LIVROS PUBLICADOS
Sequência
Ameríndias: performances do cinema indígena no Brasil, AA.VV., seleção de textos de Rita Natálio, Rodrigo Lacerda, Susana de Matos Viegas
Matchundadi: género, performance e violência política na Guiné-Bissau, Joacine Katar Moreira, prefácio de Pedro Vasconcelos
Esferas da Insurreição: notas para uma vida não chulada, Suely Rolnik, prefácio de Paul B. Preciado
O Desensino da Arte: projecto de uma Escola Ideal, Maria Sequeira Mendes, Marta Cordeiro, Marisa F. Falcón
Coisas de Theatro e Loisas de Theatro, Sousa Basto, Santos Gonçalves, prefácio de André e. Teodósio, prelúdio de Paula Gomes Magalhães
Uma Coisa Não É Outra Coisa: teatro e literatura, José Maria Vieira Mendes
Recordações d’uma Colonial (Memorias da preta Fernanda), A. Totta & F. Machado, introdução de Pedro Schacht Pereira, epílogo de Inocência Mata
A ideia é nossa! (Arte, filosofia e mundo), AA.VV., organização de André Barata, André e. Teodósio, José Maria Vieira Mendes
A Construção Sonora de Moçambique 1974-1994, Marco Roque de Freitas, prefácio de Nataniel Ngomane
Série
Curta introdução a um catálogo sem autor, Anónimo, prefácio de Cyriaque Villemaux
Impasse, João Pedro Vale, Nuno Alexandre Ferreira, Diogo Bento, introdução de André e. Teodósio
Anda, Diana, Diana Niepce, prefácio de André e. Teodósio, J.M. Vieira Mendes
Delirar a Anatomia, Partituras-Poemas de Ana Rita Teodoro + (des)léxico para A.A. de Joana Levi
a body as listening – resonant cartography of music (im)materialities, Joana Sá
#aseriesofprotectivestyles, Vol. I. A Coroa, Petra.Preta
Sequência
coleção dirigida por André e. Teodósio e José Maria Vieira Mendes
«ed._________» resulta da colaboração da editora Sistema Solar com o Teatro Praga. Esta chancela é composta por duas coleções. A coleção «Série» divulga o património imaterial das artes performativas contemporâneas. A coleção «Sequência» organiza-se em livros temáticos oriundos de diversas disciplinas, que ofereçam uma reflexão sobre sistemas de poder e protesto na atualidade. Pretende-se assim colmatar a ausência, no panorama editorial português, de uma bibliografia regular e consistente dedicada às artes performativas, bem como pensar o mundo e a história com recurso a disciplinas estéticas, filosóficas e políticas.
Páginasda minha vida
CarmendeBrito(Madame Britton)
Carmen de Brito (Madame Britton)
PÁGINAS DA MINHA VIDA
introdução e cronologia de Daniel Tércio
I ntrodução DanielTércio
Carmen de Brito: dança, viagens e lágrimas
Daniel Tércio
Em Páginas da Minha Vida, a autora Carmen de Brito duplica-se autobiograficamente como Madame Britton, aplicando ao apelido Brito, que recebera do marido, uma conveniente sonoridade britânica. O livro desvenda justamente essa heteronomia registando os dois nomes na capa. Além da data da edição (1964), não existem muitas outras informações técnicas. Desconhecemos a tiragem, bem como a autoria das fotografias. Na última página ficamos a saber que a obra foi composta e impressa nas oficinas gráficas dos irmãos Bertrand. A fluidez do texto, de toada diarista, a que porventura faltou uma revisão técnica profissional, aponta para uma edição de autor com uma distribuição possivelmente assegurada através de ofertas a amigos e a gente influente na intelectualidade e artes do Estado Novo. O título e o estilo da escrita lembram, quase obrigatoriamente, o livro de Isadora Duncan, Ma vie. Isto mesmo faz notar José Estêvão Sasportes, que atribui a Carmen de Brito «temperamento duncaniano» (Sasportes: 328). Mas, na verdade, é hoje difícil identificar Carmen de Brito com o ideal de uma dança consonante com os ritmos da natureza e da mulher livre que Duncan cultivou. Quando muito, pode adivinhar-se em Carmen um gosto pela cultura grega, pelo menos na escolha das túnicas com que vestia as suas jovens alunas. Por outro lado, mesmo considerando que entre a publicação de Ma vie e a publicação das Páginas da Minha Vida distam mais de trinta anos, dá-se a coincidência de ter sido em 1928 que o livro de Duncan saiu à estampa pelas edições Gallimard, em Paris, e em Portugal as alunas de Madame Britton foram intérpretes do filme de António Lopes Ribeiro Bailando ao Sol, rodado no jardim das Laranjeiras.
A rodagem deste filme ficaria documentada na revista Imagem, que lhe dedica a capa do número de verão desse ano, ao mesmo tempo que, no periódico De Cinema: Revista Mensal Ilustrada, Aurélio Rodrigues dirigia uma crítica feroz à pessoa do realizador António Ribeiro, declarando, entre outros apontamentos ácidos, que «ao mover-se sobre o círculo formado pelas dançarinas, (a câmara) nos apresenta um movimento tão rápido que a obturação da máquina não consegue registar, dando-nos o mesmo objecto com três, quatro ou cinco imagens
Introdução: Carmen de Brito: dança, viagens e lágrimas ao mesmo tempo». Lamentavelmente, um incêndio, daqueles que por vezes consumiam implacavelmente as películas desse tempo, impediria que as imagens em movimento ficassem para a posteridade. Se a fita tivesse sobrevivido, seria agora mais fácil identificar o tipo de movimentos e as ideias de composição coreográfica de Madame Britton.
É ainda desse ano de 1928 a reportagem fotográfica de Salazar Diniz com texto de Chianca de Garcia, publicada na revista Civilização, sob o título «Ritmos da Grécia em Jardins de Portugal». Aqui sim, tem o leitor o vislumbre das opções estéticas da senhora Britton, apresentada como professora de ginástica rítmica e dança. Na verdade, no livro que agora se republica ela registaria ter sido quatro anos antes, em 1924, que abriu em Lisboa a sua Escola de Arte Coreográfica onde introduzira a ginástica rítmica em Portugal, como cultura física feminina (Brito: 48). Até que surjam novas fontes documentais (caso existam), não é possível saber em que lugar e momento obteve ela competências em ginástica rítmica. Sabemos apenas, a partir das informações registadas no seu livro, que, entre 1912 e 1914, viajou pela Europa, que durante a Primeira Grande Guerra, após a rutura com o marido Júlio de Brito, se refugiou em Joanesburgo, na África do Sul, e que em 1922 se instalou em Londres como professora de dança. Em que ocasião teria tido contacto com a ginástica rítmica de Jaques-Dalcroze?
Recordemos que originalmente a Rítmica era uma pedagogia ativa e musical baseada no movimento corporal. A premissa era a de que a motricidade global do/a aprendiz/a propiciaria a vivência do corpo próprio como primeiro instrumento musical, aquele através do qual a musicalidade é sentida e transmitida. Será que estas ideias acompanharam o trabalho pedagógico de Carmen de Brito?
