Cartas Portuguesas / Guilleragues

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CARTAS PORTUGUESAS

Guilleragues CARTAS PORTUGUESAS

tradução

Luciano Cordeiro

apresentação

Aníbal Fernandes

T ÍTULO DO ORIGINAL: LETTRES PORTUGAISES, TRADUITES EN FRANÇAIS

© SISTEMA SOLAR CRL, 2024

RUA PASSOS MANUEL 67B, 1150-258 LISBOA apresentação © ANÍBAL FERNANDES

ISBN: 978-989-568-135-8

1.ª EDIÇÃO, OUTUBRO DE 2024

CAPA: SOBRE FOTOGRAFIA DE FALCO NEGENMAN, VENEZA , 2019 (PORMENOR) / UNSPLASH

REVISÃO: DIOGO FERREIRA

DEPÓSITO LEGAL: 523302/23

IMPRESSÃO E ACABAMENTO: EUROPRESS

Boileau decidiu um dia retratar Guilleragues: «Mestre na arte de agradar», disse ele, «não passou de um rapaz comilão com muito espírito, que teve amigos e viveu à custa deles por tudo ter esbanjado.» Anos antes dedicara-lhe o seu «Quinto Epíteto» e tinha-o começado com estes dois versos: «Espírito nascido para a corte e mestre na arte de agradar, / Guilleragues, o que sabe falar e calar-se.» Havia neste fim de frase uma alusão ao «mistério» das Cartas Portuguesas.

Guilleragues era pelo baptismo Gabriel Joseph de Lavergne; mas quando se impôs na corte, quando chegou a altos e muito honrosos cargos, quando chegou à literatura, começou a querer que o chamassem pelo som reduzido à simplicidade aristocrática do Guilleragues. O seu pai, que era visconde de Guilleragues e notável figura de Bordéus, em 1630 morreu atacado por uma peste que não sabia diferençar o mais baixo povo dos grandes da sociedade francesa. Gabriel só era uma criança de dois anos. Tinha uma irmã ainda mais nova, e a sua mãe fez um luto de viúva grávida que teve um terceiro filho nascido sem pai.

Aos vinte e dois anos, inteligente e carreirista, Guilleragues já era advogado no parlamento de Bordéus. Tinha artes para se manter com as exigências de uma vida dispendiosa e alegrias femininas

que lhe chegavam ao leito encantadas pela escolha de um membro da família Lavergne, herdeiro do castelo de Guilleragues.

Em 1650, quando as guerras civis da Fronda deixaram Bordéus em mau estado, durante a chamada «Fronda dos Nobres» fez-se amigo do príncipe de Condé, com importante papel no conflito.

Condé, a duquesa de Longueville e o príncipe de Conti deram-lhe o seu primeiro prestígio e a sua primeira fama de grande espírito.

Foi então para Paris, onde as suas capacidades sedutoras encontraram campo largo na corte do príncipe de Conti; e quando o secretário do príncipe morreu envenenado, foi ele o seu muito previsível sucessor.

Conheceu, nesse Paris elegante, Molière; foi grande amigo de Molière; e até hoje não se desfez a suspeita do que o Tartufo é a molierização de um texto de Guilleragues.

Em 1654 Luís XIV chegou a desejá-lo como seu conselheiro; mas entretanto a dimensão das suas dívidas… mas entretanto as exorbitantes e irresistíveis seduções de Paris… incitavam-no, aconselhavam-no a regressar a Bordéus, onde tinha à sua disposição o cargo de conselheiro do parlamento.

Guilleragues também sentiu que chegava o bom momento de dar o passo que faria dele um homem casado. Trinta anos era para a época uma idade-limite, e tinha perto de si Marie-Anne de Pontac, destacada numa família poderosa e possuidora de um invejável dote. Marie-Anne era uma boa notícia para a sua vocação de homem endividado; e ela cedeu; Marie-Anne Lavergne? Marie-Anne Guilleragues? Qualquer dos nomes lhe convinha.

Bordéus deu-lhe depois o alto cargo de primeiro presidente do tribunal dos impostos. Mas se o seu protector Conti era agora

governador do Languedoc, como é que ele poderia prestar atenção a um trabalho que o retinha em Bordéus? O príncipe valia mais; Guilleragues abdicou dessa função para se dedicar a Conti, que tinha no Languedoc uma importante actividade paralela à do seu posto de governador: convertia protestantes ao catolicismo; escrevia (com a ajuda de Guilleragues) um Tratado da Comédia e dos Espectáculos onde condenava sem remissão as tragédias de Corneille e as comédias de Molière; e esse Conti cheio de moral também escrevia outra obra intitulada O Dever dos Grandes. Mas morreu inesperadamente — má sorte do seu pupilo — em 1666.

Este Guilleragues sem Conti voltou a sentir a sedução de Paris. Mas bem sabia que os problemas exigidos pelo seu género de vida só poderiam ser acudidos com elevadas somas de dinheiro. Agora, casado com uma herdeira rica, sentia-se salvaguardado por uma bolsa de muitos luíses. Guilleragues foi para Paris… sem Marie-Anne e sem a filha que entretanto tinha nascido. Se precisasse de dinheiro, ele não tardaria a chegar-lhe de Bordéus.

O Paris culto atirou-o, como era de esperar, para os mais prestigiados antros da sua literatura. Guilleragues era agora protegido e secretário de Colbert; sabia escrever; tinha uma inquestionável vocação para a frase bem torneada, um grande ouvido para a sinfonia do texto; tudo isto e a sua forma elegante e fidalga de agradar puseram-no na estreita convivência de Molière, Rochefoucault, Boileau, Racine… Conseguiu ser íntimo de Madame Scarron, a que seria anos depois a escritora Madame de Maintenon, esposa de Luís XIV; frequentou o mais invejado dos salões, o que era «anfitriado» por Henriette d’Angleterre, cunhada de Luís XIV.

Este Guilleragues começava a fazer-se sugerir, e até a mostrar-se, como escritor. Não ia deixar uma obra extensa; mas os arquivos registam (como descobriu em 1926 o professor F. C. Green da Universidade de Cambridge) que o editor e livreiro Claude Barbin obteve em 1668 o privilégio real para a publicação de três obras suas: Valentins; Lettres portugaises traduites en français; Epigrammes et madrigaux.

No entanto, por uma necessidade comercial convinha que estas Cartas Portuguesas traduzidas para francês surgissem com autor anónimo; que afastassem todas as hipóteses de ser tomadas por uma ficção. Em Janeiro de 1669, as cinco cartas da freira portuguesa eram oferecidas sem autor ao público, num francês pouco depois reconhecido como o de uma tradução de Guilleragues (que não sabia português); destinavam-se, com o seu bem cultivado mistério «de quem e para quem», a ser o maior êxito literário dessa época.

Luís XIV ficou encantado com as palavras da freira que tão bem soavam em francês; em Outubro já Guilleragues era secretário da câmara de Sua Majestade, encarregado de redigir as cartas privadas do soberano, e até foi convencido a escrever a meias com o rei uma peça teatral que entreteve, diz o marquês de Bonnac, alguns serões da corte.

Guilleragues brilhava em Paris. As suas noites deslizavam por salões enfeitados com a presença de muito ilustres Madames: a Sablière, a Lafayette, a Sévigné, a Thianges, a Scarron; e era visto na intimidade de Racine e Saint-Simon. Mas o dinheiro de que dispunha nunca satisfazia as suas despesas. Apesar da protecção real, viu-se obrigado a aceitar o lugar de redactor principal

da Gazette de France onde escrevia artigos anónimos que não denunciassem excessivamente o seu abaixamento de nível.

Mas dois anos depois, em 1677, foi-lhe concedido o muito cobiçado posto de embaixador da França numa Constantinopla que ainda não era Istambul. Durante seis anos Guilleragues foi reconhecido como um exímio embaixador. Soube pacificar a complexa situação política daquilo que então se chamava Próximo Oriente. E em 1681, quando a esquadra francesa atacou piratas barbarescos que se refugiaram no porto de Chios então dominado por otomanos, e houve um período difícil entre a regência de Trípoli e a França, Guilleragues revelou uma grande eficácia como mediador entre as duas partes.

