Mariana Pinto dos Santos, do livro The Primitivist Imaginary in Iberian and Transatlantic Modernisms (Routledge/Taylor & Francis, 2024).
JOSÉ NEVES (Lisboa, Portugal, 1978) é professor na NOVA FCSH e investigador do IHC/IN2 PAST. Licenciou-se e doutorou-se em História Moderna e Contemporânea no ISCTE-IUL, foi investigador no ICS-UL e British Academy Fellow em Goldsmiths College, Londres. Entre outros, é autor de Comunismo e Nacionalismo em Portugal (Tinta-da-china, 2008) e co-organizador de O Mundo de Amílcar Cabral (Edições Fora de Jogo, 2024).
MARIA CARDEIRA DA SILVA (Faro, Portugal, 1960) é antropóloga, professora associada na FCSH da Universidade NOVA de Lisboa e Investigadora do CRIA — Centro em Rede de Antropologia. Tem sido responsável pelo Seminários de Mestrado e Doutoramento em Antropologia do Turismo, coordenado projectos de investigação, publicado livros e artigos e comissariado Exposições (Are You a Tourist, CRIA /Padrão dos Descobrimentos/EGEAC 2019) nessa área ou adjacentes, baseados em trabalho de campo em Marrocos, na Mauritânia e no Sul de Portugal. Conjuga esses interesses com outros nos domínios do Património, dos contextos islâmicos, do género e dos Direitos Humanos.
WLADIMIR AUGUSTO CORREIA BRITO (Bissau, Guiné-Bissau, 1950) é jurista e professor catedrático jubilado da Escola de Direito da Universidade do Minho. Doutoramento na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra na área de Direito Público e Agregado na Universidade do Minho com várias publicações nessa área, nomeadamente na do Direito Internacional Público, Direito Processual Administrativo e Direito Constitucional.
TROUBLES WITH PRIMITIVISM
INTRODUCTION
One may say that what became known as “primitivism” has a long history; however, it was only at the end of the nineteenth century and the beginning of the twentieth century that it was unequivocally expressed. The various forms of fascism and the effects of colonisation, as well as the development of mass culture and mass consumption within Europe’s malaise , fomented a fascination and fetishisation around cultures considered “remote”, “primordial”, “primitive”, “naïve”, “archaic”, “savage”, “primaeval”, among other designations. The appreciation and value that artists, intellectuals and marchands attached to objects from non-European territories (the majority of them colonised), as well as from local contexts, such as folk art, in parallel with the exponential improvement of image reproduction techniques, caused the primitivist aesthetic to irradiate through the predominant visual culture of modernity in the West. Primitivism was perceived as a path for the renovation and affirmation of art as modern, as well as an artistic practice based on the return to the origins and new beginnings. It was responsible for an aesthetic revolution in the Western art of the twentieth century while at the same time emptying the temporality and the history of objects considered “primitive” by referring them to a distant and undetermined past. In an era of fascisms and imperialisms, primitivism was perceived not only as a nationalist tool for the legitimation of the colonial project but also as a libertarian and anti-colonialist instrument, given that many intellectuals and artists were inspired by primitivist imagery and mobilised by a will to subvert the established social order. However, stereotypes, prejudices, and a homogenous perspective of the “Other” were always present in primitivism’s various, and sometimes conflictual and antagonistic, uses.
Through a thorough research in Portuguese archives and collections, Troubles with Primitivism — a view from Portugal presents a renewed perspective on “primitivism” and the inherent contradictions of this historical and cultural process. The research-based and experimental curatorial proposal invited the entire museum to engage in a critical dialogue, amplifying a polyphony of voices from diverse sources, authors, and artists.
The catalogue, following the exhibition plan, is structured around six interconnected keywords: Civilisation, Museum, Naïve, “Portuguese Sea”, “JazzBand” and Extraction. This inclusive approach allows for dynamic exploration, avoiding fixed chronologies and instead following routes and diagrammatic interrelations, fluxes, tensions and synapsis between texts and images, “high” culture and mass culture. It navigates history, history of art, politics, anthropology and economy, as well as the ideological, social and cultural structure upon which the dissemination of an intense visuality related to the idea of “primitive” is constructed.
