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tradução e apresentação de
Aníbal Fernandes
A mais nobre insolência de Jean Lorrain.
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Jean Lorrain O SENHOR DE BOUGRELON tradução e apresentação de
Aníbal Fernandes
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TÍTULO DO ORIGINAL: MONSIEUR DE BOUGRELON
© SISTEMA SOLAR, CRL RUA PASSOS MANUEL, 67B, 1150-258 LISBOA tradução © ANÍBAL FERNANDES NA CAPA: TIZIANO, O HOMEM DA LUVA (PORMENOR) 1.ª EDIÇÃO, MAIO 2012 ISBN 978-989-8566-04-1
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Animais de uma elegância fabulosa circulavam. Arthur Rimbaud
Dir-se-á, de Plutarco, que fala de um dandy quando se demora em Alcibíades; no Alcibíades que fez do trajo, dos elementos que lhe rodearam o trajo, obsessão maior entre as da sua prestação mundana; e outrotanto de Sienkiewicz e do Nero que chega às páginas do seu romance, ou da pena infatigável de Dumas quando passa por Lauzun e pelo conde de Gramont, oficiais de Luís XIV da França. Mas a estes superlativos da elegância o dandy acrescentou qualidades: as de uma relação altiva embora cordial com os da sua convivência, as de uma nunca descurada presença — mais decorativa, talvez, do que alimentada por necessidades do espírito — nos eventos da cultura. Costuma escolher-se George Brummell como personagem que fez nascer na sociedade londrina o dandy, e fê-lo brilhar até aos maus dias da sua loucura; e diz-se que teria sido Lord Byron o primeiro a ligá-lo ao atributo e a usá-lo numa carta de 1813. A palavra, essa, é de etimologia indevassável e nunca decifrada pelos homens da linguística. Os seus esforços foram até ao francês dandin, que é dito para apontar o papalvo ou o tolo e só dá em negativo esta elegância; outros insistiram nas parecenças com dandipra,
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moeda cunhada por Henrique VII da Inglaterra, mas sem razões mais reconhecíveis do que a semelhança dos sons; e outros ainda viram-na como forma hipocorística de Andrew: o dandy teria surgido de um qualquer janota com o nome desfigurado pela graça da linguagem infantil ou de uma irónica ternura. Este dandy de suprema elaboração teve grande época no século XIX e fez de si uma singularidade comentada nos círculos das suas relações. Expressava pensamentos, exibia-se com actos que ambicionavam um desvio às trivialidades do homem comum. Também foi insolência que lhe impôs um fio de navalha difícil de percorrer sem quedas no ridículo. O dandy foi invejado mas, neste jogo perigoso, troçado. Baudelaire compreendeu-o como consequência de estados sociais e políticos com indícios de derrocada, e disse-o num conhecido texto sobre o dandismo: «O dandismo aparece sobretudo nas épocas transitórias em que a democracia está parcialmente a claudicar e a aviltar-se. Na perturbação destas épocas uns quantos homens deslocados, enfadados, ociosos, podem conceber o projecto de fundadores de uma espécie nova de aristocracia, tanto mais difícil de quebrar porque baseada nas mais preciosas faculdades, as mais indiscutíveis, e nos dons celestes que o trabalho e o dinheiro não podem conferir. O dandismo é, nas decadências, o último fulgor do heroísmo. […] O dandismo é um sol poente; como o astro que declina é soberbo, sem calor e cheio de melancolia. Mas, infelizmente, a maré da democracia que vai crescendo e tudo invade e tudo nivela afoga estes últimos representantes do orgulho humano e derrama ondas de esquecimento sobre os vestígios destes prodigiosos mirmidões.» O século XIX europeu — e admitamos que por algumas das razões de Baudelaire — foi grande época para estes dandies «pro-
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fissionais». Porque consagrou a supremacia do indivíduo sobre a sociedade, o mérito do espírito sobre a mediocridade do pensamento. Permitiu a glória de George Brummell; e também a do conde d’Orsay, que excedeu na elaboração cultural da personagem os seus pares e fez Barbey d’Aurevilly escrever: «D’Orsay não era um dandy, era uma natureza infinitamente mais complexa do que essa coisa inglesa»; permitiu o conde Robert de Montesquiou (que teve reflexos literários no Des Esseintes de Huysmans e no Charlus de Proust), Oscar Wilde e Pierre Loti. Um pouco mais tarde, a esta exuberância cansada acabou por suceder o dandy discreto. A viragem do século XX desacreditou as esquisitas fragâncias e a preciosidade ostensiva do trajo. O dandy sentiu «o luto do eu magnífico» — aproveitemos esta feliz