Mas este prestígio foi inesperadamente ferido pelas consequências do ataque de apoplexia que em 4 de Março de 1685 pôs fim à sua brilhante carreira diplomática. Guilleragues morreu e foi enterrado no Palácio de França, hoje conhecido em Istambul por São Luís dos Franceses. Actualmente desconhece-se a localização da sua sepultura.

As Cartas Portuguesas, atribuídas a uma freira portuguesa abandonada por um militar francês, tiveram um inesperado êxito. Houve a tentação de imaginar «respostas» publicadas como autênticas e que prolongavam com ficção literária o conjunto dessas cinco missivas consideradas a excelência das cartas de mulheres apaixonadas, traídas pelo seu amante. Madame de Sévigné chegou a utilizar a palavra «portuguesa» sempre que queria referir-se a qualquer carta bafejada por um amor com tempero de «loucura».

As cinco cartas atribuídas a uma banal freira de Beja mostravam em francês uma curiosa mestria de estilo (com poucas probabilidades, começava a reparar-se, de ser dominado daquela forma por uma religiosa sem nenhuma prática das letras), e construíam uma hábil sucessão de momentos descontínuos que permitiam ao leitor reconstituir, na descontinuidade dessa paisagem romântica enlouquecida, o fio que tecia uma autêntica novela de amor. Apresentava-se na literatura da época com uma novidade que era a de prescindir da habitual linguagem preciosa e adoptar na sua exposição uma forma próxima da simplicidade oral, sem que isto implicasse a desistência da musicalidade das palavras e não deixasse de percorrer um sedutor terreno ambíguo, sempre a hesitar entre a devoção e a paixão; a pôr, como foi reconhecido depois de

desmistificada a autoria do texto, uma máscara realista assente sobre personagens de uma realidade soprada pela imaginação.

As duas personagens em causa fazem-nos pressupor um amante dotado de alguma cobardia e uma freira incapaz de dominar o seu ímpeto amoroso, como nos é dado a deduzir por algumas frases da Quinta Carta: Procuro neste momento desculpá-lo, e compreendo bem que uma freira não é nada amável, de ordinário.

Parece-me, contudo, que se os homens pudessem ter mão na razão quando escolhem os seus amores, mais se inclinariam a elas do que às outras mulheres.

Nada as impede de pensar incessantemente na sua paixão; não as distraem mil coisas que no século absorvem e consomem os corações1.

Esta progressiva renúncia à esperança tem uma conclusão dramática e com um humilhado orgulho que pretende cortar pela raiz uma paixão que nunca será curada nas suas perniciosas consequências e, facto curioso numa freira, com a possibilidade de ser resolvida com um suicídio: Sei, certo, que me ocupo demais ainda com as minhas queixas e com a sua infidelidade; lembre-se, porém, que a mim própria prometi um estado mais tranquilo, e que hei-de consegui-lo, ou tomarei contra mim uma resolução desesperada que poderá saber sem grande pesar!…

1 O texto das cartas portuguesas apresentado nesta edição é sempre o da «reconstituição portuguesa», chamemos-lhe assim, feita em 1888 por Luciano Cordeiro (actualizada na ortografia e na pontuação) como apêndice ao livro Soror Mariana, a Freira Portuguesa (Lisboa, Férin & C.ª, Editores). Esta escolha deve-se ao seu português com uma sonoridade mais próxima da que existiria no tempo em que elas teriam sido escritas, difícil de obter numa tradução ligada a formas mais actualizadas da língua portuguesa. (A. F.)

Mas nada mais quero do senhor.

Sou uma doida em repetir as mesmas coisas tantas vezes.

É mister que o deixe e que não pense mais em si.

Creio até que não tornarei a escrever-lhe.

Tenho alguma obrigação de lhe dar conta da minha vida?

As cartas de Mariana tiveram, numa época que privilegiava a literatura epistolar, uma repercussão universal. As traduções sucederam-se, impressionadas com a sua confissão brutal e cínica, e pouco tempo bastou para se poderem contar oitenta edições.

Na França os maiores nomes — Rousseau, Saint-Simon, Stendhal, Sainte-Beuve, Henry Bordeaux — teceram a seu respeito considerações nem sempre coincidentes sobre aquela que poderia ser a sua origem, nem sempre tranquilizadas sobre o facto de ser proposta ao público como uma tradução.

O editor («esse cão do Barbin», dizia Madame de Sévigné, talvez incomodada por uma possível publicação das suas Cartas não ter hipóteses de um tão inquestionável êxito) era evasivo. Chegou no entanto a afirmar que o texto português lhe tinha sido entregue, e «a muitos trabalhos se tinha dado para obter uma cópia correcta da tradução». Mas quem era o tradutor? Perante esta pergunta emudecia. Quem era o destinatário? «Um fidalgo de qualidade», foi possível ouvi-lo dizer, cheio de reticências. Mas em 1699, numa edição feita em Colónia para um francês (ela informava: Chez Pierre Marteau), leu-se pela primeira vez o nome do conde de Guilleragues como tradutor e o de Chamilly como destinatário das cartas.

Entre os franceses que duvidavam da origem feminina do texto destaca-se Jean-Jacques Rousseau, que numa carta a D’Alembert

dá largas a uma exemplar confissão de misoginia: «Em geral, as mulheres não gostam de nenhuma arte, não se lhes conhece nenhuma, e não têm nenhum génio. Podem ter êxito em pequenas obras que apenas exijam ligeireza de espírito, de gosto e graça, e até algumas vezes de filosofia e raciocínio. Podem adquirir ciência, erudição, talentos, e tudo o que se adquire à custa de trabalho. Mas este fogo celeste que abrasa a alma, este génio que consome e devora, esta ardente eloquência, estes transportes sublimes que levam os seus êxtases ao fundo dos corações, hão-de faltar sempre aos escritos das mulheres; são sempre frios e bonitos como elas; terão todo o espírito que quiser, mas nunca alma; serão cem vezes mais sensatos do que apaixonados. Não sabem descrever, nem mesmo sentir o amor. Que eu saiba, só Safo e uma outra1 merecem ser tidas como excepção. Posso apostar por tudo neste mundo que as Cartas Portuguesas foram escritas por um homem. Em todo o lado onde as mulheres dominam, também deve o seu gosto dominar. E existe aqui o que no nosso século domina.»

Entre os germânicos que viam nas Cartas uma sensibilidade feminina deve destacar-se Rainer Maria Rilke, que além de as citar quatro vezes em Os Cadernos de Malte Laurids Brigge, a elas se referiu extensamente em Die fünf portugiesischen Briefe der Nonne Mariana Alcoforado (As Cinco Cartas Portuguesas da Freira Mariana Alcoforado): «Não nos faltam rumores nem informações sobre a vida dos sentimentos. No entanto, só conseguimos vê-los nos curtos instantes em que eles surgem na torrente do destino

1 Por outros textos seus conclui-se que Rousseau está a referir-se a Heloísa, a amada de Abelardo. (A. F.)

ou ainda — com mais vagar — quando estão mortos a jazer na margem, e se desviam à superfície do seu curso.

«Mas não foi isto que valeu às Cartas Portuguesas a consideração que elas merecem e vão em todos os tempos merecer: não será o facto de se desenrolar nelas, como por um milagre, um grande sentimento exterior ao destino, e ele ser aos nossos olhos visível de longe e inesquecível?

«Teremos mais alguma vez possibilidade de ver um amor ampliar-se como este? Alguma vez se encontrou um sentimento tão forte e tão decisivo que não desapareça logo, se transforme ou venha com outras formas perturbar-nos? A arte dos bem-amados célebres não foi, sobretudo, a de manter sob as águas o seu sentimento? Por vezes os seus retratos conservam o sorriso estranhamente massivo que torna os seus sentimentos pesados quando sobem até à superfície e voltam depois a cair no fundo do destino.