The troubles with primitivism viewed from Portugal are approached in relation to the context of dictatorship, colonisation, anti-colonialism, and post-colonialism via a visual machine full of images and artistic and cultural references that question the invention of the “primitive” and its persistence today.
Curators: Mariana Pinto dos Santos, Marta Mestre
«PRIMITIVISM» AND CURATORSHIP: REHEARSING THE MUSEUM
Marta Mestre
The exhibition Troubles with Primitivism — a view from Portugal is part of a complex historical dimension, where the model of the “universal museum” and its ruins intersect, in a time pervaded by a condition of crisis and a will for transformation. To question certain aspects of the technological and capitalist-colonial organization of modernity and, at the same time, to attempt a new museum experience, are among the speculations that drove this research.
While the title clearly points to a specific context —from Portugal —, the troubles of primitivism are of a general nature, and therefore are reconsidered here as epistemological questions: what is the experience of “primitivism” within the framework of a modernity that has developed in a Eurocentric way? The Portuguese context, still insufficiently studied from the perspective of “primitivism” 1 , is part of this omnipresent narrative and does not appear here in the form of a single process or an isolated experience. It presents itself, first and foremost, as a “situated” configuration of that modernity, contributing to reinterpret and to expand it beyond the “centre/periphery” dichotomy.
Driven by art, but also by anthropology, ethnology and the medical sciences (anthropometric studies and their relationship with eugenic theories), “primitivism” is a complex and difficult term to comprehend. For our purposes here, it refers to the fascination with, and the study and fetishization of, cultures that were deemed “primitives”. The “magical”, “impulsive” and “prelogical”, identified in populations colonized by the West, but also in commonfolk and children, or in people with mental disorders, was used to situate the “Other”, within the framework of artistic vanguards, the rise of fascist movements and the affirmation of the nation-state. The symbolic appropriation and material exploitation of the so-called “primitive” cultures, in turn, opened the way for an interpretation of the world based on a “primitive/civilised” opposition. Such was the context in which, probing the depths of the psyche, Freud saw in the notion of “primitive” the belief in the “omnipotence of thought”,
1 Among the reference studies in Portugal, see the project Modernismos Ibéricos e o Imaginário Primitivista (2018-2022), Instituto de História da Arte, NOVA FCSH, and the publication The Primitivist Imaginary in Iberian and Transatlantic Modernisms (Routledge / Taylor & Francis, 2024), edited by Joana Cunha Leal and Mariana Pinto dos Santos.
a sort of narcissism that strives to resist the inexorable laws of reality. Thus, civilisation has its “discontents”2.
As the main stage for the aesthetic experience of the West, the “museum” was also the place for the experience of primitivism. And the famous anecdote about Picasso “discovering” primitive arts at the Trocadéro Museum precisely illustrates the localization of such experience in the European social and artistic context.
But if today the museum is no longer a place for neutral contemplation (and it never truly was), and if the crisis condition of the present has caused the collapse of the whole modern “device” of the museum (in truth, a security technology that places before the social body, and through an appropriate filter, an exterior, foreign, distant, excentric, dangerous, disruptive and threatening world), the following questions arise: how to imagine a new experience for these objects and cultures? And taking a step further: how to organize, in our subjectivity, the fascination with the alien and the foreign, without reiterating the usual structures of violence?
As Achille Mbembe says: “The museum is a space of neutralization and domestication of forces that were alive before their musealization — flows of energy” 3 . Segregating in its essence, the museum establishes a division by creating a rupture between outside and inside. Thus, “dividing”, “interrupting”, “separating” and then “classifying”, “ordering”, “displaying” are gestures of fiction. They inevitably produce a “clipping” of the world, whatever its nature may be: both the assumption that it is still possible to maintain the museum as a place above the frictions of History and immune to social conflicts, and the utopia of the museum’s decolonization — as necessary as it is impossible 4 , and which today is translated into spectacle5 .