imagem de Jules Laforgue — e viu que era prudente conciliar a sua elegância com uma distinção mais fria e não hostilizadora dos ventos do socialismo. A literatura não pôde ignorar estas figuras de tão marcante presença na sociedade, e retratou-as em estados de fulgor e nas suas penosas sobrevivências. Temos como exemplos perduráveis o Dorian Gray de Oscar Wilde e o irritante Pelham de Bulwer-Lytton; os balzaquianos que surgem em Le Cabinet des Antiques e em Illusions Perdues; o estranho herói de Fortunio de Théophile Gautier; mas o destacado exemplo está em Des Esseintes do À Rebours de Joris-Karl Huysmans. Entre nós houve um dandismo: suave, lisboeta, nalgumas personagens de Eça de Queirós. Jean Lorrain instalou o dandy como centro dos seus melhores romances: Monsieur de Bougrelon (1897) e Monsieur de Phocas (1901). Embora diferentes a retratar a decadência do dandy, ambos são sub-espécies da iluminação negra que desce a elegância até à beleza fria dos antros. O Senhor de Phocas é, como o próprio Lorrain,
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voyeur do vício e inspirou páginas próximas de Sade ou do Conde de Mirabeau; é uma fascinação estilizada pelo lodo, por duvidosos cenários de aventura e morte; reflecte uma atracção do próprio autor pelo «vício errante» (título de um dos seus livros) bem confessada numa carta a Oscar Ménier: «Recordo quase com susto essa Paris lamacenta que ficou com muita da minha juventude e até da minha honorabilidade […]; eu ia para as casas mal-cheirosas e pegajosas de salmoura, vagueava de tasca em tasca à procura de um gesto, de uma fisionomia, de um recanto com má fama, capazes de me entregar a Paris infame e sinistra que nessa mesma noite me causaria vómitos.» Em Monsieur de Phocas Jean Lorrain agrava e distorce esta imagem até uma alucinação bárbara que à personagem confere a sua sensação de poder. É o dandismno a reinar na putrefacção. O Senhor de Bougrelon, esse, é outra e mais amável visão do dandy decadente; é quixotesco e paira sobre as suas próprias sombras: porque o seu narrador está de visita à Holanda acompanhado por outro homem, e nunca chegaremos a saber quem eles são; porque o Senhor de Bougrelon acaba por se revelar irreal dentro da realidade da ficção («era o produto do nosso tédio», confessa o narrador, «desta atmosfera de nevoeiro e de algumas bebedeiras com schiedam; tínhamos emprestado um corpo aos nossos devaneios alcoólicos, uma alma à sugestão dos quadros dos museus, uma voz às melancolias do cais do Príncipe Henrique e do Canal do Norte»); porque às divagações da sombra chamada De Bougrelon acorrem como obsessões o Senhor de Mortimer e várias mulheres, irreais para o De Bougrelon já de si irreal dentro da realidade da ficção («sou um velho dandy esquecido num século de lucro e apetites grosseiros, velho fantoche refugiado no meio de fantasmas, e aqui têm, senhores, o que na verdade sou»).
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Estas ambiguidades turvam magificamente a ficção de O Senhor de Bougrelon, na verdade um pouco reconhecido estado de graça na literatura francesa do século XIX; servem ao retrato de um dandy incomodado, fora de época e só possível como fantasma; são voz para uma alucinação sobre os brilhos do dandismo, como D. Quixote foi para outra, com os brilhos da cavalaria. Nas suas mulheres não há, porém, dulcineias. De Bougrelon quere-as sensuais, ora em atmosferas de bordel de luxo, ora com a sua imagem desviada até aos turvos sucedâneos da zoofilia, ora diluídas em sublimes distâncias de uma quimera. Às vezes o Senhor de Bougrelon sonha; levanta voo impulsionado por ananases e anchovas dentro de frascos de conservas; o momento do romance que soube tocar com força a sensibilidade dos surrealistas. Numa carta a Théodore Fraenkel, André Breton escreveu: «A esta obra admirável não vejo nada equivalente na nossa literatura. […] Um destes deuses da poesia que nós, em suma, recentemente descobrimos.» A sua admiração é compreensível; porque Breton considerava a «estética decadente», com a sua «sensualidade mística e loucamente perturbadora», elemento essencial da poética surrealista. Mas o Senhor de Bougrelon também é, vendo-o menos complicado pelas suas alucinações, um transformador das realidades pungentes em nobreza, um esteta perverso e atormentado, um ser de hesitações entre a fealdade humana e o esplendor da arte; e tem um fogo interior que ele sopra para recusar o real. «A mais nobre insolência de Jean Lorrain», disse-o em 1887 Philippe Julien.