A reportagem fotográfica publicada na revista Civilização, que já referimos, indicia esta aproximação, sobretudo n’A Ronda da Primavera, em que o leitor visualiza um vasto grupo de meninas, vestidas com túnicas soltas, saltitando por uma alameda do jardim das Laranjeiras. A legenda regista o «recorte aristocrático do jardim» e «a eterna sugestão de mocidade». As restantes fotografias parecem ser encenadas de maneira mais dura, destacando-se a montagem das respetivas composições de grupo. Não deixam, porém, de surpreender pelas referências nelas implícitas. Assim, se a fotografia Sonhando Ritmos, o Amanhecer de uma Vocação e a fotografia Ginástica Rítmica traduzem a organização linearmente simétrica do conjunto, com cada jovem replicando uma pose, as fotografias A Roda e O Despertar da Roda sugerem uma sequência cinematográfica, uma máquina circular de corpos que, de resto, o cinema musical americano se encarregaria mais tarde de explorar. Além destas, destacam-se as composições de grupo em simbiose com o entorno arquitetónico, replicando o mais rigorosamente possível
a geometria do jardim neoclássico; a fotografia A Alma das Rosas expõe a beleza de mademoiselle Inês da Câmara Machado, «admirável realizadora de bailados interpretativos», lembrando uma Pavlova ou uma Karsavina; a dança oriental aparece ingenuamente numa fotografia de um trio de jovens que se equilibram no rebordo de um laguinho artificial; e Josephine Baker é lembrada na fotografia do jovem dueto «intervalo gracioso».
Estas imagens, captadas pela câmara fotográfica de Salazar Diniz, sob a sombra tutelar de Carmen de Brito, combinadas com as revelações diarísticas desta, permitem entrever opções estéticas consonantes com a ideia de uma dança livre, mais próxima da educação física do que do ballet clássico. Não obstante, é possível que Carmen tenha sido atraída pelo ideal da bailarina imaculada, nomeadamente por volta de 1912, ano em que diz ter conhecido Anna Pavlova e tomado aulas com o mestre Cecchetti. Curiosamente, nenhuma palavra acerca dos Ballets Russes de Sergei Diaghilev (a que tanto Pavlova como Cecchetti tinham estado ligados), nem sobre os repertórios simbolista e clássico, muito menos modernista, daquela companhia.
Carmen de Brito foi certamente uma personalidade complexa, não hesitando nas escolhas que fez – nomeadamente a sua dedicação à dança –, mas ao mesmo tempo preocupada em manter as aparências de esposa e mãe dedicada, cumpridora da vontade do marido – que a deixou. De certo modo, se cada pessoa é ela própria e as suas circunstâncias, Carmen de Brito acabou por se submeter mais ao peso das circunstâncias da época em que viveu do que à força da sua própria personalidade. Ou então não: foi ela mesma, um bocadinho vítima, outro bocadinho incansável professora, num permanente equilíbrio entre a mulher livre e viajada e a esposa doente e abandonada. De certo modo, ela colocaria lado a lado as duas identidades: a de Carmen, filha e esposa fidelíssima, primeiro ao pai (bibliotecário na corte espanhola) e depois ao marido (militar), e a da Madame Britton, amante da beleza, da arte, viajante e culta.
No seu livro, a senhora de Brito esforça-se por fazer passar a imagem de uma professora de dança que faz uma rigorosa distinção entre o estúdio, onde leciona na maior das composturas, e as ambiguidades morais das atuações em teatro, que evita. A páginas tantas, a propósito da seleção das suas alunas, escreve: «eu tinha o direito de escolher as minhas alunas, quero dizer, poder seleccionar aquelas que querem fazer Arte e pôr de parte as que por necessidade têm que fazer Teatro» (Brito: 45). A sua imagem aproximava-se assim de uma bailarina asceta, tal como Salazar – de quem ela seria admiradora – se tornaria, no dizer de Fernando Rosas,
Introdução: Carmen de Brito: dança, viagens e lágrimas o «ditador asceta». Para o ascetismo da senhora de Brito contribuía sobretudo a sombra censória do seu marido, a que se vai submetendo mesmo após a separação e depois do falecimento deste em 1933: «desejo respeitar a memória do meu marido fazendo “Arte” sim, mas nunca “Teatro”» (Brito: 73).
As viagens de Carmen de Brito começaram cedo. A primeira viagem, bem curta, entre Madrid e Lisboa, talvez tenha sido marcada pelas circunstâncias penosas da fuga de sua mãe, abandonando o casamento com o bibliotecário espanhol.
O seu próprio casamento com o segundo-tenente António Júlio de Brito, este sim, proporcionar-lhe-ia a oportunidade para outras aventuras em outras geografias. Encetou-as ainda muito jovem, nos seus vinte anos de idade, lançando-se na paisagem africana na companhia do seu também jovem marido a quem o rei confiara uma missão «colonizadora», na continuidade dos Ivens e dos Serpas Pinto. Acerca desta missão, pode ler-se numa revista da época: «N’este momento impõem-se dois homens que de súbito surgem para manterem de pé as nossas tradições de bravura – Antonio Julio de Brito e João de Vasconcellos, 2ºs tenentes da armada – aspectos de creanças, mas gigantes pela coragem à antiga portugueza. O primeiro, pelo seu tacto e desmedida valentia, mereceu, na Zambezia, o nome de Rei da Angónia» (Revista Brasil – Portugal). Esse era, pois, o tempo em que o colonialismo inventava os seus heróis; podemos no entanto adivinhar que, no terreno, entre batalhas e outras tantas atrocidades, os heróis eram também ferozes opressores. Aliás, nas palavras de Carmen de Brito, é levantado o véu sobre as injustiças e crueldades sem referir o nome do marido. «Os pretos na sua quase nudez causam-me medo e repugnância», escreve ela, acrescentando ficar «horrorizada pela crueldade com que eram castigados pela mais mínima falta» (Brito: 12).
A seguir às primeiras aventuras africanas, Carmen de Brito volta a Lisboa para ser submetida a uma cirurgia. Daqui partirá em périplo europeu, que prolonga entre 1912 e 1914, por França, Inglaterra, Espanha e Itália. Pelos conhecimentos pessoais que foi fazendo – nomeadamente a lendária Pavlova e, por intermédio desta, o mestre de ballet Enrico Cecchetti – tudo indica que esta viagem europeia foi essencial para a educação estética da jovem senhora e para o desenvolvimento das competências técnicas que adquirira na sua juventude junto do Conservatório de Madrid.
De volta a Lourenço Marques (atual Maputo) e após a rutura com o marido, devido à recusa deste em aceitar que dançasse publicamente, Carmen muda-se para Joanesburgo, na África do Sul, por volta de 1915. Aqui frequenta os círculos
das elites brancas que, ávidas das novidades da «civilização», lhe confiam a educação bailatória das suas filhas.
Em 1922, Carmen viaja para Londres, aqui se instalando como professora de dança. Insatisfeita com o clima, regressa a Lisboa no ano seguinte e em 1924 funda uma escola de dança na capital portuguesa.
A seguir a esta data, outras viagens foi realizando, sobretudo entre Portugal e Espanha. Mas o essencial fora já adquirido – e com o essencial, a fama, para a qual contribuíram os jornais e as revistas nos anos 1920, o carinho das elites sociais lisboetas e, a partir da instauração da Ditadura, nos anos 1930, a proteção do general Carmona.
É agora crucial compreender o lugar e o papel de Carmen de Brito nos processos de representação da dança e, por esta via, nas representações de género, em Portugal, sobretudo nos anos 1920 e 1930. Noutro texto que escrevi, eu próprio declarava que para ela – e para muita da imprensa da época – «a dança era coisa de mulheres, falada entre mulheres, para ser apreciada por homens» (Tércio: 298). Relendo as suas palavras depreendemos que da prática de dança (pelo menos, das suas aulas) eram excluídos os rapazes. Considerando o contexto político, podemos dizer que estes garantiam a virilidade da nação e, portanto, a força musculada da Pátria, enquanto elas, as raparigas, se moviam «com elegância», vencendo «a timidez» e entregando-se a «um entretenimento saudável e de nobres intenções» (Brito: 61). Essa era, para Carmen, a missão da dança, a sua missão. No fundo, este ideal não estaria longe dos preceitos da ditadura do Estado Novo, exarada em A Política do Espírito: «A Beleza – desde a Beleza moral à Beleza plástica – deve constituir a aspiração suprema dos homens e das raças» (Ferro: 227), enquanto «às forças da Ditadura se exige disciplina, homogeneidade, pureza de ideal» (idem: 261).