This introduction may well seem extemporaneous to the scope of a museum like the CIAJG, located in a small city, Guimarães, in a peripheral country, Portugal; however, since the knowledge/power structure of the “universal museum” is canonical, it is important to reflect on the specific place of this museum within the set of discourses about primitivism and its troubles.
The history of the CIAJG may be succinctly told as follows. In 2012, the year of “Guimarães European Capital of Culture”6, an arts centre was inaugurated within the framework of policies for the creation of cultural facilities outside the main urban centres, initiated in the previous decades. It was determined that the CIAJG would host the collection of José de Guimarães, an artist born in this city. Indeed, not only is José de
2 Sigmund Freud, Civilisation and Its Discontents, 1930.
3 Achille Mbembe, Políticas da Inimizade, N-1 Edições, 2021.
4 Cf. Françoise Vergès, Decolonizar o Museu — Programa de Desordem Absoluta, Orfeu Negro, 2024.
5 It is from this perspective that, problematizing the vertiginousness of today’s accelerated capitalism, anthropologist Michael Taussig states that nowadays it is the debt that is fetishised, not the commodity. M. Taussig, Shamanism, Colonialism, and the Savage Man: A Study in Terror and Healing, Chicago: University of Chicago Press, p. 40.
6 Tod ay the selection is made “by tender”, but in 2012 the choice of Guimarães was directly proposed by the Portuguese state.
Guimarães one of leading Portuguese collectors of what, at the time of the museum’s opening, was called “tribal art”, but he also (and this is highly relevant) pursues a creative process based on the appropriation and resignification of those arts by contemporary art. It was not the first time that this collection was publicly shown. It had been celebrated several times7, reaffirming José de Guimarães’ creative signature in the Portuguese art milieu, and coinciding with political moments such as Expo’98 and other festive occasions that held “multiculturality” as a representational strategy of a “European”, “post-colonial” and “cosmopolitan” country. In fact, like so many other artists inspired by Picasso, so did José de Guimaraes, in his youth, come into contact with African arts in the same Parisian museum, later named Musée de l’Homme. But it was during his seven years in Angola, at the time of the colonial war, first between 1967 and 1969 and later between 1970 and 1974, that he developed a language where Pop Art vocabulary and Chokwe traditions intersect, in an “osmosis of European and African art”, a practice that the artist continues to explore.
However, it should be noted that José de Guimarães’ collection of African, Pre-Columbian and Chinese art8 was only begun in the 1980s and purchased on the European market specializing in artistic, archaeological and ethnographical objects. This information does not revoke its imperial and colonial inscription — which is evident, in fact, in every collection of this kind — but it complexifies and keeps the experience of primitivism “open”, expanding it into a time and space habitually described as “post-colonial”. It is in this sense that, besides “documenting” an artistic process based on “primitivism”, José de Guimarães’ collection also provides a critical angle from Portugal, putting into perspective the present and the future, as well as the colonial and imperial past, and the origins of the nation-state. Through this magnifying lens, we approach the deep structures of a Western historicity: the relationship between modernity, primitivism and colonialism. Such is the triad rendered visible in an exhibition like this, which goes beyond José de Guimarães’ collection to encompass an intense visuality produced and experienced in the Portuguese context; strictly speaking, from the British Ultimatum (1890) to the photographic piece
A Descoberta [The Discovery] (2007), by Angolan artist Kiluanji Kia Henda, the milestones delimiting our research as a whole.
Several references have inspired our project, and previous stages in the CIAJG’s artistic and curatorial action have nourished the reflective “ground” of this debate. While, from the very beginning, the CIAJG’s activity has been able to foster a critical stance regarding its
7 O Ritual da Serpente and A Serpente no Imaginário Artístico, Museu Afro Brasil, São Paulo, 2006; África — Diálogo Mestiço, by José de Guimarães, Pátio da Galé, Lisbon, 2009.
8 The José de Guimarães Collection kept at the CIAJG on a long-term loan agreement is comprised of 1 128 objects, organized into the following subsets: African art: 198; ancient Chinese art: 54; Pre-Columbian art: 33; works by José de Guimarães: 843.