«Como deve ter sido diferente o sorriso de Mariana Alcoforado! Não temos dele qualquer imagem, e mal conseguimos sentir o desejo de lhe ver o rosto. Isto por nos parecer que só permanece o gesto cada vez mais intenso que ela faz para erguer o seu penoso amor e mantê-lo muito acima de si. Embora não lhe conheçamos o gesto, não é a primeira vez que somos confrontados com esta voz. Parece idêntica à que por vezes se levanta quando uma noite de Primavera desce e ela ressoa num meio que não pode mantê-la por mais tempo oculta. Como a do rouxinol quando ele se apresta a entoar o seu canto e não só lhe ouvimos o pio, mas um silêncio que a inapreensível noite contém; o mesmo acontece com as palavras desta religiosa, que encerram todo o sentimento no que ele possui de exprimível, mas sem haver a possibilidade de

ser formulado. É uma voz idêntica à do rouxinol, que não tem nenhum destino.

«A sua vida é tão exclusiva e de uma tão grande simplicidade, que nem o seu amor fatal gera um destino. Ela deplora esta ausência, faz com os seus votos apelo a este edifício frágil, a esta emoção, a este aniquilamento a que chamamos destino, e fá-lo durante todo o tempo em que tem esperanças de ser uma grande bem-amada. Mas tudo isto só consegue transformá-la, a cada dia que passa, na grande apaixonada que admiramos.

«[…] Realmente pressentimo-lo, mas sem nos ter sido talvez demonstrado com tanta clareza que a essência do amor não reside na comunidade, mas no facto de cada um dos participantes forçar o outro a tornar-se qualquer coisa infinitamente grande, no extremo limite das suas forças. As cartas da amorosa abandonada provam que o conde de Chamilly soube subtrair-se quase por completo a este constrangimento.

«[…] Nestas cartas do século XVII encontramos bem conservado o amor com ligação a um incomparável trabalho. Os fios da dor e da solidão inexplicavelmente se entrelaçam como numa velha renda para construir flores, um caminho de desconcertantes flores.»

Também houve em Portugal vozes atentas mas nem sempre concordantes. Das muitas que poderiam coligir-se, vão ser aqui registadas as que saíram de alguns nomes mais soantes na cultura literária portuguesa.

Em 1852, António Pedro Lopes de Mendonça informa o seguinte: «O nosso amigo Alexandre Herculano é de opinião que as Cartas foram originalmente escritas em francês, e parece dar pouco crédito à tradição que as atribui a uma religiosa portuguesa.»

Em 1874, Pinheiro Chagas em Os Dramas Célebres do Amor afirma: «O tradutor, um tal Guilleragues, parece que interpretou com acerto as expressões apaixonadas da nossa infeliz compatriota, porque as Cartas conservam no texto francês a ardente simplicidade que é o sinal evidente de uma paixão sincera que não procura arrebiques de estilo mas que exprime simplesmente, com a eloquência expontânea que brota do coração, de onde vêm, no entender de Vauvenargues, os grandes pensamentos.»

Em 1875, Teófilo Braga no seu Manual de História da Literatura Portuguesa escreveu: «Embora essas cartas só existam na tradução francesa de Guilleragues, de 1669, ainda revelam a feição da sintaxe portuguesa, e são de modo que por si têm caracterizado na Europa o génio e o carácter portugueses.»

Em 1876, na sua continuação-complemento ao Curso de Literatura Portuguesa de José Maria de Andrade Ferreira, Camilo Castelo Branco afirma que «o enfatuado conde» entregou os originais a Subligny, e está inclinado a subscrever a dúvida de Herculano: «O torneio, a índole e a contextura da frase recendem às olorosas meiguices do género epistolar francês.»

A estas opiniões de homens da literatura sobre as Cartas Portuguesas pode acrescentar-se um exemplo chegado da Igreja, reticente e cuidadoso sobre os amores de uma freira, absolvendo-os do mais sensual momento, negando o que a própria Mariana confessa. Ele chega-nos de um frei Jerónimo de Belém, autor de uma crónica monástica que se detém com saborosa linguagem sobre as freiras do Convento da Conceição de Beja e, referindo-se a Mariana, escreve: «Da castidade só sentiu o que faz mais meritória esta virtude, mas sentindo nunca consentiu, pois ao mesmo tempo

em que se via convidada ao apetite, na resistência encontrava alívio com créditos de merecimentos. Fazia muito por suprimir os incêndios com rigorosas penitências e castigava as rebeldias da carne própria e as faltas da miséria alheia, que a tanto chegava sua ardente caridade.»

A primeira publicação das cartas em francês foi feita durante a vida de Chamilly, que nunca surgiu a contrariar o crescente murmúrio que o dava como seu destinatário. Ficou assim, com este silêncio e esta persistência, solidamente agarrado ao desastroso amor da freira portuguesa.

Ela foi, com grande probabilidade, Mariana Alcoforado. O seu nome próprio surge por diversas vezes escrito nas suas cartas. E na Segunda Carta há um pormenor que identifica o seu convento: Dona Brites1 tanto me amofinou nestes dias passados por me fazer sair do quarto, que julgando distrair-me lá me levou a passear na varanda de onde se vêem as Portas de Mértola. O convento de Beja com esta varanda era o Convento da Conceição, embora tenham de rectificar-se as palavras do original francês. É possível que Guilleragues tenha interpretado mal a carta com esta referência, porque escreveu le balcon d’où l’on voit Mertole, «a varanda de onde se vê Mértola», que Luciano Cordeiro corrigiu na sua tradução para «a varanda de onde se vêem as Portas de Mértola»; porque de Beja não se vê Mértola; viam-se as portas de Mértola, assim chamadas por iniciarem a estrada que ligava Beja a Mértola.

Os registos do Convento da Conceição confirmam a existência nos anos atribuídos às cartas (Dezembro de 1667 a princípios

1 Dona Brites Francisca de Noronha, uma das abadessas do convento.

de Junho de 1668) de uma freira chamada Mariana e pertencente à família dos Alcoforado.

Mas quem era afinal Chamilly?

Algumas informações sobre o marechal Chamilly podem ser lidas nas Mémoires de Saint-Simon:

«Chamilly chamava-se Bouton, uma raça nobre da Borgonha que antes de 1400 era vista com escudeiros a servi-la e onde havia, a partir dos primeiros anos de 1400, camareiros dos duques de Borgonha. Depois disto continuaram a servir, embora nenhum deles tenha usado toga de magistrado; alguns foram governadores de Dijon. O pai e o irmão mais velho do marechal ligaram-se fortemente ao Senhor Príncipe de Condé, seguiram-no para todo o lado e foram por ele muito estimados. […] Este irmão seis anos mais novo, a quem me refiro, começou a dar nas vistas, e num futuro não muito distante serviria com boa reputação Portugal e Creta.

«Quem o visse nunca se convenceria que tivesse alguma vez inspirado o tão desmesurado amor que é a alma das famosas Cartas Portuguesas, nem que ele desse àquela religiosa as respostas que por aí andam.»

Este Noël Bouton tinha nascido no castelo de Chamilly em 6 de Abril de 1636. Mostrou-se desde muito novo apaixonado pela carreira militar e com uma incondicional lealdade ao exército real de Luís XIV, actuação política que divergia da seguida pelo seu pai e pelo seu irmão, incondicionais do exército do príncipe de Condé.

O seu fervor militar concedeu-lhe presença no cerco de Valenciennes, onde foi feito prisioneiro; pertenceu depois ao regimento de cavalaria do cardeal Mazzarino; esteve com Bussy-Rabutin na campanha da Flandres; e ao sabor de uma imparável agitação

onde era visto a montar cavalos e com arma na mão, desfilaram Dunquerque, Bergues-Saint-Winoc, Furnes, Oudenaarde e Ipres. Mas em 16 de Abril de 1661, Noël Bouton com vinte e cinco anos e uma expectativa de batalhas que parecia longe do fim, teve a sua companhia militar reformada e ficou sem emprego.