Em 1935, ela escrevia «Hoje, amanhã, como sempre, tenho que trabalhar e dou graças a Deus por me ter concedido “este dom” que é um calmante para os meus nervos e ao mesmo tempo que a remuneração pelo mesmo é deveras satisfatória» (Brito: 69).
A partir do final dos anos 1930, resignada ao papel que as circunstâncias sociais e o regime político lhe foram atribuindo – um pouco professora das filhas das elites de Lisboa e Cascais, outro tanto organizadora de récitas e de bailes de sociedade – Carmen de Brito (agora menos cosmopolita e portanto menos Britton), foi, apesar de tudo, forjando cumplicidades femininas, em primeiro lugar com as suas filhas Ângela e Sara, em segundo lugar, mais tarde, com as suas alu-
Introdução: Carmen de Brito: dança, viagens e lágrimas nas, entre as quais Wanda Ribeiro da Silva e Rena Terry Henriques, e finalmente também com intelectuais como Matilde Ras, escritora e tradutora que estivera ligada ao feminismo conservador espanhol e pertencera ao Círculo Sáfico de Madrid. Não deixa de ser curioso o encontro casual que regista no ano de 1946 com esta personalidade, imagine-se, na estação de comboios da Parede; encontro que resultou no acolhimento de Matilde Ras, que «ficou tão surpreendida com este inesperado oferecimento, que sòmente a torrente de lágrimas, foi a sua resposta» (Brito: 94). No seu livro, Carmen de Brito reproduz a carta de agradecimento que esta lhe deixou antes de seguir para Roma, carta em que declarava «Lo que más admiro en Madame Britton es su dinamismo» (ibidem).
Eis portanto esta mulher, senhora de esmerada educação, que almejando romper o lugar subalterno do casamento com um «herói» da nação foi capaz de enfrentar a rutura matrimonial, para dançar no contexto claustrofóbico de uma sociedade de homens em que só a ditadura política lhe parecia viável; nesse lugar, aos seus olhos, também o «ascetismo político» e missionário de Oliveira Salazar a atraía. Mas o que realmente a comovia eram, nas suas próprias palavras, «as flores e paisagens», «o pôr-do-sol», que contemplava do seu terraço ao cair da tarde. «Tudo isto», diz ela, «não sei porquê faz-me cantar invariàvelmente trechos da Ópera da Madame Butterfly ao mesmo tempo que uma torrente de lágrimas me tira a respiração» (Brito: 113).
Dança e lágrimas – que trágica combinação, pois.
Lisboa, 15 de setembro de 2023
Referências
Brito, Carmen (Madame Britton). Páginas da Minha Vida. Lisboa: 1964.
Ferro, António. Entrevistas a Salazar. Pref. de Fernando Rosas. Lisboa: Parceria A.M. Pereira, 2007.
Garcia, Chianca. «Ritmos da Grécia em Jardins de Portugal», Revista Civilização, 1928, pp. 50-59. «Portugueses em África», Revista Brasil – Portugal. N.º 104, 16 de maio de 1903.
Revista Imagem, 1928 (junho, julho, agosto).
Rita-Ferreira, A. Fixação Portuguesa e História Pré-colonial de Moçambique. Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical/Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1982. Rodrigues, Aurélio. «Ciné-críticas. Os filmes que eu vi», De Cinema: Revista Mensal Ilustrada. N.º 4, 1928-08-00.
Sasportes, José. História da Dança em Portugal. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1970. Tércio, Daniel. «Cisnes em agonia e saiotes de bananas». In Dançar para a República. Lisboa: Editorial Caminho, 2010, pp. 275-306.
Páginas da minha vida
Carmen de Brito (MadameBritton)
CARMEN DE BRITO (Madame Britton)
PÁGINAS DA MINHA VIDA 1
LISBOA – 1962
1 Por ser facilmente compreensível para leitores de língua portuguesa, mantivemos a grafia da edição original, impressa nas Oficinas Gráficas de Bertrand (Irmãos), 1962.
Este meu diário doloroso de uma alma que sangra por vezes, é dedicado às minhas filhas, e ao lê-lo, peço a Deus que lhes dê a compreensão do que nele vai relatado e fechando os olhos concentrando-se em si próprias, dediquem alguns minutos à memória da sua
«Nunca peças ao Governo aquilo que pelos teus sacrifícios, tem obrigação de te dar.
A verdadeira nobreza das pessoas, está nos seus sentimentos e simplicidade, nunca fazendo alarde dos nossos feitos.
Se eu morrer antes de ti e um dia a miséria te bater à porta, por não poderes trabalhar, não desanimes e com essa coragem de que tantas vezes tens dado provas, põe ao teu peito a minha Cruz da Torre e Espada, medalhas de campanha, etc., e sai para a rua pedindo esmola, que o povo saberá fazer por ti, aquilo que os outros esqueceram.»
Estas foram as constantes palavras de meu marido, durante cinco anos, quando me via desfalecer no interior de África, onde tive que percorrer toda a Zambézia, sempre no mato, sofrendo a insalubridade do clima sob um sol abrasador, chuvas torrenciais, fome, sede e atacados quase diàriamente pelos leões, que de noite rondavam o nosso frágil acampamento. Eramos autênticos esqueletos dissecados pela fome e as febres.
Passei tormentos superiores a toda a resistência humana. Mas desejo retroceder algum tempo para melhor poder explicar o sentido destas palavras.
A minha infância já fora do vulgar. Meu Pai, empregado na Biblioteca do Palácio Real de Madrid, foi um dia surpreendido com a notícia de que, por ordem de Sua Majestade o Rei Afonso XII, teria que passar a viver no próprio Palácio, pois desse modo ficaria pronto a fornecer, a todo o momento, qualquer livro ou apontamento que lhe fosse pedido, e assim fica aqui explicado a traços largos como e porquê fui eu viver com meus Pais no Palácio Real em Madrid.
Desde pequena tive a mania de fazer gestos falando sòzinha e olhar para o espelho, sentindo um grande prazer em ver esse outro eu no cristal reluzente. Mal sabia ler e já decorava tudo que fosse em verso, tendo uma disposição fantástica para recitar e uma memória assombrosa. Qualquer reunião de família ou de ami-
Páginas da minha vida gos (Meu Pai tinha muitos) era sempre a Carmencita que tinha que recitar, resultando de tudo isto, que a grande actriz espanhola Balbina Valverde, do Teatro Lara de Madrid, mandou escrever expressamente para mim os monólogos «Un ensayo» e «Una Actriz en Ciernes».
Durante três meses consecutivos em dito Teatro representei estes monólogos, sendo com seis anos apenas o ídolo de Madrid, não havendo bilhetes na bilheteira a não ser marcados com uma semana de antecedência, em suma, o sucesso foi tão apoteótico que fui chamada pela Infanta Isabel (irmã do Rei Afonso XII) para recitar diante dela, no próprio Palácio, e mostrando a sua grande admiração, pediu-me a minha morada, para enviar-me uma linda boneca e nessa altura eu tive que dizer que morava no próprio Palácio, pois era filha do empregado da Biblioteca e... claro no dia seguinte em vez de uma boneca, mandou cinco mil pesetas ao meu Pai.
Eu teria gostado mais da boneca mas, ao meu Pai certamente lhe agradou mais as cinco mil pesetas.