RITA CHAVES (Magé, Brazil, 1956) is Associate Professor of African Literatures in Portuguese at the University of São Paulo. She has a PhD in Letters from the University of São Paulo and was a visiting professor at Yale University in 1996/97 and at Eduardo Mondlane University. She was a member of the Curatorial Council of the Portuguese Language Museum in São Paulo. She is the author of A formação do romance angolano (1999) and Angola/Mozambique — experiência colonial e territórios literários (2022). She has organised books published in Angola, Brazil, Italy, Mozambique and Portugal.
TIAGO SARAIVA (Lisbon, Portugal, 1972) is Professor of History at Drexel University in Philadelphia, and was previously a researcher at the Institute of Social Sciences of the University of Lisbon. His research crosses the history of science and technology with political history, transnational history and environmental history. He is the author of Fascist Pigs. Technoscientific Organisms and the History of Fascism, which won the History of Science Society’s Pfizer Book of the Year Award in 2017; and co-author more recently of Moving Crops and the Scales of History, winner in 2024 of the Society for the History of Technology’s Sidney M. Edelstein Prize and the World History Association’s Bentley Book Prize. He is co-editor of the journal History and Technology
VERA MARQUES ALVES (Lisbon, Portugal, 1969) is an anthropologist. She was a Visiting Assistant Professor at the University of Coimbra (2011-2015), teaching Anthropology (undergradute) and Social Anthropology (MA). She is the author of Arte Popular e Nação no Estado Novo (2013) and A Política Folclorista do Secretariado da Propaganda Nacional (2013). She recently co-organised a section at Revista Etnográfica dedicated to contemporary appropriations of handicrafts (2022), including her text “A condição transnacional da valorização da arte popular na primeira metade do século XX”. The subject of her doctoral thesis comes from her study of the ‘nationalist uses of Portuguese folk art’ (2008).
PHILIPPE CHARLIER (Paris, France, 1977) is a forensic doctor, archaeologist and anthropologist. He is director of the Anthropology, Archaeology and Biology Laboratory, UFR des Sciences de la Santé (UVSQ / Paris-Saclay). He was formerly Director of the Research and Investigation Department at the Quai Branly Jacques Chirac Museum. He specialises in magical and religious rituals surrounding death and is the author of thirty-five books. He has been nicknamed the "Indiana Jones of cemeteries" and applies forensic medicine techniques to archaeology. He authenticated the head of Henri IV and revealed the mercury poisoning of Agnès Sorel, a favourite of Charles VII. He has made several documentaries on these subjects and curated several exhibitions on the theme of death.
EGÍDIA SOUTO (Porto, Portugal, 1979) is an associate professor of African literature and art history at the Sorbonne Nouvelle University. She has a PhD
in Art, Literature and Civilisations of the Lusophone Countries. She is responsible for the Portuguese part of the Franco-Portuguese-German doctoral college entitled Representar o Outro: museus, universidades e etnologia. Her research focuses on the relationship between painting and poetry, anthropology and art, ethnography, extra-European art and the politics of European museums. She worked for several years with the Musée du Quai Branly-Jacques Chirac and the Dapper African Museum. She has curated several exhibitions on art and anthropology.
JOANA CUNHA LEAL (Lisbon, Portugal, 1969) is professor at the Department of Art History at NOVA FCSH, where she teaches theory, historiography and contemporary art history. She directed the Institute of Art History at NOVA FCSH between 2016 and 2022. She has been studying modernism and the Iberian historical avant-garde since 2010, when she was awarded a Fulbright scholarship. She also received a scholarship from the Stone Summer Theory Institute in 2010 and 2011 (SAIC). She was a PI on two FCT-funded projects: Modernismos do Sul (2015) e Modernismos Ibéricos e o Imaginário Primitivista (2018-2022). She is co-editor, with Mariana Pinto dos Santos, of the book The Primitivist Imaginary in Iberian and Transatlantic Modernisms (Routledge, 2024).