Bouton suportou dois anos de lazer e desânimo provocado por uma ausência de excitações bélicas até ali essenciais à sua forma de compreender a vida; mas foi-lhe concedida uma nova e inesperada oportunidade que o levou a um Portugal molestado pela Espanha desde a suprema audácia de 1640, a que tinha consumado a expulsão do intruso Filipe IV e lhe permitia o orgulho de uma recuperada independência. Mas Filipe IV não tinha engolido com tranquilidade esta lograda rebeldia dos seus vizinhos. Insistia em ser o Filipe III de Portugal e em não lhe reconhecer o direito a país e a nação. Na sua Histoire militaire du règne de Louis le Grand, Charles Sevin de Quincy resume esta conjuntura: «As tropas espanholas, agora disponíveis com o tratado dos Pirenéus, tinham-se atirado a Portugal com uma independência ainda não reconhecida. Sobre este velho aliado da França pendia a ameaça de uma recaída sob o jugo espanhol. Luís XIV, que não se atrevia a intervir abertamente porque Mazzarino tinha-o sacrificado nas negociações da ilha dos Faisões1, não desistiu de uma assistência que, por ser secreta, não foi menos eficaz. O subterfúgio que utilizou para atingir os seus fins sem atacar de frente a Espanha, foi ceder a

1 Foi negociado o domínio desta ilha fluvial, que se alternava entre franceses e espanhóis; negociações que foram conduzidas pelo cardeal regente Mazzarino, e não por Luís XIV, nessa altura com vinte e um anos. (A. F.)

Portugal uma parte das suas tropas disponíveis depois da paz; para salvaguardar as aparências escolheu-as totalmente entre os auxiliares estrangeiros. O chefe do corpo expedicionário era o tenente-general Frédéric-Armand, conde de Schomberg, um huguenote nascido em Heidelberg que podia, nesta qualidade, actuar sem parecer ligado a Luís XIV. […] Schomberg entrou em Portugal com o título de mestre de camp général do exército do Alentejo.»

Este conde desembarcou em Lisboa em 13 de Novembro de 1660, com a missão de reorganizar o exército português. E em 1663 um corpo francês, que incluía entre os seus membros Noël Bouton, juntou-se às tropas que lá combatiam sob o comando de Schomberg. Em Junho de 1664 Chamilly (como ele passou a gostar que lhe chamassem) participou no cerco de Valência de Alcântara e no mês seguinte esteve presente na derrota dos Espanhóis em Castelo Rodrigo. Também participou na batalha de Vila Viçosa e na derrota do exército espanhol comandado pelo marquês de Caracena. Pouco depois foi promovido a mestre de camp num regimento de cavalaria, e já nesta posição participou, entre outras batalhas, na conquista de Borba, Guarda e Miranda do Corvo.

Ao que parece, durante este período Chamilly (jovem oficial com uma bem cuidada juventude de trinta anos) esteve por diversas vezes em Beja e conheceu Mariana Alcoforado. Contrariamente ao que diz Saint-Simon, exibia-se forte e vigoroso, somando a estes trunfos o prestígio de feitos de armas na Flandres e em Portugal.

Beja era, nesta conjuntura bélica, sentida como lugar de repouso e prazer. Diz-se que um irmão de Mariana era amigo de Chamilly e introduziu-o (com inocência?) na intimidade da freira retida num convento gerido por uma ordem pouco severa

e pejado de mulheres sem vocação religiosa, sujeitas a regras que lhes tinham sido determinadas como afastamento estratégico de uma escala de heranças ou de amores não aprovados pela política de casamentos paterna.

Mas em Fevereiro de 1668, depois de vinte e sete anos de uma guerra latente, houve um tratado de paz que deu a Portugal a promessa da cessação de hostilidades espanholas e a Chamilly a oportunidade de outras batalhas que já nada tinham a ver com as querelas ibéricas. Foi nesse mesmo ano para Creta; foi ferido na batalha de Cândia, quando quis combater os Turcos. Seria longo e fastidioso enumerar as vinte e cinco campanhas que lhe fizeram receber o bastão de marechal tão bem exibido no seu retrato póstumo, feito em 1835 por François-Joseph Heim.

Longe de Portugal, Chamilly apagou do seu espírito a fogosa freira de Beja. O regresso à França proporcionou-lhe um casamento com Élisabeth du Bouchet, uma folgada herdeira — disseram algumas memórias que muito feia mas inteligente, ambiciosa e atenta aos seus interesses. A celebridade das Cartas, a sua pessoa colada ao destinatário anónimo que as tinha inspirado, atraía incómodos e curiosos olhares. Saint-Simon deixou nas suas Memórias um pouco abonatório retrato do Chamilly envelhecido: «Era grande e gordo, o melhor homem deste mundo, o mais corajoso e cheio de honras que é possível, mas estúpido e bronco ao ponto de não podermos compreender que houvesse nele um qualquer talento para a guerra. A idade e os desgostos tinham-no aproximado de parecer um imbecil. Eram ambos ricos e não tinham filhos. A sua mulher, cheia de projectos, afadigava-se dolorosamente por sua causa. Durante os seus diversos comandos e governos, que ela acompanhava,

mostrou-se com a arte de tudo levar a cabo; chegava a substituí-lo nas suas funções, fazendo crer que era ele quem as executava e até se ocupava de alguns pormenores domésticos. Conseguiram que em todo o lado os apreciassem e respeitassem. Ela conseguiu, através de Chamillart, que o seu marido voltasse à crista da onda fazendo com que lhe dessem o comando de La Rochelle e das províncias vizinhas, antes dele comandadas pelo marechal d’Estrées, deslocado para a Bretanha, e também lhe conseguiu o bastão de marechal, tarefa fácil porque o rei continuava a ter por ele estima e amizade. A sua promoção, muito tardia, foi por todos aplaudida.»

Chamilly morreu em Janeiro de 1715, com setenta e nove anos.

Quanto aos Alcoforado, tinham uma tradição nobiliárquica que antecedia a formação do reino. Diz-se que a um tal Pedro Martins, que viveu no reinado de Afonso II e se encharcava em perfumes, foi posta a alcunha de «Alcanforado», um nome que a corrupção transformou em Alcoforado.

Os Alcoforado espalharam-se por diversas casas, muitas no norte do país, e o seu escudo foi adoptado com notório orgulho pelo ramo de Beja. Uma destacada figura destes Alcoforado de Beja era Baltazar Vaz, ex-capitão em guerras da Itália e da Flandres, que regressou a Portugal em 1596, no tempo de Filipe I. O seu terceiro filho, Francisco da Costa Alcoforado, surge nos primeiros tempos da Restauração como fidalgo de excelentes relações, ligado a importantes actos administrativos e políticos da região de Beja. Teve no seu fértil casamento oito filhos, entre eles três raparigas.

Uma destas raparigas, a do meio, a que viria a ser conhecida como a Mariana das Cartas, nasceu em Beja no ano 1640 e foi internada com doze anos no Convento da Conceição, que albergava cento e vinte freiras professas e mais de vinte noviças. Aos dezasseis anos já era, ela própria, uma muito jovem professa; e aos vinte e três teve a incumbência de cuidar e catequizar uma irmã sua, apenas com três anos, que se destinava por toda uma vida às

penumbras do convento e a ser, sem mais alternativa, a madre que aparecerá nos registos conventuais como Maria Peregrina Alcoforado. Como morreu aos oitenta e dois anos, teve bem contados setenta e nove de clausura.

Mariana, ao contrário da sua irmã, teve uma vida conventual com um intermédio de dois anos tocado por prazeres mundanos. A sua infância tinha sido vivida na cidade de Beja, não muito distante da fronteira espanhola e incomodada com frequência por uns vizinhos que não se conformavam, de escaramuça em escaramuça, com a audácia revolucionária de 1640, a que tinha libertado o povo português de cinquenta e nove anos de domínio castelhano.