O célebre actor António Vico, era um dos meus mais entusiastas admiradores, chegando a classificar-me de fenómeno pois aos seis anos era uma revelação assombrosa na «Arte de dizer» propondo nessa ocasião à minha família um contrato por dois anos para percorrer Espanha e América do Sul. Meu Pai com tudo isto, em vez de orgulhar-se sentia-se maçado e aborrecido e quanto eu mais me elevava e mais furor fazia com a minha Arte, ele mais taciturno e triste ficava, até que, um dia talvez, o mais triste da minha infância, ao novo requerimento do Actor Vico, decidiu «terminar com toda aquela fantochada» (como ele dizia) pois sua filha tinha nascido para ser uma mulher honrada e não para uma mulher de teatro e num ataque de fúria partiu e queimou todos os presentes e muitas fitas com dedicatórias recebidas durante a minha actuação no Teatro Lara. Que pena. Hoje que já vai tão avançada a minha vida, como gostaria ter e poder ver aquelas lembranças da minha infância.
Passaram anos durante os quais frequentei o Conservatório com o consentimento do meu Pai, para estudar música e francês e sem ele saber, minha Mãe para fazer-me a vontade, matriculou-me nas classes de declamação e naturalmente fui sempre a primeira pela prática já adquirida no Teatro Lara e pelo que dentro de mim existia. Tive sempre grande simpatia e admiração dos meus professores e companheiros de estudo. Fui muito traquina, espírito irrequieto, cheia de vivacidade e sempre pronta a inventar qualquer garotice, como por exemplo: aquela de minha pobre Mãe deixar-me à porta do Conservatório e poucos minutos depois eu saía novamente na companhia de algumas colegas, que, como eu, faltavam sempre às aulas para irmos passear e várias vezes irmos a uma Academia
de Dança que por mero acaso, tínhamos descoberto, pois tanto elas como eu, nunca naquela idade, podíamos saber que existisse tamanho encanto. Sim, porque não esqueça quem me ler, que nesse tempo eu não contava senão uns nove anos ou pouco mais, portanto repito — tamanho encanto pois para mim foi o máximo a surpresa reveladora de que, por meio daqueles movimentos cheios de beleza e sempre acompanhados de música, se podia chegar a fazer compreender o significado do nosso sentir, isto é, interpretar aqueles movimentos de forma a dar expansão aos nossos sentimentos e própria alma, chegando a interpretar num romance sem palavras — o belo e o trágico —.
Foi assim que começou a minha aprendizagem na Arte da Dança que era para mim como uma válvula de escape, pois não podendo exercer a minha intuição anterior da «Arte de Dizer» por proibição absoluta paternal, às ocultas e quando podia, frequentava a Escola de Dança de quem nesse tempo era Director e Professor M. Moragas do Teatro Real da Ópera de Madrid e onde naturalmente na chamada Dança interpretativa eu, com a minha tenra idade, era um portento, pela máscara trágica que tinha e o à-vontade de gestos adquiridos desde os cinco anos.
Um dia, ao regressar do colégio, que por aquela época terminava a quarta classe, notei em meus Pais, certo ar de desavença, o que desgraçadamente era vulgar entre eles e na mesa à hora do jantar, depois de várias trocas de palavras violentas, meu Pai deu uma bofetada na minha Mãe, que, levantando-se, lhe disse enèrgicamente — «é a primeira José, mas é a última» e assim foi, pois indo todos nós deitar-nos, no dia seguinte ao acordar, minha Mãe já não estava em casa, julgando todos ao começo que teria saído mais cedo para casa de alguma amiga a contar-lhe o ocorrido; mas o dia passou, sucederam-lhe os seguintes e ninguém mais soube dela.
A minha pobre avòzinha não tinha consolação possível, pensando que talvez num momento de desespero, sua pobre filha se teria suicidado; meu Pai..., como homem de carácter severo e autoritário, se tinha o mesmo receio não o demonstrava, talvez para não dar parte de fraco, não querendo comunicar à polícia do desaparecimento de minha Mãe, com receio ao escândalo devido à sua posição e assim nestes sombrios dias, o tempo foi passando até que, por intermédio de uma pessoa amiga, minha Avó recebeu uma carta de minha Mãe vinda de Portugal. Imaginem aqueles que me lerem a alegria e surpresa da pobre velhota, ao receber notícias da tão chorada filha, mas o que ela não podia compreender, era virem as notícias dum país estrangeiro onde minha Mãe não conhecia o idioma ou pessoa alguma. — Meu Pai, em vista do «abandono do lar» fez uma acção de justiça contra minha Mãe e depois de mil sensaborias e gastos e como naquele
Páginas da minha vida tempo não existia o divórcio, conseguiu sòmente uma separação «judicial» pela qual eu ficava obrigada a viver com o meu Pai e ùnicamente era autorizada a passar curtas temporadas ao lado de minha Mãe e assim começaram as minhas vindas anuais a Lisboa e as minhas viagens constantes entre Portugal e Espanha. Depois desta minha narrativa da minha infância, passo a descrever os dois acontecimentos que mais impressão me tem causado na minha existência. — A minha vida em África e como e porquê passei a chamar-me Madame Britton. O meu casamento não pôde ser realizado no seu devido tempo pela tenaz oposição do meu pai, que nunca consentiria que eu casasse com um português e sendo como era um pobre cardíaco, eu não quis naquela altura que ficasse sobre a minha consciência a causa da sua morte.
RECORDAÇÕES
Há talvez uns cinquenta anos no navio Malange de três mil toneladas, segui para África cheia de ilusões e de ignorância. Era tão nova... tudo era estranho para mim nessa viagem, como aliás para os que embarcam pela primeira vez.
Dias horríveis de enjoo e um grande temporal que quase desmantelou o navio foram as primeiras desagradáveis impressões da viagem depois... o mar grande e profundo que se desenrolava ante os meus olhos, a vida de bordo, a qual tinha qualquer coisa de militar na sua disciplina, desde a baldeação matinal do convés, até ao toque da sineta para o jantar onde todos sem excepção se apressam para fazer toilette, dando-nos a agradável impressão de estarmos num hotel de luxo ou numa bôite de nuit em Paris. Quantas e quantas sensações senti e tão diferentes a cada instante, tudo era novo para mim. O Malange era nesse tempo considerado o melhor transporte para a África Oriental. Hoje os tempos mudaram e com eles a tonelagem dos navios. Que pensariam alguns dos meus companheiros de viagem desse tempo, se pudessem ver o paquete Império de 17 000 toneladas? Mas todos os que viajaram connosco nesse tempo e muitos dos amigos que vieram dizer-nos adeus à partida do Malange, já lá vão na longa viagem que não se volta. Pobre Andrade Velez, Gomes da Costa, Dr. Morais Sarmento, Freire de Andrade, João de Azevedo Coutinho, Judice de Vasconcelos, todos nossos bons amigos e para mim o maior de todos, meu marido Comandante António Júlio de Brito.
O navio segue o seu rumo, pondo constantemente ante os meus olhos atónitos um mundo completamente novo de seres e de coisas. S. Tomé. Os pretos na sua quase nudez causam-me medo e repugnância ao mesmo tempo, ficando
horrorizada pela crueldade com que eram castigados pela mais mínima falta. Sobre isto, poderia narrar coisas horríveis. Referir-me-ei sòmente a uma, para poder calcular o resto. Não me lembro bem se foi na prisão de Luanda ou Moçambique que assisti ao seguinte: fui com meu marido convidada a almoçar pelo Comandante da Fortaleza e quis o dito Senhor (do qual graças a Deus não me recordo o nome) de que descêssemos as várias celas dos prisioneiros, quase todas situadas na planta baixa da Fortaleza, rente ao mar, onde tantas vezes nas marés altas, entrava água e... alguns morriam (constipados)... segundo a frase do célebre
Comandante. Outra cela de castigo, era a chamada «ferro de engomar» pois tinha mais ou menos esse feitio, onde o desgraçado tinha que se conservar em pé entre a parede e a porta, junto ao seu corpo, onde um pequeno orifício à altura da boca, lhe permitia respirar; e tantos outros...