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* Chamou-se Paul Duval em 1855, quando nasceu, e preferiu-se na literatura como Jean Lorrain. Duval era o seu pai, armador em Fécamp, e a este novo nome ele pediu a afirmação de uma grande diferença: seria o nome de um poeta. Antes de publicar os quatro livros de versos que o iniciaram na literatura, foi persuadido a deixar-se ficar pela Normandia e pelo estaleiro familiar de barcos de pesca. O pai Duval tentava interessá-lo com o espectáculo das embarcações que perante os seus olhos nasciam de madeiras empilhadas; mas a sua atenção desviava-se para os corpos suados dos operários que as trabalhavam. Despontava naquela Normandia conservadora o homossexual de bandeira hasteada, o que anos mais tarde saberia provocar Paris atirando vícios (reais e imaginários) aos espectadores do seu meditado escândalo. Em 1884 Jean Lorrain já era, na capital, um jornalista; um odiado jornalista, ora intelectual, ora mundano, de flechas envenenadas. Mas também um espectáculo «soberbo e desconcertante» (Edmond Jaloux), «admirado pela indiscreta maquilhagem. Os de Montparnasse elogiavam-lhe a poupa de cavalo a galope e que ele balançava acima de grandes olhos encapotados pelas pálpebras cor de chumbo» (Willy). «Ninguém batia Jean Lorrain a fazer gestos que só revelavam, ao fim de contas, muito pequenos vícios quase tão velhos como o Dilúvio. Era um pederasta a agitar-se num copo de água. Parecia o Filipe IV de Velázquez que está no Louvre, e ele sabia-o. Tinha qualquer coisa do marinheiro, do alquilador e do cabotino, e com isto sei lá o quê de grande senhor» (Henry Bataille). «Era viçoso e amanteigado como um petit four» (Jules Renard), «com uma cara abonecada, larga, e ao mesmo tempo um ar de ca-
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beleireiro vicioso, com o cabelo dividido por uma risca perfumada a patchouli, olhos globulosos, pasmados e ávidos que deitavam sumo, que espirravam e escorriam durante o seu discurso» (Léon Daudet). Jean Lorrain exercitou-se neste espectáculo que tinha por companhia uma elegância vistosa e provocatória. E como jornalista não hesitou em correr os riscos impostos por esse código da época que incitava a limpezas de honra com tiros de pistola nos bosques de Paris: Maupassant sentiu-se insultado com o que pressentiu de si numa personagem do romance Très Russe e desafiou-o para um duelo que não chegou ao disparo por Lorrain ter sabido convencê-lo de que não tinha razão; no ano seguinte enfrentou o jornalista René Maizeroy, mas eram ambos maus atiradores; em 1888 foi a vez do Verlaine ofendido (e desofendido a tempo) por um comentário sobre a sua pena no caso Rimbaud; e em 1897 teve o seu último duelo, desta vez requerido por Marcel Proust. Lorrain escrevera que os escassos leitores de Le Plaisir et les Jours (o livro de estreia «do jovem e encantador Marcel Proust») só existiam por um prefácio que ele conseguira arrancar a Anatole France. Esta afirmação, grave para as sensibilidades cultivadas nos salões daquele fim-de-século, levou a um encontro com testemunhas no bosque de Meudon, embora «os dois atiradores só tivessem alvejado o vazio acima das suas cabeças», comentou-se com ironia e para justificar o desfecho branco da contenda. Esta agitação mundana associou-se a uma disciplina de muitas horas de trabalho e permitiu o jornalista, o autor de romances e contos, o incansável vagabundo nocturno. Les Voluptueux et les Hommes d’Action de Achille Ségard reconhece Lorrain como um caso raro de produtiva dispersão: «Tudo o que um parisiense deve ver, Jean Lorrain vai ver. Passa com desenvoltura de uma exposição de quadros para as barracas de feira de Neuilly, de um salão lite-
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rário para as casas suspeitas do Point du Jour. A vida é, de facto, um espectáculo. Procura vê-la sob o maior número possível dos seus aspectos e, como tem um cérebro impregnado por letras, para todas estas visões encontra uma expressão literária.» O seu jornalismo, quase sempre severo para as glórias literárias e quase sempre benévolo para os jovens escritores, introduziu na maior parte das suas relações masculinas uma sombra, uma sombra que podia parecer leve mas exprimia animosidades mais profundas. Foi fácil compensá-las pelo convívio tranquilo e platónico com mulheres: Rachilde e Sarah Bernhardt, para citar as mais célebres. «Temos de escolher entre o amor das mulheres e conhecê-las», ficou teorizado numa das suas cartas. Jean Lorrain «conheceu-as», digamo-lo muito longe do sentido bíblico, mas Paul Morand talvez tenha sido, a este repeito, excessivamente irónico quando perguntou no prefácio a Femmes