JOSÉ NEVES (Lisbon, Portugal, 1978) is professor at NOVA FCSH and researcher at IHC/IN2PAST. He has a degree and PhD in Modern and Contemporary History from ISCTE-IUL, was a researcher at ICS-UL and a British Academy Fellow at Goldsmiths College, London. He is the author of Comunismo e Nacionalismo em Portugal (Tinta-da-china, 2008) and co-organiser of O Mundo de Amílcar Cabral (Edições Fora de Jogo, 2024), among other publications.
MARIA CARDEIRA DA SILVA (Faro, Portugal, 1960) is an anthropologist, Associate Professor at the FCSH of NOVA University Lisbon and Researcher at CRIA — Centro em Rede de Antropologia. She has been responsible for the Master and PhD Seminars on Anthropology of Tourism. She also coordinated research projects, published books and articles and curated exhibitions (Are You a Tourist, CRIA /Padrão dos Descobrimentos/EGEAC 2019) based on fieldwork in Morocco, Mauritania and southern Portugal. She combines these with other interests in the fields of heritage, Islamic contexts, gender and human rights.
WLADIMIR AUGUSTO CORREIA BRITO (Bissau, Guinea-Bissau, 1950) is a jurist and retired full professor at the University of Minho Law School. He has a doctorate from the Faculty of Law of the University of Coimbra in the area of Public Law and is an Aggregate Professor at the University of Minho with several publications in this area, namely in Public International Law, Administrative Procedural Law and Constitutional Law.
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Problemas do Primitivismo — a partir de Portugal PARCERIA / PARTNERSHIP
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PUBLICAÇÃO PUBLICATION
EDIÇÃO / PUBLISHERS
A Oficina CIPRL / CIAJG — Centro Internacional das Artes José de Guimarães, DOCUMENTA
TEXTOS / TEXTS
Egídia Souto, Joana Cunha Leal, José Neves, Margarida Cafede Moura, Maria Cardeira da Silva, Mariana Pinto dos Santos, Marta Mestre, Nuno Porto, Philippe Charlier, Rita Chaves, Tiago Saraiva, Vera Marques Alves, Wladimir Brito
Os textos não assinados são da autoria das curadoras/editoras. A autoria das citações está assinalada ao longo do catálogo. Unsigned texts are by the curators/editors. The authorship of quotations is mentioned throughout the catalogue.
DESIGN EDITORIAL / EDITORIAL DESIGN
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FOTOGRAFIA / PHOTOGRAPHY
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REVISÃO / PROOFREADING
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TRADUÇÃO / TRANSLATION
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As curadoras agradecem:
Ao Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa, parceiro desta iniciativa, a bolsa atribuída a Margarida Moura que trabalhou com as curadoras na pesquisa documental para a exposição. À Fundação Millennium bcp pelo apoio fundamental.
A todas as instituições museológicas, públicas e privadas, bem como todos os arquivos, aos coleccionadores e coleccionadoras, instituições académicas, artistas, autores e autoras que emprestaram ou cederam imagens e textos para a exposição e que autorizaram a reprodução de imagens de documentos e obras, bem como textos, para este catálogo.
A toda a equipa d’A Oficina e do CIAJG, nomeadamente a João Terras, Ana Sousa, Inês Oliveira e Joaquim Mendes. A Pedro Bastos, Sofia Gonçalves e Manuel Rosa.
The curators would like to thank:
The Art History Institute of the Faculty of Social Sciences and Humanities of NOVA University Lisbon, a partner in this initiative, for the grant awarded to Margarida Moura, who worked with the curators on the documentary research for the exhibition. To the Millennium bcp Foundation for its fundamental support. To all the museum institutions, public and private, as well as all the archives, collectors, academic institutions, artists, authors who lent or provided images and texts for the exhibition and who authorised the reproduction of images of documents and works, as well as texts, for this catalogue. To the entire team at A Oficina and CIAJG, namely João Terras, Ana Sousa, Inês Oliveira and Joaquim Mendes. To Pedro Bastos, Sofia Gonçalves and Manuel Rosa.