Lembram-se os que me lerem, que isto que descrevo era passado há mais de 60 anos, hoje é outra coisa, o preto já é tratado como ser humano.
Sendo eu de uma sensibilidade quase doentia, podem os que me lerem, compreender o meu estado de espírito perante toda essa barbárie (que o preto é mau, que sòmente obedecia e trabalhava à força de pancada estas são as palavras que respondiam às minhas de protesto perante essa crueldade. Enfim… segui para Lourenço Marques em Abril de 1903 desembarcando às costas dos pretos, sendo nessa ocasião como uma aldeola, quase todas as casas de madeira e zinco a maior parte construídas sobre estacas altas e sobre areia. Haveria nesse tempo uma população aproximadamente uns trezentos brancos, abundava o dinheiro, vivia-se bem, e a hospitalidade para os que chegavam da Metrópole, era sincera e sem limites. À chegada do vapor, que, nesse tempo fazia a carreira, era dia de grande acontecimento para a população branca de Lourenço Marques.
Fiquei lá pouco tempo, o necessário para meu marido fazer a sua apresentação ao Governador-Geral, como Residente de Angónia nomeado por decreto do Rei Dom Carlos I depois... começou a minha odisseia. — Quelimane — Tête — e toda a Zambézia Mutuarara, Chilomo, Magaza, Chifunbasi, Catembe, Maputo, Limpopo, Untalim Luilla, etc.
No meio do mato sofrendo a insalubridade do clima, sob um sol abrasador, chuvas torrenciais, fome, sede, atacados quase diàriamente pelos leões, que, de noite rodeavam nossas fracas barracas de campanha, evitando a mordedura das cobras, passei tormentos superiores a toda [a] resistência humana. Muitas vezes falta de forças para essa luta diária onde me sentia desfalecer, dizia eu a meu marido: E pensar que além-mar ninguém poderia realizar este nosso sacrifício. A resposta era sempre mais ou menos deste teor. «A verdadeira nobreza das pessoas, está no seu sentimento e na sua simplicidade, nunca fazendo alarde dos nossos feitos».
Pobre António.
Cinco intermináveis anos passei na flor da minha juventude nessa vida, se vida se pode chamar, a que nos víamos forçados a fazer.
Uma vez meu marido ficou muito doente com um tumor na garganta e eu com uma febre chamada «biliosa» ambos em perigo de vida e abandonados de toda a assistência, decididos a morrer nos metemos a caminho na esperança de podermos alcançar a Vila de Tête, onde Andrade Velez era Governador nesse tempo, mas, aos dois dias de caminho eu já não dava acordo de mim e temendo meu marido, que o movimento da chamada Machila (onde nesses tempos se viajava) me fizesse pior, tomou-me nos braços e a corta mato me transportava na esperança de poder chegar com vida ao nosso destino. Infelizmente rebentou-lhe o tumor da garganta ficando quase asfixiado pelo sangue e ele e eu rolámos por terra sem sentidos. Quando voltámos a nós, vimos ao nosso lado os rostos do Andrade Velez e Dr. Rola Pereira que nos sorriam e acarinhavam com os olhos, onde se adivinhavam lágrimas de verdadeira amizade. Um preto dedicado quando nos viu cair por terra, correu dia e noite até chegar a Tête onde deu parte do sucedido e os nossos queridos amigos saíram imediatamente à nossa procura até nos encontrarem em mísero estado que narrei.
Dois meses durou a nossa convalescença onde ficámos instalados, no Governo-Geral de Tête e onde fomos tratados com todo o carinho que o coração português sabia pôr em todas as coisas nesse tempo, hoje...
Um dia apareceu-me um criado dizendo que estava lá um branco a pedir esmola. Fiquei estupefacta. Um branco? Era possível. Mandei chamá-lo e ele contou-me a sua desgraça. Era da Madeira e tinham-lhe dito que em África se ganhava muito dinheiro e ele trabalhador do campo não tinha receio pois contava com as suas forças e meteu-se a caminho sem pensar que a sorte lhe poderia ser funesta; e assim foi, pois andava de um lado para o outro sem encontrar trabalho tendo vivido ùltimamente do que lhe ofereciam pois até os pretos por vezes, o tinham socorrido...
Nesse mesmo dia ao jantar, falei ao governador e a meu marido, fazendo-lhes ver a triste situação daquele desgraçado e bem assim a vergonha de um branco pedir esmola. Nessa altura ficou combinado que o meu marido o levaria connosco pois já se arranjaria qualquer trabalho e assim foi que o João Lopes veio para o nosso lado o qual foi a sua fortuna, pois mais tarde o meu marido vendo a honestidade do pobre homem e aproveitando o conhecimento que tinha sobre
Páginas da minha vida
as terras, mandou vir da Madeira os outros dois irmãos do pobre trabalhador que me pediu esmola em Tête e constitui com eles uma sociedade sob o nome «Lopes & Irmãos» dedicando-se à cultura de algodão, sociedade em que meu marido era o capitalista e por isso registou em seu nome os primeiros 17 000 hectares de terra ao norte do Rio Zambézia. Enfim...
* * *
Voltámos novamente para o mato e nessa ocasião era a limitação da fronteira Luso-Inglesa, que em 1906 o meu marido tinha que fazer e para este feito, ele costumava sair da nossa barraca de campanha onde vivíamos junto do Rio Luia, muitas vezes de manhã cedo e sòmente voltava ao escurecer, ficando eu durante todo o dia sòzinha com alguns pretos e Deus.
Uma vez apareceu quase de repente em frente de mim, um branco, um estrangeiro que mal falava português.
Era alemão e vinha pesquisar ouro, pois lhe disseram que o encontraria naquela região.
Fiquei apavorada com a sua aparição, sim, porque um branco naquelas paragens era para mim tão impossível, que não sabia que atitude adoptar diante dele. Afortunadamente poucos minutos depois apareceu meu marido que o convidou para jantar e ficar aquela noite na nossa companhia.
Jantar... o quê? dormir onde? pois para comer sòmente possuíamos maçarocas de milho assado e umas latas de sardinhas, única coisa que naquela altura possuíamos.
O nosso convidado chamava-se Carl Wisse, forte o seu físico e a sua inteligência, disposto a trabalhar para conseguir os seus fins.
Passaram-se meses, talvez um ano quando comunicou que tinha encontrado um bom filão de ouro na região chamada «Chifumbassi» talvez a três dias de distância no nosso acampamento, pois nós nessa altura estávamos na margem do rio Luia, onde eu, apesar de incredulidade e grande troça de meu marido, semeei na margem do referido rio, uma extensão de um quilómetro pouco mais ou menos, tudo que a meu pedido, minha pobre Mãe me mandava de Lisboa. Feijão, grão, semente de couve, etc.
Muitas vezes as minhas encomendas para Lisboa tardavam em chegar às minhas mãos, meses e meses... por falta de comunicações e no meu desespero
queria fugir àquela vida desumana de solidão [à] procura de um ser vivo para me acompanhar até onde eu pudesse encontrar um barco ou um meio de transporte qualquer que me levasse junto de minha Mãe.
Outras vezes cheia de resignação pedia a Deus que me ajudasse e fosse a grande companhia do meu martírio.