de 1900: «Quem pode ser mais mulher do que este homem quando fala de mulheres? Cobiça-lhes os amantes, os vestidos, os êxitos no music-hall; vai direito àquilo que as lisonjeia ou àquilo que melhor as fere; compra produtos de maquilhagem no mesmo perfumista; tem gostos idênticos aos delas.» Imagem de um efeminado, contrariada por outra de Henry Bataille: «É uma espécie de grande bárbaro, um autêntico bárbaro instalado na urbe dos bulevares para onde leva e onde esbanja desde há vinte anos os seus instintos de sangue e volúpia, uma requintada compreensão da cidade, o seu sentido das ironias locais […] à mistura com um gosto pelas artes e pela cultura, pelas mais solitárias ou mais criminosas brutalidades.» O Lorrain parisiense, com vinte anos determinados por más e boas seduções da cidade, terminou em 1900 mudando-se definitivamente para Nice. A meia-idade, a sua dependência do éter, recomendaram-lhe de repente aquele céu, aquele azul. Era autor de muitos li-
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vros publicados, um jornalista activo, com um desafogo material que lhe consentia uma grande distância estendida entre si e o centro da actividade intelectual; e não se incomodava com aquela mãe viúva, descida da Normandia para viver junto dele no ar quente do Midi. Contratou Moulard, um secretário atento às suas carências e às suas comodidades; e ali perto estava a Toulon da zona vermelha e dos marinheiros. O enxofre de Monsieur de Phocas, um dos seus melhores romances, foi criado — quem o diria? — à beira de uma janela que abria à placidez do Mediterrâneo; tal como Le Vice Errant, pedra fundamental na acusação que o levou a responder como corruptor de menores através da literatura; tal como La Maison Philibert, a sua história de bordel lautrecquiano com escândalo suficiente para pagar as custas do processo Jeanne Jacquemin, onde foi punido por difamação. Quando Lorrain decidiu mudar-se para Nice, admitiu que os ares do Sul algum abrandamento fariam à sua dependência do éter, uma das drogas inebriantia. Em 1887 tinha publicado os Contes d’un Buveur d’Éther inspirados pelos fantasmas, pelas obsessões e angústias de uma grande excitação cerebral, e em Le Possédé, Sensations et Souvenirs foi claro sobre o mundo que o rodeou nos momentos dessa criação: «Eu povoava literalmente os meus quartos com fantasmas; eles estavam em mim; e, se ficasse sozinho, fechado, a atmosfera ambiente fervilhava com larvas como uma gota de água que ao microscópio se enche de micróbios e infusórios, deixando os meus olhos verem aterradoras faces de sombra. Foi uma época em que eu não podia passear os olhos pela solidão do meu gabinete de trabalho sem ver surgir equívocos pés descalços rente às portadas, ou estranhas mãos claras no intervalo das cortinas; horrível época, enfim, em que eu respirava um ar envenenado por horríveis presenças e em que eu morria extenuado com imparáveis lutas contra o desconhecido, meio
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louco de angústia, cercado por um pálido arrastar de sombras e de inomináveis seres que vinham roçar-se no meu corpo.» No seu livro La Drogue, C. Olievenstein detém-se sobre os efeitos clínicos do éter: «As perturbações do eterismo crónico são marcadas por uma instabilidade psicomotora, uma ansiedade permanente, um estado confusional crónico e, classicamente, um erotismo perverso, tudo a evoluir até à decadência psíquica e física.» Jean Lorrain foi em 1893 operado a nove úlceras provocadas por corrosão no seu tecido intestinal; e o esforço tardio para se afastar do éter não evitou que permanecesse quase todo o ano 1905 internado em diversas casas de saúde do sul da França. A 30 de Junho de 1906 morreu; em Paris, inesperadamente, e com o cólon perfurado. O seu cortejo fúnebre foi concorrido; misturou em Saint-Ferdinand-des-Ternes amizades, curiosidades e ódios cuidadosamente ocultos sob o que podia parecer a decência de uma consternação. A obra de Lorrain continua a mostrar-se forte no que foram seus temas preferidos: a condição do artista, o dinheiro, as mulheres; continua a mostrar-se forte no estilo. E com o tempo a serenar uma atmosfera enturvada por detractores, bem visível continua a liberdade do seu pensamento. Vinte e quatro anos depois da sua morte, Rachilde — uma das suas amizades femininas mais persistentes, cúmplice na fantasia dos gestos, nos engates provocatórios, nos gostos equívocos — publicou Portraits d’Hommes e lembrou-se de Jean Lorrain: «Pobre criança grande, sempre a correr atrás do seu romantismo […]; porque ele era, ao mesmo tempo, pintor e modelo dos seus heróis. Qual o verdadeiro? Qual o falso? Saberia ele próprio dizê-lo?» A.F.
