A Raia na Água — Eduardo Lourenço e o Mundo Hispânico

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Antonio Sáez Delgado Barbara Fraticelli Carlos Paulo Martínez Pereiro Fátima Freitas Morna Filipa Maria Valido-Viegas de Paula-Soares Jerónimo Pizarro João Tiago Lima Jordi Cerdà Marco Lucchesi Margarida I. Almeida Amoedo Pedro Serra Roberto Vecchi Rui Sousa

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A RAIA NA ÁGUA Eduardo Lourenço e o mundo hispânico

coordenadores

Antonio Sáez Delgado João Tiago Lima

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ÍNDICE

Antonio Sáez Delgado e João Tiago Lima Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Roberto Vecchi A península ocidental e um pensamento sem nome: o iberismo trágico de Eduardo Lourenço . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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João Tiago Lima Nós e a Espanha segundo Eduardo Lourenço . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Barbara Fraticelli Colonialismo e imagem nacional, entre Portugal e Espanha . . . . . . . . . . . .

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Filipa Maria Valido-Viegas de Paula-Soares Ao redor de Nós e a Europa ou as duas razões — Reflexões sobre a construção de um imaginário identitário . . . . . .

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Jordi Cerdà El labirinto peninsular en transición . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Carlos Paulo Martínez Pereiro Da pintura como cuestión nos imaxinarios hispánicos lourencianos . . . .

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Margarida I. Almeida Amoedo Na raia entre a literatura e a filosofia: Eduardo Lourenço e dois protagonistas do mundo hispânico . . . .

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Pedro Serra Estátua[s] na Ilha de Páscoa: Góngora como anti-Camões . . . . . . . . . . . . .

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Antonio Sáez Delgado Do visível como transcendência pura. Eduardo Lourenço, leitor de Jorge Guillén . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Fátima Freitas Morna Questões de ‘enfoque’: a avó do Capuchinho Vermelho e a Espanha de Eduardo Lourenço . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Jerónimo Pizarro e Rui Sousa O nacionalismo sintético em contexto ibérico segundo Eduardo Lourenço. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Marco Lucchesi Eduardo Lourenço na pandemia. Um coração em mil pedaços — Na iminência de meio milhão de mortos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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INTRODUÇÃO Antonio Sáez Delgado João Tiago Lima

A raia na água. Eduardo Lourenço e o mundo hispânico reúne uma dúzia de textos, da autoria de vários especialistas internacionais, que têm em comum o pensamento de Eduardo Lourenço e as suas múltiplas relações com o chamado mundo hispânico. Mesmo que se possa dizer que a temática ibérica não é um dos tópicos principais do ensaísmo de Eduardo Lourenço, a verdade é que, desde cedo, ela atravessa alguns dos seus textos publicados, parte deles coligidos por Maria Manuel Baptista no volume O Outro Lado da Lua – A Ibéria segundo Eduardo Lourenço (Campo das Letras, 2005). Nascido em São Pedro do Rio Seco, pequena aldeia situada no concelho limítrofe de Almeida, rapidamente Eduardo Lourenço tomou consciência da proximidade geográfica e cultural entre Portugal e Espanha. Numa entrevista ao jornal Público dá conta do modo como, em São Pedro do Rio Seco, se fazia sentir a influência espanhola: A povoação já vem mencionada em documentos anteriores à nacionalidade e havia ali um convento muito importante, de Nossa Senhora de Aguiar, que era um foco cultural do reino de Leão, a que toda aquela zona, do lado de lá do Côa, pertenceu até ao tempo de D. Dinis. E essa permanência do leonês deixou marcas. Na minha infância usava vocábulos que depois verifiquei que as pessoas não entendiam: eram vocábulos espanhóis, ou leoneses. Por exemplo, a palavra «enchido». O enchido é o fumeiro, mas naquela região designa o campo comunal, onde os animais pastavam no inverno e, no verão, se jogava à malha ou, ocasionalmente, futebol. Em S. Pedro do Rio Seco havia dois: o «enchido grande» e o «enchido pequeno» (Lourenço apud Queirós, 2007: 42). Introdução |

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A vida de Eduardo Lourenço, assim, começa cedo a estar polvilhada por um conjunto notável de relações ou vínculos de diferente natureza com o país vizinho e a sua cultura. Entre elas, destaca-se a importância que teve na vida do ensaísta um acontecimento especialmente marcante, ocorrido já na altura em que frequentava o Colégio Militar em Lisboa, como foi a eclosão da Guerra Civil em Espanha. Contrariamente ao que seria de supor para alguém proveniente de uma família ultracatólica e bastante conservadora, o jovem Eduardo adota uma posição favorável aos republicanos. Tal decisão revelar-se-á fundamental para todo o seu percurso intelectual, fazendo do ensaísta um homem politicamente situado à esquerda. A atividade profissional de Eduardo Lourenço, enquanto professor universitário, também é marcada pelas relações ibéricas, uma vez que é nesse contexto que o ensaísta começa a aproximar-se dos textos de um conjunto notável de intelectuais espanhóis, entre os quais se destacam vários nomes que chegarão a transformar-se em referências diretas do seu pensamento, como Miguel de Unamuno ou José Ortega y Gasset. Na já citada entrevista, o episódio é retratado nos seguintes termos: A seguir ao Maio de 1968, e por causa dele, começou a aparecer nas universidades francesas um género de estudos que até aí não existiam, de conceito anglo-saxónico. Era o de História das Ideias. Eu estava então em Nice, no departamento de Estudos Hispânicos, onde ninguém queria dar essa disciplina. Como a minha mulher é hispanista e eu começava a interessar-me pela cultura espanhola, e tinha formação em História e Filosofia, dei esse curso durante vários anos na Universidade de Nice. Tudo isso está inédito, e está em francês. Provavelmente é muito mais texto do que a soma de tudo o resto que eu escrevi, mas nada foi publicado e eu não tenho paciência para reorganizar aquilo. Dei cursos sobre Unamuno, Ortega, Luis Vives, e também sobre Antonio Machado ou Guillén. É uma coisa que ninguém sabe. Nem eu. Como estava a tratar de matéria que para mim era nova, muitas dessas lições estão escritas, ao contrário do que acontece com as minhas aulas de literatura e cultura portuguesas, para as quais nunca escrevia nada. É só pegar naquilo, traduzir e copiar. Há tempos tive de dar uma conferência sobre Unamuno, em Salamanca, e traduzi-a directamente de um desses textos, escrito em 1973. Não havia nada a alterar. Nem todos estarão no mesmo estado de acabamento, mas só a minha grandessíssima preguiça é que me 8