Meu marido ria-se de mim, convencido [de] que naquelas terras não daria nada e que todo o meu trabalho seria inútil e exposta naquele sol abrasador a apanhar mais uma febre. Elas foram tantas…
Pouco tempo depois, fiquei radiante e ele surpreendido e contente quando viu as primeiras folhas de hortaliça, Deus nos ajuda, foram as suas primeiras palavras, já temos qualquer coisa para comer. Estou farto das maçarocas de milho e das sardinhas de lata. — Eu fiquei tão satisfeita ao ver coroado de êxito o meu trabalho, que, mandei pedir mais sementes a Lisboa alargando assim a minha improvisada horta. Também foram contemplados os poucos brancos que nas proximidades se encontravam. Eram chefes de circunscrição espalhados aqui e além, a quem como a nós tudo lhes faltava. A minha horta foi um verdadeiro maná do Céu. — Já lá vão perto de 55 anos...
Que teria sido dela? talvez os pretos por mim ensinados naquela altura, tenham continuado a cultivá-la tendo matado assim a fome a tanta gente. Deus queira que ainda exista. O que ninguém poderia pensar é que foi obra duma mulher branca — a primeira que pisou o solo daquelas regiões.
Fizemos amizade íntima com Carl Wisse que mandou vir um técnico da Alemanha para examinar o seu filão de ouro o qual segundo a sua opinião era estupendo e lá passavam os dias arrancando às pedras as suas pepitas de ouro. Eu também aprendi a lavagem desse precioso metal que consistia em deitar areia dentro dum recipiente com água e agitando-o o pó do ouro ficava no fundo. Assim passaram meses e meses até que um dia um preto trouxe a notícia de que o referido técnico estava a morrer com uma «biliosa» e lá foi mais um, encontrar a morte sem outro auxílio, que, aqueles que podiam proporcionar os que o rodeavam e... Deus. Foi horrível. Meu marido e Carl Wisse fizeram com as caixas vazias de sabão, uma coisa parecida com um caixão e assim foi enterrado num buraco qualquer, com uma pequena cruz e rodeado de estacas altas pedras e troncos de árvores para que os leões ao cheiro da carne não fossem desenterrá-lo. Uma coisa é relatar tudo isto e outra é passar por tudo quanto vou narrando e que certamente não poderei recordar-me de tudo quanto passei, pois já lá vão tantos anos.
Nas nossas constantes viagens numa frágil jangada pelo Rio Zambézia, tantas vezes fomos atacados pelos cavalos marinhos que no dizer dos pretos não fazem mal, o único perigo é que, com as suas enormes cabeças, quando querem vir à
da minha vida ou vaidade escolham a profissão da «Arte da Dança» deviam saber as desilusões, as canseiras, as injustiças, as calúnias e as ingratidões que as espera. Embora tenha horror às citações dos meus triunfos pessoais na minha carreira artística, é-me difícil fugir a este facto para poder levar ao fim os meus pequenos apontamentos, recordando àqueles que me lerem, do nada que eu comecei, tendo conseguido com o meu esforço chegar à meta. Sim, meio século ao serviço de um ideal. Cinquenta anos, em que o cérebro, o coração e os nervos foram queimados dia a dia no cumprimento do meu dever como professora de Dança educativa e não como escola de bailarinas, pois o meu desejo foi sempre fazer arte e não Teatro.
18 DE ABRIL
A vida privada de um artista pertence-lhe menos que a qualquer indivíduo particular, será por isso que um dos seus maiores desejos é isolar-se para poder melhor viver na solidão com a sua Arte? Como muito bem disse António Ferro, a Dança é também aquela necessária fonte de poesia que permite evadir-se do seu próprio materialismo.
MAIO
Hoje, domingo, dia de descanso e não tendo outra coisa a fazer, deixo a pena correr e seguir o meu pensamento sobre a juventude e a beleza serem demasiado transitórias. Que pena existir esse horrível vampiro chamado «tempo» que é o maior inimigo das mulheres. Sobre o mesmo tema «tempo» direi que Lisboa dia a dia, ganha em velocidade, dando também aos homens a ciência para poder aniquilar todos os vestígios da vida humana da face da terra.
JUNHO 1960
Chega até mim a inesperada notícia de que o prédio que habito há quase vinte anos, vai ser vendido para demolição. Eu que não tenho coragem para pôr ponto final à minha vida de trabalho, terei que forçosamente fazê-lo, obrigada pelas circunstâncias. Horroriza-me a ideia de que a sala onde tenho vivido da minha Arte durante tantos anos, possa ser destruída por um vulgar pedreiro que, sem conhecimento e sem sensibilidade, sentirá talvez, um certo prazer empu-
nhando um martelo que destruirá umas paredes das quais sòmente eu poderia adivinhar os seus gemidos ao cair banalmente por terra. Como os seres humanos somos incompreensíveis. Todos os dias estou a rabujar que não posso com tanto trabalho, que tenho que abandoná-lo e retirar-me para a minha casa e hoje, agora que vejo que é uma realidade, me revolto, choro e me recuso a sair.
Com este novo desgosto já não me sinto um ser vivo, mas sim, uma coisa, um objecto para ser colocado algures na penumbra esquecida. A minha dor é tanta que fiquei insensível; sim, talvez a natureza piedosamente nos torne insensíveis quando a dor é demasiadamente grande para poder suportar tamanha pena!
JULHO
Rena Terry Henriques
Esta pequenita loira e gorducha que entrou para a minha escola com nove anos é hoje ainda a minha companheira no meu trabalho. Sim, a única que durante quarenta anos não me tem abandonado apesar do seu casamento, como tantas outras fizeram em ocasiões semelhantes.
Rena é uma grande apaixonada da «Arte da Dança», hoje segue os meus passos — o ensino — e com os meus conselhos e autorizando-a a usar as minhas coreografias, espero e desejo que faça carreira nesta profissão, pois bem o merece. Trabalha com carinho e entusiasmo e é a única que possui um documento assinado debaixo da minha competência profissional, que quando necessário, lhe possa garantir o seu método de ensino.
Estou-lhe imensamente grata; se não fosse ela, eu hoje já não poderia continuar a trabalhar.
Os anos passam e deixam em todos nós a marca inconfundível do tempo.
Finalmente tenho que enfrentar a dolorosa realidade de sair da casa que habito há mais de vinte anos, vendo-me por este motivo obrigada a pôr ponto final à minha vida de trabalho, que era toda a minha vida. Sim, que vou eu fazer agora? O sossego, o conforto e as flores do meu jardim, não chegarão para apagar dentro de mim aquele ideal maravilhoso o qual alimentou o meu espírito durante tantos anos!
OUTUBRO DE 1961
Já estamos completamente instalados na minha casa da Parede, o que não quer dizer que eu me sinta feliz. Não. Há alguma coisa que morreu dentro de mim, que vem agravar-se com este sossego a este silêncio impressionante.
NOVEMBRO
Hoje querendo pôr em ordem a minha biblioteca, encontrei imensos livros que me são dedicados pelos seus autores com palavras de admiração e ternura comovente. Santo Deus. Será possível que este farrapo humano tal qual como me sinto, tenha sido alguém na vida?
Pobre velha…
Doente, era levada para a esquadra aos empurrões, por ter sido encontrada na Rua das Pretas a pedir esmola.
Eu passava nesse momento num táxi e assistindo a essa brutalidade apeei-me para ver no que poderia ser útil àquela desgraçada.
Depois de muitos pedidos e argumentos disposta a ir à esquadra se fosse necessário, consegui libertá-la, mas ficou-me bem vincada a impressão de que a maior parte dos polícias são entes ignorantes que levam a sua desumanidade ao ponto de, com o seu uniforme que encobre a lei, praticarem tantas injustiças.
1 DE DEZEMBRO DE 1962
Dia do meu aniversário. O primeiro que passo na minha casa. Ao abrir os olhos chorei, pensando na diferença que faria este ano comparado com os anteriores; longe de tudo e de todos, certamente ninguém se lembrará de mim, pois com a minha saída de Lisboa e abandonando o meu trabalho, passarei a ser uma mulher vulgar como tantas que habitam neste mundo.