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1 o café manchester
Amsterdão é sempre água e casas pintadas a branco e preto, cheias de janelas, com empenas esculpidas e cortinas de renda; preto, branco a desdobrarem-se na água. Sempre água, portanto, água morta, água matizada e água cinzenta, avenidas de água que nunca mais acabam, canais guardados por habitações que parecem enormes jogos de dominó; poderia ser fúnebre mas no entanto não é triste; embora venha com o tempo a ser monótona, sobretudo quando gela e o estanho endurecido dos canais deixa de reflectir as belas e pequenas casas de boneca com escadas para o ar e telhados para baixo. Aquele dia era de vento forte no Amstel, um vento que até varredores seria capaz de varrer. Havia no Dam o espectáculo já tantas vezes visto da estação dos eléctricos e da multidão à volta; bonés com abas de pele caídas sobre orelhas roxas, condutores e cocheiros floridos pelo acne, chachecóis a enterrarem o pescoço, esses estranhos velhinhos com a eterna gota de gelo na ponta de um nariz vermelho e que vendem mais caro do que na bilheteira da estação. Mas todos precisam de viver; e em Amsterdão um dos prazeres do turista é o espanto de se ouvir dizer dangüe em vez obrigado, e na parte interior da luva apanhar a arrepiada rupia. Oh! Estes povos do Norte! De resto, o holandês é feio, e a holandesa parecida com ele. Em boa verdade as velhas senho-
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ras, com chapéus de veludo preto sobre toucas de renda enfeitadas nas têmporas com placas de ouro trabalhado, ficam bem melhor nos antigos quadros dos mestres do que no ambiente das ruas: o Seadeck (o Rydeck1 de Amsterdão) só à noite desperta. Quanto ao Ness, onde valentes e planturosos folgazões louros, cor-de-rosa, gordos e de rosto expansivo, se apertam em sobretudos de porteiro de hotel e engatam com inocência à porta das casas de má nota, para nós não tinham mistério: já os tínhamos visitado demasiadas vezes. O que é ingratidão humana, porque este Ness muito nos encantou na primeira noite! Já tínhamos amado bastante estas portas pesadas que se abrem bruscamente para deixar aparecer atrás de uma fileira de mesas o amontoado de cadeiras e bancos de vime erguido como um doce de sobremesa num longínquo e luminoso estrado. «Senhoras francesas! Entrai, fala-se francês»; e esses bons gigantes com bochechas desfaziam-se em reverências e tinham lábios com sorrisos bem marcados, mas bons sorrisos honestos, sorrisos que Paris desconhece. Nem um minuto largavam o cordão do trinco. E ao longo desta rua do Ness havia em cada porta a mesma aparição súbita de nudezes e tecidos flamejantes, a mesma oferta patriótica, senhoras francesas, e a mesma saudação. Ah! Quantas senhoras francesas em todos os Ness das enevoadas Bélgicas, das longínquas Holandas e de todos os países! Ah! Que orgulho sermos franceses Quando viajamos no estrangeiro!
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Zona «quente» de Antuérpia. (N. do T.)