Chamilly, garante a maior das probabilidades, chegou a Portugal em 1663 e a sua permanência neste país prolongou-se até aos finais de 1667. Teria passado os primeiros anos desta defesa militar mais perto da fronteira, nas imediações de Badajoz, mas em 1665 recebeu de Schomberg o encargo de organizar um regimento de cavalaria de dois mil homens a cavalo e outros tantos de infantaria, que acampava em Serpa, a trinta quilómetros de Beja. Também se sabe que uma nova expedição foi destacada para Beja, e a ela pertencia Baltazar Vaz Alcoforado, irmão de Mariana.

A religião católica estava nessa época ferida por desenvolturas mundanas e cheia de maus exemplos saídos de um Vaticano com representantes de Deus tocados por uma indesmentível vocação libertina. E não era raro que a clausura dos conventos, incentivada por tão grandes licenças, fosse condescendente e até chegasse, como sucedeu nalguns casos, a albergue ideal para travestidas amantes do rei. O Convento da Conceição, dotado de muitas celas pes-

soais e até isoladas do corpo central, fechava os olhos a facilidades contrárias à sua regra e abrandava a vigilância — um privilégio que frei Caetano do Vencimento, cheio de boa vontade, associou num escrito seu a devotas que «aspiravam à heróica empresa de viverem só com o seu Amado, totalmente abstraídas do comércio das Criaturas». Em 1705 outro frei, Fernando da Soledade, também falou e com mais pormenor deste Convento da Conceição nos tempos em que albergava Mariana: «Não lhe deu comodidade para hortas, pomares ou jardins a vizinhança das ruas; mas a grandeza da casa, repartida para diferentes usos em quartos multiplicados e todos muito perfeitos, representa um paraíso alegre, no qual recreando-se os olhos, respiram juntamente os corações apertados. […] Ainda nos tempos presentes, segundo nos afirmam pessoas de inteiro crédito, manifesta o que foi sempre na forma dos locutórios, na cautela em todas as partes públicas, nas Matinas à meia-noite e nas obrigações que satisfazem como devem. Estando toda a Casa cercada de muros altos, sem hortas nem cerca que possam divertir com algum desafogo, sempre fizeram capricho de não consentir que se edificasse um miradouro de onde os olhos, vagueando pelas cousas terrenas, talvez poderiam desviar as almas das delícias celestes.»

Mas Mariana desviou-os das delícias celestes oferecidas pelo Divino Esposo, contrariando esta certeza de frei António de Almada: «A virtude da castidade parecia ter pureza de Anjo, porque nunca a tentação se atreveu a uma carne que lograva privilégio de espírito.» Mariana já tinha vinte e cinco anos. «Era uma mulher moça, provavelmente formosa», diz Luciano Cordeiro no seu livro, «na plena maturação do organismo, do temperamento,

da inteligência; filha de uma raça forte e sadia, de sentimentos e prosápias fidalgas; nascida e criada no meio do bulício da guerra; respirando desde o berço a atmosfera de poderosa actividade e de ancestral prestígio do pai […]»; este conjunto de factos eram bom caminho para ela ceder sensualmente ao oficial francês. Eu era moça, era crédula, diz a sua Quinta Carta, tinham-me encerrado desde criança neste convento, não vira senão gente desagradável, nunca ouvira as lisonjas que o senhor constantemente me dizia; parecia-me dever-lhe os atractivos e a beleza que me achava, e em que me fazia reparar; ouvia dizer bem de si, toda a gente me falava em seu abono… e o senhor tudo fazia para me despertar amor.

O francês com trinta anos (só mais velho quatro anos do que ela) frequentou o locutório do convento; seduziu — com palavras cheias de eficácia, com um corpo que a actividade militar levava à perfeição — a rapariga mal oculta pelos votos de uma freira com duvidosa vocação religiosa; chegou aos poucos à intimidade da cela e, para utilizarmos a linguagem de frei Jerónimo de Belém, num dia mais fogoso apagou-lhe as chamas do «incêndio». Na Quarta Carta Mariana refere-se ao funesto excesso das minhas delícias e confirma: Mas entregava-me toda a ti, meu amor, e não me achava em condição de cuidar no que teria de envenenar o meu contentamento quando gostava plenamente as mostras ardentes da tua paixão.

É provável que Chamilly, depois de um período em que olhou com mais despreocupação para a sua aventura amorosa com Mariana, tenha começado a retrair-se. Se houvesse uma denúncia que o apontasse como violador de uma religiosa, para

mais filha de uma respeitada família de Beja, pouco peso teria a sua condição de oficial francês e a protecção de Schomberg. Em 1667 invocou o pretexto de servir Luís XIV numa nova campanha, e de ter recebido a este respeito uma carta da sua família. Lê-se na Segunda Carta:

Mas quiseste aproveitar os primeiros pretextos que se ofereciam para voltares a França.

Partia um navio. Por que não o deixaste partir?

Escrevera-te a família.

Não sabes tu as perseguições que sofri dos meus?

Nesse ano Luís XIV e Turenne faziam a invasão da Flandres. Era uma ocasião excelente para ele regressar ao exército francês.

As cartas de Mariana informam-nos de que o oficial francês lhe escreveu algumas, frias e curtas, e através delas percebeu que ele não regressaria a Portugal. Em 1667 casava-se com Élisabeth du Bouchet, e em 20 de Setembro de 1668 já ele partia para a expedição de Cândia.

À desolada Mariana foi confiado o cargo de porteira do convento, que talvez a distraísse dos maus efeitos da sua obsessão, tarefa menos nobre e pouco previsível numa religiosa pertencente a uma família tão conceituada e com uma antiguidade de dezasseis anos na condição de freira.

Mariana envelheceu sem outra história além da que relata as suas «contínuas enfermidades» e a progressão de uma «ascese devota», cheia de penitências que se contrapunham às delícias do «incêndio», de uma vertigem dos sentidos que o oficial francês regularmente lhe acalmava. Quando sentiu a morte próxima «pediu todos os sacramentos», confirma Antónia Sofia Baptista de Almeida, a escrivã do

convento, «os quais recebeu em seu juízo perfeito, e assim acabou com sinais de predestinada, falando até à última hora.»

Mariana Alcoforado ficou ligada a um grande e trágico romance de amor, vivido e sublimado em setenta e dois anos de clausura. Escreveu em cinco cartas um poema da decepção amorosa, da servidão da carne, com pena de muitos roubado à literatura portuguesa, à qual nunca pertenceu.

A. F.

CARTAS PORTUGUESAS

Soror Mariana Alcoforado, gravura em cobre de Coster (1716)

PRIMEIRA CARTA

Considera, meu amor, como foste excessivamente descuidado!

Ai, mal-aventurado! — Traíram-te esperanças fementidas e com elas me enganaste.

Uma paixão em que bordavas tantos deleitosos projectos só pode dar-te agora um mortal desespero, apenas comparável à crueldade desta ausência.

E há-de este desterro, para o qual todo o requinte da minha dor não acha um nome assaz funesto, privar-me para sempre de embeber-me nesses olhos em que via tanto amor e que me fizeram conhecer enlevos que me enchiam de contentamento, que eram tudo para mim, que enfim me afastavam da vida?

Os meus olhos é que perderam nos teus a única luz que os animava. Só lhes restam lágrimas, nem eu lhes tenho dado outro emprego senão o de chorar continuamente desde que soube que estavas resolvido a um apartamento, para mim tão insuportável, que cedo me fará morrer.

E contudo parece-me que tenho o quer que seja de enamorado apego às mágoas de que tu só és a causa.

Consagrei-te a vida, desde que em ti descansaram os meus olhos, e sinto em sacrificar-ta um místico prazer.