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tem impedido de publicar um volume de ensaios ibéricos. É a primeira vez que estou a vender esta mercadoria em público (Ibidem: 44)

Infelizmente, o trabalho de tradução e de edição destes cursos sobre cultura espanhola ainda está, segundo sabemos, por fazer, pelo que a abordagem do tema do presente volume será sempre parcelar. Mas, em bom rigor, sê-lo-ia sempre, pois a obra de Eduardo Lourenço, na sua dispersiva riqueza, não se deixa aprisionar em nenhuma síntese, por mais brilhante que seja. O tema das relações ibéricas veio tornar-se prioritário em alguns textos do autor, como acontece com o magnífico ensaio «A Espanha e nós», do volume Nós e a Europa ou as duas razões. Trata-se de um texto originariamente publicado em 1988 e no qual a tese principal é apresentada sem tibiezas. Falando de Portugal e Espanha, escreve Eduardo Lourenço: Os nossos destinos foram sempre paralelos ou cruzados, nunca opostos enquanto culturas, pois, como o viu com nitidez Oliveira Martins, fazemos parte de uma única estrutura, criada séculos antes que os povos que constituem a Península se definissem como nação. E nunca a nossa cultura foi mais criativa e mais «nossa» do que na época em que ela era diálogo interno dos centros e das impulsões culturais diversas da Península, por sua vez imersa na mais vasta trama de uma cristandade orgânica (Lourenço, 1994: 82).

Daí que o nosso (o português, bem entendido) antiespanholismo só possa ser visto como uma doença infantil, contra a qual o ensaísta se insurge com veemência. Talvez decorrente da sua experiência como professor em França de cultura ibérica, mas já vimos que há outros antecedentes que ajudam a explicar o interesse de Eduardo Lourenço por Espanha, nada o parece surpreender mais do que a indiferença vivida em Portugal acerca do destino do país vizinho. Dessa surpresa são testemunho os dois artigos, até hoje nunca recolhidos em livro, escritos para a imprensa lisboeta na sequência dos terríveis atentados terroristas de Madrid em 2004, onde a ausência portuguesa face à tragédia espanhola é, de acordo com o ensaísta, «a expressão óbvia do sonambulismo nacional – e não só na ordem política – que nenhuma tragédia acorda» (Lourenço, 2004: 170). Introdução |

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A raia na água. Eduardo Lourenço e o mundo hispânico pretende ajudar no combate a este sonambulismo, e a contextualizar o nome de Eduardo Lourenço na genealogia peninsular dos intelectuais que, nomeadamente desde o século XIX, ajudaram a pensar a península ibérica e as suas culturas como uma simbólica jangada de pedra. Assim, o presente volume reúne diferentes abordagens à múltipla e polifacetada relação que o ensaísta manteve com a realidade ibérica, sob perspetivas diversas. É possível encontrar nele leituras sobre a componente ibérica do ensaísmo trágico de Eduardo Lourenço (Roberto Vecchi), ou estudos sobre a relação que o ensaísta português mantém com diversos autores espanhóis, a saber: Luis de Góngora (Pedro Serra), Ortega y Gasset e Unamuno (Margarida I. Almeida Amoedo) e Jorge Guillén (Antonio Sáez Delgado). Outros tópicos versados são a pintura como questão nos imaginários hispânicos do ensaísta (Carlos Paulo Martínez Pereiro), o nacionalismo em contexto ibérico vinculado ao modelo de Fernando Pessoa (Jeronimo Pizarro e Rui Sousa) ou o colonialismo e a imagem nacional, entre Portugal e Espanha (Barbara Fraticelli). Destaque merece igualmente o ponto de vista português acerca da «questão ibérica» (Jordi Cerdà, João Tiago Lima, Fátima Morna) ou a preocupação, tão presente na obra de Eduardo Lourenço, pelo imaginário cultural (Filipa Soares). O livro encerra com um texto singular de Marco Lucchesi, que reflete em forma aforística sobre o pensamento de Eduardo Lourenço à luz da experiência de um Brasil atravessado por uma enorme crise. Todos os textos referidos pretendem, de uma forma plural, analisar uma parte do brilhante trabalho ensaístico de Eduardo Lourenço que, apesar de tudo, ainda não tinha conseguido a atenção que merece. Daí que a Cátedra de Estudos Ibéricos da Universidade de Évora tomasse a iniciativa de ajudar a iluminar uma ponte já construída, aquela que une o pensamento de Eduardo Lourenço com as suas inconfundíveis raízes ibéricas.

Referências: Lourenço, Eduardo (1994). Nós e a Europa ou as duas razões. 4ª ed., Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda. – (2004). «Uma certa ausência», Visão, 18/III/2004, 170. Queirós, Luís Miguel (2007). «Retrato de um pensador errante», Revista Pública in Público, 13/V/2007, 40-51.

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