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— A alma de Atala era um ananás, senhores; um ananás a banhar-se no seu sumo, um ananás de frasco de conserva, mas que ananás! Mas que frasco! E que sumo! Quando eu e o Senhor de Mortimer o descobrimos no expositor daquele comerciante de comestíveis do Dam, de repente tivemos o âmago das nossas almas inundado de luz, o âmago dos nossos corações banhado em êxtase… Esse frasco irradiava como uma monstruosa esmeralda onde um fruto com palmas de ouro se tivesse imobilizado… Esse ananás, senhores, era todo ele o olho da Barbara e também as profundezas do mar. «Vertiginoso e glauco, continha todo o Atlântico, senhores, e todo o Pacífico e todas as Índias e também a América. Era sei lá que visão transparente e verde impregnada de sombra e sol, visão de uma lembrança remota atravessada por algas, reflexos e mastreações, algas móveis, mastreações afundadas e reflexos perdidos, as profundezas do mar, já vo-lo disse. Naquele frasco também flutuavam todas as dores, todas as saudades das partidas projectadas, dos sonhos abortados, das alegrias insaciadas. Nostálgico e misterioso, era um lugar de sonho assombrado por espectros e destroços; havia nele muito antigos naufrágios e fantasmas de amores mortos. As folhas do ananás como lentos pêndulos verdes, o próprio ananás a fazer esgares e hirto atrás daquelas paredes, animavam-se e transformavam-se
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na sombra em outros tantos seres estranhos com uma vida imóvel que inquietava. «Um abismo, aquele frasco! E mais do que isso, senhores: o abismo, o abismo e o seu pesadelo ondulante e esverdeado, o abismo cativo dentro das paredes de vidro e a alma das viagens, a alma dos países de qualquer outro lado, a das Américas e das Índias longínquas, a alma de Java, de Sumatra e das Ilhas Felizes, as ilhas onde nunca se chega; em suma, a alma de Atala (porque este nome resume-as a todas) cativa com o precipício na banalidade aparente de um frasco de conserva! O quê! Todo o sublime do Convite à Viagem, todo o Baudelaire na montra de um merceeiro1! «Aqui têm, senhores, o que era aquele ananás! «O Senhor de Mortimer e eu não hesitámos; mesmo perante os caniches nunca hesitámos. Entrámos na casa desse comerciante de géneros e comprámos o frasco. «Durante muito tempo ele enfeitou a sumptuosa habitação que o Senhor de Mortimer e eu tínhamos transformado no nosso desassossegador, mesmo a dois passos da mansão do almirante Ruyter, à névoa e ao vento do cais do Príncipe Henrique… Que delicioso retiro, senhores, esse albergue que enriquecemos, ele sobretudo, com luxo e requintes de arte com um gosto de grande senhor; porque ele era-o, e mais do que qualquer outra pessoa no mundo. Até acontecia que era o último, e de facto lamento que o não tenham conhecido. Ter-vos-ia deixado presos ao seu encanto, teriam sido captados pelo visco das suas maneiras. Tinha-as altivas e sedutoras, e bastava vermo-lo 1
Título de um poema de Les Fleurs du Mal. (N. do T.)
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andar, levantar-se e sentar-se; mesmo sem abrir a boca era para nós um banho de delícias, um petisco de elegância e bom viver que os vossos sobrinhos, senhores, nem conseguirão imaginar. «Aquele caro Edgard! Viveu cinco anos da sua juventude em Londres e saltava aos olhos que tinha conhecido Brummell, o rei Jorge e Buckingham. Foi, na verdade, um dos únicos homens do século, e embora o meu coração se despedace com saudades quando penso no amigo que perdi, é um orgulho, senhores, ter tido como companheiro de exílio o Pátroclo impávido e fiel que era aquele normando com perfil de Aquiles.» E servindo-se de um novo copo de schiedam: — Era um nunca acabar de encantadoras anedotas. Na maior parte vividas por ele próprio. A sociedade onde evoluíamos não era exactamente a assembleia de carroceiros que hoje existe; querem um exemplo? Os jornais fazem grande barulho com a caça organizada pelos actuais homens da finança. São os grandes senhores deste tempo. Lamentável época, senhores, e ainda mais lamentável a sociedade onde o dinheiro é tudo. «Pois bem, quando a meio do Outono o Senhor de Mortimer e eu perseguíamos o veado nas terras do vidama de Gondrecourt (o veado ou o javali, porque éramos fortes monteiros), aliás vidama com rendas mesquinhas (não mais do que sessenta mil) e uma nobreza recente (estes Gondrecourt só datavam de Luís XII), sabem como eram tratados os convidados deste pequeno vidama do Poitou? Nas manhãs de caça, ao bater das quatro horas vinte costureirinhas, vinte alfaiatas de agulha, vinte raparigas de Poitiers frescas como maçãs camoesas, vinte modistas da cidade, invadiam os quartos dos convidados e, com mãos lestas e dedal no dedo, fio de linha na boca, sem