Mil vezes ao dia te procuram meus cansados suspiros e não me trazem, os tristes, outro alívio a tantas tribulações do que o aviso cruamente sincero da minha desventura que me não consente uma esperança e me repete a todos os instantes: — «Deixa, deixa de consumir-te em vão, infeliz Mariana! Deixa de anelar um amado que não tornarás a ver, que passou o mar para te fugir, que está em França no meio dos prazeres, que não pensa um momento nas tuas penas, que te dispensa de todos estes transportes, que nem sabe agradecer-tos.»

Mas não.

Não posso resolver-me a cuidar tão mal de ti. Sou muito interessada em justificar-te. Nem quero imaginar que me tenhas esquecido!…

Não sou eu já bem desgraçada em me torturar com falsas suspeitas?

Por que hei-de esforçar-me em apagar da memória todos os desvelos com que te esmeravas em me provar amor?

Ai, tanto me deleitaram eles, que bem ingrata fora se não te amasse ainda com os mesmos arroubamentos em que a minha paixão me enlevava quando lograva os testemunhos da tua.

Como é possível que lembranças de tão doces momentos se tenham tornado tão amargas? E que, contra toda a natureza, sirvam somente agora para dilacerar-me o coração?

Pobre dele! A tua última carta pô-lo num estado singular: tais saltos me dava no peito, que me parecia forcejar por arrancar-me de mim e voar para ti.

Tão quebrantada fiquei de todas estas moções violentas, que por mais de três horas estive de todo alienada dos sentidos.

Era como se me defendesse de voltar à vida que devo perder por ti, já que para ti a não posso conservar.

Com bem pesar tornei a mim.

Regalava-me sentir que morria de amor; e sentia-me bem, finalmente, por ver cessar de flagelar-me a alma a dor da tua ausência.

Depois destes abalos tenho sofrido muitas enfermidades, mas posso eu viver sem males em tanto que não te vir?

Suporto-os sem murmurar, pois que de ti provêm.

Coitada de mim! É esta a recompensa que me dás de te haver tão carinhosamente amado?

Não importa.

Estou decidida a adorar-te toda a vida e a não querer a mais ninguém.

Digo-te que farás bem, igualmente, em não amar outra.

Porventura poderia contentar-te uma paixão menos ardente do que a minha?

Encontrarias talvez mais formosura — e contudo dizias-me outrora que eu era bonita — mas não encontrarias nunca tanto amor… e tudo o mais é nada.

Não enchas as tuas cartas de coisas inúteis, e não me digas mais que me lembre de ti.

Eu não posso esquecer-te e não me esqueço tão pouco de que me fizeste esperar que virias passar algum tempo comigo.

Ai, por que não queres tu passar comigo toda a tua vida?

Pudesse eu sair deste aborrecido convento, que não esperaria em Portugal, não, que se cumprissem as tuas promessas!…

QUINTA CARTA

Escrevo-lhe pela última vez e espero fazer-lhe perceber, na diferença dos termos e na maneira desta carta, que logrou convencer-me, finalmente, de que não me amava já, e que assim também devo deixar de o amar.

Enviar-lhe-ei, pois, pelo primeiro portador que haja, quanto de si me resta.

Não receie que lhe torne a escrever.

Nem serei eu quem escreva o seu nome na encomenda.

Encarreguei de tudo Dona Brites.

A bem diferentes confidências a habituara eu…

Os cuidados dela ser-me-hão menos suspeitos do que os meus.

Ela tomará as precauções necessárias para que eu fique certa de que o senhor recebeu o retrato e as pulseiras que me dera.

Quero porém que saiba que me sinto há dias perfeitamente disposta a queimar e a despedaçar todos os penhores do seu amor, que tão queridos me eram.

Tenho-lhe revelado tanta franqueza, que naturalmente não acreditara que eu pudesse tornar-me capaz desse extremo, não é verdade?

Prefiro pois gostar toda a pena que tive em separar-me deles e fazer-lhe sentir, ao menos, este pequeno despeito.

Confesso-lhe, para vergonha minha e sua, que me achei mais presa do que quero contar-lhe a estas bagatelas, e que senti que me eram novamente preciosas todas as minhas reflexões para me separar de cada objecto, quando mesmo me comprazia de não me importar já consigo.

Mas, em suma, com tão boas razões como as que lhe devo consegue-se sempre chegar ao cabo do que se quer…

Pus tudo nas mãos de Dona Brites. Quantas lágrimas me custou isto!…

Depois de mil penas e mil contradições que não imagina, e de que certamente não lhe darei conta, exorei desta que não me falasse mais naqueles objectos, que mos não tornasse a dar, ainda que eu lhe pedisse para os contemplar outra vez e que, enfim, lhos enviasse sem me prevenir sequer.

Não conheci bem o excesso do meu amor senão quando quis empregar todas as diligências para me curar dele, e creio que nem ousaria tentá-lo se tivesse podido prever tantas dificuldades e tamanha violência.

Estou convencida que sentiria moções menos penosas amando-o, ingrato como é, do que deixando-o para sempre.

Vi que me era menos caro do que a minha paixão, e tive mágoas desconformes em combatê-la depois ainda que os ruins procedimentos do senhor o tornaram para mim odioso.

O orgulho natural do meu sexo não me ajudou a tomar quaisquer resoluções contra si.

Triste de mim!

Sofri os seus desprezos; houvera suportado a sua aversão; devorara comigo o ciúme que me tivesse inspirado a sua afeição por outra.

Ao menos sentir-me-ia afrontada por um sentimento vivo!…

Mas a sua indiferença é-me insuportável.

Os seus impertinentes protestos de amizade e as ridículas finezas da sua última carta fizeram-me ver que o senhor recebera todas as que lhe escrevi e que nenhuma impressão lhe causaram.

E… leu-as…

Ingrato!

Muito doida sou em amofinar-me ainda, por não poder regozijar-me de que não lhe tivessem chegado às mãos; de que não lhas tivessem entregues!

Abomino a sua franqueza.

Pedi-lhe porventura que me dissesse sinceramente a verdade?

Por que não havia de deixar-me a minha paixão?

Bastava que me não escrevesse.

Não me era suficiente a desgraça de não ter podido obrigá-lo a ter algum trabalho em enganar-me… e de já não poder desculpá-lo?…

Saiba que me convenço de que é indigno de todos os meus sofrimentos, e que agora conheço todas as suas ruins qualidades.

Mas se quanto fiz pelo senhor pode merecer-lhe que tenha alguma consideração pelos favores que lhe peça, imploro-lhe que não torne a escrever-me e que me ajude a esquecê-lo inteiramente.

Se mostrasse, frouxamente que fosse, que tivera algum pesar em ler esta carta… poderia talvez acreditá-lo!…

Talvez também a sua confissão e o seu contrito abalo me fizessem pena e me incitassem… e tudo poderia inflamar-me de novo.

Por piedade lhe peço que não se importe com a minha vida. Destruiria, sem dúvida, todos os meus projectos de qualquer forma que quisesse intrometer-se nela.

Não quero saber o resultado desta carta. Não perturbe o estado que me preparo.

Perece-me que pode dar-se por satisfeito com os males que me causou, fosse qual fosse o intento que formara de me desgraçar.

Não me arranque à minha incerteza. Espero fazer dela, com o tempo, alguma coisa parecida com a paz do coração.

Prometo-lhe não o odiar. Desconfio muito de sentimentos violentos, para que me aventure a esse.

Não duvido de que encontrasse nesta terra um amado mais fiel… mas quem pudera fazer-me amar?

Pudera acaso enlevar-me a paixão de outro homem? Que pôde o senhor na minha?…

Não experimentei já que um coração amante nunca pode esquecer o que primeiro lhe revelou os transportes de que era susceptível e que não conhecia? — Que todas as suas íntimas moções ficam enleadas no ídolo que para si criou? — Que as suas primeiras ideias e que as suas primeiras feridas não podem curar-se e esquecer? — Que todas as paixões que se ofereçam em meu socorro, e que forcejam por enchê-lo e reanimá-lo, lhe

prometem vãmente uma sensibilidade que ele não pode reaver mais? — Que todas as deleitações que busca, sem nenhum desejo de as encontrar, servem apenas para fazer-lhe sentir profundamente que nada é tão caro como a lembrança das suas penas?