Que triste é a vida!
Duas horas da manhã.
Como me tenho enganado. Quanta gente. Cartões, telegramas, lembranças, estou cansada dos nervos, pois tenho vivido intensamente durante muitas horas,
mas fui feliz, sim, vivi novamente e por alguns momentos fui outra vez eu. Depois… agora que os amigos desapareceram, que fico novamente só, dou-me conta da realidade que será ser lentamente esquecida, sim, hoje a mulher chora a Artista — que ainda vive — mas morreu!
ABRIL DE 1963
Tudo quanto levo escrito foi sempre com o pensamento fixo e com o rosário de recordações e saudade desse Santo homem que foi o meu marido e doer-me-ia como um remorso ter que partir deste mundo sem deixar a minha última palavra de homenagem e gratidão para ele que foi sempre o amigo certo das horas incertas da minha vida. Quero, pois, inclinar-me perante a sua memória deixando cair nestas páginas algumas flores da minha eterna saudade.
Cron ol o gia
Vida de Carmen de Brito
1883 1 de dezembro. Carmen de Brito nasce em Madrid.
Cronologia
Acontecimentos na história da dança nacional e internacional
Acontecimentos políticos e militares contextuais
Era rei de Espanha Afonso XII, que faleceria com 27 anos de idade em 1885. Além do casamento oficial com a princesa Maria Cristina de Habsburgo-Lorena, teve uma relação extraconjugal com a contralto Elena Sanz com quem teve dois filhos.
1886 Nascimento de Afonso XIII em Espanha.
1887
1890
Enrico Cecchetti ensina na Escola Imperial de São Petersburgo, na Rússia, até 1902.
Estreia na Rússia o bailado
A Bela Adormecida, que juntamente com O Quebra-Nozes e O Lago dos Cisnes –todos compostos por Tchaikovski – constituem espetáculos icónicos do academismo russo.
Ultimatum inglês a Portugal a que se seguiria a assinatura sobre as fronteiras das possessões portuguesas ao norte do rio Zambeze.
Portugal reconhece a República dos Estados Unidos do Brasil.
Em Portugal, o rei D. Carlos I sucede a D. Luís.
1892 Frequenta o Conservatório de Madrid, estudando música e francês. «Às escondidas» toma aulas da academia de dança com M. Moragas do Teatro Real da Ópera de Madrid.
Alberto Pimentel publica
A Dança em Portugal.
Na sequência do mapa cor-de-rosa (do Atlântico ao Índico) e da contestação das pretensões portuguesas apresentadas na Conferência de Berlim 1884-85), a Grã-Bretanha lança um Ultimato a Portugal sobre a partilha de África.
Tratado anglo-português que contém diversas cedências à Grã-Bretanha relativamente às pretensões estabelecidas no mapa cor-de-rosa.
1894
189? A mãe de Carmen de Brito abandona o casamento e viaja para Portugal.
190? Carmen de Brito casa com António Júlio de Brito.
Émile-Jaques
Dalcroze é professor no Conservatório de Genebra.
Morre em São Petersburgo
Piotr Ilitch Tchaikovski.
Inauguração do Teatro
D. Amélia (mais tarde designado por Teatro
República e finalmente Teatro São Luiz).
1902
1903 Está com o marido em Lourenço Marques.
1905 Atravessa com o marido
António Júlio de Brito as paisagens africanas.
1906 Continua a deambulação africana acompanhando o marido.
Loïe Fuller e a Companhia Japonesa de Teatro
Imperial de Tóquio apresentam-se no Teatro D. Amélia em Lisboa.
Cecchetti é professor na escola estatal de Varsóvia, até 1905.
António Júlio de Brito é nomeado pelo rei D. Carlos I para missão em África.
Cecchetti regressa a São Petersburgo.
Pastora Imperio no Teatro D. Amélia, em Lisboa.
1907? Dá uma queda grave. Entre 1907 e 1909, Cecchetti é o principal professor de Anna Pavlova.
1908 Com 25 anos, doente, vem para Lisboa.
La Argentina exibe-se no Coliseu dos Recreios.
António Júlio de Brito tem a incumbência de delimitar a fronteira luso-inglesa.
1909
Diaghilev funda os Ballets Russes. Contrata Cecchetti para mestre de ballet nesta companhia.
Decreto estabelece aula de dança no Teatro São Carlos.
Regicídio. O rei D. Carlos I e o príncipe Luís Filipe são assassinados por simpatizantes da República.
1910
1911 Em Lisboa, a 6 de abril, seria submetida a uma cirurgia.
No final desse ano regressa a África para junto do «seu António», mas encontra uma certa frieza no marido.
1912 Nesse ano, ou no seguinte, volta à Europa. Deixa as filhas internadas no colégio inglês em Lisboa e viaja pela França, Inglaterra, Espanha e Itália. Conhece Anna Pavlova e por intermédio desta acede ao mestre Cecchetti.
1913 É nesta altura que recebe novas lições de dança, supostamente de Cecchetti.
Jaques-Dalcroze funda em Hellerau, na Alemanha, um instituto destinado à eurritmia. Em 1912, este instituto organiza festas escolares com enorme sucesso internacional. Nesse ano é fundado o Instituto de São Petersburgo e adotado o seu método no Conservatório de Estocolmo.
Instauração da República em Portugal.
Os Ballets Russes ganham destaque e uma maior autonomia.
Entre 1910 e 1930 quintuplica a população branca de Angola e Moçambique (Fernando Rosas, O Estado Novo nos Anos Trinta, p. 88).
Diversos espetáculos de dança em teatros lisboetas. Ruy Coelho compõe o bailado A Princesa dos Sapatos de Ferro.
Estreia de Le Sacré du printemps, com música de Stravinski e coreografia de Nijinski.
1914 Perante os rumores de guerra iminente, o marido manda que regresse a Lourenço Marques.
1915 Entre 1914 e 1915 dá-se a rutura com o marido, devido à recusa deste em aceitar que sua esposa dançasse publicamente. Na sequência de uma discussão dura, foge para a África do Sul.
1916 Funda uma escola em Joanesburgo onde dá aulas de dança inspirada na técnica Cecchetti.
No Palácio da Rosa, dos marqueses de Castelo Melhor, em Lisboa, é dançado o bailado O Sonho da Princesa na Rosa, com figurinos e o contributo coreográfico de Almada Negreiros.
1917 No final do ano, os Ballets Russes estão em Lisboa.
Com o assassínio do arquiduque Francisco Fernando da Áustria, tem início a Primeira Grande Guerra.
1918 Carmen de Brito e a sua filha Angelita, na África do Sul, são contaminadas pela pneumónica.
Espetáculos promovidos por Helena Castelo Melhor.
1919 Anna Pavlova e os Ballets Russes no Teatro São Carlos.
A 9 de março a Alemanha declara guerra a Portugal na sequência da apreensão dos navios alemães fundeados no Tejo.
Sessão futurista no Teatro República.
Golpe de Sidónio Pais e 5 de dezembro.
Aparição de Nossa Senhora aos Pastorinhos, em Fátima.
Revolução de Outubro, bolchevique, na Rússia, responsável pela instauração do comunismo.
1922 Carmen de Brito viaja para o Reino Unido, Londres, onde se instala como professora de dança.
1923 Regressa a Lisboa, para acompanhar a velhice de sua mãe.
1924 Funda uma escola de dança em Lisboa. Organiza uma primeira récita no Teatro São Carlos. Diz então ter introduzido a ginástica rítmica em Portugal.
Cecchetti vai para Itália, associado ao La Scala de Milão.
Manoel de Sousa Pinto publica Danças e Bailados (Lisboa: Portugália).