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perder tempo cosiam-nos vivos dentro de calções de pele. Ponto por ponto enluvavam-nos com uma pele de gamo marcada nos sítios certos, senhores, e tão depressa que às vezes nos picavam a nádega; e assim, encalçonados, ficávamos tão tesos que às vezes acontecia serem precisos dois homens para nos prantar na sela como aos picadores. «Uma hora de cavalgada, e ficávamos ágeis mas tão cingidos na pele de gamo, e com a perna tão aderente aos flancos da montada, que o calção e o garanhão faziam um só corpo! «E que caça, senhores! Sem ter nada a ver com essas nuvens de batedores que assustam o animal e o atiram para cima de nós aturdido, exangue de terror, quase uma pasta de carne. Para vinte homens bastavam três criados de matilha, dois picadores e ainda todos os tocadores de trompa! Às cinco horas montávamos a cavalo, depois de haver uma missa dedicada aos cães e antes de entrarmos no bosque; às oito matávamos o bicho; às dez almoçávamos em Poitiers durante o tempo que fosse necessário para os cavalos recuperarem o fôlego; e às seis da tarde soltávamos o grito do caçador ao pé dos muros de Viena, de Viena de Áustria1, senhores! «Tínhamos à espera um arquiduque. Vejam como as caçadas eram naqueles tempos! Sim, procedíamos desta forma; e à meia-noite estávamos a valsar no palácio da imperatriz, no baile da corte; mas os nossos calções de pele tinham dado o que tinham a dar. No nosso tempo não se vestia duas vezes o mesmo calção de pele.» 1 Vienne, em francês, tanto é a capital da Áustria como um departamento do Poitou que tem como capital Poitiers. Ler-se-á adiante que a tentação de confundir esta Viena com a outra, austríaca, não passa de um momento de desmedida alucinação do Senhor de Bougrelon. (N. do T.)
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E o caro homem enxugava a testa com uma renda em farrapos (porque o Senhor de Bougrelon sentia calor de tanto ter corrido em imaginação, desde Poitiers no Poitou até à Viena na Áustria) e grandes gotas de pintura deslizavam ao longo das suas faces húmidas. — Era um homem prestigioso — continuava ele — com uma verve que nunca acabava; e quando vos contar o que lhe aconteceu em Avranches com uma tal Senhora de Mertigny, beleza a dar para o maduro mas consumada toleirona, vão gostar dele tanto como eu. «Entre outras vantagens (porque era belo como um deus grego), o Senhor de Mortimer tinha a mais fina, mais flexível e mais curvilínea cintura que pode imaginar-se; e esta cintura de vespa ou de rapariga da Ópera valeu-lhe mais de dez duelos com civis, e outros com oficiais do exército, porque essa delgadez extravagante… mais do que extravagante: inverosímil… ofuscava, desorientava, enfurecia todos os homens e, vou mesmo dizê-lo, ofendia todas as mulheres. «Todas não, mas as que o Mortimer tratava com indiferença, uma delas a Senhora de Mertigny. «Altivo e seco com os seus pares, com os humildes o Senhor de Mortimer era de uma urbanidade encantadora; às vezes chegava a ser familiar, mas de uma familiaridade requintada que parecia pedir desculpa às pessoas por estar a dominá-las, e que grangeava a adoração daqueles que o serviam. Lauzun nos salões, mas duque de Beaufort no trato do dia-a-dia. Quando estava em Avranches, apesar de ter casa montada com criado de quarto, criado de cozinha, cão feroz e tratador de cavalos, era do seu hábito mandar acender lareiras e subir águas quentes
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por uma velha costureira desde há muito empregada da família, uma terrível aia a dar para o vesgo, corcundinha e manca que não era agradável de ver, senhores, mas com adoração selvagem por aquele grande louco do Edgard. «Tinha-o visto criança… e a infância é a idade do coração, se ele não envelhecer. «A tia Nidouille (porque este gnomo de saias mesmo no nome era grotesca) vivia em Avranches de uma renda que o Mortimer lhe tinha concedido. O Edgard chamava-lhe a sua derradeira paixão; e de manhã, quando esta assustadora Nidouille entrava com andar manco e a lamber descontroladamente os beiços no quarto daquele deus de Homero metido no grande leito, ele divertia-se a interrogá-la sobre ninharias e o que a cidade dizia, confessando a velha criada no que respeitava aos escândalos da sociedade. «Ora, numa manhã de Janeiro, à pergunta que ele costumava fazer: “Pois bem, senhora Nidouille, esta manhã o que se diz em Avranches?”, com a sua voz de falsete a velha Górgona respondeu: “Diz-se que o Senhor de Mortimer usa espartilho!” Subitamente sentado e vibrante, ele exclamou: “Ah! Diz-se que uso espartilho! E quem diz isso, senhora Nidouille?” “A Senhora de Mertigny da esquina da praça.” “Ah! A Senhora de Mertigny acha que uso espartilho! Pois vá dizer-lhe, senhora Nidouille, que ele está neste momento para arranjos. Diga-lhe também que eu, De Mortimer, Edgard, sem espartilho ou com ele tenho na cintura menos dez centímetros do que ela e faço muita questão em prová-lo… Ou antes, não lhe diga nada. Ah! Essa toleirona acha que uso espartilho! Vou fazer o dela rebentar, ou o amor já não é em mim o que era.”