Por que me fez conhecer a imperfeição e os amargores de um afecto que não deve durar eternamente, e os tormentos que acompanham um amor violento, quando não é recíproco?

E por que é que uma inclinação cega e um destino cruel se afervoram de ordinário em determinar-nos por aqueles que só a outras seriam sensíveis?

Quando mesmo pudesse esperar qualquer recriação em novas relações, e que encontrasse um coração leal que me quisesse, tenho tanto dó de mim própria que nem sentiria grandes escrúpulos em lançar o homem mais ínfimo no estado a que o senhor me reduziu…

E embora não tenha que lhe guardar respeitos, não poderia resolver-me a uma desforra tão crua, quando mesmo ela dependesse de mim, por uma mudança que não prevejo.

Procuro neste momento desculpá-lo, e compreendo bem que uma freira não é nada amável, de ordinário.

Parece-me, contudo, que se os homens pudessem ter mão na razão quando escolhem os seus amores, mais se inclinariam a elas do que às outras mulheres.

Nada as impede de pensar incessantemente na sua paixão; não as distraem mil coisas que no século absorvem e consomem os corações.

Quer-me parecer que não será muito agradável ver as amadas sempre distraídas por mil frivolidades, e é preciso ter

bem pouca delicadeza de alma para sofrer sem raiva que elas não falem senão de reuniões, de atavios, de passeios.

Está-se sem cessar exposto a novos ciúmes porque, enfim, elas são obrigadas a atenções, a complacências, a conversas com todos.

Quem pode assegurar que não sintam prazer algum em todos esses lances ou que sofram sempre, desgostosas e de má vontade, os maridos?!…

Ah! Como elas devem também desconfiar de um amante que não lhes toma conta rigorosa de tudo, e que acredita facilmente e sem inquietação o que lhes dizem — que tranquila e confiadamente as vê sujeitas a todos aqueles deveres da sociedade!

Mas não intento provar-lhe com boas razões que deveria amar-me. Péssimos meios são, e bem melhores empreguei eu que não me aproveitaram!…

Conheço muito bem o meu destino, para diligenciar vencê-lo.

Serei infeliz toda a minha vida.

Não o era já quando todos os dias o via?

Morria de susto de que não me fosse fiel.

Queria vê-lo todos os momentos, e não era possível.

Atribulava-me o perigo que o senhor corria entrando no convento.

Não vivia quando estava na guerra.

Desesperava-me por não ser mais formosa e mais digna do senhor.

Murmurava da modéstia da minha condição.

Receava muitas vezes que a afeição que parecia ter por mim pudesse de algum modo prejudicá-lo.

Parecia-me que o não amava bastante.

Atemorizava-me, por si, a cólera dos meus parentes.

Estava, enfim, num estado tão lamentoso como aquele em que hoje vivo.

Se me tivesse dado algumas provas da sua paixão, depois que se foi de Portugal, teria eu feito todos os esforços por sair daqui.

Ter-me-ia disfarçado para ir ter com o senhor.

Ai, que teria sido de mim se não se tivesse importado comigo quando eu chegasse a França!…

Que escândalo! Que desatino! Que cúmulo de vergonha para a minha família que me é tão cara depois que o não amo, ao senhor!

Já vê que a sangue frio conheço como era possível ser ainda mais desgraçada do que me fez!

Falo-lhe razoavelmente; ao menos uma vez na vida.

Como deve agradar-lhe esta moderação!…

Como deve agora ficar contente comigo!…

Não quero sabê-lo.

Pedi-lhe já que não me escreva, e peço-lho outra vez.

Nunca consideraria, um pouco, na maneira por que me tratou?…

Não pensaria nunca em que me deve mais obrigações do que a ninguém no mundo?

Amei-o doidamente.

Como desprezei tudo!…

O seu procedimento não é de um homem de bem.

É preciso que tivesse por mim uma aversão natural, para que não me amasse perdidamente.

Deixei-me fascinar por bem somenas qualidades.

Que fizera o senhor que devesse encantar-me?

Que sacrifícios praticou por mim?

Não procurava mil outros prazeres?

Renunciou, acaso, ao jogo e à caça?

Não era o primeiro a partir para a guerra e não era o último a voltar dela?

Expunha-se loucamente, por mais que eu lhe tivesse pedido que por amor de mim se poupasse.

Não procurou os meios de ficar em Portugal, onde era estimado.

Uma carta de seu irmão fê-lo partir, sem hesitar um momento.

E não soube eu que durante a viagem conservou a melhor disposição do mundo?

É forçoso confessar que devia odiá-lo mortalmente.

Ai, fui eu, bem sei, que sobre mim atraí todas estas desgraças!…

Costumei-o logo a uma grande paixão, com excessiva ingenuidade, e é necessário artifício para nos fazermos amar!

É necessário procurar com jeito os meios de inflamar; — o amor, por si apenas, não gera o amor.

O senhor fez melhor: — queria que eu o amasse; e como formara este desígnio nada haveria que não fizesse por consegui-lo.

Ter-se-ia até resolvido a amar-me se tivesse precisado disso!…

Mas reconheceu bem que podia vencer esta empresa sem paixão, e que não tinha necessidade dela.

Que perfídia!

Julgou então que havia de impunemente enganar-me?

Pois se algum acaso o trouxer de novo a esta terra, declaro-lhe que o entregarei à vingança dos meus parentes.

Vivi longamente num abandono e numa idolatria que me fez horror, e os meus remorsos perseguem-me com um furor insuportável.

Sinto vivamente a vergonha dos delitos que o senhor me fez cometer; e não tenho, ai de mim!, a paixão que me impedia de conhecer-lhes a enormidade!

Quando será que o meu coração deixará de ser dilacerado?

Quando será que me verei livre deste tormento cruel?

E contudo creia que não lhe desejo mal, ao senhor, e que me resolveria a consentir que fosse feliz.

Mas se tem uma alma bem formada, como o poderá ser?

Quero escrever-lhe outra carta para lhe mostrar que estarei talvez mais tranquila dentro em pouco.

Como hei-de regalar-me em poder lançar-lhe em rosto o seu procedimento injusto, quando ele me não mortificar já tão vivamente; em lhe mostrar que o desprezo; que falo com profunda indiferença da sua traição; que esqueci todos os meus prazeres e todas as minhas dores, e que não me lembro do senhor, senão… quando quero lembrar-me!

Reconheço que me leva grandes vantagens e que me fez uma paixão que me enlouqueceu; — mas, também, pouco deve envaidecer-se por isso.

Eu era moça, era crédula, tinham-me encerrado desde criança neste convento; não vira senão gente desagradável; nunca ouvira as lisonjas que o senhor constantemente me dizia; parecia-me dever-lhe os atractivos e a beleza que me achava, e em que me fazia reparar; ouvia dizer bem de si; toda a gente me falava em seu abono… e o senhor tudo fazia para me despertar amor.

Mas, enfim, tornei a mim deste encantamento; grandes auxílios me deu para isso, e confesso-lhe que tinha deles uma extrema necessidade.

Devolvendo-lhe as suas cartas, conservarei cuidadosamente as duas últimas que me escreveu e hei-de relê-las mais ainda do que li as primeiras, para não tornar a recair nas minhas fraquezas. Ai, como estas me custam caras, e como eu seria feliz se o senhor tivesse consentido em que continuasse a amá-lo!

Sei, certo, que me ocupo demais ainda com as minhas queixas e com a sua infidelidade; lembre-se, porém, que a mim própria prometi um estado mais tranquilo e que hei-de consegui-lo, ou tomarei contra mim uma resolução desesperada que poderá saber sem grande pesar!…

Mas nada mais quero do senhor.

Sou uma doida em repetir as mesmas coisas tantas vezes.

É mister que o deixe e que não pense mais em si.

Creio até que não tornarei a escrever-lhe.

Tenho alguma obrigação de lhe dar conta da minha vida?