1925 Francisco Florêncio Graça (Francis Graça) dança em público no Teatro Novo.
1926 Movimento do 28 de maio, responsável pela instauração do regime fascista em Portugal.
1928 Na revista Civilização sai uma reportagem fotográfica de Salazar Dias sobre ginástica rítmica e dança da professora Madame Britton.
Rodagem do filme
Bailando ao Sol, no jardim das Laranjeiras, com a participação das alunas de Madame Britton (a película desapareceria num fogo).
1929 Na revista ABC é enaltecido o trabalho de Madame Britton
Morte de Enrico Cecchetti.
Publicação de Ma vie, obra autobiográfica de Isadora Duncan.
Criação da Polícia de Informações do Ministério do Interior (embrião da PIDE).
O general Carmona é candidato único à presidência da República, tendo sido eleito por um período de cinco anos e reeleito sucessivamente.
Crise económica mundial de 1929 (Grande Depressão), que se repercutirá por todas as nações, incluindo Portugal a partir de 1931.
1931 Carmen de Brito está em Madrid. Daqui segue para Sevilha e finalmente para Lisboa.
1932 Respondendo ao pedido de Pereira Rosa, diretor d’O Século, trabalha no espetáculo História da Dança através do Tempo apresentado no Teatro Avenida, em Lisboa.
1933 O marido António Júlio de Brito morre em África.
John Martin publica nos Estados Unidos a obra The Modern Dance.
Ato colonial. O Ministério das Colónias, dirigido interinamente por Salazar, elabora este diploma (preparado por Quirino de Jesus e Armindo Monteiro) que estabelece os princípios do «Império colonial». A «metrópole» passaria a ser uma espécie de suserana das colónias vassalas (Rosas, 91-92).
Implantação da República em Espanha.
Estreia do primeiro filme sonoro português, A Severa, de Leitão de Barros.
Oliveira Salazar é nomeado presidente do Conselho de Ministros.
Criação do Secretariado de Propaganda Nacional dirigido por António Ferro.
1935 O presidente Carmona pede-lhe que prepare o baile que se realizaria na Câmara Municipal de Lisboa.
1936
Entre 1936 e 1939 decorre a Guerra Civil espanhola, que opõe os republicanos aos falangistas, atraindo forças internacionais.
1939 A Grã-Bretanha e a França declaram guerra à Alemanha. Portugal mantém a sua neutralidade.
1940 Declina o convite para dirigir o corpo de ballet que vem de Itália para o Coliseu dos Recreios.
Em Portugal, início da atividade do grupo de bailados Verde Gaio, no Teatro da Trindade. Clotilde e Alexander Sakharoff dão recitais em Lisboa e no Porto.
Exposição do Mundo Português.
1941 Carmen de Brito espera pensão do governo, por morte do marido, que não chega.
1942 Passa férias em Madrid. Em Lisboa, assiste ao Te Deum em honra dos heróis do Ultramar. Morre sua mãe.
1944
1945 Carmen de Brito continua a dar aulas de dança.
1946 Conhece a escritora Matilde Ras, que acolhe em sua casa.
Fundação do Círculo de Iniciação Coreográfica, por Margarida de Abreu.
O Círculo de Iniciação Coreográfica apresenta-se no Teatro São Carlos.
1947 No Teatro São Carlos, os Ballets des Champs Elysées de Roland Petit. Os bailados Verde Gaio partem para uma temporada no Théâtre des Champs-Elysées.
1948 Nos Estados Unidos, George Balanchine e Lincoln Kirstein criam o The New York City Ballet.
Criação da PIDE.
1949 Escreve uma carta a Oliveira Salazar. A imprensa continua a noticiar as aulas de Madame Britton.
1950 Sua filha Ângela, que casara sem o consentimento dos pais, entra em contacto, vindo a acolher-se junto da mãe e da irmã Sara.
1952
1953 Afirma-se uma admiradora de Salazar. Continua a dirigir a sua escola, por onde passariam Wanda Ribeiro da Silva e Rena Terry Henriques.
O Sadler’s Wells Ballet atua no Teatro São Carlos.
1957 Visita oficial da rainha de Inglaterra a Portugal.
1964 Publicação de Páginas da Minha Vida.
1965
Humberto Delgado é assassinado por agentes da PIDE, em Espanha.
Chianca de Garcia in
P o r tug a l » de
« Ritmos da G r é
c ai me snidraJ
C i vi l i z a ç ã o, a gotso
(Madame Britton)
«Ritmos da Grécia em Jardins de Portugal» de Chianca de Garcia in Civilização
(Madame Britton)
«Ritmos da Grécia em Jardins de Portugal» de Chianca de Garcia in Civilização
(Madame Britton)
«Ritmos da Grécia em Jardins de Portugal» de Chianca de Garcia in Civilização
(Madame Britton)
«Ritmos da Grécia em Jardins de Portugal» de Chianca de Garcia in Civilização
(Madame Britton)
«Ritmos da Grécia em Jardins de Portugal» de Chianca de Garcia in Civilização
Carmen Pombo de Brito, conhecida pelo pseudónimo Madame Britton, nasceu em Madrid em 1880 e presume-se ter morrido em Lisboa em 1964. Foi uma coreógrafa e pedagoga de cultura física feminina, tendo desenvolvido a sua atividade em Joanesburgo e Londres até à abertura, em Lisboa (1924), da sua Escola da Arte de Representar. Articulando o bailado clássico europeu com ginástica rítmica, lecionou durante quatro décadas meninas das classes mais privilegiadas. À época, o seu mérito é tão reconhecido que o seu trabalho figura em reportagens e em filmes como Bailando ao Sol de António Lopes Ribeiro (1928) ou A Dança dos Paroxismos realizado por Jorge Brum do Canto (1930), inspirando igualmente a criação da personagem «Madame Ritton», «de cabelo ruivo, curto e encaracolado como a cabeleira dum pagem, professora de ginástica-coreográfica-rítmico-eólica», no romance de grande sucesso A Barata, Loira de Armando Ferreira (Livraria Editora Guimarães & C., Lisboa, 1940). Possivelmente em 1964 (ainda que na capa figure o ano de 1962, o que não seria possível uma vez que o livro contém uma entrada do ano 1963) é publicado o seu livro de memórias Páginas da Minha Vida numa edição de autor impressa nas Oficinas Gráficas de Bertrand (Irmãos).
Daniel Tércio estudou Filosofia (UL), Artes Plásticas (FBAL) e História da Arte (UNL). É doutorado em Dança pela FMH, onde lecionou os cursos de História da Dança, Estética, Movimento e Artes Visuais. Até 2021, foi membro da direção do Instituto de Etnomusicologia – Centro de Estudos em Música e Dança. Publicou, entre outras obras, Dança e Azulejaria no Teatro do Mundo (Lisboa: Inapa 1999) e Dançar para a República (Lisboa: Editorial Caminho 2010). Internacionalmente, é autor de artigos como, por exemplo, «Martyrium as Performance» (Performance Research, 15(1) 2010). Enquanto crítico, colabora regularmente com a imprensa escrita desde 2004.
© Teatro Praga / Sistema Solar (chancela ed._________ ), 2024
Textos e imagens © os Autores
1.ª edição, janeiro de 2024
500 exemplares
ISBN 978-989-568-129-7
Conceção gráfica
Horácio Frutuoso
Transcrição
Filipe Heath Seromenho
Revisão
Helena Roldão
Impressão e acabamento
Europress
Rua João Saraiva, 10 A 1700-249 Lisboa, Portugal
Depósito legal
537738/24
Se algum dos herdeiros da autora tiver conhecimento deste livro, saiba que fizemos numerosos esforços para os contactar, mas sem sucesso. Solicitamos que entre em contacto connosco, de modo a regularizar esta situação.
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