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«E cumpriu o que disse. Apesar de essa Mertigny andar pelos trinta e cinco anos de badalada batida e só à justa ter atractivos, e além disso usar água-de-lírio e ter um cabeleireiro que lhe deixava o cabelo bem amassado, o Mortimer fez-lhe a corte, forçou-lhe a rançosa virtude, conquistou-a e emprenhou-a; e quando a maldizente, já de gravidez bem visível ficou com a cintura arruinada, e prestes a dar à luz teve de meter-se no quarto dias inteiros, naufragada num sofá, o Mortimer foi visitá-la com o busto apertado num espartilho (que ela deixara lá em casa). Depois de lhe beijar a mão perguntou como passava e fez carícias ao pequerrucho; levantou-se então de repente e abriu com um gesto brusco a casaca. “A senhora disse que eu usava espartilho. Não quero por cortesia fazê-la passar por mentirosa, e fui por isso obrigado a servir-me do seu porque ignoro onde eles se compram. Algum homem saberá onde estas máquinas se fazem? Veja no entanto a senhora a que extremo me fez chegar: ver-me forçado a emprenhá-la para poder vestir um. Como a senhora agora não o usa, sou eu quem se vê metido num estojo. Queira no entanto ter a bondade de reparar que o estojo me está folgado.” Ora aqui têm o género de homem que o Mortimer era. «Mas como ele amava aquela alma de Atala! Sobretudo o que via nela! Tinha a tal respeito uma verve admirável que nunca chegava ao fim. Era um mar de verve sempre quente, à transparência do vidro florestas de madréporas, e pêndulos violáceos, e tantos seres estranhos. “Atenção”, dizia-me muitas vezes com os olhos fixos no frasco, “a sombra dos grandes veleiros passa nas dálias destas florestas submarinas. E agora sou eu quem está à sombra das baleias que se dirigem para o pólo! Neste momento calafates descarregam no porto navios cheios
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epílogo
Ele apareceu-me. Ele, sim, Ele, o que foi encantamento e até certo ponto a saudade da minha curta visita ao país dos canais e dos moinhos de vento; Ele, com fantasmagórica silhueta, verbo prestigioso, ênfase épica que em minha intenção animaram e povoaram as névoas de Amsterdão e do Mar do Norte, o homem com castelos no ar evocados com uma palavra, um gesto, mas que palavra genial e gesto soberbo, no chuvisco e na chuva das Holandas! O homem que fazia falar retratos de museu, os andrajos galantes dos séculos desaparecidos e mesmo a alma dos frascos de conservas, sim, o mágico do Seadeck, dos velhos caixilhos e das montras. A um ano exacto de distância, o Senhor de Bougrelon acabava de ser-me revelado em plena Provença, mas numa Provença chuvosa e lúgubre, uma Provença apodrecida pelos aguaceiros e assim, sem sol, mais triste do que as dunas arenosas dos tristes Países Baixos, e isto em circunstâncias bastante singulares. Manifestou-se por três vezes. A primeira teve lugar em Marselha, uma Marselha ainda a escorrer com as bátegas que houve neste primeiro de Janeiro de 1898, mas já reaquecida por duas manhãs de belo sol. Era segunda-feira, na verdade o terceiro dia do mês e cerca do meio-dia, à hora em que a Cannebière fica efervescente e
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índice
Dir-se-á, de Plutarco… . . . . . . . . . . . . . . . . . . O Café Manchester . . . O Senhor de Mortimer. Os pai-nossos de rubis . Nostálgicas bonecas . . O camarim das mortas Hipotéticas luxúrias . . . Fantástico regalo . . . . . Visões de arte . . . . . . . A alma de Atala . . . . . A Torre dos Chorosos . . Dama de beleza . . . . . Epílogo . . . . . . . . . . .
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tradução e apresentação de
Aníbal Fernandes
A mais nobre insolência de Jean Lorrain.
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