COLECÇÃO SISTEMA SOLAR

Os génios, seguido de Exemplos, Victor Hugo

O senhor de Bougrelon, Jean Lorrain

No sentido da noite, Jean Genet

Com os loucos, Albert Londres

Os manuscritos de Aspern (versão de 1888), Henry James

O romance de Tristão e Isolda, Joseph Bédier

A freira no subterrâneo, com o português de Camilo Castelo Branco

Paul Cézanne, Élie Faure, seguido de O que ele me disse…, Joachim Gasquet

David Golder, Irene Nemirowsky

As lágrimas de Eros, George Bataille

As lojas de canela, Bruno Schulz

O mentiroso, Henry James

As mamas de Tirésias – drama surrealista em dois actos e um prólogo, Guillaume Apollinaire

Amor de perdição, Camilo Castelo Branco

Judeus errantes, Joseph Roth

A mulher que fugiu a cavalo, D.H. Lawrence

Porgy e Bess, DuBose Heyward

O aperto do parafuso, Henry James

Bruges-a-Morta – romance, Georges Rodenbach

Billy Budd, marinheiro (uma narrativa no interior), Herman Melville

Histórias da areia, Isabelle Eberhardt

O Lazarilho de Tormes, anónimo do século XVI e H. de Luna

Autobiografia, Thomas Bernhard

Bubu de Montparnasse, Charles-Louis Philippe

Greco ou O segredo de Toledo, Maurice Barrès

Cinco histórias de luz e sombra, Edith Wharton

Dicionário filosófico, Voltaire

A Papisa Joana – segundo o texto de Alfred Jarry, Emmanuel Rhoides

Bom Crioulo, Adolfo Caminha

O meu corpo e eu, René Crevel

Manon Lescaut, Padre Prévost

O duelo, Joseph Conrad

A felicidade dos tristes, Luc Dietrich

Inferno, August Strindberg

Um milhão conta redonda ou Lemuel Pitkin a desmantelar-se, Nathanael West

Freya das sete ilhas, Joseph Conrad

O nascimento da arte, Georges Bataille

Os ombros da marquesa, Émile Zola

O livro branco, Jean Cocteau

Verdes moradas, W.H. Hudson

A guerra do fogo, J.-H. Rosny Aîné

Hamlet-Rei (Luís II da Baviera), Guy de Pourtalès

Messalina, Alfred Jarry

O capitão Veneno, Pedro Antonio Alarcón

Dona Guidinha do Poço, Manoel de Oliveira Paiva

Visão invisível, Jean Cocteau

A liberdade ou o amor, Robert Desnos

A maçã de Cézanne… e eu, D.H. Lawrence

O fogo-fátuo, Drieu la Rochelle

Memórias íntimas e confissões de um pecador justificado, James Hogg

Histórias aquáticas – O parceiro secreto, A laguna, Mocidade, Joseph Conrad

O homem que falou (Un de Baumugnes), Jean Giono

O dicionário do diabo, Ambrose Bierce

A viúva do enforcado, Camilo Castelo Branco

O caso Kurílov, Irène Némirowsky

Nova Safo – tragédia estranha, Visconde de Vila-Moura

A costa de Falesá, Robert Louis Stevenson

Gaspar da Noite – fantasias à maneira de Rembrandt e Callot, Aloysius Bertrand

Rimbaud-Verlaine, o estranho casal

O rato da América, Jacques Lanzmann

As amantes de Dom João V, Alberto Pimentel

Os cavalos de Abdera e mais forças estranhas, Leopoldo Lugones

Preceptores – Gabrielle de Bergerac seguido de O discípulo, Henry James

O Cântico dos Cânticos – traduzido do hebreu com um estudo

sobre o plano a idade e o carácter do poema, Ernest Renan

Derborence, Charles Ferdinand Ramuz

O farol de amor, Rachilde

Diário de um fuzilado, precedido de Palavras de um fumador de ópio, Jules Boissière

A minha vida, Isadora Duncan

Rakhil, Isabelle Eberhardt

Fuga sem fim, Joseph Roth

O castelo do homem ancorado, Joris-Karl Huysmans

Tufão, Joseph Conrad

Heliogábalo ou o anarquista coroado, Antonin Artaud

Van Gogh o suicidado da sociedade, Antonin Artaud

Eu, Antonin Artaud

A morte difícil, René Crevel

A lenda do santo bebedor seguido de O Leviatã, Joseph Roth

O Chancellor (Diário do passageiro J.R. Kazallon), Jules Verne

Orunoko ou o escravo real (uma história verídica), Aphra Behn

As Portas do Paraíso, Jerzy Andrzejewski

Tirano Banderas (novela de Terra Quente), Ramón del Valle-Inclán

Cáustico Lunar seguido de Ghostkeeper, Malcolm Lowry

Balkis (A lenda num café), Gérard de Nerval

Diálogos das carmelitas, Georges Bernanos

O estranho animal do Vaccarès, Joseph d’Arbaud

Riso vermelho – fragmentos encontrados de um manuscrito, Leonid Andreiev

A morte da terra, J.-H. Rosny Aîné

Nossa Senhora dos Ratos, Rachilde

O colóquio dos cães incluído no Casamento enganoso, Miguel de Cervantes

Entre a espada e a parede, Tristan Bernard

A vida de Rembrandt (história a ir para onde lhe dá), Kees van Dongen

Os meus Oscar Wilde, André Gide

As aventuras de uma negrinha à procura de Deus, George Bernard Shaw

Meu irmão feminino – «Noites Florentinas», Marina Tsvietaieva

Jean-Luc perseguido, Charles Ferdinand Ramuz

O filho de duas mães, Edith Wharton

A armadilha, Emmanuel Bove

Um jardim na margem do Orontes, Maurice Barrès

Erotika Biblion, Conde de Mirabeau

A minha amiga Nane, Paul-Jean Toulet

Paludes, André Gide

O bar dos dois caminhos, Gilbert de Voisins

Sol, D.H. Lawrence

Cagliostro, Vicente Huidobro

As magias do Ceilão, Francis de Croisset

Má sorte que ela fosse puta, John Ford

Chita – uma memória da Ilha do Fim, Lafcadio Hearn

A mulher 100 cabeças, Max Ernst

A dificuldade de ser, Jean Cocteau

O duplo Rimbaud (com um preâmbulo de Benjamin Fondane), Victor Segalen

A vida apaixonada da grande Catarina, Princesa Lucien Murat

Casa de incesto, Anaïs Nin

Morte de Judas seguido de O ponto de vista de Pôncio Pilatos, Paul Claudel

Os domingos de Jean Dézert seguido de contos, Jean de la Ville de Mirmont

Ser ou não ser – Três histórias, Honoré de Balzac

Babilónia, René Crevel

O encontro (uma história incerta), Henri de Régnier

Carmilla, Sheridan Le Fanu

Mulheres na vida, Guy de Maupassant

O plantador de Malata, Joseph Conrad

A mandrágora, Jean Lorrain

A biografia de Vénus, deusa do amor, Francis de Miomandre

Viagem ao país dos Tarahumaras, Antonin Artaud

O nevoeiro de 26 de Outubro e outras lições de abismo, Maurice Renard

Salomé, Salomés…, Gustave Flaubert, Oscar Wilde, Guillaume Apollinaire e ainda Mário de Sá-Carneiro, Eugénio de Castro, Fernando Pessoa

Battling Malone, pugilista, Louis Hémon

Kyra Kyralina, Panait Istrati

Codine, Panait Istrati

Carmen seguido de Lokis, Prosper Mérimée

Jésus-la-Caille, Francis Carco

Don Juan da Inglaterra ou o sonho de Lord Byron, Guillaume Apollinaire

O concílio de amor – Uma tragédia celeste, Oskar Panizza

Coração das trevas, Joseph Conrad

Moscardino, Enrico Pea

Do andrógino – Teoria plástica, Joséphin Péladan

Além, J.-K. Huysmans

Urika ou A jovem negra, Madame de Duras

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